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Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem Maria do Carmo Coimbra Departamento de Engenharia Civil Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Julho de 2008 Prefácio Imagination is more important than knowledge. Knowledge is limited. Imagination encircles the world. Albert Einstein (1879 - 1955) Estes apontamentos, em forma de E-Book, foram elaborados com o objec- tivo de oferecer ao aluno um instrumento de trabalho que oriente e desperte o interesse pela disciplina de Análise Matemática 3. Não se pretende substi- tuir a bibliografia existente, mas simplesmente fornecer um ponto de partida para a aprendizagem. Uma nota que gostaríamos realçar é que a Matemática não se aprende passivamente. Os exercícios, quando não mecanizados, ensi- nam a usar conceitos, esclarecer dúvidas e dão oportunidade de explorar um universo diversificado. Esta disciplina de Análise Matemática 3 trata do estudo das equações diferenciais. Como é natural pressupomos uma certa familiaridade com funções escalares ou vectoriais de uma ou mais variáveis reais. Além disso admitem-se conhecidas algumas noções básicas de Álgebra. Os método numéricos apresentados para a resolução numérica de equações diferenciais podem ser programados emMatlab ou usando uma calculadora programável. Os gráficos apresentados neste texto foram elaborados com o maple. O aluno pode usar o software livre maxima. Refira-se que apenas se utiliza este software como uma ferramenta, por isso pode utilizar a sua máquina gráfica ou mesmo prescindir de todo do uso de um instrumento de cálculo e usar apenas lápis e papel. Bom trabalho! Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem Conteúdo 1 Modelação Matemática e Equações Diferenciais 1 2 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 11 2.1 Algumas definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.2 Campos de Direcções e Curvas integrais . . . . . . . . . . . . 13 2.3 Existência e Unicidade da Solução do PVI . . . . . . . . . . . 16 2.4 Análise Qualitativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.4.1 Análise Qualitativa das Equações Autónomas . . . . . 21 2.5 Método iterativo de Picard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações . . . 34 2.6.1 Equações de Variáveis Separáveis . . . . . . . . . . . . 34 2.6.2 Equações Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . 37 2.6.3 Equações Exactas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.6.4 Equações Redutíveis a Exactas . . . . . . . . . . . . . 42 2.6.5 Mudança de Variável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2.7 Equações Diferenciais: Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2.7.1 Trajectórias Ortogonais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2.8 Resolução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3 Equações Diferenciais de Ordem Superior 59 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.2 Equações Lineares de Ordem Superior . . . . . . . . . . . . . 60 3.2.1 Equações Diferenciais Lineares e Homogéneas . . . . . 62 3.2.2 Equações Diferenciais Lineares Não Homogéneas . . . . 75 3.2.3 Soluções em Série de Potências . . . . . . . . . . . . . 82 3.3 Equações Não Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 4 Sistemas de Equações Lineares de Primeira Ordem 91 4.1 Introdução aos Sistemas de Equações Diferenciais . . . . . . . 91 4.2 Método da Eliminação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 4.3 Sistemas Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . 95 4.4 Sistemas Lineares Homogéneos de Coeficientes Constantes . . 98 4.5 Método da Variação de Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . 108 5 Estudo Qualitativo de Sistemas Autónomos Bidimensionais 115 5.1 Sistemas Autónomos Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 5.2 Sistemas Autónomos Não Lineares . . . . . . . . . . . . . . . 140 5.2.1 Sistemas Potenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 5.2.2 Sistemas Hamiltonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 5.2.3 Bifurcações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154 6 Transformadas de Laplace e Equações Diferenciais 157 6.1 Propriedades da transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . 158 6.1.1 Linearidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 6.1.2 Derivada da Transformada . . . . . . . . . . . . . . . . 159 6.1.3 Transformada da Derivada . . . . . . . . . . . . . . . . 159 6.1.4 Transformada do produto f por eat: Deslocamento em s160 6.2 Transformadas de Funções Elementares . . . . . . . . . . . . . 160 6.3 Equações Diferenciais e Transformada de Laplace . . . . . . . 166 Exercícios 173 Exercícios de Escolha Múltipla 193 Exames 219 Resolução de Exames 233 Capítulo 1 Modelação Matemática e Equações Diferenciais A construção de modelos, isto é, a representação de um sistema ou fenó- meno com o auxílio da matemática é uma ferramenta importante para o estudo de um dado problema. Um modelo matemático pode ser entendido por um conjunto de símbolos e relações que representam uma situação ou um problema real. Um modelo matemático pode ser expresso de vários e diferentes modos como por exemplo através de gráficos, tabelas e equações. Por exemplo, a segunda lei do movimento de Newton1 afirma que aceleração a de um corpo de massa m é proporcional à força total que actua sobre o corpo. Pode ser modelada pela equação algébrica F = ma (1.1) Consideremos agora um modelo físico em que pretendemos estudar o movimento de um corpo de massa m colocado na extremidade de uma mola vertical. A Lei de Hooke2 diz que se a mola é esticada ou comprimida em x unidades a partir do seu tamanho natural então ela exerce uma força, força elástica, que é proporcional a x: Fel = −kx (1.2) k é uma constante positiva que se designa por constante da mola. 1Isaac Newton (1643-1727) 2Robert Hooke (1635-1703) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2 Modelação Matemática e Equações Diferenciais Se ignorarmos qualquer força externa de resistência então pela a segunda lei de Newton temos que m d2x dt2 = −kx (1.3) Esta equação é um modelo para o movimento de uma mola. Envolve não apenas determinadas quantidades mas também as variações dessas quanti- dades. Dizemos que se trata de uma equação diferencial ordinária. Como envolve derivadas de segunda ordem diremos que se trata de uma equação diferencial ordinária de segunda ordem. Resolver uma equação diferen- cial é procurar uma função, neste caso, x = x(t), tal que a segunda derivada seja proporcional mas de sinal oposto à função. Conhecemos alguma função real de variável real com essa propriedade? É claro que sim! Sabemos que (sin t) ′′ = − sin t e que (cos t)′′ = − cos t. Será que não existem outras funções diferentes destas com essa propriedade? Iremos mostrar que todas as soluções da equação 1.3 se escrevem como combinação linear de certas funções seno e coseno, o que não é surpreendente pois sabemos que o esperado é que a mola oscile em torno da sua posição de equilíbrio e portanto é natural que a solução envolva aquelas funções. Algumas definições Uma equação diferencial ordinária é uma equação que relaciona uma função real de variável real e uma ou mais das suas derivadas. Procurar uma solução de uma equação diferencial é procurar uma função real de variável real que satisfaça a equação dada. As equações diferenciais podem surgir na forma explicita ou na forma implícita. Exemplos de equações diferenciais na forma explícita Exemplo 1 No exemplo do movimento da mola podemos escrever d2x dt2 = − k m x (1.4) em que x é a variável dependente, a função que pretendemos determinar e t é a variável independente. Exemplo 2 Por exemplo para a equação diferencial dy dt = 2ty (1.5) y é a variável dependente, a função que pretendemosdeterminar e t é a variável independente. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 3 Exemplos de equações diferenciais na forma implícita Exemplo 3 ( dx dt )2 + x2 = 1 (1.6) em que x é a variável dependente, a função que pretendemos determinar e t é a variável independente. Exemplo 4 Por exemplo para a equação diferencial (x+ sinx) dy dx + 2xy = 0 (1.7) y é a variável dependente, a função que pretendemos determinar e x é a variável independente. Vejamos um exemplo em que a Lei de Torricelli3 fornece um modelo para o problema do esvaziamento de um tanque. Suponhamos que um tanque cilíndrico contendo um líquido tem um orifício no fundo através do qual o líquido se escoa. Designemos por h a altura do líquido no tanque no instante t e por r o raio da base. A lei de Torricelli afirma que se num dado instante (t = 0) for aberto o orifício, então o caudal é proporcional à raiz quadrada da altura do líquido no tanque. O modelo matemático escreve-se Q = k √ h (1.8) em que k é uma constante positiva que depende entre outros factores da viscosidade do líquido e da área do orifício. Para escrevermos uma equação diferencial para este modelo físico basta pensar que o caudal, ou seja a quan- tidade de líquido que atravessa o orifício por unidade de tempo, é simétrico à variação de volume no tanque por unidade de tempo, dV dt = −Q. (1.9) Como V (t) = pir2h(t) segue-se que dV dt = pir2 dh dt . Obtemos assim o modelo matemático que envolve a equação diferencial de primeira ordem, dh dt = − k pir2 √ h(t). (1.10) 3Evangelista Torricelli (1608-1647) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 4 Modelação Matemática e Equações Diferenciais Num problema deste tipo é usual conhecer os dados iniciais do sistema. Por exemplo podemos supor que no instante inicial a altura de líquido é conhecida e tem o valor h0. Temos agora um problema modelado por uma equação diferencial e para o qual conhecemos o valor inicial. Designamos este tipo de problemas por problema de valor inicial (PVI) ou problema de Cauchy4. { dh dt = − k pir2 √ h(t) h(0) = h0 (1.11) Exemplo 5 Considere o PVI 1.11. Admita que r = 0.5, k = 0.0025 e h(0) = 2. Suponha que todas as unidades estão expressas no Sistema Internacional. Verifique que a função h definida de modo implícito por 200pi √ h+ t− 200pi √ 2 = 0 (1.12) é solução do PVI. Fazendo t = 0 na equação 1.12 obtemos 200pi √ h− 200pi√2 = 0⇔ h = 2, o que mostra que a solução satisfaz a condição inicial. Derivando agora de modo implícito ambos os membros da equação 1.12 obtemos 200pi h′ 2 √ h + 1 = 0⇔ h′ = − 2 √ h 200pi (1.13) que é a equação dada. Assim a função h definida pela equação 1.12 é solução do PVI. Muitas vezes somos tentados a explicitar a solução mas é necessário estar atento ao domínio da função. Neste exemplo, 200pi √ h+t−200pi √ 2 = 0⇔ h(t) = ( 200pi √ 2− t)2 40000pi2 , t ∈ [ 0, 200pi √ 2 ] (1.14) A solução do PVI é a função h : [ 0, 200pi √ 2 ] → R t 7→ (200pi √ 2−t)2 40000pi2 (1.15) O tempo de esvaziamento do tanque é t = 200pi √ 2, aproximadamente 15 minutos. Como se pode observar no gráfico da solução do PVI apresentado na figura 1.1, o tempo gasto para o tanque passar de h = 2 para h = 1 é menos de metade do tempo gasto para passar de h = 1 para h = 0. 4Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 5 Figura 1.1: Esvaziamento de um tanque Nota 1 Para obter h′ a partir da equação 1.12 derivámos ambos os membros da equação. Tal procedimento é válido porque a equação 1.12 define, numa vizinhança de (0, 2), h como função de t. O teorema que assegura a validade do processo é o Teorema da Função Implícita (TFI). Seja F (t, h) = 200pi √ h+ t− 200pi √ 2 F é uma função de classe C1 em R× R+ e ∂F ∂h (t, h) = 100pi√ h . No ponto (0, 2) temos ∂F ∂h (0, 2) = 100pi√ 2 6= 0 o que pelo TFI garante que numa vizinhança de (0, 2) a equação 1.12 define h como função de t e que h é de classe C1 numa vizinhança de t = 0 logo derivável. Exemplo 6 Em muitos casos simples a variação de uma determinada po- pulação no tempo, com taxas de nascimentos e de mortes constantes, é pro- porcional ao tamanho da população. O modelo mais simples para a evolução da população P no tempo é dP dt = kP. (1.16) em que k é a constante de proporcionalidade. Admitindo que k é conhecido, encontrar uma solução para esta equação é descobrir uma função real de variável real cuja derivada seja igual a k vezes a função. Suponha que k = 5. É capaz de descobrir uma solução? Tente descobrir outra. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 6 Modelação Matemática e Equações Diferenciais Figura 1.2: Modelo populacional, P ′ = −2P Exercício 1 Verifique que a família de funções reais de variável real definidas por P (t) = Ce−2t, C uma constante real verifica a equação dP dt = −2P (1.17) De entre os elementos da família identifique a função que satisfaz a condição inicial P (0) = 10 A figura 1.2 mostra a solução do PVI 1.17. Observe-se que P (t) tende para zero quando t tende para +∞. O modelo diz-nos que a população extinguir-se-á num tempo infinito. Exemplo 7 A lei de arrefecimento de Newton pode ser enunciada do modo seguinte: A variação de temperatura T (t) de um corpo com respeito ao tempo t é proporcional à diferença da temperatura do corpo no instante t e a tem- peratura ambiente A. O modelo para estudar a variação de temperatura é dT dt = −k(T − A). (1.18) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 7 em que k é a constante positiva. Observe-se que se T > A então dT dt < 0 o que significa que a função T decresce, ou seja o corpo arrefece. Se T < A então dT dt > 0 o que significa que a função T cresce, ou seja o corpo aquece. Não há variação de temperatura se T = A. Exemplo 8 O modelo SIR é um modelo largamente usado para estudar doenças infecciosas. Descreve a relação da população com o agente infec- tuoso. Para uma dado instante de tempo t um indíviduo pode ser classificado num dos três estados: S(Susceptible) é um indíviduo susceptível a ser in- fectado nesse instante, I(Infectious) um indíviduo infectado ou R(Removed) um indíviduo que já esteve infectado não pode voltar a ser infectado. Seja x = x(t) a percentagem de indivíduos no estado S e y = y(t) a percentagem de indíviduos no estado I. O modelo para este fenómenos envolve duas va- riáveis dependentes da variável independente t e um sistema de duas equações diferenciais dependentes de parâmetros α > 0 e β > 0.{ dx dt = −αx(t)y(t) dy dt = αx(t)y(t)− βy(t) (1.19) Para uma dada população, uma vez conhecidos os parâmetros α e β, e co- nhecendo as condições iniciais do problema, é possível prever o modo como a doença se espalha. Por exemplo, escolhendo α = 0.5 e β = 0.15 e supondo que no instante inicial (t = 0) 0.01 da população está infectada e 0.99 é susceptível de ser infectada, a figura 1.3 mostra o evoluir da doença. Modelos com equações diferenciais com derivadas parciais Exemplo 9 Podemos também estudar fenómenos que dependem de mais do que uma variável independente. Por exemplo podemos estudar o problema da condução de calor numa barra. O problema está ilustrado na figura 1.4 Considere que a dada barra está isolada, tem comprimento L, as extre- midades são mantidas à temperatura T = 0, a temperatura é constante em cada secção transversal e que temperatura inicial é dada pela função real de variável real T0. O problema é descrever a temperatura do ponto x da barra no instante t. Temos pois a temperatura T função de duas variáveis, x e t. Neste caso o modelo envolve derivadas parciais da função T em ordem às Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 8 Modelação Matemática e Equações DiferenciaisFigura 1.3: Modelo SIR ../LivroAM3/figuras/cap1/CondCalorBarra.jpg Figura 1.4: Condução de calor numa barra Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 9 Figura 1.5: Temperatura para uma barra de prata variáveis independentes. Fourier5 usou três princípios físicos e escreveu o modelo ∂T ∂t = k ∂2T ∂x2 . (1.20) em que k é a difusividade térmica do material de que a barra é feita. Por exemplo, para uma barra de prata, k = 1.71 e admitindo que inicialmente a barra estava a uma temperatura, T0(x) = x − x2, 0 < x < 1 a evolução da temperatura é mostrada na figura 1.5. Para cada valor de k, a equação que descreve este modelo envolve derivadas parciais. Por isso não se trata de uma equação ordinária. Designa-se por equação diferencial com derivadas parciais. Observemos que nos são dados uma condição inicial, conhecemos T0 e condições na fronteira, sabemos que as extremidades são mantidas à temperatura T = 0. Um problema deste tipo diz-se um problema de valor inicial e de fronteira (PVIF). 5Jean Baptiste Joseph Fourier (1765-1839) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 10 Modelação Matemática e Equações Diferenciais Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem Capítulo 2 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Neste capítulo vamos estudar alguma técnicas para resolver equações diferenciais ordinárias de primeira ordem. 2.1 Algumas definições As equações diferenciais de primeira ordem que iremos estudar podem surgir na forma: Explícita dy dt = f(t, y) (2.1) onde f : D ⊂ R×R→ R, em que D contém o rectângulo, I ×R sendo I um intervalo de R de interior não vazio e f uma função de classe C1. Implícita F ( t, y, dy dt ) = 0 (2.2) onde y é uma função real de variável real de classe C1. Definição 1 Seja I um intervalo de R de interior não vazio. Uma função u : I ⊂ R→ R é solução da equação diferencial 2.1 se e só se u ∈ C1(I) e du dt = f(t, u),∀t ∈ I Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 12 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Uma função u : I ⊂ R→ R é solução da equação diferencial 2.2 se e só se u ∈ C1(I) e F (t, u, du dt ) = 0,∀t ∈ I Muitas vezes é possível representar o conjunto de todas as soluções de uma equação diferencial ordinária de primeira ordem por uma família de funções dependentes de uma constante arbitrária C. Exemplo 10 Seja C uma constante real. Verificar que a família de funções reais de variável real definida por y(t) = Cet 2 (2.3) é solução da equação diferencial de primeira ordem y′(t) = 2ty(t) (2.4) Questão: Será que não há outras funções que não sendo desta família tam- bém são solução da equação diferencial y′(t) = 2ty(t)? A resposta como veremos mais tarde é não. As únicas funções que satisfazem esta equação diferencial são as desta família. Exemplo 11 Verificar que a função y : R+ → R definida por y(t) = 1 + e2t 1− e2t (2.5) é solução da equação diferencial de primeira ordem y′ = y2 − 1 (2.6) A função y é uma função de classe C1 em R+ pois é o quociente de funções de classe C1 em R+, não se anulando em R+ a função denominador. Assim, derivando y obtemos y′ = 2e2t (1− e2t) + 2e2t (1 + e2t) (1− e2t)2 = 4e2t (1− e2t)2 (2.7) mas y2 − 1 = ( 1 + e2t 1− e2t )2 − 1 = (1 + e 2t) 2 − (1− e2t)2 (1− e2t)2 (2.8) e portanto y2 − 1 = 4e 2t (1− e2t)2 (2.9) o que mostra que y′ = y2 − 1 e portanto a função y : R+ → R definida por 2.5 é solução de 2.6. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.2 Campos de Direcções e Curvas integrais 13 Exemplo 12 Seja C uma constante real.Verificar que a família de funções reais de variável real definida por y2 + t sin(y) = C (2.10) é solução da equação diferencial de primeira ordem [2y + t cos(y)] y′(t) + sin(y) = 0 (2.11) Neste caso a equação diferencial está definida de forma implícita. Derivando de modo implícito ambos os membros da equação 2.10 vem, 2yy′ + sin(y) + ty′ cos(y) = 0 (2.12) Colocando em evidência y′ obtemos a equação obtemos 2.11, o que mostra que 2.10 é solução de 2.11. 2.2 Campos de Direcções e Curvas integrais Geometricamente, o conjunto de solução de uma equação diferencial ordinária de primeira ordem define um conjunto de curvas com traço no plano t − y. Essas curvas designam-se por curvas integrais da equação diferencial. Cada uma das curvas integrais é solução de um determinado problema do valor inicial. Para cada ponto (t, y) a equação diferencial define y′ isto é, para cada ponto (t, y) conhecemos o valor do declive da recta tangente ao traço da curva integral que passa nesse ponto. Dizemos que uma equação diferencial y′ = f(t, y) gera um campo de direcções no plano (t, y). Se em cada ponto (t, y) representarmos a recta com declive f(t, y) obtemos uma representação do campo de direcções associado à equação diferencial. As soluções da equação diferencial são curvas cujas tangentes em cada ponto são definidas por esses declives. Vejamos alguns exemplos: Exemplo 13 Considere-se a lei do arrefecimento/aquecimento de Newton dT dt = −0.1(T − 20). (2.13) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 14 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.1: Campo de direcções para a Lei de Newton O campo de direcções é ilustrado pela figura 2.1 A figura 2.2 mostra duas curvas integrais, ou seja, a solução de dois problemas do valor inicial. No primeiro T (0) = 50 e como seria de esperar a solução é uma função decrescente que quando t cresce se aproxima da temperatura ambiente T = 20. No segundo caso a solução a solução é uma função crescente que quando t cresce se aproxima da temperatura ambiente. Como vimos no exemplo anterior a análise do campo de direcções asso- ciado a uma equação diferencial permite conhecer propriedades das soluções mesmo sem possuirmos a expressão analítica que define a solução. Desig- namos por estudo qualitativo ao estudo do comportamento das soluções de uma dada equação diferencial sem a resolver. Exercício 2 Descreva o comportamento das soluções da equação diferencial y′ = y + t (2.14) com base na análise do campo de direcções dado na figura 2.3. Esboce a curva solução dos seguintes PVI: 1. y(0) = 1 2. y(0) = −1 3. y(0) = −2 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.2 Campos de Direcções e Curvas integrais 15 Figura 2.2: Curvas Integrais para a Lei de Newton Figura 2.3: Campo de direcções para y′ = t+ y Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 16 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.4: Campo de direcções para y′ = t√y Exercício 3 Descreva o comportamento das soluções da equação diferencial y′ = t √ y (2.15) com base na análise do campo de direcções dado na figura 2.4. Esboce a(s) curva(s) solução do PVI y(0) = 0. Teve alguma dificuldade? 2.3 Existência e Unicidade da Solução do PVI Considere-se o problema do valor inicial y′ = f(t, y), y(t0) = y0 (2.16) Poderemos garantir a existência de solução? Poderemos garantir a unicidade da solução? Consideremos o PVI y′ = t √ y, y(0) = 0 (2.17) Facilmente verificamos que são solução as funções: 1. y : R→ R definida por y(t) = 0 2. y : R→ R definida por y(t) = t4 16 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.3 Existência e Unicidade da Solução do PVI 17 Portanto, este PVI possui duas soluções distintas. Detectou este "problema"quando analisou o campo de direcções da figura 2.4? Ao resolvermos um determinado PVI será desejável saber, à partida, se existe solução e se, caso exista, a solução é única. Vamos enunciar, sem demonstrar, um teorema que fornece condições suficiente para a existência e unicidade de solução de um PVI. Teorema 1 Seja D = [a, b] × [c, d] um rectângulo de R2 e (t0, y0) ∈ D. Admitamos que f : D → R é uma função contínua em D, admite derivada parcial com respeito a y e quea função ∂f ∂y é uma função contínua em D. Então, para algum intervalo I contendo t0, o PVI y′ = f(t, y), y(t0) = y0 (2.18) tem uma e uma só solução definida nesse intervalo. Exemplo 14 Considere-se o PVI y′ = t √ y, y(0) = 0 (2.19) Neste exemplo sabemos que a função f(t, y) = t√y é continua em R × R+0 . A sua derivada parcial ∂f ∂y = − t 2 √ y não está definida para y = 0. O teorema da existência e unicidade não se aplica e é por isso que encontrámos mais do que uma solução para este PVI. Exemplo 15 Considere-se a equação diferencial y′ = y (2.20) Neste exemplo a função f(t, y) = y e a sua derivada parcial ∂f ∂y = 1 são funções contínuas em R2. O teorema da existência e unicidade da solução garante que existe e é única a solução qualquer que seja a condição inicial, y(t0) = y0. Apesar do teorema só garantir a existência de solução numa vizinhança de t0, facilmente verificamos que a solução o PVI, y(t) = y0et−t0 está definida em R. Exemplo 16 Considere-se o PVI y′ = y2, y(0) = 1 (2.21) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 18 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.5: Campo de direcções para y′ = y2 Neste exemplo que a função f(t, y) = y2 e a sua derivada parcial ∂f ∂y = 2y são funções contínuas em R2. O teorema da existência e unicidade da solução garante que existe e é única a solução deste PVI num certo intervalo que contém to = 0. Em que intervalo está definida a solução? Pela análise do campo de direcções dado pela figura 2.5, verificamos que que I = [−α, α] com α < 1. De facto a solução deste PVI é a função definida por y = 1 1−x . Verifique. Exercício 4 Sabendo que a função y(t) = 1 C−t é solução de y ′ = y2, encontre a solução do PVI y′ = y2, y(1) = 2 (2.22) Substituindo t = 1 e y = 2 na solução, obtemos 2 = 1 C − 1 ⇔ C = 3 2 (2.23) Logo y(t) = 2 3−2t . Qual o domínio? Observe o gráfico desta função represen- tado na figura 2.6 e conclua que a solução do PVI é a função y(t) = 2 3− 2t , t ∈ ]−∞, 3 2 [ (2.24) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 19 Figura 2.6: Gráfico da função y(t) = 2 3−2t 2.4 Análise Qualitativa Em muitas situações reais não pretendemos conhecer a lei que descreve um determinado problema mas apenas descrever o comportamento das soluções desse problema. Noutras situações não é possível por meios analíticos obter a solução e o estudo qualitativo é essencial. O esboço do campo de direcções associado à equação diferencial é um instrumento importante para o estudo qualitativo. Para caracterizar o comportamento das soluções de uma equação dife- rencial de primeira ordem e uma vez que conhecemos uma expressão para a primeira derivada temporal, estudando a função derivada podemos descrever o comportamento das soluções da equação diferencial. Exemplo 17 Considere a equação diferencial y′ = y − 2t. O campo de direcções e algumas curvas integrais são apresentadas na figura 2.7. Descreva o comportamento das soluções. Exemplo 18 Analise o campo de direcções e as curvas integrais associadas à equação y′ = ty2− ty diferencial dado na figura 2.8. Descreva o comporta- mento das soluções. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 20 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.7: Campo de direcções e Curvas integrais para y′ = y − 2t Figura 2.8: Campo de direcções e Curvas integrais para y′ = ty2 − ty Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 21 2.4.1 Análise Qualitativa das Equações Autónomas Para uma classe particular de equações diferenciais ordinárias de primeira ordem a análise qualitativa fornece informação suficiente para descrever de forma mais pormenorizada as soluções da equação. São as equações dife- renciais em que a derivada da solução é uma função de classe C1 que não de- pende da variável independente t. Designamos essas equações por equações autónomas. A forma geral de uma equação autónoma de primeira ordem é y′ = f(y) (2.25) em que f é uma função de classe C1. As equações diferenciais autónomas surgem em muitos modelos físicos. Por exemplo, quando estudámos o problema do esvaziamento do tanque ob- servamos que a variação da altura da água com o tempo não dependia do tempo mas sim da raiz quadrada da altura. Este problema é modelado por de uma equação autónoma. Unicidade e Análise Qualitativa Consideremos o problema do valor inicial associado a uma equação autónoma em que f é uma função de classe C1, dy dt = f(y), y(t0) = y0 (2.26) O Teorema da Existência e Unicidade de solução de um PVI permite garantir a existência e unicidade da solução para qualquer condição inicial, garantindo assim que as curvas integrais para um problema autónomo com f ∈ C1 não se intersectam. Definição 2 Um ponto y0 diz-se um ponto de equilíbrio da equação diferen- cial autónoma y′ = f(y) se e só se f(y0) = 0 Para os sistemas diferenciais autónomos os pontos de equilíbrio definem as soluções constantes. Fazendo o estudo da função f podemos descrever o comportamento das soluções. Os pontos de equilíbrio vão definir as soluções constantes. De- pois estudando o sinal de f podemos caracterizar a monotonia das soluções. Vejamos um exemplo: Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 22 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.9: Gráfico de f(y) = y(2− y) Exemplo 19 Estudar de modo qualitativo a equação dy dt = y(2− y) (2.27) Da análise do gráfico da função real de variável real de classe C1 definida por f(y) = y(2− y), figura 2.9, podemos concluir que f(y) = 0⇔ y = 0∨ y = 2. Portanto são pontos de equilíbrios da equação diferencial os pontos y = 0 e y = 2. Correspondem às soluções constantes y(t) = 0 e y(t) = 2. O estudo do sinal de f permite também determinar as regiões do plano t − y em que as soluções são funções crescentes e as regiões em que as soluções são funções decrescentes. Ora, f(y) > 0⇔ 0 < y < 2 portanto qualquer solução que passe por um ponto desta região do plano é uma função crescente. Como as trajectórias das soluções de problemas autónomos não se intersectam, as rectas y = 0 e y = 2 são assimptotas horizontais dessas trajectórias. Podemos ainda afirmar que nesta região as soluções tendem para y = 2 quando t→ +∞ e que nesta região as soluções tendem para y = 0 quando t→ −∞. É o que a figura 2.10 mostra. Como, f(y) < 0 ⇔ y < 0 ∨ y > 2 temos que qualquer solução que passe por um ponto destas regiões do plano é uma função decrescente. Como as trajectórias das soluções de problemas autónomos não se intersectam, as rectas y = 0 e y = 2 são assimptotas horizontais dessas trajectórias. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 23 Figura 2.10: Solução do PVI f(y) = y(2− y), y(−1) = 1 Para uma solução que passe num ponto da região y > 2 temos que as soluções são decrescentes e que tendem para y = 2 quando t→ +∞. Para uma solução que passe num ponto da região y < 0 temos que as soluções são decrescentes e que tendem para y = 0 quando t → −∞. É o que a figura 2.11 mostra. Classificação dos pontos de equilíbrio Para uma equação diferencial de primeira ordem autónoma, é usual classificar os pontos de equilíbrio. Assim, 1. Dizemos que o ponto de equilíbrio y = y0 é um poço se toda a solução com condição inicial suficientemente próximo de y0 tende para y0 quando t → +∞. A um poço está associada uma solução de equi- líbrio estável. 2. Dizemos que o ponto de equilíbrio y = y0 é uma fonte se toda a solução com condição inicial suficientemente próximo de y0 tende para y0 quando t → −∞. A uma fonte está associada uma solução de equilíbrio instável. 3. Todo o ponto de equilíbrio y = y0 que não é poço e que não é fonte designa-se por ponto de sela. Exemplo 20 Classifiquemos as soluções de equilíbrio da equação dy dt = y(2− y) (2.28)Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 24 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.11: Solução dos PVI f(y) = y(2− y), y(−1) = 3, y(0) = −0.5 Figura 2.12: Linha de Fase para y′ = y(2− y) Podemos reunir toda a informação e apresentá-la de forma simples num di- agrama, como mostra a figura 2.12, que designamos por Linha de Fase. Temos assim que y = 0 é uma solução de equilíbrio instável, (fonte) e que y = 2 é uma solução de equilíbrio estável, (poço). Exemplo 21 Classifiquemos as soluções de equilíbrio da equação dy dt = y(4− y)2 (2.29) São soluções de equilíbrio y(t) = 0 e y(t) = 4. Como y(4 − y)2 < 0 ⇔ y < 0 e y(4 − y)2 ≥ 0 ⇔ y > 0 segue-se que y = 0 é uma fonte e y = 4 um ponto de sela. As soluções de equilíbrio são ambas instáveis. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 25 Equações Diferenciais com um Parâmetro Em muitos modelos é co- mum o aparecimento de parâmetros. Por exemplo se no estudo de uma dada população que está em crescimento afirmamos que a razão de crescimento é proporcional ao número de indivíduos da espécie, escrevemos dP dt = kP, k > 0 (2.30) No entanto, se aplicarmos este modelo a espécies diferentes é natural que o parâmetro k assuma valores diferentes. Por exemplo o crescimento de uma população de coelhos é bastante diferente de uma população de ele- fantes. Deste modo os os parâmetros presentes no modelo permitem ajustar o modelo a realidades distintas. Em muitas situações estamos interessados em investigar de que modo a solução da equação diferencial varia com a variação do parâmetro. Em muitos casos, pequenas variações do parâmetro resultam em pequenas variações na solução. Noutros, uma pequena variação no parâmetro conduz a variações drásticas no comportamento da solução. Exemplo 22 Façamos a análise qualitativa da equação diferencial dy dt = y(y2 − k), k ∈ R (2.31) A função f definida por f(y) = y(y2 − k) é de classe C1 e não depende da variável t, qualquer que seja o valor do parâmetro k. Trata-se portanto de uma equação autónoma e as trajectórias das soluções não se intersectam. Determinemos as soluções de equilíbrio. Ora dy dt = 0⇔ y(y2 − k) = 0⇔ y = 0 ∨ y2 − k = 0 (2.32) Portanto, independentemente do valor do parâmetro k a equação tem uma solução de equilíbrio, y(t) = 0. Terá mais soluções de equilíbrio? A resposta parece simples: depende do valor de k. Se k ≤ 0 então y = 0 é a única solução de equilíbrio. Se k > 0 então a equação tem três solução de equilíbrio, y = 0, y = √ k e y = −√k. O que se observa? Observa-se que se k for muito pequeno uma pequena variação de k provoca uma grande variação na natureza das solução da equação diferencial. Dizemos que k = 0 é o valor de bifurcação para aquela equação diferencial. Vamos agora descrever o comportamento das soluções de um dado PVI, y(0) = y0 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 26 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.13: Soluções de y′ = y(y2 − k), k ≤ 0 1. Se k ≤ 0 então as soluções da equação diferencial são funções decres- centes se y0 < 0 e funções crescentes se y0 > 0. Neste caso, y = 0 é uma fonte e a solução de equilíbrio y(t) = 0 é instável tal como a figura 2.13 ilustra. 2. Se k > 0 então y(y2 − k) > 0⇔ y ∈ A = [− √ k, 0] ∪ [ √ k,+∞[ e y(y2 − k) < 0⇔ y ∈ B = [0, √ k] ∪ [−∞,− √ k[ Portanto as soluções do PVI são funções decrescentes se y0 ∈ A e funções crescentes se y0 ∈ B. Neste caso, y = 0 é um poço e quer y = √ k quer y = −√k são fontes. y(t) = 0 é uma solução de equilíbrio estável, y = √ k e y = −√k são soluções de equilíbrio instáveis tal como a figura 2.14 mostra. Usualmente a informação é condensada num diagrama, designado por diagrama de bifurcação tal como a figura 2.15 ilustra. Nesse diagrama representa-se no plano k − y os pontos de equilíbrio e para cada valor de k a monotonia das soluções. Observando o diagrama representado na figura 2.15 identificamos imediatamente k = 0 como o valor de bifurcação para a equação diferencial autónoma 2.31. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 27 Figura 2.14: Soluções de y′ = y(y2 − k), k > 0 Figura 2.15: Diagrama de Bifurcação para a equação 2.31 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 28 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Qualquer população deixa de obedecer á equação P ′ = kP, k > 0 desde que certos factor restritivos influenciem o seu crescimento, como por exemplo a concorrência resultante da limitação de recursos alimentares. Surge neces- sidade de se introduzir um modelo que se aproxime mais da realidade. Um modelo mais realista é aquele que considera k = a − bP ou seja a variação de uma dada população de indivíduos é governada por dP dt = (a− bP )P (2.33) com a > 0 e b > 0 parâmetros que caracterizam a população. Esta equação diferencial autónoma designa-se por equação logística. Exercício 5 Fazer a análise qualitativa da equação logística. Procuremos os pontos de equilíbrio. Ora P ′ = 0 ⇔ P = 0 ∨ P = a b . Como a > 0 e b > 0 temos dois pontos de equilíbrio a que correspondem duas soluções de equilíbrio, a solução trivial P = 0, e a solução P = a b . Como P ′ > 0 ⇔ P ∈]0, a b [ e P ′ < 0 ⇔ P ∈]a b ,+∞[, segue-se que P = 0 é uma fonte e P = a b um poço. P = 0 é uma solução de equilíbrio instável e P = a b é uma solução de equilíbrio estável. Qualquer PVI com condição inicial P (0) = P0, P0 > 0, tem uma solução que tende para a b quando t tende para +∞. Se P0 < ab a população está a crescer, se P0 > ab a população está a decrescer. Fazendo uma recolha conveniente das escalas t e P a equação logística escreve-se usualmente, dP dt = (1− P )P (2.34) A figura 2.16 mostra o comportamento das soluções da equação logística. Exemplo 23 Suponha uma população de peixes modelada pela equação logís- tica em que se introduz um termo descrevendo a subtracção à população de um certa quantidade de peixe na unidade de tempo. O modelo é agora des- crito por dP dt = (1− P )P − c (2.35) em que c > 0 se designa por cota absoluta de pesca. Averiguemos a existência de valores de bifurcação e vejamos qual a importância desse valor para o ecosistema. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 29 Figura 2.16: Equação Logística São pontos de equilíbrio os pontos (1− P )P − c = 0⇔ P 2 − P + c = 0⇔ P = 1± √ 1− 4c 2 Analisemos os três casos distintos: 1. se c > 1 4 a equação não tem pontos de equilíbrios e P ′ < 0 pelo que a população extingue-se num espaço de tempo finito. É o que ilustra a figura 2.17. 2. se c = 1 4 a equação tem um só ponto de equilíbrios, P = 1 2 . Se num dado instante a população for inferior a esse valor essa população extinguir- se-à num tempo finito. Se num dado instante a população for superior a esse valor essa população tenderá para a solução de equilíbrio P = 1 2 . O ponto de equilíbrio é um ponto de sela. É o que ilustra a figura 2.18. 3. se c < 1 4 a equação tem dois pontos de equilíbrios P1 = 1+ √ 1−4c 2 e P2 = 1−√1−4c 2 , P2 < P1. A derivada P ′ é positiva entre P2 e P1 e negativa no exterior deste intervalo. Assim, P = P1 é um poço e Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 30 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.17: Soluções para c > 0.25 Figura 2.18: Soluções para c = 0.25 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.4 Análise Qualitativa 31 Figura 2.19: Soluções para c < 0.25 portanto a solução de equilíbrio P = P1 é uma solução estável. Se num dado instante a população for superior a P2 então ela tenderá para P1 quando t tender para +∞. O ponto de equilíbrio P2 é uma fonte, logo instável . Se num dado instante a população for inferior a P2 então ela extingue-se num tempo finito.Se num dado instante a população for superior a P2, ela tenderá para P1 quando t tender para +∞. É o que ilustra a figura 2.19. Da análise resulta que c = 1 4 é o valor de bifurcação para a equação logística com cota absoluta de pesca. É o que o diagrama de bifurcação representado na figura 2.20 mostra. Em resumo podemos afirmar que qualquer cota 0 < c ≤ 1 4 assegura teoricamente a reprodução da espécie. No entanto é de evitar uma demasi- ado próxima da cota máxima c = 1 4 pois pequenas perturbações aleatórias poderão tornar a população inferior a P2 e levar à sua extinção. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 32 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.20: Diagrama de Bifurcação para a equação 2.31 Exercício 6 Suponha uma população de peixes modelada pela equação logís- tica em que se introduz uma cota relativa de pesca dP dt = (1− P )P − rP (2.36) em que r > 0 se designa por cota relativa de pesca. Averigue a existência de valores de bifurcação e vejamos qual a importância desse valor para o ecosistema. 2.5 Método iterativo de Picard Considere-se o PVI dy dt = f(t, y), y(t0) = y0 (2.37) O método iterativo de Picard1 ou método das aproximações su- cessivas permite determinar a solução analítica do PVI. Este processo con- siste na construção de uma sucessão de funções (yn) de tal modo que (yn)→ y. 1Emile Picard (1856-1941) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.5 Método iterativo de Picard 33 Definamos o primeiro elemento. Para tal é natural usar a condição inicial e escrever y0(t) = 0. Isto significa que estamos a aproximar a solução do PVI y pela função constante que satisfaz a condição inicial. Considere-se a equação diferencial e integre-se ambos os membros entre os instantes t = t0 e t = t. Obtemos∫ t t0 y′ds = ∫ t t0 f(s, y)ds Mas pelo Teorema Fundamental do Cálculo, ∫ t t0 y′ds = y(t)− y0, pelo que y(t)− y0 = ∫ t t0 f(s, y)ds (2.38) Então podemos construir por recorrência a sucessão (yn), definindo yn+1(t) = y0 + ∫ t t0 f(s, yn)ds (2.39) Exemplo 24 Resolver o PVI dy dt = y, y(0) = 1 (2.40) Pelo método iterativo de Picard, y0(t) = 1. Vejamos como calcular os primeiros termos da sucessão (yn). Note que neste caso f(t, y) = y pelo que, o primeiro termo será y1(t) = 1 + ∫ t 0 f(s, 1)ds = 1 + ∫ t 0 1ds = 1 + t Usando este termo podemos calcular o segundo termo y2(t) = 1 + ∫ t 0 f(s, 1 + s)ds = 1 + ∫ t 0 (1 + s)ds = 1 + t+ t2 2 Para o terceiro termo teremos y3(t) = 1 + ∫ t 0 f(s, 1 + s+ s2 2 )ds = 1 + ∫ t 0 (1 + s+ s2 2 )ds = 1 + t+ t2 2 + t3 2.3 Admitindo então que yn−1(t) = 1 + t+ ...+ tn−1 (n− 1)! Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 34 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Podemos deduzir que yn(t) = 1 + ∫ t 0 f(s, yn−1(s))ds = 1 + ∫ t 0 (1 + s+ ...+ s n−1 (n−1)!)ds = 1 + t+ t 2 2 + ...+ t n n! (2.41) Ora quando n→∞ obtemos yn(t)→ et, o que mostra que a solução do PVI y′ = y, y(0) = 1 é a função y definida por y(t) = et. 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Al- gumas Equações 2.6.1 Equações de Variáveis Separáveis Uma equação de variáveis separáveis é uma equação que se pode escrever na forma dy dt = M(t)N(y) (2.42) Facilmente se observa que esta equação possui soluções constantes se e só se a função N se anular. Nesse caso as soluções constante de 2.42 são dadas por N(y) = 0. Admitamos agora que N(y) 6= 0. Então 2.42 pode escreve-se dy N(y) = M(t)dt (2.43) Com este passo dizemos que separámos as variáveis. Integrando agora ambos os membros de 2.42 obtemos as solução não constantes,∫ dy N(y) = ∫ M(t)dt (2.44) Exemplo 25 Resolver o PVI dy dt = y, y(0) = 1 (2.45) A equação diferencial admite a solução constante é y(t) = 0. No entanto esta função não satisfaz a condição inicial logo não solução do PVI. As soluções não constantes são definidas por∫ dy y = ∫ dt (2.46) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 35 Calculando estes dois integrais obtemos, ln |y| = t + C com C constante arbitrária. Deste modo obtemos uma família de soluções da equação diferen- cial dada. Esta família está definida na forma implícita. Neste caso podemos facilmente explicitar y aplicando a função exponencial a ambos os membros ln |y| = t+ C ⇔ y = et+C = ct.eC = Ket, K 6= 0 (2.47) Procuremos agora um elemento desta família, y(t) = Ket, que satisfaça a condição inicial. Ora 1 = Ke0 ⇔ K = 1. Assim a solução do PVI é y(t) = et Exercício 7 Verificar que a equação (1 + x2)2ey dy dx = −2x (2.48) se pode escrever como equação de variáveis separáveis e resolva-a. Note que a variável dependente é y e que a variável independente é x. Exercício 8 Resolva a equação diferencial t5 dy dt + y5 = 0 (2.49) Exercício 9 Resolva a equação diferencial y′ 1 + x2 = x y (2.50) Exercício 10 Resolva o PVI que modeliza a lei de arrefecimento de Newton considerando a temperatura ambiente A = 20 e dT dt = −0.1(T − 20), T (0) = 50 (2.51) Exercício 11 Resolva o PVI que modeliza o esvaziamento de um tanque circular considerando r = 0.5, k = 0.0025 e dh dt = − k pir2 √ h(t), h(0) = 2 (2.52) Exercício 12 Resolva a equação diferencial y′(1 + y) = 1− x2 (2.53) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 36 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Exercício 13 Resolva a equação diferencial y′ + y tan t = 0 (2.54) Exercício 14 Resolva a equação diferencial y′ − y sin t = 0 (2.55) Exercício 15 Resolva a equação diferencial 2 √ ty′ = √ 1− y2 (2.56) Exercício 16 Resolva a equação diferencial y′ = 1 + √ t 1 + √ y (2.57) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 37 2.6.2 Equações Lineares de Primeira Ordem Uma equação diferencial de primeira ordem à qual é possível dar a forma dy dt + p(t)y(t) = q(t) (2.58) em que p, q são funções contínuas num intervalo I ⊆ R diz-se uma equação linear de primeira ordem. Se q é a função nula então 2.58 é uma equação de variáveis separáveis. Admitamos que q não é a função nula. Para encontrar a solução geral de uma equação linear de primeira ordem, consideremos uma função µ que satisfaça µ(t) = e ∫ p(t)dt (2.59) µ designa-se por factor integrante. Vejamos que multiplicando am- bos os membros por µ obtemos uma equação diferencial equivalente de fácil resolução. e ∫ p(t)dt [ dy dt + p(t)y(t) ] = q(t)e ∫ p(t)dt (2.60) Observemos agora que o primeiro membro desta equação é a derivada em ordem a t do produto de µ por y. De facto d dt (µy) = dy dt e ∫ p(t)dt + ype ∫ p(t)dt = e ∫ p(t)dt [ dy dt + p(t)y(t) ] (2.61) Assim, a equação 2.58 escreve-se d dt (µy) = q(t)µ(t) (2.62) pelo que y(t) = ∫ µ(t)q(t)dt µ(t) (2.63) Exemplo 26 Resolver o seguinte problema do valor inicial: dy dx + 4 x y = x2 − 1, y(1) = 0, x ∈ ]0,∞[ (2.64) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 38 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Neste caso p, q são funções contínuas em R+ definidas por p(x) = 4 x e q(x) = x2 − 1. O factor integrante é µ = e ∫ 4 x dx = e4ln(x) = x4 (2.65) Multiplicando ambos os membros da equação dada por x4 obtemos d dx ( x4y(x) ) = x4 ( x2 − 1) (2.66) e portanto a solução da equação diferencial é a família de funções definida por y(x) = 1 x4 ( x7 7 − x 5 5 + C ) , x ∈ R+ (2.67) sendo C uma constante que fica definida pelas condições iniciais do problema. C deve verificar 0 = 1 14 ( 17 7 − 1 5 5 + C ) ⇔ C = 2 35 (2.68) A soluçãodo PVI é a função y(x) = x3 7 − x 5 + 2 35x4 , x ∈ R+ (2.69) Exemplo 27 Resolver o PVI sin(t) dy dt + cos(t)y = cos(2t), y (pi 2 ) = 1 2 (2.70) Neste caso p, q são funções contínuas em ]0, pi[ definidas por p(x) = cos(t) sin(t) e q(x) = cos(2t) sin(t) . O factor integrante é µ = e ∫ cos(t) sin(t) = eln(sin(t)) = sin(t) (2.71) Multiplicando ambos os membros da equação dada por sin(t) obtemos d dt [sin(t)y(t)] = cos(2t) (2.72) e portanto a solução da equação diferencial é a família de funções definida por y(t) = cos(t) + C sin(t) , x ∈ ]0, pi[ (2.73) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 39 sendo C tal que y ( pi 2 ) = 1 2 . Assim 1 2 = 0 + C 1 ⇔ C = 1 2 . (2.74) A solução do PVI é y(t) = cos(t) + 1 2 sin(t) , x ∈ ]0, pi[ (2.75) Exercício 17 Resolva as seguintes equações diferenciais. Identifique previ- amente as variáveis dependente e independente. 1. xy′ − y = x (2.76) 2. y′ + y = ex (2.77) 3. y′ + 2xy = x (2.78) 4. t2y′ + ty = t3 (2.79) Exercício 18 Resolva os seguintes PVI 1. y′ − 1 x y = x2, y(1) = 3 (2.80) 2. y′ − 2xy = 6xex2 , y(0) = 1 (2.81) 3. y′ + 3x2y = 6x2, y(0) = 3 (2.82) 4. t2y′ + ty = 1, y(1) = 2 (2.83) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 40 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 2.6.3 Equações Exactas A equação diferencial de primeira ordem, escrita com a forma M(t, y)dt+N(t, y)dy = 0 (2.84) diz-se uma equação diferencial exacta se e só se M,N são funções de classe C1(R), onde R = {(t, y) : a < t < b ∧ c < y < d} e ∂M ∂y = ∂N ∂t . Para uma equação diferencial exacta mostra-se a solução geral é dada na forma implícita por F (t, y(t)) = C (2.85) C, uma constante arbitrária e F uma função escalar que verifica ∂F ∂t = M ∧ ∂F ∂y = N (2.86) Exemplo 28 Resolver ty4 + ( 2t2y3 + 3y5 − 20y3) dy dt = 0 (2.87) Escrevamos a equação na forma diferencial ty4dt+ ( 2t2y3 + 3y5 − 20y3) dy = 0 (2.88) As funções M,N definidas por M(t, y) = ty4 e N(t, y) = 2t2y3 + 3y5 − 20y3 são funções de classe C1 em R2 e ∂M ∂y = 4ty3 = ∂N ∂t . Então a solução da equação diferencial é dada na forma implícita por F (t, y(t)) = C, C, uma constante arbitrária e F uma função escalar que verifica ∂F ∂t = ty4 ∧ ∂F ∂y = 2t2y3 + 3y5 − 20y3 (2.89) Integrando a primeira equação em ordem a t obtemos F (t, y) = t2 2 y4 + h(y). Integrando em ordem a y a segunda equação, F (t, y) = t2 2 y4 + y6 2 − 20y 4 4 + g(t). Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 41 Comparando estas duas expressões para F podemos escolher F tal que F (t, y) = t2 2 y4 + y6 2 − 20y 4 4 e portanto a solução da equação diferencial dada fica definida de modo im- plícito por t2 2 y4 + y6 2 − 20y 4 4 = C (2.90) Exemplo 29 Resolver ( 1− t 2 y2 ) dy dt + 2t y = 0 (2.91) Esta equação pose escrever-se na forma( 1− t 2 y2 ) dy + 2t y dt = 0 (2.92) As funçõesM,N definidas porM(t, y) = 2t y e N(t, y) = 1− t2 y2 são funções de classe C1 em R × R+ e ∂M ∂y = −2t y2 = ∂N ∂t . Então a solução da equação diferencial é dada na forma implícita por F (t, y(t)) = C, C, uma constante arbitrária e F uma função escalar que verifica ∂F ∂t = 2t y ∧ ∂F ∂y = 1− t 2 y2 (2.93) Integrando a primeira equação em ordem a t obtemos F (t, y) = t2 y + h(y). Integrando em ordem a y a segunda equação, F (t, y) = y + t2 y + g(t). Comparando estas duas expressões para F podemos escolher f tal que F (t, y) = y + t2 y e portanto a solução da equação diferencial dada fica definida de modo im- plícito por y + t2 y = C (2.94) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 42 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 2.6.4 Equações Redutíveis a Exactas Por vezes uma dada equação não é exacta mas pode-se reduzir a exacta multiplicando ambos os membros por um factor integrante. Vejamos um exemplo Exemplo 30 Resolver ( y2 − t2) dy dt + 2ty = 0 (2.95) Considerando M e N as funções de classe C1 definidas por M(t, y) = 2ty e N(t, y) = y2 − t2, facilmente se verifica que ∂M ∂y = 2t 6= −2t = ∂N ∂t (2.96) e portanto a equação dada não é exacta. Observe-se no entanto que y(t) = 0 é solução da equação dada e que se multiplicarmos ambos os membros da equação pelo factor integrante µ = 1 y2 (2.97) obtemos a equação do exemplo anterior, isto é, este factor permite reduzir a equação dada a uma exacta. As soluções desta equação não exacta são y(t) = 0 ∨ y + t 2 y = C (2.98) A questão que se coloca é a de saber como determinar um factor integrante de modo a reduzir a exacta uma dada equação não exacta. Seja M(t, y)dt+N(t, y)dy = 0 (2.99) uma equação não exacta e µ = µ(t, y) o factor a determinar. Multiplicando ambos os membros de uma equação não exacta por µ obtemos µM(t, y)dt+ µN(t, y)dy = 0 (2.100) Para que esta equação seja exacta µM e µN devem ser funções de classe C1 e ∂ (µM) ∂y = ∂ (µN) ∂t (2.101) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 43 o que é o mesmo que dizer que µ deve verificar a equação de derivadas parciais: µ ( ∂M ∂y − ∂N ∂t ) = N ∂µ ∂t −M∂µ ∂y (2.102) Vejamos dois casos particulares em que é fácil determinar um factor inte- grante. 1. Admitamos que a equação dada admite um factor integrante que de- pende somente de y. Nesse caso a equação de derivadas parciais reduz- se a uma equação de derivadas ordinárias e escreve-se −d ln(µ) dy = ∂M ∂y − ∂N ∂t M (2.103) donde se determina por integração que µ = e− ∫ ϕ(y)dy (2.104) onde ϕ(y) = ∂M ∂y − ∂N ∂t M (2.105) Observe-se que não se pode proceder deste modo se a expressão ∂M ∂y − ∂N ∂t M depender de y e de t e não somente de y. 2. Admitamos que a equação dada admite um factor integrante que de- pende somente de t. Nesse caso a equação de derivadas parciais reduz-se a uma equação de derivadas ordinárias e escreve-se d ln(µ) dt = ∂M ∂y − ∂N ∂t N (2.106) donde se determina por integração que µ = e ∫ ϕ(t)dt (2.107) onde ϕ(t) = ∂M ∂y − ∂N ∂t N (2.108) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 44 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Observe-se que não se pode proceder deste modo se a expressão ∂M ∂y − ∂N ∂t N depender de y e de t e não somente de t. Exemplo 31 Resolver a equação( y + ty2 )− tdy dt = 0 (2.109) Seja M(t, y) = y + ty2 e N(t, y) = −t. Ora, ∂(y + ty2) ∂y = 1 + 2ty e ∂(−t) ∂t = −1 6= 1 + 2ty e portanto a equação dada não é uma equação exacta. No entanto, ∂M ∂y − ∂N ∂t M = 2 + 2ty y + ty2 = 2 y (2.110) depende somente de y pelo que µ = e− ∫ 2 y dy = e−2 ln(y) = 1 y2 é um factor integrante. Multiplicando ambos os membros por µ, supondo y 6= 0, obtemos a equação exacta( 1 y + t ) dt− t y2 dy = 0 (2.111) com solução na forma implícita dada por t y + t2 2 = C Explicitando, y(t) = 2t K−t2 , K uma constante arbitrária. A solução geral da equação dada é pois y(t) = 0 ∨ y(t) = 2t K − t2 (2.112) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 45 Observe-se que o domínio de uma dada solução particular nem sempre é R. Por exemplo procuremos a solução particular que verifica y(1) = 2. Neste casoK deverá verifica a equação 2 K−1 = 2 ou sejaK = 2. A solução particular é pois, y(t) = 2t 2− t2 ,−√ 2 < t < √ 2 (2.113) Exercício 19 Resolver as equações diferenciais 1. t 2 cot y dy dt = −1 (2.114) 2. eydx+ (xey + 2y)dy = 0 (2.115) 3. t2y − (t3 + y3)dy dt = 0 (2.116) 4. y3dx+ 3xy2dy = 0 (2.117) 5. (1 + xy)dx+ x2dy = 0 (2.118) 6. (x3 + y x )dx+ (y2 + lnx)dy = 0 (2.119) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 46 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 2.6.5 Mudança de Variável Para finalizar esta secção respeitante a técnicas analíticas para resolução de equações diferenciais ordinárias de primeira ordem apresentamos dois exem- plos que ilustram uma técnica importante: a mudança de variável. Equações Homogéneas A equação diferencial y′(t) = f(t, y) diz-se homogénea se e só se a função f é homogénea, isto é sse f(λt, λy) = f(t, y) (2.120) Para uma equação homogénea a mudança de variável z = y t dá origem a uma equação de variáveis separáveis na nova variável z. De facto por mudança de variável, a equação y′(t) = f(t, y) origina a equação tz′(t) + z = f(t, tz) e admitindo que f é homogénea f(t, tz) = f(1, z), isto é só depende de z. Assim, na variável z, são soluções constantes f(1, z)− z = 0 (2.121) e soluções não constantes ∫ dz f(1, z)− z = ∫ dt t (2.122) Exemplo 32 Resolver dy dt = t2 − y2 ty (2.123) Como y = tz vem y′ = z+ tz′ e portanto a equação escreve-se, na variável z z + t dz dt = 1− z2 z (2.124) São soluções constantes z(t) = 1/ √ 2 ou z(t) = −1/√2. As soluções não constantes são dadas por ∫ zdz 1− 2z2 = ∫ dt t (2.125) Ora ∫ dt t = ln(|t|) + C e ∫ zdz 1−2z2 = − ln |1−2z 2| 4 + C pelo que as soluções não constantes ficam definidas de modo implícito por 1− 2z2 = Kt−4, K 6= 0 (2.126) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.6 Técnicas para Resolução Analítica de Algumas Equações 47 Na variável y a família de soluções fica definida por 1− 2 (y t )2 = Kt−4 (2.127) com K uma constante qualquer. Equações de Bernoulli Uma equação diferencial de primeira ordem com a forma dy dt + f(t)y = g(t)yα, α 6= 0, 1 (2.128) com f, g funções de classe C1 num intervalo de R diz-se uma equação de Bernoulli. A mudança de variável, z = y1−α transforma-a na equação linear de primeira ordem, dz dt + (1− α) f(t)z = (1− α) g(t) (2.129) Exemplo 33 Resolver y′(t) + ty = ty2 Fazendo z = 1 y vem y′ = − z′ z2 e a equação transforma-se na equação linear, − z ′ z2 + t z = t z2 (2.130) ou seja z′ − tz = −t. O factor integrante é µ = e ∫ −tdt = e−t2/2. Deste modo obtemos d dt ( z(t)e−t 2/2 ) = −te−t2/2. (2.131) A solução geral da equação linear é z(t) = Cet 2/2 + 1 e portanto y(t) = 1 Cet 2/2+1 . Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 48 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 2.7 Equações Diferenciais: Aplicações 2.7.1 Trajectórias Ortogonais A solução geral da equação y′(t) = f(t, y) representa uma família de curvas. As curvas da família F dizem-se orto- gonais às curvas da família G se e só se cada curva de uma dada família é intersectada por uma curva qualquer da outra família de tal modo que no ponto de intersecção as respectivas tangentes foram um ângulo recto. QUESTÃO: Dada uma família de curvas F (t, y, C) = 0 associada a uma equação diferencial, determinar a família ortogonal a F. A família de curvas cuja trajectória é ortogonal a F obtém-se do seguinte modo: 1. Escrevendo a equação diferencial associada a F. 2. Eliminando o parâmetro C , obtendo a equação diferencial Φ ( t, y, dy dt ) = 0 (2.132) 3. Resolvendo a equação diferencial Φ ( t, y,− ( dy dt )−1) = 0 (2.133) pois a família de curvas cuja trajectória é ortogonal a F é solução dessa equação. Exemplo 34 Determinar a família de curvas ortogonais à família de cir- cunferências x2 + y2 = r2, r > 0 Derivando ambos os membros da equação que define a família de curvas geramos a equação diferencial cuja solução é essa família, a saber, 2x+ 2yy′ = 0 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.7 Equações Diferenciais: Aplicações 49 Para obrigar à ortogonalidade vamos definir uma nova equação diferencial a partir desta mas substituindo y′ por −1 y′ , 2x+ 2y −1 y′ = 0 Esta equação é uma equação de variáveis separáveis. As soluções não con- stantes são dadas por ∫ dy y = ∫ dx x e portanto y(x) = Kx define a família de curvas ortogonal à família dada. Exemplo 35 Determinar a família de curvas ortogonais à família de hipér- boles y = 1 x+a , Derivando ambos os membros da equação que define a família de curvas geramos a equação diferencial cuja solução é essa família, a saber, y′ = −1 (x+ a)2 Da equação dada, facilmente se verifica que x + a = 1 y , obtendo a equação y′ = −y2. Para obrigar à ortogonalidade vamos definir uma nova equação diferencial a partir desta mas substituindo y′ por −1 y′ , y2y′ = 1 Esta equação é uma equação de variáveis separáveis. As soluções não con- stantes são dadas por ∫ y2dy = ∫ dx e portanto a equação y3 − 3x = k define de forma implícita a família de curvas ortogonal à família dada. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 50 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 2.8 Resolução Numérica Para calcular a solução numérica do problema do valor inicial dy dt = f(t, y), y(t0) = y0 (2.134) num intervalo [t0, tf ], devemos primeiramente discretizar a variável livre t. Consideremos uma malha uniforme de passo h > 0. Seja tn+1 = tn+h, n = 0, 1, ..., N . Pretendemos determinar um valor aproximado da solução do PVI em cada um dos instantes tn. É usual representar essa aproximação por yn, isto é, yn ≈ y(tn). Nesta secção apresentamos um método muito simples, o método de Euler. Método de Euler O método de Euler2 usa toda a informação que o PVI fornece para o instante tn para calcular uma aproximação da solução no instante seguinte, tn+1. Para o instante inicial, t0 conhecemos não só os valores de t0 e de y0 mas também o valor da derivada de y em t0, y′(t0) = f(t0, y0). Deste modo podemos aproximar a solução que procuramos pela função cujo gráfico é a recta tangente ao gráfico da solução y que pretendemos determinar e que passa por (t0, y0). Podemos pois afirmar que estamos a usar a linearização da solução desconhecida y em torno de t0, L0(t) = y0 + f(t0, y0)(t− t0) (2.135) Deste modo, no instante t1 = t0 + h obtemos y1 = y0 + hf(t0, y0) (2.136) Neste instante são conhecidos t1, uma aproximação de y(t1)), y(t1)) ≈ y1 e uma aproximação da derivada de y em t1, y′(t1) ≈ f(t1, y1). Assim por um raciocínio análogo é possível determinar uma aproximação a y(t2), y2 = y1 + hf(t1, y1) (2.137) Repetindo este processo, podemos aproximar a solução do PVI num ponto tn+1 fazendo y(tn+1) ≈ yn+1 = yn + hf(tn, yn) (2.138) 2Leonhard Paul Euler (1707-1783) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.8 Resolução Numérica 51 h y5 ≈ y(t5) |y5 − y(t5)| 0.1 1.1258784321 0.0073 0.05 1.12946683604667 0.0037 0.005 1.13277594968261 0.00038 0.0005 1.13311115851822 0.000038 Tabela 2.1: Método de Euler Usualmente escrevemos fn = f(tn, yn) e a fórmula para o método explícito de Euler escreve-se yn+1 = yn + hfn (2.139) Exemplo 36 Usando o método de Euler, calcular um valor aproximado de y(1.5) sendo y a solução do PVI dy dt = 0.2ty, y(1) = 1 Consideremos o passo h = 0.1. Então, y(1.1) ≈ 1 + 0.1× 0.2× 1× 1 = 1.02 y(1.2) ≈ 1.02 + 0.1× 0.2× 1.1× 1.02 = 1.04244 y(1.3) ≈ 1.04244 + 0.1× 0.2× 1.2× 1.04244 = 1.06745856 y(1.4) ≈ 1.06745856 + 0.1× 0.2× 1.3× 1.06745856 = 1.09521248256 y(1.5) ≈ 1.09521248256 + 0.1× 0.2× 1.4× 1.09521248256 = 1.1258784321 Para este PVI, conhecemos a solução analítica e portanto podemos avaliar o erro cometido. A soluçãoé y(t) = e0.1(t2−1) (confirme) e portanto o erro absoluto é ∣∣∣e0.1((1.5)2−1) − 1.1258784321∣∣∣ ≈ 0.0073 (2.140) o que nos indica que o valor aproximado calculado y5 ≈ y(t5) apenas tem uma casa decimal correcta. Um valor mais preciso pode ser obtido fazendo uma escolha de um passo h menor. A tabela 2.1 mostra os valores aproximados da solução em t = 1.5, para diferentes valores de h, assim como o erro absoluto. Os cálculos foram efectuados usando o programa matlab em anexo. Como constatamos a partir da tabela, for necessária uma partição do intervalo de integração usando 1000 pontos para se obter uma aproximação com 4 casas decimais correctas. O método de Euler é um método simples e intuitivo mas raramente usado para resolver PVI complexos. Para obtermos Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 52 Equações Diferenciais de Primeira Ordem resultados com precisão elevada seria necessário usar valores de h demasiado pequenos o que torna o esforço computacional demasiado elevado. O mais natural será usar aproximações usando desenvolvimentos de Taylor de ordem superior a um. No entanto isso obriga ao cálculo de derivadas de ordem superior. Por essa razão foram desenvolvidos métodos com o objectivo de produzirem resultados com a mesma precisão do que os obtidos por série de Taylor truncada mas sem ser necessário o cálculo de derivadas de ordem elevada. Esses métodos designam-se por métodos de Runge3-Kutta4. Runge-Kutta de 2a ordem Um método de Runge-Kutta de segunda or- dem muito usado é y(tn+1) ≈ yn+1 = yn + h 2 (k1 + k2) (2.141) onde k1 = fn = f (tn, yn) (2.142) e k2 = f (tn + h, yn + hk1) (2.143) Runge-Kutta de 4a ordem Fórmulas de Runge-Kutta de ordem superior podem ser desenvolvidas. No entanto a sua dedução é fastidiosa pelo que nos limitamos a apresentar o mais popular dos métodos de Runge-Kutta de 4a ordem. A fórmula para estimar y(tn+1) é, y(tn+1) ≈ yn+1 = yn + h 6 (k1 + 2k2 + 2k3 + k4) (2.144) onde k1 = f (tn, yn) k2 = f ( tn + h 2 , yn + hk1 2 ) k3 = f ( tn + h 2 , yn + hk2 2 ) k4 = f (tn + h, yn + hk3) 3Carl Runge (1856-1927) 4Martin Kutta (1867-1944) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.8 Resolução Numérica 53 Figura 2.21: Método de Euler e Método de Runge-Kutta de 4a ordem Exemplo 37 Na tabela 2.2 apresentamos a solução numérica do exemplo anterior, y′ = 0.2ty, y(1) = 1, usando o método de Runge-Kutta de quarta ordem com um passo h = 0.1. A figura 2.21 compara a solução exacta, y(t) = e0.1(t2−1), com as aproxi- mações obtidas pelos métodos de Euler e de Runge-Kutta com passo h = 0.1. tn yn ≈ y(tn) |yn − y(tn)| 1.0 1.0000 1.1 1.02122205158500 0.053× 10−9 1.2 1.04498235475720 0.14× 10−9 1.3 1.07143620890117 0.25× 10−9 1.4 1.10075906357880 0.42× 10−9 1.5 1.13314845241179 0.66× 10−9 Tabela 2.2: Método de Runge-Kutta de 4a ordem pra y′ = 0.2ty, y(1) = 1 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 54 Equações Diferenciais de Primeira Ordem Figura 2.22: Método de Runge-Kutta de 4a ordem e solução exacta de y′ = 1 + x+ y, y(0) = 0 Exemplo 38 Na figura 2.22 e tabela 2.3 apresentamos o gráfico da solução do PVI y′(x) = 1 + x+ y, y(0) = 0 no intervalo [0, 1] usando o método de Runge-Kutta de quarta ordem com um passo h = 0.1 assim como a solução exacta, y(x) = −x− 2 + 2ex. O valor exacto é y(1) = −3 + 2e pelo que o erro absoluto é eabsoluto(1) ≈ 0.42× 10−5 o que garante 5 casas decimais correctas, logo y(1) ≈ 2.43656. Função Matlab para implementação do método de Euler A função matlab ’metodoeuler’ integra um sistema de equações diferenciais ordinárias descrito na M-file ’yderivada.m’ no intervalo tspan = [t0, tfinal] usando um passo h e condições iniciais y0. Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.8 Resolução Numérica 55 function [tout, yout] = metodoeuler(FunFcn, tspan, y0, h) t0=tspan(1); tfinal=tspan(2); t = t0; y = y0(:); tout = t; yout = y.’; dt = abs(tfinal - t0); N = floor(dt/h) + 1; if (N-1)*h < dt N = N + 1; end tout = zeros(N,1); tout(1) = t; yout = zeros(N,size(y,1)); yout(1,:) = y.’; k = 1; while k < N if (t + h - tfinal) > 0 h = tfinal - t; tout(k+1) = tfinal; else tout(k+1) = t0 +k*h; end k = k+1; s1 = feval(FunFcn, t, y); s1 = s1(:); y = y + h*s1; t = tout(k); yout(k,:) = y.’; end; Como exemplo, para resolver o PVI y′ = 0.2ty, y(1) = 1 no intervalo [1, 1.5] usando o método de Euler com um passo h = 0.05 devemos construir a função matlab ’yderivada’ e usar a seguinte linha de comando: >> [t,y] = metodoeuler(’yderivada’, [1 1.5], 1, 0.05) onde Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 56 Equações Diferenciais de Primeira Ordem function yd=yderivada(t,y) yd=0.2.*t.*y end Para visualização dos resultados podemos usar a instrução >> plot(t,y,’0’) Função Matlab para implementação do método de Runge-Kutta de segunda ordem function [tout, yout] = metodork2(FunFcn, tspan, y0, h) t0=tspan(1); tfinal=tspan(2); t = t0; y = y0(:); dt = abs(tfinal - t0); N = floor(dt/h) + 1; if (N-1)*h < dt N = N + 1; end tout = zeros(N,1); tout(1) = t; yout = zeros(N,size(y,1)); yout(1,:) = y.’; k = 1; while k < N if (t + h - tfinal) > 0 h = tfinal - t; tout(k+1) = tfinal; else tout(k+1) = t0 +k*h; end k = k + 1; s1 = feval(FunFcn, t, y); s1 = s1(:); s2 = feval(FunFcn, t + h, y + h*s1); s2=s2(:); y = y + h*(s1 + s2)/2; t = tout(k); yout(k,:) = y.’; Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 2.8 Resolução Numérica 57 end; Função Matlab para implementação do método de Runge-Kutta de quarta ordem function [tout, yout] = metodork4(FunFcn, tspan, y0, h) t0=tspan(1); tfinal=tspan(2); t = t0; y = y0(:); dt = abs(tfinal - t0); N = floor(dt/h) + 1; if (N-1)*h < dt N = N + 1; end tout = zeros(N,1); tout(1) = t; yout = zeros(N,size(y,1)); yout(1,:) = y.’; k = 1; while (k < N) if (t + h - tfinal) > 0 h = tfinal - t; tout(k+1) = tfinal; else tout(k+1) = t0 +k*h; end k = k + 1; s1 = feval(FunFcn, t, y); s1 = s1(:); s2 = feval(FunFcn, t + h/2, y + h*s1/2); s2=s2(:); s3 = feval(FunFcn, t + h/2, y + h*s2/2); s3=s3(:); s4 = feval(FunFcn, t + h, y + h*s3); s4=s4(:); y = y + h*(s1 + 2*s2 + 2*s3 +s4)/6; t = tout(k); yout(k,:) = y.’; end; Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 58 Equações Diferenciais de Primeira Ordem tn yn ≈ y(tn) |yn − y(tn)| 0.0 0.0000 0.1 0.110341666666667 0.017× 10−5 0.2 0.242805141701389 0.038× 10−5 0.3 0.399716994125075 0.062× 10−5 0.4 0.583648480161371 0.092× 10−5 0.5 0.797441277193676 0.13× 10−5 0.6 1.044235924183866 0.17× 10−5 0.7 1.327503253193554 0.22× 10−5 0.8 1.651079126584631 0.28× 10−5 0.9 2.019202827560142 0.34× 10−5 1.0 2.436559488270332 0.42× 10−5 Tabela 2.3: Método de Runge-Kutta de 4a ordem pra y′ = 1+x+y, y(0) = 0 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem Capítulo 3 Equações Diferenciais de Ordem Superior 3.1 Introdução No capítulo anterior vimos como resolver analiticamente equações diferenciais de primeira ordem, desde que pertencessem a uma classe especial, equações de variáveis separáveis, lineares, exactas ou que por uma mudança de variável fosse possível convertê-las em equações de uma destas classes. Vamos agora abordar a questão da resolução analítica de equações diferenciais de ordem superior. Uma equação diferencial de ordem n é uma equação envolvendo a variável independente, uma função e as suas derivadas até à ordem n definidas num intervalo I e escreve-se Ω ( t, y, y′, y′′, ..., yn−1, yn ) = 0 (3.1) Vejamos alguns exemplos: Exemplo 39 yy′′ + (y′)2 = 0 (3.2) ty′′ + 2y′ + t = 1 (3.3) y(4) + y′′ = 2t− 5 (3.4) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 60 Equações Diferenciais de Ordem Superior t3y(3) − t2y′′ + 2ty′ − 2y = 0 (3.5) A primeira equação é uma equação não linear de segundaordem, en- quanto que as outras designam-se por equações lineares. 3.2 Equações Lineares de Ordem Superior Definição 3 Uma equação diferencial de ordem n com a forma an(t)y (n)(t) + an−1(t)y(n−1)(t) + · · ·+ a1(t)y′(t) + a0(t)y(t) = g(t) (3.6) diz-se equação diferencial linear de ordem n. Teorema da existência e unicidade da solução de um PVI linear Teorema 2 Consideremos a equação (3.6). Se as funções ai, i = 0, ..., n e g são contínuas num intervalo I e an(t) 6= 0,∀t ∈ I e se t0 ∈ I então existe uma única solução da equação linear (3.6) no intervalo I, que verifica as condições iniciais y(t0) = y0 , y ′(t0) = y1 , · · · , y(n−1)(t0) = yn−1 (3.7) Exemplo 40 Verificar que y(t) = 3e2t + e−2t− 3t é a única solução do PVI y′′ − 4y = 12t , t ∈ R , y(0) = 4 , y′(0) = 1 (3.8) Vejamos primeiramente que são verificadas as condições de existência e unicidade do PVI. Neste caso a2(t) = 1,a1(t) = 0 , a0(t) = −4 e g(t) = 12t logo a2, a1, a0 e g são funções contínuas em R e a2(t) 6= 0, ∀t ∈ R e portanto o PVI tem solução única. Vejamos agora que a função dada é solução da equação diferencial e satisfaz as condições iniciais. Calculemos y′(t) = 6e2t − 2e−2t − 3 e y′′(t) = 12e2t + 4e−2t Substituindo na equação dada, y′′ − 4y = 12e2t + 4e−2t − 4 (3e2t + e−2t − 3t) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 3.2 Equações Lineares de Ordem Superior 61 pelo que y′′ − 4y = −12t o que mostra que y é solução da equação diferencial. Calculemos agora y(0) = 3e0 + e0 − 3× 0 e y′(0) = 6e0 − 2e0 − 3. Donde y(0) = 4 e y′(0) = 1, o que mostra que y é a única solução do PVI dado. Exemplo 41 Verificar que o PVI t2y′′ − 2ty′ + 2y = 6 , t ∈ R , y(0) = 3 , y′(0) = 1 (3.9) admite as soluções y1(t) = t+ 3 e y2(t) = t2 + t+ 3. Vejamos primeiramente que não são verificadas as condições de existência e unicidade do PVI. Neste caso a2(t) = t2,a1(t) = −2t, a0(t) = 2 e g(t) = 6 logo a2, a1, a0 e g são funções contínuas em R mas a2(0) = 0 e portanto o teorema não se aplica. Vejamos agora que a função y1 é solução da equação diferencial e satisfaz as condições iniciais. Calculemos (y1) ′(t) = 1 e (y1) ′′(t) = 0 Substituindo na equação dada, t2(y1) ′′ − 2t(y1)′ + 2y1 = 0− 2t+ 2(t+ 3) pelo que t2(y1) ′′ − 2t(y1)′ + 2y1 = 6 o que mostra que y1 é solução da equação diferencial. Calculemos agora y1(0) = 3 e (y1)′(0) = 1, o que mostra que y1 é solução do PVI dado. Consideremos agora a função y2 e vejamos que esta função também é solução da equação diferencial e satisfaz as condições iniciais. Calculemos (y2) ′(t) = 2t+ 1 e (y2) ′′(t) = 2 Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 62 Equações Diferenciais de Ordem Superior Substituindo na equação dada, t2(y2) ′′ − 2t(y2)′ + 2y2 = 2t2 − 4t2 − 2t+ 2(t2 + t+ 3) pelo que t2(y2) ′′ − 2t(y2)′ + 2y2 = 6 o que mostra que y2 é solução da equação diferencial. Calculemos agora y2(0) = 3 e (y2)′(0) = 1, o que mostra que y2 é solução do PVI dado. 3.2.1 Equações Diferenciais Lineares e Homogéneas Uma equação linear com a forma an(t)y (n)(t) + an−1(t)y(n−1)(t) + · · ·+ a1(t)y′(t) + a0(t)y(t) = 0 (3.10) diz-se uma equação diferencial de ordem n linear e homogénea. No que se segue e sempre que façamos referência a esta equação vamos admitir que • os coeficientes ai, i = 0, ..., n são funções contínuas em I • an(t) 6= 0, ∀t ∈ I Deste modo designamos por equação diferencial de ordem n, linear e homogénea uma equação do tipo y(n)(t) + pn−1(t)y(n−1)(t) + · · ·+ p1(t)y′(t) + p0(t)y(t) = 0 (3.11) em que as funções pi são funções contínuas em I. Teorema 3 A função nula é solução de qualquer equação diferencial de or- dem n linear e homogénea. Teorema 4 Um problema do valor inicial associado a uma equação diferen- cial de ordem n linear e homogénea tem solução única Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 3.2 Equações Lineares de Ordem Superior 63 Princípio da sobreposição Teorema 5 Sejam y1 e y2 duas soluções de uma equação diferencial, (3.11), de ordem n linear e homogénea no intervalo I e c um número real qualquer. Então • A função z definida por z(t) = cy1(t), t ∈ I é solução da equação diferencial. • A função u definida por u(t) = y1(t)+y2(t), t ∈ I é solução da equação diferencial. Se y1 e y2 são solução da equação diferencial de ordem n linear e ho- mogénea (3.11) então (y1) (n)(t) + pn−1(t)(y1)(n−1)(t) + · · ·+ p1(t)(y1)′(t) + p0(t)y1(t) = 0 (3.12) e (y2) (n)(t) + pn−1(t)(y2)(n−1)(t) + · · ·+ p1(t)(y2)′(t) + p0(t)y2(t) = 0 Somando ambos os membros destas duas equações obtemos a equação equi- valente u(n)(t) + pn−1(t) [ u(n−1) ] + · · ·+ p1(t) [u′(t)] + p0(t) [u(t)] = 0 o que mostra que u definida por u(t) = y1(t) + y2(t) é solução de (3.11). Multiplicando ambos os membros de (3.12) por c facilmente se conclui que z definida por z(t) = cy1(t) é solução de (3.11). Definição 4 Qualquer conjunto de n funções y1, y2, ..., yn, soluções da equ- ação diferencial linear homogénea (3.11) no intervalo I, linearmente inde- pendentes em I, diz-se um conjunto fundamental de soluções, CFS. Critério para a dependência/independência linear Sejam y1, ...,yn soluções da equação diferencial linear homogénea (3.11) no intervalo I então • O conjunto das solução y1, ...,yn é linearmente independente em I se e só se o wronskiano, W (y1, y2, ..., yn) 6= 0, ∀t ∈ I Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 64 Equações Diferenciais de Ordem Superior Exemplo 42 As funções y1(t) = e3t e y2(t) = e−3t são soluções linearmente independentes da equação y′′ − 9y = 0 em R. De facto, (y1)′(t) = 3e3t e (y1)′′(t) = 9e3t logo y′′− 9y = 9e3t− 9 (e3t) = 0 é uma proposição verdadeira pelo que y1 é solução da equação em R. Por outro lado y2 também é solução da equação em R pois (y2)′(t) = −3e−3t e (y2)′′(t) = 9e−3t logo y′′ − 9y = 9e−3t − 9 (e−3t) = 0 é uma proposição verdadeira. Vejamos que y1 e y2 são linearmente independentes em R. W (y1, y2) = ∣∣∣∣ y1 y2(y1)′ (y2)′ ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ e3t e−3t3e3t −3e−3t ∣∣∣∣ = −6 6= 0, ∀t ∈ R (3.13) O princípio da sobreposição diz-nos que quaisquer que sejam c1 e c2, a função definida por y(t) = c1e3t + c2e−3t é também solução da equação. O teorema seguinte permite concluir que qualquer solução da equação y′′ − 9y = 0 tem a forma y(t) = c1e3t+c2e−3t sendo c1 e c2 constantes que ficam determinadas pelas condições iniciais. Diremos que y(t) = c1e3t + c2e−3t é a solução geral da equação. Teorema 6 Sejam yi, i = 1, .., n, e n soluções de uma equação diferencial de ordem n linear e homogénea no intervalo I, (3.11), linearmente indepen- dentes em I. Se y é solução de (3.11) então existem números ci, i = 1, .., n tal que y(t) = c1y1(t) + c2y2(t) + ...+ cnyn(t), ∀t ∈ R (3.14) O que este teorema afirma é que um conjunto fundamental de soluções da equação (3.11) gera o espaço de soluções. Reformulemos o teorema e façamos a sua demonstração deste teorema para o caso de n = 2. Teorema 7 Sejam y1 e y2 duas soluções linearmente independentes em I de uma equação diferencial linear e homogénea de segunda ordem, y′′(t) + p(t)y′(t) + q(t)y(t) = 0, (3.15) em que p e q são funções contínuas em I. Se y é solução de (3.15) então existem números c1 e c2 tal que y(t) = c1y1(t) + c2y2(t), ∀t ∈ R (3.16) Equações Diferenciais, uma Primeira Abordagem 3.2 Equações Lineares de Ordem Superior 65 Seja α ∈ I tal que a solução da equação 3.15 satisfaz as condições iniciais y(α) = A e y′(α) = B. Se examinarmos o sistema de equações{ c1y1(α) + c2y2(α) = A c1(y1) ′(α) + c2(y2)′(α) = B (3.17) verificamos que a matriz principal deste sistema tem um determinante não nulo pois não é mais do que o wronskiano de y1 e y2 calculados em α e, por hipótese, o wronskiano de W (y1, y2) 6= 0, ∀t ∈ I pois y1, e y2 são duas soluções linearmente independentes em I. Deste modo este sistema tem solução única,
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