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Região do Silêncio, Corpo Labaniano e Ancestralidade do Fazer: da 
ação à significação 
Marcus V. M. de Almeida !
 A história da Terapia Ocupacional (TO) ainda precisa ser investigada. A versão 
mais hegemônica menciona apenas seu surgimento nas instituições de saúde e a criação 
das escolas de formação. Soares (1991) vincula a profissão às necessidades de expansão 
industrial capitalista. Esta visão introduz importante reflexão sobre a origem da TO. 
Neste trabalho ratificamos este pensamento, porém cremos que, antes de atender o 
capitalismo, esta profissão estava relacionada a um movimento artístico e filosófico que 
produziu resistências às mazelas trazidas pela revolução industrial. Sua vinculação 
inicial com um movimento filosófico, e não à saúde, a fez ter um pensamento 
ontológico: as atividades podem produzir sentidos existenciais. 
 O Romantismo foi uma das influências determinante para as bases da TO. Pinel 
e seu Tratamento Moral, bem como a visão de que a arte é uma hermenêutica e 
expressão do mundo interno são pensamentos românticos. Contudo, o pouco conhecido 
Movimento de Artes e Ofícios, herdeiro do Romantismo foi a influência direta para o 
surgimento da TO. 
 O Movimento de Arte e Ofícios (MAO) foi um complexo artístico, ético e 
ecológico que surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos que contagiou pensadores 
como Proust e Tolkien. John Ruskin e Willian Morris são as mais importantes figuras do 
MAO (GALLEN, 1979). 
 A indústria ― que segundo Marx alienava o trabalhador ― e a grande arte 
burguesa ― que era excludente― tiraram do operário as experiências estéticas. Mas a 
criação estética, para o MAO, é vista como necessária e que produziria uma revolução 
social e existencial. Morris sentia a urgência de devolver a arte às massas e ao cotidiano. 
Seria na simplicidade do artesanato que Morris encontraria o local ideal para sua 
revolução. O conceito de Tremido de Ruskin, que valorizava a estética do artesanal, 
atestava a mão feliz do operário que imprimia sua singularidade em suas produções que 
eram feitas coletivamente. No MAO aparece a crítica à indústria e sua divisão do 
trabalho e o desejo do retorno a multiplicidade de ações e fazeres. A separação entre arte 
e artesanato e entre objetos de uso cotidianos e funcionais e de contemplação não tem 
mais sentido. Cozinhar, coser ou plantar podem possuir experiências estéticas 
significativas (RUSKIN, 1992 e 2004). 
 Tentando regatar a dignidade do operário, na Europa do século XX, várias 
comunidades idílicas e de esquerda foram fundadas influenciadas pelo MAO. Nestas, as 
mulheres tiveram papel fundamental porque ainda guardavam os antigos segredos da 
vida presentes no fazer doméstico e artesanal. Estas comunidades pregavam o trabalho 
artesanal, solidário e coletivo (KELVIN, 1999). Os termos Labor e Práxis foram usados 
para conceituar as ações destas comunidades. Muitos operários que lá viveram, após 
sofrerem lesões na indústria, foram capazes, através da criação de utensílios artesanais e 
de um ritmo próprio de trabalho, superaram suas deficiências. 
 Com o crescimento dos trabalhadores na indústria do pós-guerra, principalmente 
nos Estados Unidos, o aumento de acidentes de trabalho necessitou de novas demandas 
que estavam mais preocupadas com a proteção do capital da empresa e do estado do que 
com o operário. A TO surge para reabilitar os operários, e é nas colônias idílicas, que 
transformaram trabalhadores acidentados em sujeitos produtivos, que ela se inspira. 
Entretanto, nesta nova profissão, os conceitos de Labor e Práxis (relacionados à 
Laborterapia e Praxisterapia) não foram usados devido à filiação com a esquerda e ao 
marxismo. O termo Terapia Ocupacional é uma necessidade Médica, desvinculando a 
profissão de um pensamento revolucionário e ontológico. A escolha de São Paulo, e 
outras cidades no mundo para a criação dos cursos de TO pelo Movimento Internacional 
de Reabilitação da ONU, atendia as demandas da crescente expansão industrial 
multinacional, minorando os prejuízos financeiros decorrentes dos acidentes de 
trabalho. 
 Retomando as idílicas colônias do Movimento de Arte e Ofícios, em Ascona 
surge uma colônia chamada Monte Veritá. Laban funda ai uma escola de arte do 
movimento, inaugurando uma nova era na análise do movimento humano (SCHWAB, 
2003). 
 Inicialmente, Laban crê que o movimento é a expressão da alma. A tentativa de 
Laban era levar o homem a vivenciar a diversidade do gesto e critica seu 
empobrecimento na Era Moderna. Laban quer visualizar as essências básicas que 
qualquer gesto tem e, a partir daí, chegar a toda variedade possível. Laban definiu as 
forças dos gestos que são os esforços ― peso (forte ou leve), tempo (rápido ou lento), 
espaço (direto ou indireto) e fluxo (livre ou controlado) ― e o espaço, dividido em três 
sólidos espaciais (octaedro, icosaedro e cubo). Estas forças existem como energias 
puras, mas não podem ter aparência a não ser quando se unem, formando complexos, 
originando os gestos. Ao realizar um gesto forte, necessariamente temos que ter outras 
forças, o gesto só pode ser forte-rápido-direto, por exemplo. Laban então afirma que há 
uma região ― região do silêncio ― na qual as forças puras habitam e são os pré-gestos 
(LABAN, 1992). Quando um gesto é realizado, agregamos estas forças, e é devido à 
liberdade das forças na região do silêncio que podemos criar, através das múltiplas 
combinações de forças, a infinita variedade de gestos. Laban procura a liberdade do 
gesto e percebia que as antigas formas de trabalho ampliavam a gestualidade e por isso 
havia a relação entre trabalho, dança e religião. No trabalho ganhávamos, através dos 
movimentos funcionais, nosso repertório de forças que habitariam a região do silêncio e 
na dança criávamos novos sentidos aos gestos. Quando dançamos, acionamos a região 
do silêncio e a máxima possibilidade de combinações gestuais. Mas a região do silêncio 
necessita ser preenchida pelas forças puras, provenientes dos fazeres cotidianos 
significativos. Dançar é ativar a ancestralidade do fazer num híbrido de condensação 
histórica, por isso trabalho e dança estavam associados nas sociedades pré-capitalistas 
(GARAUDY, 1980). Laban conclui que se é o trabalho que preenche a região do 
silêncio, ele também cria modos de existir. Assim, a subjetividade é constituída pelos 
fazeres cotidianos (GUIMARÃES, 2006). A região do silêncio é a alma humana e, em 
sua visão materialista, a alma é efeito dos fazeres cotidianos e não uma entidade 
metafísica. Seguindo Laban, entendemos o papel que as ocupações têm para a vida: elas 
são produtoras da subjetividade, logo, de nossas ações chegamos as nossas 
significações. 
GALLEN, A. Women artists of the Arts & Crafts Movement. New York: Pantheon, 
1979. 
GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 
GUIMARÃES, Maria C. A. Rudolf Laban: uma vida dedicada ao movimento. In: 
MOMMENSOHN, M. e PETRELLA, P. Reflexões sobre Laban, o mestre do 
Movimento. São Paulo: Summus, 2006. 
KEVIN, N. Willian Morris on Art and Socialism. New York: Dover Publications, 
1999. 
LABAN, R. The Mastery of Movement. London: Northcote, 1992. 
RUSKIN, J. A economia política da arte. Rio de Janeiro: Record, 2004. 
___. As pedras de Veneza. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
SCHWA, A. Monte Verità ― Sanatorium der Sechnsuscht. Zurich: Orel Füssli, 2003.

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