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SOUZA, C. S. A poesia de Jorge Fernandes... 
Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
n. 5, fev./jun. 2012 
30 
A POESIA DE JORGE FERNANDES SOB O SIGNO DO CAMPO E DA 
CIDADE 
Charlyene Santos de Souza (UFRN) 
 
RESUMO: A poesia, tradicionalmente vista como linguagem elevada, passou a incorporar, na 
modernidade, o cotidiano, de tal modo que prefere as coisas corriqueiras do homem e da vida ao 
sublime. Desse modo, ela tem se ocupado para além das questões líricas, contemplando também 
questões de ordem social (LIMA, 2003). A partir de tais considerações, é possível observar, na 
obra do poeta norte-rio-grandense Jorge Fernandes, inserido na estética modernista no Rio 
Grande do Norte, representações sociais dos espaços do campo e da cidade. Sua poesia 
problematiza questões voltadas a esses ambientes, apontando as mudanças sociais ocorridas 
com a chegada da modernidade na provinciana Natal dos anos 20 e como essas mudanças 
afetam os sujeitos em suas vivências. O ensaio ora proposto analisa as representações desses 
espaços sociais nos poemas “Aviões 1” e “Poema das Serras 1”, a fim de verificar como os 
referidos textos vão nos revelando uma espécie de adesão do poeta ao processo de 
modernização social, via afirmação do espaço urbano, ao mesmo tempo em que promove a 
reafirmação de valores advindos do campo. Para tanto, fundamentamo-nos no estudo de 
Antonio Candido (1976) acerca da relação entre literatura e sociedade e nas reflexões de 
Raymond Williams (1989), em seu livro O Campo e a Cidade na História e na Literatura, além 
de também buscarmos orientação na reflexão de Adorno (1985) sobre o texto literário e a 
sociedade moderna. Constatamos, com a análise dos poemas, que a modernidade é vista sob os 
olhos de quem ainda resguarda traços tradicionais e só adere parcialmente à nova ordem. 
Palavras-Chave: Jorge Fernandes; Representações sociais; Modernidade. 
 
ABSTRACT: Poetry, traditionally seen as a higher language, has incorporated, in modernity, 
everyday life, so that prefers ordinary things of man and life to the sublime. Thus, she has been 
busy beyond the lyrical issues, also including issues of social order (LIMA, 2003). From these 
considerations, it is possible to observe, in the work of Jorge Fernandes, potiguar poet inserted 
into the modernist aesthetic in the Rio Grande do Norte, social representations of the spaces of 
the city and the countryside. His poetry discusses questions related to these environments, 
pointing to the social changes that occurred with the arrival of modernity in provincial Natal in 
the 1920’s and how these changes affect the men in their experiences. The essay proposed here 
examines the representations of social spaces in the poems “Aviões 1” and “Poema das Serras 
1”, in order to see how these texts reveal something of the poet’s accession to the process of 
social modernization, via the affirmation of urban space, while promoting the affirmation of 
values arising from the contryside. For this, we are based on the study of Antonio Candido 
(1976) about the relationship between literature and society, on the thoughts of Raymond 
Williams (1989), in his book O Campo e a Cidade na História e na Literatura, and on 
reflections of Adorno (1985) about dialectic relations that are present in modern society. We 
noted, with the analysis of the poems, that modernity is seen through the eyes of those who still 
protect traditional features and only partially adhere to the new order. 
Keywords: Jorge Fernandes; Social representations; Modernity. 
 
 
SOUZA, C. S. A poesia de Jorge Fernandes... 
Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
n. 5, fev./jun. 2012 
31 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
A linguagem poética possibilita-nos interpretar de diversas maneiras a realidade 
e produzir representações sociais, de modo a causar no indivíduo o sentimento de 
pertença em uma determinada comunidade. Contudo, a poesia, tradicionalmente vista 
como linguagem elevada, nem sempre se ocupou em representar questões concernentes 
à sociedade, visto que se engajava, em maior grau, aos estados de ânimo do poeta e ao 
seu subjetivismo lírico. Na modernidade, ela passa a incorporar o cotidiano, de tal modo 
que prefere as coisas corriqueiras do homem e da vida ao sublime (LIMA, 2003). 
Partindo de tais considerações, é possível observar, na obra do poeta norte-rio-
grandense Jorge Fernandes, inserido na estética modernista no Rio Grande do Norte, 
representações sociais do campo e da cidade. Sua poesia problematiza questões voltadas 
a esses ambientes, apontando as mudanças sociais ocorridas, com a chegada da 
modernidade, na provinciana Natal dos anos 20 e como essas mudanças afetam os 
sujeitos em suas vivências. Nessa direção, são elucidativos poemas como “Aviões 1” e 
“Poema das Serras 1”, uma vez que vão nos revelando uma espécie de adesão do poeta 
ao processo de modernização social, via afirmação do signo urbano, ao mesmo tempo 
em que promove a reafirmação de modos de viver mais simples, na afirmação da cultura 
rústica ou da experiência do campo. 
A fim de analisar e discutir os poemas à luz dessas questões, tomamos como 
orientação de leitura as reflexões críticas sistematizadas por Antonio Candido (1976), na 
adoção de seu método de estudo que articula o texto literário e a sociedade; no que se 
refere à problemática mais específica das representações sociais do espaço urbano e do 
rural, utilizamos como fundamentação teórica o pensamento de Raymond Williams 
(1989), em seu livro O Campo e a Cidade na Historia e na Literatura, como veremos 
mais adiante. 
 
JORGE FERNANDES: O MODERNO NA PROVÍNCIA 
Jorge Fernandes nasceu em Natal no dia 22 de agosto de 1887, onde se 
aventurou no comércio e em negociações com cafés e bares. Ele foi sócio do famoso 
Café “Majestic”, que durante algum tempo funcionou como centro da boemia e das 
atividades culturais da província. Faleceu no dia 17 de julho de 1953 na mesma cidade, 
sem alcançar o merecido reconhecimento pela sua contribuição poética para o estado, 
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embora Câmara Cascudo tenha cooperado com a divulgação de sua obra e alguns de 
seus poemas tenham sido recitados e divulgados por Mário de Andrade no sul do país. 
Publicou, em vida, apenas seu Livro de Poemas, em 1927, inaugurando, em poesia, a 
estética modernista no estado. Jorge Fernandes também contribuiu com a 
“transformação da figura pública do poeta”, que até então estava ligada à elite política 
local.1 
Com sua obra, Jorge Fernandes conseguiu apreender a realidade local sem se 
distanciar de uma realidade mais ampla, acrescentando elementos universais a seus 
dados locais em uma obra singular e imagética. Nesse contexto, a década de 20 no Rio 
Grande do Norte é marcada por mudanças de ordem política e social e pela chegada de 
elementos da modernidade, como o bonde e o avião. Quanto mais os elementos do 
mundo moderno chegavam ao estado, mais discrepantes eram as diferenças entre a 
tradicional e atrasada província natalense e o mundo novo que se formava. Em poemas 
como “O bonde novo” 
 
Chega na balaustrada espia o mar... 
E os passageiros todos nem olham pro mar... 
Só ouvem a campa nova... 
[...] 
 
percebemos o deslumbramento de sujeitos que, em meio a um modo de vida tradicional, 
passam a conviver com os elementos da modernidade, posto que “todos nem olham pro 
mar.../ só ouvem a campa nova...”, como se o elemento estranho – a campa nova – 
tornasse o principal alvo dos olhares de transeuntes e curiosos. 
 
OS SIGNOS DO CAMPO E DA CIDADE 
A obra de Jorge Fernandes parece estar sintonizada com o processo social 
moderno sem, contanto,renunciar aos elementos regionais de seu contexto. Esses 
elementos surgem em sua poesia como problematização de questões sobre os espaços 
rural e urbano. De um lado, o signo urbano representando a modernidade e a 
civilização e, de outro, o rural como sinônimo de simplicidade. Raymond Williams 
(1989, p. 11) apresenta associações historicamente cristalizadas desses dois espaços: “o 
campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e 
 
1
 A esse respeito cf. Araújo (1995). 
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Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
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virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, 
comunicações, luz”. 
Essas diferentes manifestações de vida social são apresentadas e discutidas como 
ordens distintas, segundo Williams (1989), desde as culturas greco-latinas. Mas é, 
sobretudo, a partir do processo de industrialização inglês que o contraste torna-se mais 
evidente e as imagens acima citadas cristalizam-se na sociedade e na literatura. 
Podemos apreender que há, nessa relação entre o campo e a cidade, a presença da 
ideologia de uma classe dominante que instituiu os modelos comumente associados aos 
referidos espaços. Portanto, com o progresso e a ideia de civilidade centrados na cidade, 
coube ao campo carregar a imagem de lugar de atraso e de pouco desenvolvimento 
frente às transformações que ocorriam no espaço urbano. Desse modo, o autor atenta 
para as associações negativas que cada um desses espaços também adquire: o campo 
passa a ter a imagem de lugar de atraso, ignorância e limitação; e a cidade, local de 
barulho e ambição. A esse respeito, é valiosa a citação do poema “A uma passante”, de 
Baudelaire, em que o sujeito lírico aponta a realidade da cidade de modo a afirmar sua 
não exaltação: 
 
A rua em derredor era um ruído incomum, 
longa, magra, de luto e na dor majestosa [...] 
Outro autor que aponta para os diferentes modos de vida ligados a esses espaços, 
focalizando as formas de vida campesinas, é Antonio Candido (2003). Ele discute n´Os 
parceiros do Rio Bonito o sentido dos termos cultura (sociedade) rústica e caipira. O 
crítico afirma que o termo “rústico” não deve ser empregado no sentido de rural, 
embora o englobe, pois este é associado à localização, “enquanto ele pretende exprimir 
um tipo social e cultural, indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas 
tradicionais do homem do campo” (CANDIDO, 2003, p.26). Assim, a compreensão de 
cultura rústica não está ligada somente a relações espaciais, mas a características 
culturais relacionadas às culturas do campo. Segundo o autor (p. 28), “No caso 
brasileiro, rústico se traduz praticamente por caboclo”. Por esse viés, o rústico pode ser 
entendido como o modo de ser de um grupo social “oposto” ao ritmo de vida da cidade 
e da modernidade, tendo em vista que aquele modo de ser pressupõe um tempo de 
maior lentidão, fora, portanto, da ideia de tempo linearmente progressivo e acelerado 
que é típico das sociedades modernas. 
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Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
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 Analisando a obra de Eça de Queiroz Antonio Candido (2000) discute a relação 
entre os espaços da cidade e do campo. De acordo com ele, a cidade é vista como 
sinônimo de modernidade, civilização e capitalismo; e o campo sinônimo de 
tradicionalismo e economia agrária. Na obra do autor português, notamos sua adesão 
ora ao espaço urbano ora ao espaço rural. No texto A correspondência de Fradique 
Mendes, as características do homem moderno ligado à civilização e à comodidade 
proporcionada pelos requintes e aparatos tecnológicos trazidos pela modernidade são 
marcantes. Assim, a civilização é colocada como responsável pelo domínio do homem 
sobre o mundo, como traz Candido (2000, p. 38): “[...] Quem lhe dará esse domínio sobre o 
mundo é a civilização burguesa: instrumentos, aparelhos, veículos, invenções de toda espécie se 
adicionam à sua pessoa como atributos de onipotência e ubiquidade”. 
 
JORGE FERNANDES E OS ESPAÇOS RURAL E URBANO 
 
O Livro de Poemas, de Jorge Fernandes, é um verdadeiro convite a experimentar 
a realidade da província natalense em um período marcado pela modernidade. Gurgel 
(2001) diz que, dentre as características da poética de Jorge Fernandes, se destacam o 
relato de fatos cotidianos da cidade e o interesse por elementos do progresso material. A 
chegada desses elementos na cidade é recorrente em poemas como os das séries 
“Aviões” e “Poemas das Serras”. 
Na série “Aviões” o elemento moderno é incorporado à realidade natalense, 
conforme verificamos no poema “Aviões 1”: 
 
Novecentos e cinqüenta cavalos suspensos nos ares... 
 - Besouro roncando: zum.. zum.. umumum... 
Aonde irá aquêle Rola-Titica parar? 
 
E os olhos dos caboclos querem ver os Marinheiros 
Os peitados vermelhos das Oropas... 
E a marmota vai: ron... ron... cevando o vento – 
Por cima dos coqueiros, varando as nuvens... 
Depois desce no Rio Grande numa pirueta danisca 
Desembestado, espalhando água... 
E fica batendo o papo, cansado de voar. 
 Já na série “Poemas das Serras”, no “Poema das Serras 1”, o elemento moderno 
invade o espaço rural. 
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Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
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Quebrar das barras... 
Grita o carão por sobre o açude... 
Aeroplanicamente voa o carcará... 
Forde vai lampeiro na barragem... 
Serras carecas engrujadas na peneira da chuva... 
Avança forde – come léguas do diacho 
Lá vem o Sol-Voronoffe dando alegria às velhas árvores 
E envernizando de verde as juremas das serras... 
Sapeca – Forde... 
Quero da serra de Santana 
Olhar pra baixo cheio de mim... 
Tangente dengosa... nem uma variante... 
Aqui foi onde empreiteiros 
Sonharam cortes imaginários 
E ganharam dinheiro como beia... 
 – Uma cobra! 
– Passa por cima o pneu... 
–Arriê!... 
– Vamos ver a cobra! 
 
É uma jararaca dançando a sua última dança 
Em honra ao bicho fera 
Que ela mordeu o couro da borracha e ele não morreu... 
 
Desde os primeiros versos do poema “Aviões 1” percebemos como a imagem do 
avião é hiperbolicamente construída. As escolhas dos verbos no gerúndio roncando, 
cevando, varando e das onomatopeias zum... zum.. umumum..., ron... ron... remetem à 
ideia de barulho e agitação causada por esse besouro. Além de impressionar por seu 
tamanho e ruído, o avião ainda é atração dos olhos dos caboclos pelo fato de trazer 
Marinheiros de longe, das Oropas. Essa curiosidade pelos que vêm de fora evidencia o 
valor atribuído aos elementos novos incorporados pouco a pouco à nova realidade da 
província. 
Contudo, vemos que a máquina, relacionada à ordem moderna, não é puramente 
exaltada. Em alguns momentos o processo social moderno é caracterizado por adjetivos 
como marmota e desembestado, sugerindo certa desaprovação pelo tom irônico em que 
esses adjetivos são empregados. Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa 
(2001), marmota significa “aparição de coisa esquisita ou inexplicável; assombração”, e 
desembestado, “que desembestou, desenfreado, desabalado”. No contexto do poema, podemos 
dizer a máquina como sendo uma representação do mundo moderno surge, ironicamente, na 
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criação do poeta como imagem de um objeto desarrumado, desordenado. Isso implica dizer que 
o moderno não salta aos olhos desse sujeito com puro e absoluto encantamento. 
O aviãotambém surge, através de uma relação metonímica, nomeado por 
besouro e Rola-Titica, figuras simples, comparadas às estabelecidas e pregadas pela 
modernidade. Nessa direção, temos a imagem do elemento do progresso visto sob os 
olhos de quem só faz uma adesão parcial ao processo de modernização. Parece que 
somente a modernidade e a ideia de civilização não bastam, pois, de acordo com 
Williams (1989), à ideia de vida urbana também se ligam as de barulho, caos, desordem 
e ambição, cabendo ao sujeito lírico referir-se ao campo e a seu modo de vida simples. 
A questão da modernidade invade o espaço rural no “Poema das Serras 1”. Nele, 
a paisagem sertaneja é retratada por um sujeito que percorre esse ambiente descrevendo-
o. No espaço de invasão do moderno, logo se observa como a acrobacia do carcará tem 
como equivalência a do avião (aeroplanicamente voa o carcará), num movimento em 
zigue-zague da máquina transmutada em natureza, e esta personificada naquela: 
 
 Quebrar das barras... 
Grita o carão por sôbre o açude... 
Aeroplânicamente voa o carcará... 
Forde vai lampeiro na barragem... 
[...] 
Quero da serra de Santana 
Olhar pra baixo cheio de mim... 
Há, além da contemplação da paisagem rural de simplicidade encantadora, a 
introdução do elemento moderno nesse espaço: o automóvel. O forde, como é chamado, 
incorpora-se ao rural para modificar sua ordem, adentrando nos espaços onde, até pouco 
antes, só se adentrava de modo rústico. A velocidade com que o automóvel percorre as 
Serras é manifestada pelo observador que, em tom imperativo, ressalta esse predicativo 
em Avança forde – come léguas do diacho e em Sapeca – Forde... Essa observação nos 
faz recordar a ideia de tempo linearmente progressivo e acelerado da modernidade, pois 
é como se o poeta também se referisse à incorporação acelerada dessa ordem em seu 
contexto geográfico e social. Berman (1986, p.15), ao se referir as mudanças e 
experiências da modernidade, aponta que “ser moderno é encontrar-se em um ambiente 
que promete [...] autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao 
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que 
somos”. 
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Como se não bastasse adentrar no ambiente campesino, o automóvel, 
representado pela sua marca, forde, desarmoniza a cena de naturalidade desse espaço, 
interferindo e comprometendo a ordem de seus elementos. 
 
– Uma cobra! 
– Passa por cima o pneu... 
–Arriê!... 
– Vamos ver a cobra! 
 
Dessa imagem, podemos inferir que o automóvel representa a modernidade e 
suas máquinas, e que a figura da cobra representa o mundo rústico. O encontro desses 
dois elementos de representação de espaços distintos sugere a tensão entre essas duas 
formas de vida e, ao mesmo tempo, um convite para se ver de perto os elementos da 
cultura rústica (ARAÚJO, 1995), que, nos versos de Jorge Fernandes, são apresentados 
com recorrência. Ainda que se tome a vitória do forde sobre a cobra, já que o pneu 
passa por cima dela, podemos inferir também que o poema resulta de uma ambiguidade 
e de uma tensão próprias dos textos literários da modernidade, no que estes trazem de 
dissonância entre elementos oriundos de uma tradição regional, da natureza, e da vida 
social moderna, o forde e o avião. 
Nos versos finais, o aparente triunfo da máquina é reiterado, conforme a imagem 
e a descrição que podemos ver nos versos: 
 
É uma jararaca dançando a sua última dança 
Em honra ao bicho fera 
Que ela mordeu o couro da borracha e ele não morreu... 
 
Dessa vez, o elemento que representa a rusticidade não é mais nomeado de um 
modo genérico, ele é apresentado como jararaca, em seu momento de perecimento. No 
embate entre o mundo moderno e o rústico, a força da máquina, embora com resistência 
do rústico – a cobra –, que “morde o couro da borracha e ele não morre”, prevalece. 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Os poemas cotejados trazem a presença do signo do campo e da cidade de modo 
díspar, embora ambos apresentem uma espécie de adesão parcial do poeta ao processo 
de modernização, ligado, então, ao signo citadino. No poema “Aviões 1”, a cidade e sua 
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representação é visualizada pela figura do avião, que causa diferentes impressões 
quando passa. Uns, admiram-no pelo fato de ser um elemento novo, ao passo que a 
outros olhos, como os do poeta, a sensação não é de admiração nem de exaltação. 
Já no “Poema das Serras 1”, a representação se dá pela imagem do automóvel. 
Enquanto no primeiro poema o avião vai cevando o vento, no segundo, é o carcará 
quem povoa o céu e voa aeroplanicamente, enquanto o forde desbrava o rural. Aqui, é 
por meio da máquina que o sujeito observa e contempla a paisagem do campo. Com 
todas as imagens, ironias e escolhas do poeta, notamos a tensão que há entre o antigo e 
o novo, o rústico e o moderno, a natureza e o mundo das máquinas, num movimento 
dissonante em meio a uma dupla resistência, a da cobra que morde o couro da borracha, 
e a do couro que não sucumbe. 
 
Que ela mordeu o couro da borracha e ele não morreu... 
 
Desse modo, as sistematizações teóricas e as análises dos poemas analisados 
possibilitaram a compreensão de que há a adesão ora ao signo urbano, ora ao rural. Isso 
remete à ideia de dialética apresentada por Adorno (1985), que consiste no movimento 
permanente de contradição, aqui representado pela adesão, quase simultânea, mas de 
modo diferente, aos dois espaços. A cidade é vista sob os olhos de quem, diante da 
modernidade, ainda resguarda traços tradicionais e adere parcialmente à nova ordem, 
embora, nesse momento histórico, a imagem da cidade esteja ligada à modernidade e 
esta vinculada à ideia de civilização. À imagem do campo liga-se a projeção de virtudes 
simples e de paz. 
Podemos, então, afirmar que a forma como o poeta adere a esses espaços parece 
contraditória, pois, mesmo observando acontecimentos da vida social moderna, ele não 
abre mão de valores tradicionais de sua província, revelando uma interferência de 
registros2 entre tradição e modernidade, já que, ao referir-se à experiência urbana, o 
poeta não a exalta puramente, antes, recorre ao ritmo de vida oposto. Parece que o 
homem da modernidade também vê contradições na cidade e na nova ordem que prega a 
razão, o avanço e exaltação da máquina. 
 
 
2A esse respeito cf. Araújo (1995). 
 
SOUZA, C. S. A poesia de Jorge Fernandes... 
Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. 
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REFERÊNCIAS 
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In:______. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar Ed., 1985. 
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Natal: UFRN. Ed. Universitária, 1995. 
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da 
modernidade. 14.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. 
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5.ed. 
revista. São Paulo: Editora Nacional, 1976. 
______. Entre Campo e Cidade. In:______. Tese e Antítese. 4 ed. São Paulo: T. A. 
Queiroz Editor, 2000. 
______. Dialética da malandragem. In: O discurso e a cidade. São Paulo: Duas cidades, 
1993. 
______. A cultura rústica. In:______. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o 
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2003. 
FERNANDES, Jorge. Livro de Poemase outras poesias. Natal: Fundação José 
Augusto, 1970. 
GURGEL, Tarcísio. Informação da literatura potiguar. Natal : Argos, 2001. 
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da Língua 
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LIMA, Luiz Costa. Mímeses e modernidade: formas das sombras. 2.ed. São Paulo : Paz 
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WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura; tradução Paulo 
Henriques Britto. São Paulo : Companhia das Letras, 1989.

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