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Mário Moacyr Porto - DANO MORAL (artigo publicado na R. dos Tribunais, V. 73, n. 590, dez. 1984)

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DANO MQRAL 
MARIO MOACYR PORTO 
Professor Emérito na Universidade Federal 
do Rio Grande do Norte — Advogado 
SUMARIO: 1 Dano moral — Abordagem epistemológica dos fundamentos 
da sua reparação — Vacuidade e inanidade das objeções à sua admissi-
bilidade. 3 Legislação brasileira — Pena privada — A dupla ação do her-
deiro. 3 £ transmissível, por direito hereditárioj- a ação de reparação do 
dano extrapatrimonial?. 4 A morte do ofendido é condição "sine qua" 
para que o parente promova contra o culpado uma ação de indenização 
do dano resultante do sofrimento moral que pessoalmente experimenta 
com o infortúnio irremediável da vítima?. 
1 Dano moral — Abordagem epistemoló-
gica dos fundamentos da sua reparação 
— Vacuidade e inanidade das objeções à 
sua admissibilidade 
A reparação do dano moral não se im-
pôs tranqüilamente na doutrina e na ju-
risprudência, quer pátria, quer alienígena. 
Percorreu um controvertido caminho, 
uma via-crucis de avanços e recuos. Hoje, 
praticamente, o assunto ou pendência se 
pacificou e as próprias legislações de di-
ferentes países acolhem expressamente a 
regra de que o prejuízo extrapatrimonial 
é uma ocorrência que, tanto como o dano 
patrimonial, enseja indenização. 
O art. 65 do Código das Obrigações da 
Polônia dispõe: "Em caso de lesão cor-
poral ou alterações de saúde, de privação 
de liberdade ou atentado à honra, o tri-
bunal pode atribuir à vítima, ou a uma 
instituição que designar, uma soma ra-
zoável, a título de satisfação pelos sofri-
mentos físicos e pelo sofrimento moral". 
E o art. 185 do anteprojeto de reforma 
do Código Civil, que tramita na Câmara 
dos Deputados, dispõe: "Aquele que, por 
ação ou omissão voluntária, negligência 
ou imprudência, violar direitos e causar 
danos a outrem, ainda que simplesmente 
moral . . . " 
Na verdade, as objeções que, no pas-
sado, se ofereciam ao ressarcimento do 
dano moral — algumas delas ainda re-
calcitrantes na teimosia de poucos — não 
resistem a uma análise isenta de pre-
conceitos. Dizer-se, p. ex., que a "dor não 
tem preço", ou que estimá-la em dinheiro 
é simonia intolerável, é raciocínio de ne-
felibata desterrado da vida. Primeiro, não 
procede a crítica de que se quer merca-
dejar com o sofrimento, transformar a 
angustia em objeto de mercancia rendosa. 
A indenização — é bom registrar — é 
uma reparação satisfatória doublé de 
pena privada. Atenua as conseqüências 
do sofrimento injusto e castiga o res-
ponsável pelo injusto sofrimento que in-
fligiu. Sérgio Porto, um autor nada orto-
doxo, dizia que "dinheiro não dá felici-
dade. Compra". Tirante o deliberado ci-
nismo da boutade, ninguém pode negar 
que o vil metal, em uma economia de 
mercado, é poderoso refrigério aos tor-
mentos do corpo e da alma. A vantagem, 
a compensação, é necessária, até mesmo 
DOUTRINA (CÍVEL) 37 
no plano transcendental. Suprima-se o 
céu das religiões que nenhuma delas so-
brevive. 
Além do mais, o art. 159 do CC não 
contém a mais mínima limitação ao dever 
de indenizar os prejuízos que decorrem 
da violação de direitos. Como excepcio-
nar, então, o que a lei não excepciona 
e restringir o que a sistemática do Có-
digo favorece e dilarga? Diz-se, a título 
de contestação séria, que o dano moral 
é inestimável, que é impossível regrá-lo 
pelos parâmetros dos bens materiais etc. 
Ora, o mesmo acontece, as mais das 
vezes, com a lesão de um bem material 
ou corporal. Como seria possível calcular, 
com satisfatória equivalência, o valor, em 
dinheiro, da perda da visão ou a des-
truição de uma famosa tela? O argu-
mento, como se vê, prova demais, o que 
eqüivale a não provar nada. 
2 Legislação brasileira — Pena privada 
— A dupla ação do herdeiro 
No Brasil, não é mesmo de se entender 
qualquer dúvida quanto à ressarcibilidade 
do dano moral ou extrapatrimonial. O 
art. 76 do CC expressamente admite sua 
indenização. Clóvis Beviláqua, de incon-
trastável autoridade, escreve: "Se o inte-
resse moral justifica a ação para de-
fendê-lo, é claro que tal interesse é inde-
nizável, ainda que o bem moral não se 
exprime em dinheiro. É por uma necessi-
dade dos nossos meios humanos, sempre 
insuficientes, e, não raro, grosseiros, que 
o Direito se vê forçado a aceitar que se 
computem em dinheiro o interesse de 
afeição e outros interesses maiores. Este 
artigo (76), portanto, solveu a controvér-
sia existente na doutrina e que, mais de 
uma vez, repercutiu em nossos julga-
dos".! 
Os arts. 1.547 e 1.550 reforçam a con-
vicção. Por sua vez, o art. 191, parágrafo 
uaico, do nosso Código é outro suporte 
tegal da permissividade da ação de re-
paração em referência.2 O art. 191 en-
tronca-se no art. 197 do CC francês, que, 
f ° entendimento dos melhores intérpre-
tes, justifica a ação de indenização do 
aano moral.s 
C o n v é m sublinhar, em face da resis-
den?* ^U e a a s s e r t i v a suscita, que a in-
voco*5*0 do dano moral tem um inequí-
mal «S*bor d e Pena, de represália pelo 
ajusto, Ê de hábito dizer-se que a 
pena privada é um resíduo bárbaro, in-
compatível com os nossos foros de gente 
soit disant civilizada. O nosso Código Ci-
vil desautoriza, copiosamente, tal con-
clusão. Entre outros, os arts. 155, 1.095, 
1.531, 1.446, 1.780 etc. impõem aos faltosos 
sanção francamente expiatória, uma jus-
ta represália corregedor a. 
São freqüentes os julgados que admi-
tem o ressarcimento do dano moral 
quando do sofrimento resulta um pre-
juízo material. É, talvez, o equívoco mais 
encontradiço nas sentenças e acórdãos. 
A confusão, a nosso ver, advém do se-
guinte: um dano moral quase sempre 
acarreta um prejuízo material. Como es-
clarecem Mazeaud e Mazeaud: "É raro 
um prejuízo moral que não acarrete um 
prejuízo material. Um ferimento causa 
sofrimentos à vítima: sofrimento moral; 
mas também um prejuízo pecuniário: 
despesas médicas, incapacidade para o 
trabalho. Uma difamação constitui um 
atentado à honra: prejuízo moral; mas 
também, quase sempre, um prejuízo ma-
terial; perda de uma posição".* 
A verdade é a seguinte: se a causa do 
prejuízo -material foi uma razão de ordem 
moral, nem por isso o dano deixa de ser 
material, e, como tal, deve ser ressarcido. 
Acontece, porém, que algumas vezes, o 
dano é puramente moral, afetivo, po-
dendo apenas eventual e secundariamente 
repercutir nos bens materiais do ofendido, 
sem comprometer, entretanto, sua auto-
nomia, como no caso de escarnecer al-
guém publicamente por motivo de crença 
ou função religiosa (ar t 208 do CP). Este 
prejuízo é singular e ressarcível. Por 
outro lado, certos artigos do Código Civil 
parecem excluir, deliberadamente, a pos-
sibilidade de reparação do dano moral, 
como sucede com o art. 1.537, referente 
à indenização no caso de homicídio. 
Assim, a indenização por dano moral es-
taria circunscrita às hipóteses previstas 
em lei e jamais se estenderia, como regra, 
a outras ocorrências. Este argumento ou 
convicção é do especial agrado de muitos, 
inclusive dos que se declaram favoráveis 
ao ressarcimento do dano moral, como 
Clóvis etc. 
Há um ponto de essencial importância, 
sobre o fato da morte e das suas conse-
qüências em relação aos herdeiros, que 
tem sido negligenciado pelos nossos ju-
ristas. É o seguinte: o herdeiro tem duas 
38 RT-590 — DEZEMBRO DE 4984 
ações distintas, independentes, contra o 
autor ou responsável pela morte. Uma, 
fundada no direito hereditário, para ha-
ver do responsável uma reparação corres-
pondente ao crédito que a vítima tinha 
contra este último, direito que, incorpo-
rado ao patrimônio da vítima, se trans-
mitiu aos seus herdeiros (arts. 928 e 
1.526 do CC). Outra resultante do seu di-
reito individual de haver do responsável 
uma reparação pelo prejuízo que pessoal-
mente sofreu com a ofensa injusta. A 
ação prevista no art. 1.537 é a que cabe 
ao herdeiro comosucessor do' de cujus. 
Tão diferentes são as duas ações que, 
entre outros pontos que as distinguem, 
respigamos os seguintes: 1) a transação 
feita em relação a uma "ação em nada 
afeta a outra, o mesmo acontecendo em 
relação à coisa julgada; 2) uma cláusula 
de nào indenizar ou que limite o quan-
tum da indenização firmada 'entre a ví-
tima e o responsável pelo dano em' nada 
repercute no direito pessoal do herdeito 
de demandar, jure próprio, uma indeni-
zação pelo prejuízo que sofreu com a 
morte; 3) os créditos ou pagamentos ob-
tidos pelos herdeiros nas ações pessoais 
contra o responsável não são dívidas da 
sucessão, e, como tais, escapam à co-
brança dos credores do de cujus ou da 
herança.s 
A quem interessar um mais detalhado 
conhecimento sobre o assunto, recomen-
damos a leitura de Mazeaud, Mazeaud e 
Tunc.e Savatier? e Lalou.s 
Outro ponto que entre nós ainda não 
se arraigou como verdade inconteste: a 
dor, o sofrimento físico ou moral, é um 
fato. Independe de relações de parentesco 
e muito menos se vincula às obrigações 
de natureza alimentar. Daí não existir 
uma dor legal, ilegal ou paralegal, como 
diz André Tunc. Importa, apenas, saber 
se a dor, que é um fato, causou um pre-
juízo injustos Por essas razões, possivel-
mente, o STF, após muitas vacilações, 
firmou, em duas das suas "Súmulas": 
"É indenizável o acidente que cause a 
morte do filho menor, ainda que não 
exerça trabalho remunerado". E: "Em 
caso de acidente de trabalho ou de trans-
porte, a concubina tem direito a ser inde-
nizada pela morte do amásio, se entre 
eles não havia impedimentos". Tais "Sú-
mulas" aparentemente conflitam com os 
arts. 76 e 1.537 do CC. Aliás, parece-nos 
que o art. 3.° do CPC eliminou o pará-
grafo único do art. 76 do CC. Não cabe 
mais a limitação "quando toque direta-
mente ao autor, ou à sua família". 
E o interesse não necessita ser demons-
trado "legítimo", ab initio, isto é, ser um 
interesse juridicamente protegido. O qua-
lificativo "legítimo", quando improvado, 
acarreta apenas a improcedência da ação, 
salvo engano. Interessante registrar que 
muitos julgados dos nossos Tribunais fri-
sam que a indenização em caso de morte 
de menor que não prestava ajuda mate-
rial aos seus pais resultaj da considera-
ção de que o menor, se mais tempo 'Vi-
vesse, se tornaria maior e, provavelmente, 
ajudaria materialmente seus progenitores. 
Pelo visto, apóiam-se tais decisões em 
meros e incertos juízos de probabilidade. 
As conclusões estão certas (cabimento da 
indenização), mas os fundamentos estão 
errados. O que se indeniza, no caso, é 
o dano moral, o sofrimento afetivo, A 
Súmula 491, acima citada, é a confirma-
ção de que o„art. i.537 não exclui ou não 
é incompatível com a indenização do 
dano moral. 
3 É transmissível, por direito hereditário, 
a ação de reparação do dano extrapatri-
monial? 
Outro problema que intimamente se 
liga à questão debatida é o que respeita 
à transmissibilidade, por direito heredi-
tário, do dano moral ou sofrimento moral 
e físico experimentado pelo de cujus no 
período compreendido entre as lesões re-
cebidas e a morte conseqüente. Quando 
a morte é instantânea, parece-nos irrepli-
cável que nenhuma ação cabe aos her-
deiros pelo sofrimento do morto, em que 
pese ao parecer em contrário dos Ma-
zeaud e Tunc.1» Afigura-se-nos ainda in-
contestável que, por ato entre vivos, não 
é válida a transmissão do direito de ação, 
pois seria moralmente reprovável que se 
mercadejasse com os sentimentos da pes-
soa falecida. Cremos, ainda, que o fato 
de o de cujus não ter promovido ação 
de indenização por dano moral no período 
que antecedeu o desenlace não impede 
a ação do herdeiro, pois o fato de o 
ofendido não ter tomado a iniciativa de 
propor a ação não importa renúncia, pois 
renúncia não se presume. Ademais, o es-
tado de saúde do doente, a aflitiva si-
tuação de quem foi atingido mortalmente, 
não abre ensanchas à iniciativa da pro-
AJV^U J.£\i±lVM\ L V ^ V UXJJ 
positura de uma ação de indenização. Es-
coimada a questão principal das querelas 
menores, impõe-se repetir a indagação: 
O sofrimento físico e moral, em suas di-
ferentes nuanças, transmite-se aos her-
deiros e, na hipótese afirmativa, habilita 
estes a promover contra o culpado uma 
ação de indenização por dano moral? 
Bons autores, excelentes autores, respon-
dem negativamente." Desnecessário acres-
centar ou esclarecer que dúvida alguma 
existe quanto à possibilidade da ação 
quando o herdeiro pleiteia em seu pró-
prio nome, isto é, pleiteia o ressarcimento 
do dano de natureza afetiva que pessoal-
mente sofreu com a morte. A dificuldade 
está em saber se o herdeiro, a título de 
sucessor da vítima, pode promover a ação 
em causa, questão que se liga à trans-
missibilidade ou não da ação que cabia 
ao morto contra o autor do dano. Wilson 
Melo e Silva, autor da monografia O 
Dano Moral e sua Reparação, trabalho 
por todos os títulos meritório, acolhe o 
generalizado entendimento: "Não existe, 
pois, o "jus" hereditário relativamente 
aos danos morais, tal como acontece com 
os danos puramente patrimoniais. A per-
sonalidade morre com o indivíduo, arras-
tando atrás de si todo o seu patrimônio. 
Só os bens materiais sobrevivem ao seu 
titular".1* 
O argumento principal em abono da 
tese da intransmissibilidade da ação aos 
herdeiros consiste na afirmativa, até 
certo ponto verdadeira, que a dor moral, 
o sofrimento físico, é algo entranhada-
mente pessoal. Como diz Esmein, o her-
. deiro "n'a pas suffert Ia suff rance du 
défunt". Mas não é isto que se quer ou 
não é isto o que se defende. O sofrimento, 
em si, é intransmissível, a dor não é 
"bem" que componha o patrimônio do 
de cujus. O que se transmite, por direito 
hereditário, é o direito de acionar o res-
ponsável, é a faculdade de perseguir em 
juízo o autor do dano, quer material ou 
morai. Tal direito é de natureza patri-
monial, e não extrapatrimonial. Leon 
Mazeaud, ao nosso ver, coloca a questão 
aentro do seu verdadeiro quadro: O her-
deiro não sucede no sofrimento da víti-
o a« t 1 ^ 0 s e r : i a razoável admitir-se que 
a
 s
°
f r
"nento do ofendido se estendesse 
ment e r d e Í r o e e s t e ' f a z e n d 0 s e u ° s o f r i -
a fim /f° m o r t o , acionasse o responsável 
é TO de indenizar-se da dor alheia. Mas 
cusável 1 u e ° herdeiro sucede no 
direito de ação que o morto, quando vivo 
ainda, tinha contra o autor do dano. Se 
o sofrimento é algo pessoal, a ação de 
indenização é de natureza patrimonial e, 
como tal, transmite-se aos herdeiros. Sem 
dúvida a indenização paga ao herdeiro 
não apaga ou elimina o sofrimento que 
afligiu a vítima. Mas também é certo que, 
se a vítima, ela mesma, houvesse rece-
bido uma indenização, não eliminaria 
igualmente a dor que houvesse padecido. 
O direito a uma indenização simples-
mente ampliou o seu patrimônio. A inde-
nização cumpre a sua finalidade compen-
satória, antes como depois do falecimento 
da vítima, com as mesmas dificuldades 
que resultam da reparação de um pre-
juízo moral por uma indenização pe-
cuniária. O dano moral, por ser de na-
tureza extrapatrimonial, não comunica 
essa particularidade à ação de indeni-
zação"." 
Seguindo literalmente a linha de pen-
samento de Mazeaud, acrescente-se que 
os sofrimentos, de uma certa intensidade 
e de uma certa duração, podem ser esti-
mados em dinheiro. Têm um preço, que 
a vítima pode reclamar. O crédito que 
emerge deste preço, o direito à repara-
ção pecuniária do dano moral, enfim, a 
faculdade de postular em juízo uma in-
denização, são de natureza patrimonial. 
S como o herdeiro sucede ao morto em 
seus direitos e ações, segue-se que o her-
deiro tem, por direito hereditário, a fa-
culdade de perseguir judicialmente uma 
reparação pecuniária pelo prejuízo que 
injustamente infligiu-seao de cujus. 
A Corte de Cassação da França pôs 
termo à controvérsia em aresto de prin-
cípios, em que aborda todas as questões 
qúe o assunto Costuma suscitar: 
"A vítima de um dano, qualquer que 
seja a sua natureza, tem direito a obter 
uma indenização daquele que o causou 
por sua culpa. O direito à reparação de 
um dano resultante de sofrimento físico 
suportado pela vitima antes de sua morte, 
nascido em seu patrimônio, transmite-se 
aos seus herdeiros. 
"Do mesmo modo, o direito à reparação 
do dano resultante do sofrimento moral 
suportado pelo pai em razão da morte 
do filho (vítima de um acidente, de res-
ponsabilidade de um terceiro), nascido 
em seu patrimônio, transmite-se, com a 
morte, aos seus herdeiros, os quais podem 
xv x -oa\t • XJXUZ* .U1.VXJ_>J. \t \_r 
demandar uma indenização do prejuízo, 
mesmo que o pai não tenha promovido 
uma ação antes de sua mor te ."" 
Comentando o aresto acima, diz Geor-
ges purry, da Universidade de Paris: "A 
Câmara Mista pôs termo à questão. 
Aquele que é vítima de um dano, seja 
qual for a sua natureza, tem direito a 
uma indenização. Este direito faz parte 
do seu patrimônio. Por conseguinte, se 
vem a morrer, seus herdeiros o substituem 
para efeito de obter uma indenização"." 
Por fim, o parecer abalizado de um 
renomado especialista brasileiro: "A ação 
de reparação é transmissível? Não há 
princípio algum que a isso se oponha. A 
ação de indenização se transmite como 
qualquer outra ação ou direito aos su-
cessores da vítima. Não se distingue, tam-
pouco, se a ação se funda em dano moral 
ou patrimonial".1» 
4 A morte do ofendido é condição "sine 
qua" para que o parente promova contra 
o culpado uma ação de indenização do 
dano resultante do sofrimento moral que 
pessoalmente experimenta com o infortú-
nio irremediável da vítima? 
Uma outra pendência, que decorre, 
como um corolário, da questão anterior: 
para que o parente possa intentar contra 
o responsável pelo injusto sofrimento mo-
ral uma ação de indenização, é de mister 
que a vítima tenha falecido? 
A dúvida, que, entre nós, jião suscitou 
ainda interesse e discussão, divide a dou-
trina e a jurisprudência dos Tribunais 
franceses. 
Parece-nos que, em determinadas cir-
cunstâncias, a morte do ofendido não é 
condição sine qua para a propositura 
da ação de indenização por dano moral. 
Figuremos a hipótese de um moço que, 
por culpa de terceiro, sofre uma lesão que 
lhe acarreta paraplegia irremediável. A 
aflição, a angustiante certeza da irre-
parabilidade da invalidez, é, algumas ve-
zes, mais acabrunhadora que a morte 
imediata. Por que, então, a sobrevida ve-
getativa da vítima deverá se constituir 
em obstáculo a que seus pais, invocando 
sofrimento próprio, pessoal, promovam, 
vitoriosamente, ação de indenização por 
áano moral contra o responsável? Na 
França a questão tende a pacificar-se no 
sentido da admissibilidade da ação.1' 
Entre nós, os arts. 1.538 e 1539 do CC 
seriam, aparentemente, um obstáculo à 
ação dos pais. Mas só na aparência. Não 
é a morte que legitima o interesse, mas 
o sofrimento real e injusto. Os arts. 159 
do CC e 3.° do CPC não contêm casuísmos 
limitadores do dever de indenizar o dano 
inescusável. Logo, a negativa não se arri-
ma em razão convincente. A ação, pelo 
visto, cabe não só para mitigar o sofri-
mento da vítima por ricochete como para 
impor ao culpado uma pena pecuniária 
pelo mal que praticou. *0 
N O T A S 
1. Clóvis Beviláqua, Código Civil Comentado, 
vol. 1, comentários ao art. 76. 
2. Clóvis Beviláqua, ob. e vol. eits., comentá-
rios ao art. 191; Caio Mário da Silva Pereira, 
Instituições de Direito Civil, vol. V/70. 
3. Planiol e Ripert, Traité Pratique de Droit 
Civil Françals, par Rouast, vol. 2/191; Josserand, 
Cours de Droti Civil Françals, vol. 1, n. 769. 
4. Mazeaud e Mazeaud, Leçons de Droit Civil, 
6.» ed., t. 2, vol. 1/395, 1978, n. 417. 
5. V. nosso Ação de Responsabilidade Civil e 
Outros Ensaios, São Paulo, Ed. RT, 1966, p . 12. 
6". Mazeaud, Mazeaud e Tunc, Traité Théorique 
et Pratique de ia Responsablllté Civile, vol. 2/873-
839, ns. 1.901 e 1.902. 
7. Savatier, Traité de Ia Responsablllté Civile, 
vol. 2/116-119, ns. 539 e 546. 
8. Lalou, Traité Pratique de ia Responsablllté 
Chile, n. 654, pp. 442 e 443. 
9. R. Rodière, La Responsabilité Civile, n. 1.608. 
10. Mazeaud, Mazeaud e Tunc, ob. e vol. cits., 
n. 1.912. 
11. Beudant, Cours de Droit Civil Françals, 
t. 4, n. 1.245; Demogue, Traité Élémentalre des 
Obligatlons en General, t. 4, n. 414; Ripert e 
Planiol, Traité Élémentalre de Droit Civil, t. 2, 
n. 1.008; R. Nerson, Les Droits Extrapatrimonlaux, 
1939, n. 203, pp. 453 e ss. 
12. Wilson Melo e Silva, O Dano Moral e sua 
Reparação, p. 469. 
13. Leon Mazeaud, Recueii Critique Dalloz, 
1943, p . 46. 
14. Acórdão de 30.4.76, Câmara Mista, in 
Recueii Dalloz Sirey, 1977, p. 185. 
15. In Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1978, 
p. 556. 
16. Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, 6.* 
ed., -vol. 2/506, n. 251. 
17. Mazeaud, Mazeaud e Tunc, ob. cit., vol. 
1, n. 326; Beudant, ob. cit., vol. 9, bis, n. 1.610; 
Lalou, ob. cit., n. 156, bis. 
E PARECERES 
CONTRATO ADMINISTRATIVO: ATRASO NO PAGAMENTO 
O reajustamento contratual de preços não exime a Administração 
da obrigação de corrigir os pagamentos e indenizar o contratado 
pelos prejuízos ocasionados por sua mora — A correção 
monetária destina-se apenas a atualizar o valor das prestações 
em atraso, ao passo que a indenização visa a cobrir os prejuízos 
decorrentes desse mesmo atraso. 
HELY LOPES MEIRELLES 
Advogado e Professor de Direito em São Paulo 
CONSULTA 
A consulente expõe que mantém com o 
Departamento de Águas e Energia Elé-
trica do Estado de São Paulo — DAEE 
dois contratos para a execução das obras 
de canalização do rio Tamanduateí, neste 
Município, dos quais não consta prazo 
para pagamento, mas apenas que "as 
medições serão encerradas ao término 
de cada mês e as folhas respectivas, de-
vidamente assinadas pelo Departamento 
e com o "visto" da empreiteira, serão 
encaminhadas ao órgão contábil, até o 
20.° ma útil da mês seguinte" (cláusula 
5.3). 
A princípio, o DAEE vinha realizando 
?s pagamentos com pontualidade, isto é, 
logo após a remessa das folhas de me-
t&w° e r e s p e c t i v a s faturas ao órgão con-
tábil, mas, de algum tempo a esta data, 
passou a fazê-los com atrasos cada vez 
maiores. Isso levou a consulente a lhe 
Vfc?°ltax c o r r e c a ° monetária dos respecti-
°®.v? l o r e s . para compensar os vultosos 
rebfT?°S ^Ue e s s e s a t r a s o s vêm-lhe acar-
rim a d e c o r r e n tes não só da desvalo-
"«Çao rja moeda como, também, do custo 
dos financiamentos a que tem sido obri-
gada a recorrer, para prosseguir normal-
mente no exercício de suas atividades. 
Como o DAEE até o momento não se 
manifestou, a consulente, desejando co-
lher subsídios jurídicos para a defesa de 
seus direitos, apresenta-nos cópias dos 
contratos 55/81 e 346/82, bem como dos 
aditivos existentes, e solicita-nos um es-
tudo que nos permita responder às se-
guintes indagações: 
l.o É legítima a pretensão da consu-
lente no que concerne à correção mone-
tária dos pagamentos em atraso? 
2.° Além da correção monetária, a con-
sulente tem direito ao ressarcimento dos 
prejuízos causados pela mora do DAEE? 
3.° O fato de os contratos mencionados 
na consulta terem previsto o reajusta-
mento de preços e não terem assinalado 
prazo para os pagamentos constitui óbice 
às pretensões da consulente? 
As respostas a esses quesitos exigem 
examinemos a consulta à luz da doutrina, 
da legislação e da jurisprudência aplicá-
veis à espécie. É o que faremos a seguir.

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