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Dos Delitos e das Penas Sua obra é a favor da humanidade e da razão,contra o sistema medieval(legislação penal de seu tempo) e a tradição jurídica. Cesare Beccaria teve diretamente influências de Voltaire,Montesquieu e Rosseau,que lançou seu livro "O Contrato Social" dois anos antes "Dos Delitos e das Penas". Beccaria foi um político criminal,filósofo,que desenvolveu seu trabalho baseando-se,principalmente,nas teorias do contrato social,do utilitarismo,da associação de idéias e do humanitarismo e por isso é um pensador iluminista por excelência.Seu mérito deve-se ao fato de disponibilizar ao grande público uma delineada teoria,que teve vital importância para as reformas penais que se seguiram nos últimos séculos. Seu livro trata de assuntos contra a tradição jurídica;invoca a razão e o sentimento;faz porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos;o julgamento imposto aos acusados;a tortura;o confisco;as penas infamantes;a desigualdade ante o castigo;a atrocidade dos suplícios;estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana,entre os pecados e os delitos;condena o direito de vingança e toma por base o direito de punir,como utilidade social;declara a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas e dos delitos,assim como a separação do Poder Judiciário do Poder Legislativo. O autor tenta despertar a sociedade para fazer a devida e cuidadosa análise e diferenciação das diversas espécies de delitos e a forma de punir cada um deles,indicando os princípios mais gerais.Para isso,Beccaria examina e esclarece a origem das penas e o fundamento do direito de punir,questionando ainda o sentido de se levar a ativa os "tormentos e torturas" e a eficácia desses métodos. Do "Princípio da proporcionalidade penal" Beccaria era defensor da proporcionalidade da pena(que deve haver proporcionalidade entre o delito cometido e a sanção imposta) e sua humanização.O legado deste último é refletido nas palavras conclusivas de seu livro:"De tudo o que acaba de ser exposto pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo,mas pouco conforme ao uso,que é o legislador ordinário das nações.É que,para não ser um ato de violência contra o cidadão,a pena deve ser essencialmente pública,pronta,necessária,a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias X dadas,proporcionada ao delito e determinada por lei" O autor,deixa claro que a idéia de proporcionalidade deve ser aplicada aos delitos e às penas,excluindo desta as diferenças entre classes sociais,ou seja,para cada delito a sua pena e não para cada homem um julgamento diferenciado em relação aos delitos de mesma natureza. Das Penas A segurança geral da sociedade é a origem do direito de punir,para Beccaria.A aplicação das penas não deve traduzir coletiva,mas antes,ter em mira a justiça,a prevenção do crime e a recuperação do criminoso. O direito de punir se fundamenta no que ele chama de "coração humano",ou seja,nas paixões mais autênticas do ser humano,que é um ser egoísta e com tendência ao despotismo.O direito de punir deve ir até o ponto de fazer justiça,se for além disso,será "abuso".Segundo Beccaria,uma pena justa precisa ter apenas o grau de rigor suficiente para afastar os homens da senda do crime. Beccaria busca na celeridade da aplicação da pena,uma forma de impedir outros delitos,afirmando categoricamente que não há justificativa para punições severas,tendo por base a limitação de quanto tormento pode-se impingir a alguém e de quanto sofrimento um indivíduo seja capaz de suportar.A pena deve causar mais eficácia sobre o espírito dos homens e menos temerosa no corpo do réu. Nos dias de hoje vemos os jornalistas e outros comentadores reclamarem da "certeza da punição",como algo muito mais eficaz que a criação de penas longas,no combate e prevenção a criminalidade.A certeza de um castigo,mesmo moderado,sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo,pois os males,quando certos,sempre surpreendem os espíritos humanos,enquanto a esperança afasta a idéia de males piores,principalmente quando a impunidade assim proporciona. Quanto mais rápida a pena,mais será justa e mais será útil.Mais justa,pois poupa o réu dos tormentos cruéis da incerteza que floresça sua imaginação.Mais útil,pois quanto mais rápido se percorre a distância entre o delito e a pena,mais durável se forma no espírito humano a associação entre ambos. Dos Delitos Segundo Beccaria,os delitos dividem-se entre aqueles que tendem diretamente contra a sociedade ou aqueles que a representam,contra a vida,os bens X ou a honra de um indivíduo ou simplesmente atos contra o que a lei prescreve para o bem público.Em suma,cada cidadão pode fazer tudo que não seja contrário às leis. Assim,segundo o autor,por ser o delito uma ameaça ao bem comum,uma conduta reprovável pela sociedade,seu impacto deve ser medido de acordo com o grau de ameaça que a conduta produz à coletividade e aos principais valores que norteiam a sociedade,estabelecendo-se penas mais rigorosas para aquelas condutas que oferecem uma maior ameaça ao bem-público e penas menos rigorosas para as de menor potencial ofensivo. Uma vez que o objetivo maior de toda sociedade é garantir a segurança de seus concidadãos,deve,pois aquele que contra esta atente sofrer as penas mais graves.Uma de suas teses é a igualdade dos criminosos que cometem o mesmo delito.Perante a lei,no tempo de Beccaria o sistema penal adotado contemplava a distinção entre as classes sociais.Beccaria estabelece uma relação entre o grau sociocultural do indivíduo e a gravidade da pena,uma vez que tanto mais funesta é a pena contra aquele que tiver maior grau de cultura,justamente por ser mais sensível.Deve haver uma proporção de gravidade entre delitos e penas,guiadas pelos costumes e moral humano. Melhor prevenir os crimes que puni-los,esta é a finalidade de toda boa legislação.Proibir grande quantidade de ações diferentes não é prevenir delitos que delas possam nascer,mas criar novos.Para prevenir os delitos,devemos fazer com que as leis sejam claras e simples,e que toda a força da nação se condense em defendê-las. " Se o prazer e a dor são os dois grandes motores dos seres sensíveis,se entre os motivos que determinam os homens em todas as suas ações,o supremo Lesgislador colocou como os mais poderosos as recompensas e as penas;se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo,o homem inclinado ao crime,não tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso,decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajoso,e a distribuição desigual das penas produzirá a contradição,tão notória quando frequente,de que as leis terão de punir os crimes que tiveram feito nascer" Do Processo,prissão e testemunhas A lei deve estabelecer de forma fixa as circunstâncias e por quais indícios um indivíduo pode ser preso.O recurso à prisão deve apenas ser adotado quando impossível a aplicação de outra forma de sanção que não restritiva de liberdade.Já em relação aos indícios,Beccaria afirma que quando as provas de um delito são X apoiadas entre si,devem ser desconsideradas,uma vez que se retirando uma delas,as outras perderão sua força.Somente provas independentes,provadas separadamente é que devem ser consideradas. Quanto às testemunhas,ele mostra a importância do juiz e dos jurados(no caso de tribunal do júri) "sentirem" o depoimento,avaliarem através dos gestos,olhar,expressão e tom de voz,se há verdade ou mentira no depoimento.Devem seus depoimentos serem levados em consideração de acordo com o grau de interesse que estas tenham em dizer a verdade.Da mesma forma os juramentos devem ter pouca credibilidade,por se tratarem de uma contradição,uma vez que irracional é o interesse de jurar em prol da própria destruição ou da de alguémcom que se tenha afinidade.Qualquer testemunho,prova ou acusação devem ser públicos,para que transcorra livremente o curso da justiça. A prissão atinge o condenado ou o preso preventivamente em sua integridade física e em sua integridade moral.Ela "leva à submissão passiva ou,ao contrário,a um estado de revolta que se traduz por uma agressividade crescente e pelo recurso à violência,de que as sublevações penitenciárias são a expressão". A prissão é uma escola de reincidência,uma forma de destruir a personalidade do preso,de deformá-la e de corrompê-la.Como método penal,está condenada pela ciência e pela experiência de todos os povos.É certo que a privação da liberdade,para combater o crime,está arraigada na consciência social.Devem ser adotadas e ampliadas às modalidades alternativas da prissão,algumas já incorporadas às legislações.São formas de condenação,sem o labéu da prissão,sem a marca da cadeia,sem o ferrete do cárcere,sem o estigma que dificulta senão impede a sua reinserção na comunidade. O mais bárbaro dos procedimentos de obtenção da verdade é a tortura,que nada aufere senão a incerteza,uma vez que o acusado acaba quase sempre por acusar a si mesmo para eximir-se de um suplício iminente,mesmo sendo inocente.Em contrapartida,aquele que suportar o suplício,pode safar-se da acusação,mesmo sendo culpado.É querer subverter a ordem das coisas,exigir que um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado,que a dor se torne o caminho da verdade.Outro motivo para o uso de tortura é quando o réu cai em contradição durante interrogatório acabando por mesmo sendo inocente,se declarar culpado para assim cessar o tormento.Mais uma justificativa para a tortura é o que tem intenção de delatar os cúmplices,mas por assim ser,torna-se falha,pois o homem não pode ser punido pelo crime alheio.Um homem delateria mais facilmente outro homem,que senão a si mesmo. X Da Pena de Morte A pena de morte não é um direito,e sim a guerra da nação contra o cidadão,que ela julga útil ou necessário matar.No entanto,a morte não é útil nem necessária. Não se vê nenhuma necessidade de destruir o cidadão,a não ser que tal morte fosse o único e verdadeiro meio capaz de impedir que outros cometessem crimes,razão suficiente que tornaria justa e necessária a pena de morte.Não é o grau intenso da pena que produz maior impressão sobre o espírito humano,mas sim sua extensão,afetando-o por impressões mínimas,porém renovadas.Ou seja,não é o terrível,mas passageiro,espetáculo da morte de um criminoso,mais sim,o longo e sofrido exemplo de um homem privado de sua liberdade,é que constitui o freio mais forte contra os delitos. Atrás das gaiolas de ferro,o desesperado não põe fim a seus males,como acontece com a morte,mas apenas os começa.Os momentos infelizes da prisão e escravidão são espalhados por toda a vida,enquanto a morte concentra toda a força num só momento.O criminoso sofrerá mais no cárcere do que se condenado a pena de morte. Da Interpretação das Leis Beccaria reverencia a Lei,demostrando de forma cabal que nada nem ninguém deve ser maior que a Lei.Ele,naquele momento hasteava de forma brilhante a fulgurante bandeira do Estado Democrático de Direito.Beccaria anotou: "Só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer as leis penais só pode residir na pessoa do legislador,que representa toda uma sociedade unida por um contrato social,que o magistrado que também é membro dessa sociedade não pode com justiça infligir a outro membro da sociedade uma pena que não seja estatuída por lei,a partir do momento que o juiz é mais severo que a lei,ele é injusto,pois aumenta um novo castigo ao que já foi prefixado.Depreende-se que nenhum magistrado pode,mesmo sob o pretexto do bem público,aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão." O maior erro nas legislações é o caráter punitivo,e não o preventivo.É bem melhor prevenir os crimes a ter de remediá-los.Basta que as leis sejam claras e que não se destinem a interesses particulares.Que as normas sejam inspiradas no bem comum e de acordo com a razão e a natureza dos sentimentos dos próprios homens. X "Abramos a história,veremos que as leis,que deveriam ser convenções feitas livremente entre homens livres,não foram o mais das vezes,senão o instrumento das paixões da minoria,ou o produto do acaso e do momento,e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana,que tenha sabido dirigir todas as ações da sociedade com este único fim:todo o bem-estar possível para a maioria." Beccaria propõe que para a determinação da prática de crime por um indivíduo,é necessária a existência de leis escritas e fixas,ou seja,que não possam ser mudadas por conveniência dos envolvidos,que reservem ao magistrado apenas a tarefa de determinar se o ato(conduta) praticado pelo acusado enquadra-se,molda- se ao comportamento que a lei prevê para que se configure a prática do delito.Dessa forma,o autor inova trazendo os primeiros conceitos que levaram à formulação do instituto jurídico da tipicidade,consequência direta do Princípio da Legalidade e um dos elementos determinadores da culpabilidade do agente. Segundo ele,para se atingir o fim proposto por sua teoria,as leis devem ser claras e simples em sua definição,a fim de que seus aplicadores não as tenham que interpretar e,ainda,para que todas as pessoas as possam entender,de um modo a oferecer uma aplicação igualitária a todos àqueles que tenham cometido delitos da mesma natureza. Da Atualidade de suas idéias A preocupação de Beccaria no estudo exaustivo dos delitos e das penas era idealizar no final uma sentença justa e pura. Algumas críticas que Beccaria faz aos legisladores da sua época parecem ter sido feitas para os legisladores atuais.A seguir um trecho do seu pensamento sobre o desarmamento:"as falsas idéias feitas pelos legisladores a respeito da utilidade são uma das fontes mais abundantes de erros e injustiças"... "Podem do mesmo modo ser tidas como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas,pois apenas desarma o cidadão pacífico,enquanto deixam a arma na mão do criminoso,muito habituado a violar as convenções mais sacras para respeitar aquelas que são somente arbitrárias." X Beccaria também fala sobre o crime de contrabando e das falências e em poucas linhas faz menção aos crimes de grande repercussão em que as autoridades se sentem forçadas a tomar atitudes muito rigorosas com os criminosos por conta da opinião pública. Dedica um capítulo de sua obra à exposição de que em relação a certos crimes,aqueles considerados de pequeno potencial lesivo,deveria haver a aplicação de penas alternativas à pena de prissão,como por exemplo,as multas e os serviços prestados à sociedade. Nessas e em outras questões podemos constatar a atualidade do pensamento de Cesare Beccaria e a sua influência no nosso ordenamento jurídico. Muitas das reformas preconizadas por ele podem ser encontradas nas codificações atualmente vigentes e várias de suas idéias são utilizadas como fundamentos das teorias criminais modernas.Sem dúvida,ele foi uma pessoa de idéias avançadas para o seu tempo. X Referências: BECCARIA,Cesare - Dos delitos e das penas,Saraiva de bolso,Editora Nova Fronteira,2011. Luiz Flávio Gomes - "Beccaria(250 anos) E o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?",Editora Saraiva,2014 X
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