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Mário Moacyr Porto - DANO POR RICOCHETE (Revista Ajuris, Porto Alegre, n. 50, p. 51-56, set. 1996)

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DANO POR RICOCHETE
MÆrio Moacyr Porto
Advogado e Professor emØrito
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
 Este trabalho é oferecido ao eminente Colega Prof. José Augusto Del-
gado, Juiz do TRF, da 5ª Região.
SUM`RIO
1. Ato ilícito, em face do disposto no art. 159 do CC, é a violação de um direito
ou o dano causado a outrem por dolo ou culpa. 2. Dano direto e imediato (art.
1.060 do CC). Exigência extensível aos casos de responsabilidade fora do
contrato? 3. Dano por ricochete. 4. Indenização no caso de homicídio. O art.
1.537 do CC tem como fonte o art. 844 do CC alemão. 5. Exegese do art.
1.537. O herdeiro, em relação ao responsável pelo hamicí- dio, tem duas ações
distintas, autônomas e cumuláveis. Uma por direito hereditário e outra, jure
próprio, pelo dano que, por ricochete, sofreu com o homicídio. 6. Transmite-
se, por direito hereditário, o dano moral?
1. 0 art. 159 do CC tem a seguinte redação: ‘Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar preju-
ízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano’.
A Conjunção alternativa ‘ou’, inserida no artigo, não permite dúvida: a
injusta violação de um direito, tanto quanto o prejuízo patrimonial causado a
outrem, obrigam o autor da ofensa a reparar o dano.
O art. 823 do CC alemão estabelece, igualmente, que a violação de um
direito, por si só, enseja uma ação de indenização: ‘Quem, por dolo ou negli-
gência, lesar, de modo antijurídico, a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a
propriedade, ou qualquer outro direito de uma pessoa, fica obrigada a indenizar
o dano que resultar da ofensa’.
Pelo visto, em face da nossa legislação, ato ilícito é a violação de um
direito ou o dano causado a outrem por dolo ou culpa (Clóvis Beviláqua, ‘Coment.
ao art. 159’, 1/426, Ed. Rio, 7ª tiragem, 1940). Sempre nos pareceu, por isto,
que o chamado dano moral tem apoio ou sustentação no art. 159 (Mário Moacyr
Porto, ‘Temas de Responsabilidade Civil’, ed. da RT, p. 40 e segs.). Aguiar Dias,
mestre de todos nós, acolhe idêntico entendimento (‘Responsabilidade Civil’, 2/
447, n. 229). Pelo exposto, todo dano que a lei não autoriza (art. 160 do CC) é
dano injusto praticado contra direitos da vítima e, por isto, indenizável, pois ato
ilícito é a violação de um bem jurídico, a danosa infração de interesses legíti-
mos (CF, art. 5.°, inc. X).
2. Nos termos do art. 1.060 do CC, ‘ainda que a inexecução resulte de
dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros
cessantes por efeito dela ‘direto’ e imediato’. O artigo citado é cópia do art.
1.151 do CC francês. Impõe-se indagar, em consideração preliminar, se a exi-
gência pertinente ao efeito ‘direto’ e imediato, prevista ou imposta em relação à
responsabilidade contratual, aplica-se, também, em relação aos danos fora dos
contratos. Na França, em passado relativamente recente, a exigência ‘direto e
imediato’ não se aplicava à responsabilidade aquiliana (Demoque, ‘Traité des
Obligations’, vol. 4, n. 462 e 621; Josserand, ‘Cours de Droit Civil’, 2/260, n.
440). Hoje, é matéria pacífica a obrigatória aplicação da exigência em
causa às duas ordens de responsabilidade (Mazeaud et Mazeaud, ‘Leçons de
Droit Civil’, 6ª ed., 1978, Tomo 2, 1/622, ‘Obligations’, n. 259; Philippe
de Torneau, ‘La Responsabilité Civil’, 3ª ed., n. 240, p. 87). No Brasil, Orlando
Gomes, de eminente autoridade acolhe idêntico entendimento (‘Obrigações’, p.
369 a 370).
A questão, em última análise, diz respeito à regra, de aplicação geral, de
que, sem a prova de uma relação de causa e efeito entre o fato e o dano, não há
dever de indenizar, quer se trate de responsabilidade contratual ou aquiliana.
Importante registrar, para dissipar possíveis dúvidas, que a exigência ‘direto e
imediato’ diz respeito à causa determinante do dano e não às pessoas
alcançadas, por ricochete, pelo dano que atingiu à vitima inicial.
3. O dano por ricochete é ‘direto’ ou indireto? E direto e imediato, é a
resposta certa (Georges Durry,’Um prejudice par ricochet n’est pas un prejudice
indirecte’, comentário publicado na ‘Revue Trimestrielle de Droit Civil’, ano de
1976, Tomo 75, p. 551; Geneviéve Viney—’L’autonomie du droit a repara
52/Dano por ricochete
tion de la victime par ricochet por rapport à celui de la victime initiale’, in ‘Recuéil
Dalloz - Sirey, cronica, 3’).
Mazeaud, Mazeaud et Tunc esclarecem muito bem o que seja dano por
ricochete, bem como o direito de ação que assiste a cada pessoa atingida:
‘Parentes e não parentes têm direito à reparação do prejuízo material que expe-
rimentam, cada um deles, em conseqüência do dano sofrido pela vítima inicial,
desde que comprovem a concorrência dos seguintes requisitos: 1. certeza do
prejuízo; 2. Iegitimidade do interesse lesado; 3. relação de causalidade entre o
dano sofrido pela vítima e os prejuízos que, por via reflexa, os atingiu. Os atin-
gidos por ricochete agem por conta própria e não em nome da vítima para o
ressarcimento dos prejuízos pessoais que sofreram, As suas ações são inteira-
mente diversas das ações atribuidas à vítima inicial ou a seus herdeiros’ (‘Traité
Théorique et Pratique de la Responsabilité Civil’, 5ª ed., 2/812, n. 1.873). Acres-
centa-se, a título de esclarecimento, que a lição se aplica, igualmente, aos da-
nos morais (n.1.874, p. 813).
Para quem interessar um mais detalhado estudo do assunto, tão pouco
versado na literatura jurídica nacional, se recomenda a leitura do capitulo’Le
dommage par ricochet ou réflechi’, inserido na excelente obra de G. Viney, ‘La
Responsabilité: Conditions’, Tomo 4, p. 378 a 404.
4. Indenizacão no caso de homicídio. O art. 1.057 do CC tem, como fonte,
o art. 844 do CC alemão. O dispositivo que trata da indenização no caso de
homicídio é, talvez, de todos os artigos do nosso Código, o que tem ensejado
mais dúvidas quanto à sua verdadeira interpretação e, por que não dizê-lo, as
mais abstrusas conclusões. Com o calculado risco de engrossar a relação dos
bisonhos intérpretes do malsinado art. 1.547, permito-me sugerir a seguinte
exegese: O artigo de lei em causa tem a seguinte redação: ‘A indenização no
caso de homicídio consiste: a) no pagamento das despesas com o tratamento
da vítima, seu funeral e o luto da família; b) na prestação de alimentos às
pessoas a quem o defunto os devia’.
A fonte do art. 1.537 é, a toda evidência, o art. 844 do CC alemão, que
estabelece: ‘Em caso de morte, o responsável deverá pagar as despesas do
enterro àquele a quem cabe a obrigação de satisfazê-las. Se a vítima, por oca-
sião da sua morte, tinha o dever de prestar alimentos a alguém e, em conseqü-
ência do homicídio, o beneficiário da prestação de alimentos ficou privado da
ajuda, o responsável pela morte assumirá a obrigação de pagar ao alimentando
uma renda em dinheiro correspondente à prestação alimentar, pelo tempo de
vida provável da vítima’.
Dano por ricochete/53
Como já frisamos, a exegese do art. 1.537 do nosso Código transformou-
se em uma autêntica vexata quaestio, notadamente no que respeita às seguin-
tes questões: qual a verdadeira significação ou sentido da locução ‘prestação
de alimentos’ constante do dispositivo citado? A morte de um menor que não
exercia trabalho remunerado é, no plano da responsabilidade civil,
um fato irrelevante? As duas parcelas que, no artigo em exame, corresponderiam
à indenização no caso de homicídio são taxativas ou meramente
exemplificativas?
Mestre Aguiar Dias esclareceu o que se deve entender por ‘prestação de
alimentos’, constante da lei: mero indicativo ou referência para o cálculo da
indenização; fórmula para que a liquidação do dano tenha base menos insegu-
ra (obra citada, 2/275 e segs.).
5. No meu desautorizado entendimento, o art. 1.537, apreciado à luz do
bom senso e subsídios informativos da lei que Ihe serviu de fonte, expressa o
seguinte: ‘O herdeiro, na hipótese em causa,tem, ao seu alcance, duas ações:
uma, fundada no direito hereditário, para obter do responsável pelo homicídio
uma indenização correspondente aos direitos e ações que o morto tinha por
ocasião do seu passamento e que foram transmitidos aos seus herdeiros (arts.
1.572 e 1.526 do CC); outra, resultante do seu direito pessoal de obter do res-
ponsável pelo homicídio uma integral reparação de todos os prejuízos que, por
ricochete, sofreu, inclusive uma quantia correspondente ao valor da prestação
de alimentos, na hipótese de a vítima dever alimentos ao herdeiro e demandante
(inc. Il do art. 1.537). Duas ações, não só distintas e autônomas, como
cumuláveis (Mazeaud, Mazeaud et Tunc, obra citada, vol. 2, n. 1.901 e 1.902;
Savatier, ‘Traité de la Responsabilité Civil’, n. 359 e 540; Lalou, ‘Traité Pratique
de la Responsabilité Civil’, n. 654, p. 442 a 443; Philippe de Tourneau, ‘La
Responsabilité Civile’, obra citada, n. 226, 227 e 228, p. 82 a 83). As duas
ações, por serem distintas e independentes, apresentam as seguintes peculiari-
dades: a) a transação feita em relação a uma ação em nada afeta a outra; b)
uma cláusula de não indenizar ou que limite o quantum da indenização,
estabelecida pela vítima e responsável , em nada repercute no direito pessoal
do herdeiro, ou melhor, não Ihe é oponível, pois o herdeiro, repete-se, age jure
proprio e apóia a sua pretensão nas regras da responsabilidade aquiliana; c) os
créditos e pagamentos obtidos pelos herdeiros nas ações ‘pessoais’ contra o
responsável pelo homicídio não são dívidas da sucessão e, como tal, escapam
à cobrança dos credores do de cujus ou da herança (Marcel Nast, comentário publi-
cado no ‘Recueil Periodique et Critique Dalloz, 1934, p. 77; Mário Moacyr Porto, ‘Ação
54/Dano por ricochete
de Responsabilidade Civil e outros Ensaios’, ed. da Rev. dos Tribs., 1966, p. 11
a 13). Por fim, e como já percebera Aguiar Dias, a ação de responsabilidade
civil, pela sua naturera e propósitos, desborda o âmbito da família e da suces-
são.
6. Em face do que dispõe a CF (art. 5°, inc. X), não cabe mais discutir a
ressarcibilidade do dano moral. Bons autores não admitem, porém, a transmis-
são, por direito hereditário, do dano moral ou de afeição. Assim é que Wilson
Melo e Silva, em sua excelente monografia ‘O Dano Moral e sua Reparação’,
ensina: ‘Não existe, pois, o jus hereditario relativamente aos danos morais, tal
como acontece com os danos materiais. A personalidade morre com o indiví-
duo, arrastando atrás de si todo o seu patrimônio. Só os bens materiais sobre-
vivem ao seu titular’ (p. 469).
Tenho dúvida sobre a juridicidade da lição transcrita. O sofrimento, em si,
é intransmissível. A dor não é ‘bem’ que componha o patrimônio transmissível
do de cujus. Mas parece-me de todo em todo transmissível, por direito hereditá-
rio, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra seu ofensor. Tal
direito é de natureza patrimonial. Leon Mazeaud, em magistério publicado no
‘RecueiI Critique Dalloz’, 1943, p. 46, esclarece: ‘O herdeiro não sucede no
sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendi-
do se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do
morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é
irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda
vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente
pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial
e, como tal, transmite-se aos sucessores’. Doutrina e jurisprudência dos Tribu-
nais franceses homologam a exegese acima exposta (Philippe de Tourneau,
obra citada, n. 227, p. 82 a 83) e no mesmo sentido a doutrina dominante entre
nós (Aguiar Dias, obra e volume citados, n. 251, p. 506). Por fim, atenda-se o
disposto nos arts. 1.526 e 928 do CC.
Finalmente, assiste ao cônjuge, herdeiros e parentes próximos da vítima
promover, jure proprio, ação penal e de indenização civil contra os que tenham
irrogado à memória de pessoa da família fatos caluniosos ou injuriosos (CF,
art. 5°, inc. X; CC, art. 1.547; CP, art. 138, § 2°; CPP, art. 31). Injuria facta
cadaveri dicendum est heredi facta. Uma ação, no plano civil, para reparar um
dano por ricochete.
E que dizer da ação da concubina contra o autor do homicídio do seu
companheiro? A hipótese, que já rendeu muita discussão, parece tranqüila no
Dano por ricochete/55
sentido da permissividade, à vista do disposto no art. 266, § 3°, da CF, expresso
em estabelecer que, ‘para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre homem e mulher como entidade familiar’. Pelo visto, a morte do
companheiro constitui um dano ressarcível, um prejuízo que, por ricochete, atinge
o parceiro sobrevivente, que, assim, é parte legítima para pleitear uma indeni-
zação pelo dano material e mesmo moral, de acordo com o que restar demons-
trado no curso da ação. Dano moral ou de afeição, sim, pois a dor, a afeição,
são fatos. Não existe dor jurídica e dor antijurídica, dor legal e dor ilegal, etc.
Existe, sim, o fato ou sentimento da dor. Ademais, o art. 159 do CC não exige
uma relação jurídica entre a vítima e o demandante para autorizar uma ação de
indenização contra o autor ou responsável pelo homicídio. Como já ficou dito, a
responsabilidade civil desborda os domínios da família e da sucessão. Nos
termos do disposto no art. 3° do CPC, ‘para propor ou contestar ação é neces-
sário ter interesse e legitimidade’, tout court. Acrescente-se que as limitaçõss à
responsabilidade por dano moral, estabelecidas no parágrafo único do art. 76
do CC, foram eliminadas pela legislação subseqüente.
56/Dano por ricochete
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