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ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA COM 13 ANOS DE IDADE. VULNERABILIDADE NÃO EVIDENCIADA. HIPÓTESE DE REFORMA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. Embora a redação do art. 217-A, caput, do Código Penal seja clara ao estabelecer que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável, a realidade social permite relativizar a situação de vulnerabilidade, de modo que seja examinada casuisticamente para verificação da presença, ou não, dos elementos do tipo penal no caso em julgamento. Na atualidade, os conhecimentos são disseminados rapidamente entre os jovens, cada vez mais precoces e que apresentam vertiginoso desenvolvimento intelectual e cognitivo, de modo que há situações em que se evidencia que a Lei possa estar, caso a caso, em descompasso com a realidade social. Hipótese em que o réu e a suposta vítima mantêm relacionamento marital, com o consentimento da família, passando a residir juntos antes mesmo do nascimento do filho comum, apesar da idade da ofendida – 13 anos. Aliado a isso, inexistem evidências indicando que a vítima não tinha discernimento das conseqüências de seus atos, de modo que a absolvição do réu se mostra a solução mais adequada para o caso. Sentença condenatória reformada. APELAÇÃO PROVIDA. APELAÇÃO CRIME QUINTA CÂMARA CRIMINAL Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397- 12.2015.8.21.7000) COMARCA DE MONTENEGRO J.A.S. .. APELANTE M.P. .. APELADO ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA A CÓR DÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação, para absolver o réu da imputação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras DES.ª LIZETE ANDREIS SEBBEN E DES.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES. Porto Alegre, 10 de junho de 2015. DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, Relator. R E L AT ÓRI O DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR) Trata-se de apelação interposta por JAIR A. S. à sentença que julgou procedente a denúncia para condená-lo como incurso nas sanções do art. 217-A do Código Penal à pena de 08 (oito) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto (fls. 60-62). O Ministério Público ofereceu denúncia contra JAIR A. S., nascido em 28.06.1988, dando-o como incurso nas sanções do art. 217-A, do Código Penal, nos seguintes termos: ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em data e horários indeterminados, mas seguramente entre os meses de junho e julho de 2013, [...], no Município de Montenegro, o denunciado JAIR [...] constrangeu a vítima Luana [...], sua companheira, de 13 anos de idade à época dos fatos, à conjunção carnal, tendo submetido a vítima à coito vaginal. À ocasião do fato, o acusado manteve relações sexuais com a vítima, sua companheira, valendo-se da sua tenra idade para pratica do delito. Em decorrência dos atos, a vítima resultou grávida. Recebida a denúncia em 23.07.2014 (fls. 36 e verso). O réu foi citado pessoalmente (fl. 38v.), e apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (fls. 40-43). Afastadas as hipóteses de absolvição sumária (fl. 45), o magistrado de primeiro grau passou à instrução do processo inquirindo a vítima, uma testemunha arrolada pela acusação, uma testemunha arrolada pela defesa, e interrogando o réu (CD fl. 59), bem como homologando a desistência da oitiva de uma testemunha de defesa. Encerrada a instrução (fl. 56), seguiram-se os debates orais pela acusação e defesa (CD, fl. 59). Sobreveio a sentença, publicada em 11.12.2014 (fl. 62) julgando PROCEDENTE a denúncia para condenar JAIR A. S. como incurso nas sanções do art. 217-A do Código Penal, à pena de 08 (oito) anos de reclusão (fls. 60-62): O réu é imputável, tinha plena consciência da ilicitude de sua conduta, sendo exigível comportamento diverso, nada estando, porém, a determinar alto grau de CULPABILIDADE. O réu não registra ANTECEDENTES. Nada consta acerca de sua CONDUTA SOCIAL e PERSONALIDADE, presumindo-se normais. MOTIVOS comuns à espécie. CIRCUNSTÂNCIAS comuns ao delito. As CONSEQUÊNCIAS foram graves, pois a vítima resultou grávida, o que lhe prejudicou nos estudos, conforme informações do Conselho Tutelar (fl. 11). O comportamento da VÍTIMA não diminui o grau de reprovabilidade da conduta. ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sendo apenas uma das oito circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal desfavorável ao réu, e lembrando que a pena cominada ao delito é de 8 a 15 anos, fixo a pena-base um pouco acima do mínimo: 8 anos e 5 meses de reclusão. Presente a atenuante da confissão espontânea (art. 65, inc. III, letra ‘d’, do CP), reduzo a pena em 5 meses. A pena provisória resta fixada em 8 anos, ficando assim estabelecida, por não haver outras causas de modificação. Regime. Considerando que a pena é igual a oito anos, que não há reincidência, o regime inicial de cumprimento da pena é o semiaberto, conforme art. 33, §2º, letra "b", do Código Penal. Pena restritiva de direitos e ‘Sursis’ (arts. 44 e 77 do CP). Deixo de substituir a pena privativa de liberdade aplicada por restritiva de direitos, ou de aplicar ‘sursis’, porque não estão preenchidos os requisitos exigidos pelos arts. 44 e 77 do Código Penal, pois a pena aplicada é superior a 4 anos (inc. I). Inconformada, a Defesa apelou, sendo recebido o recurso (fl. 64). Em suas razões de apelação (fls. 65v.-70), argumenta ser atípica a conduta, na medida em que, em outubro de 2013, foi-lhe concedido, pelo Conselho Tutelar, o termo de responsabilidade de Luana, depois de terem sido comunicados pelo pai da suposta vítima que a mesma e o recorrente viviam como companheiros. Assevera não ter sido informado acerca das sanções penais que estava cometendo e ressalta que o consentimento de Luana é lúcido, tendo inclusive o filho sido planejado por ambos. No mérito, protesta pela absolvição, diante da fragilidade do conjunto probatório. Frisa que os depoimentos colhidos em fase instrutória demonstram o consentimento da família em relação ao relacionamento, ou seja, não há elementos capazes de presumir a violência contra a vítima, condição para a configuração do delito previsto no art. 217-A do Código Penal. Salienta estar o casal residindo na mesma casa juntamente com o filho de ambos, assim como que mantêm bom relacionamento, sendo o responsável pelo sustento de sua família. Por tais fundamentos, postula seja ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA absolvido da imputação e, alternativamente, que seja fixada a pena no mínimo legal. Requer, ainda, a isenção das custas processuais, tendo em vista que presentes os requisitos para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.Apresentadas contrarrazões (fls. 76-79v.). Remetidos os autos a esta Corte, o Ministério Público, pelo eminente Procurador de Justiça Dr. José Pedro M. Keunecke, exarou parecer pelo provimento da apelação (fls. 83-92). Vieram os autos conclusos para julgamento. Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o art. 613, inciso I, do Código de Processo Penal. É o relatório. V O TO S DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR) Cuida-se de apelação interposta por JAIR A. S. à sentença que julgou procedente a denúncia para condená-lo como incurso nas sanções do art. 217-A do Código Penal à pena de 08 (oito) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto (fls. 60-62). Conforme a denúncia, o réu foi denunciado pelo crime de estupro de vulnerável, tendo em vista que, no período compreendido entre os meses de junho e julho de 2013, em datas e horários indeterminados, constrangeu a vítima Luana K. P., sua companheira, na época com 13 anos de idade, à prática de conjunção carnal. Ainda conforme a denúncia, a vítima resultou grávida. Passo à análise da prova dos autos. ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ouvida a vítima Luana em Juízo (CD, fl. 59), confirmou que à época descrita na denúncia era companheira do acusado, situação que persistia. Iniciaram o namoro quando tinha 12 anos de idade. Afirmou: desde o segundo, terceiro mês que a gente começou a namorar, a gente começou a morar junto (00”55’), o que ocorreu com o consentimento de seu pai. A mãe já era falecida. Confirmou, também, que tem um filho com o réu. Eva Maria V., avó da vítima (CD, fl. 59), relatou que depois do falecimento da mãe a vítima permaneceu residindo com o genitor, não sabendo precisar a época em que Luana conheceu o réu. Indagada se a família aceitou o relacionamento da vítima com o réu, bem como que fossem morar juntos, respondeu: nós aceitamos por causo que ela era muito ‘arruaceirinha’ e o Jair era uma pessoa de cabeça boa, rapaz com profissão (00”39’). Confirmou que o réu na época do início do relacionamento com a vítima tinha mais de vinte anos. Adiante, ao lhe ser perguntado se não estranhou a diferença de idade entre eles, afirmou: é que a gente no começo nem sabia que a Luana estava namorando; a gente foi saber depois. E ela tinha a mania de sempre inventar que tinha mais idade, porque ela sempre foi muito grandona [...] ela dizia para as amigas, para todo o mundo, que ela tinha mais idade (1”09’). Confirmou que a vítima engravidou aos treze anos de idade. A testemunha André V. K. (CD, fl. 59), tio da vítima, ao prestar depoimento em juízo, afirmou conhecer o réu desde o momento em que começou a namorar Luana. Perguntado acerca das características de Jair, afirmou: é uma pessoa ótima; [...] ela não é assim largada; ela perdeu a mãe e eu, como tio, a avó, a gente é bem presente, o pai ... e ele sempre foi uma pessoa muito séria, teve sempre um relacionamento sério com ela, com o consentimento da família; eles casaram, ele é um ótimo pai [...] como pai, assim, é excelente (1”10’). ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por fim, o réu, quando de seu interrogatório em Juízo (CD, fl. 59), disse que quando começou a se relacionar com Luana não sabia sua idade, que veio a descobrir depois. Afirmou: pelo tamanho dela, eu achei que tinha mais idade e aí, depois que eu acabei se apaixonando por ela tudo, daí, depois que eu descobri (00”20’). Perguntado quando descobriu a idade da vítima, disse: é que ela não me falou, ela me falou depois, né [...] quando ela me falou eu já estava apaixonado por ela e daí já era tarde, eu não tive como mais ... (00”36’). Depois de já saber a idade da vítima é que tiveram o filho, que está com seis meses de idade. Esses os elementos de prova produzidos em Juízo, segundo os quais restou nítido que, embora se possa cogitar que o réu não era sabedor da idade de Luana quando passaram a se relacionar, certo é que manteve o relacionamento depois de tomar conhecimento que Luana era menor de quatorze anos de idade, assim como não restam dúvidas de que as relações sexuais ocorreram por desejo de ambos. Entretanto, à luz do disposto no caput do art. 217-A, o consentimento de Luana para a prática do ato sexual não se exteriorizou de forma válida, uma vez que, em razão da idade (12 anos à época do início do relacionamento), restaria caracterizada sua situação de vulnerabilidade. Segundo a Lei, em razão da tenra idade, o menor de 14 (quatorze) anos não possui desenvolvimento mental completo e maturidade sexual que lhe permita consentir para a prática do ato sexual, restando caracterizada, assim, a vulnerabilidade. Em que pese a redação do tipo penal seja clara ao estabelecer que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos caracteriza o crime de estupro de vulnerável, há situações em que a interpretação literal do tipo penal pode levar a conclusões baseadas unicamente na análise da idade da vítima, deixando-se de ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA examinar o contexto em que ocorreram os fatos, e não permitindo que a situação de vulnerabilidade seja examinada casuisticamente, ou seja, sem se perquirir acerca de eventual constrangimento na prática do crime. Vale registrar que a simples análise da faixa etária não raras vezes está dissociada da realidade social, em que os conhecimentos em níveis gerais são disseminados rapidamente entre os jovens, cada vez mais precoces, e que, em razão do conteúdo das informações a que têm acesso, apresentam vertiginoso desenvolvimento intelectual e cognitivo. Nessa linha, ainda que para a caracterização do crime de estupro de vulnerável seja necessária a comprovação da idade da vítima, aludido critério, por si só, em determinadas situações, em razão do contexto fático, não autoriza a tipificação, exigindo-se a relativização da vulnerabilidade. Acerca do tema, esta Corte de Justiça: APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PALAVRA DA VÍTIMA. CONSENTIMENTO À PRÁTICA DE CONJUNÇÃO CARNAL. IN DUBIO PRO REO. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. Os elementos de convicção existentes no caderno processual evidenciam ter havido relação sexual entre o acusado e a ofendida de 12 anos de idade. Indícios de que a adolescente não foi coagida à prática do ato, senão que realizou o mesmo de maneira consentida. Versão que passou a ser refutada tão somente quando da oitiva judicializada. Demais elementos colacionados que não contribuem para dirimir a instaurada dúvida. Cópia de missivas subscritas pela adolescente denotando ter mantido relacionamento afetivo com o acusado, ao longo do qual ocorreram relações sexuais desacompanhadas de registro de coação física ou moral. Indemonstrada sua fragilidade ou incapacidade para consentir. Possibilidade de relativização da presunção de ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA violência que recai sobre a conduta do denunciado. Precedentes no sentido de que o critério etário adotado pelo legislador infraconstitucional não maisse considera absoluto, sobretudo diante dos avanços sociais, da universalização do acesso à informação e, consequentemente, da obtenção de maturidade e capacidade de discernimento pelos adolescentes. Liberdade para decidir sobre questões envolvendo a sexualidade que não pode ser desconsiderada. Condenação que se revela temerária, pois embasada em substrato probatório titubeante, determinando o provimento do apelo defensivo ao efeito de absolver o acusado nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP. APELAÇÃO PROVIDA. UNÃNIME. (Apelação Crime Nº 70050537802, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 29/04/2014); APELAÇÃO-CRIME. ESTUPRO. VIOLÊNCIA FICTA. MATERIALIDADE E AUTORIA. Materialidade e autoria cabalmente demonstradas pela confissão do acusado, que confirmou ter mantido relações sexuais com a vítima, sua namorada à época do fato, versão corroborada pelo relato da vítima e testemunhas. 2. VIOLÊNCIA FICTA. VÍTIMA COM 12 ANOS DE IDADE À ÉPOCA DO FATO. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA RELATIVA. Considerando as profundas transformações sociais e culturais da atualidade, não é mais possível considerar de caráter absoluto a presunção de violência contida no art. 224, a , do CP, vigente ao tempo do fato, mostrando-se indispensável a análise das peculiaridades do caso concreto. Vítima que contava com 12 anos de idade à época do fato, porém demonstrava maturidade para se determinar quanto à conveniência ou não das relações sexuais mantidas de forma consentida. Ausência de provas da ocorrência do verbo constranger , essencial para a configuração do crime de estupro. Absolvição mantida. APELO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70051354710, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 27/03/2013) ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Oportuna, destaco lição de Guilherme de Souza Nucci1: A proteção conferida aos menores de 14 anos, considerados vulneráveis, continua a despertar debate doutrinário e jurisprudencial. O nascimento de tipo penal inédito não torna sepulta a discussão acerca do caráter relativo ou absoluto da anterior presunção de violência. Agora, subsumida na figura da vulnerabilidade, pode-se tratar da mesma como sendo absoluta ou relativa. É viável considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade. No caso, como referido, incontroverso que a vítima tinha 12 anos quando iniciaram o namoro e 13 anos quando engravidou, assim como que o réu manteve relações sexuais com ela depois de saber sua idade e que do relacionamento tiveram um filho, conforme referido. Igualmente incontestável que o relacionamento obteve o consentimento da família de Luana, tanto que a avó e o tio, ouvidos em juízo, externaram seu contentamento em razão de saber que a vítima estava se relacionando com pessoa que consideravam como séria, de boa índole e excelente pai de família. Ambos foram igualmente categóricos em afirmaram que, desde o falecimento da mãe de Luana, dedicam-lhe especial atenção. Inegável, ainda, que as relações sexuais foram mantidas de forma consentida, não havendo indicativos de que Luana não tivesse capacidade para discernir acerca das consequências de sua atitude, tanto 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual. 2ª edição. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011, p. 102 ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA que, juntamente com o réu, quando ouvidos pelas Conselheiras Tutelares que firmaram o ofício n.º 1034/2013 (fl. 11), verbalizou que foi morar na companhia de Jair antes de tomarem conhecimento da gravidez, e que ambos estavam mantendo boa harmonia no relacionamento e providenciando as condições necessárias para a chegada do filho. Mais, igualmente ouvidos pelas Conselheiras Tutelares, tanto o pai de Luana, como a avó materna, no caso, a testemunha Eva Maria, afirmaram que [...] a jovem está bem. Falaram que a genitora de Luana faleceu em 2011 e depois disso, Luana tem apresentado dificuldades para organizar-se com ausência da mãe. Falaram que Luana não estava obedecendo o pai, começou a sair na noite com freqüência e apresentar-se rebelde (sic - fl. 11). Tal descrição é corroborada pelo depoimento de Eva Maria em juízo, que afirmou que a vítima era “muito arruaceirinha”, externando seu contentamento com o início do relacionamento de Luana com o réu. Diante desse contexto, não há indicativos de que Luana em algum momento tenha sido forçada/constrangida à prática sexual com o réu, ou mesmo que não tivesse capacidade de discernimento acerca da dimensão de seus atos. Assim, tenho que a melhor solução para o caso concreto é a absolvição do réu, tendo em vista ser improcedente a acusação de Jair que, ao que indicam os autos, mantém com a vítima relacionamento marital, tendo ambos sido inseridos no contexto familiar, e com ela teve um filho, inexistindo no caso os elementos integrantes da infração penal para embasar um decreto condenatório. Assim, impõe-se julgar improcedente a denúncia para absolver o réu da imputação constante na denúncia. Isto posto, dou provimento à apelação ALPV Nº 70063810196 (N° CNJ: 0066397-12.2015.8.21.7000) 2015/CRIME 12 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DES.ª LIZETE ANDREIS SEBBEN (REVISORA) Eminentes colegas, Tenho muita dificuldade em reconhecer a forma tentada em relação ao delito tipificado no artigo 217-A do Código Penal, porque considero que outro ato libidinoso com menor de 14 anos, referido no precitado dispositivo de lei, abarca qualquer prática com fim de satisfação de sevícia, onde a violência é presumida em relação à vulnerabilidade da menor. A tentativa, sob minha ótica, ocorreria somente se o ato em si – passar mão e beijar, dentre outros, não ocorresse. No caso concreto, no entanto, diante das peculiaridades muito bem expostas pelo digno Relator, em especial porque a vítima, embora de pouca idade, era companheira do réu, vou acompanhar seu voto, na íntegra. É como voto. DES.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES - De acordo com o Relator. DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO - Presidente - Apelação Crime nº 70063810196, Comarca de Montenegro: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, PARA ABSOLVER O RÉU DA IMPUTAÇÃO CONSTANTE NA DENÚNCIA." Julgadorde 1º Grau: ANDRé LUIS DE AGUIAR TESHEINER
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