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1 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 epilepsia CONCEITOS Epilepsia é um termo genérico que se refere ao fenótipo de crises convulsivas recorrentes e espontâneas, isto é, não necessariamente provocada por um fator reversível e evitável. Por definição é preciso que tenha havido 2 ou mais crises convulsivas espontâneas (num intervalo >24h) para se estabelecer o diagnóstico de epilepsia; É UMA CRISE EPILÉPTICA DE REPETIÇÃO. Crise epiléptica: é uma alteração temporária e reversível do funcionamento do cérebro. Durante um curto período de tempo (segundos ou minutos), uma parte do cérebro manda descargas elétricas anormais e excessivas. Convulsão: é um termo usado para significar atividade motora substancial durante uma crise. Tal atividade pode ser tônica, clônica, mioclônica ou tônico-clônica. Estado do mal epiléptico: é definido como uma crise prolongada. Pode ser: Status convulsivo: crises com mais de 30 minutos de duração. Já é considerado caso apresente uma convulsão única com duração >5min. Status não convulsivo: crises convulsivas sem recuperação da consciência entre elas. FISIOPATOLOGIA A doença se caracteriza por descargas elétricas neuronais excessivas. Se essa descarga estiver apenas em uma parte do cérebro, teremos as crises parciais ou focais. Se envolver os dois hemisférios, teremos as crises generalizadas. E se começar em uma parte do hemisfério e se propagar para os dois hemisférios, teremos as crises focais evoluindo para crises generalizadas. Essa descarga excessiva pode ocorrer por aumento da excitação neuronal (principal é o glutamato) ou por falta da inibição neuronal (principal inibidor é o ácido-gama-aminobutírico). Por resultar de um desequilíbrio ente excitação e inibição neuronal, diversos fatores que interferem nessas propriedades são capazes de induzir uma crise convulsiva. Assim, mesmo um cérebro absolutamente normal é susceptível desde que exposto a cirscutancias apropriadas. Por exemplo, certas drogas diminuem o limiar convulsivo, fazendo com que desencadeantes como estresse físico ou mental (incluindo privação de sono) consigam provocar uma crise tônico- clônica generalizada num paciente sem história previa de epilepsia. ETIOLOGIA A idade é um fator endógeno relevante, haja vista que o limiar convulsivo varia em função do grau de maturidade do SNC. É por isso, que muitas crianças apresentam a chamada convulsão febril sem desenvolver posteriormente qualquer distúrbio neurológico. A história familiar de convulsão é outro fator de predisposição importante. Além disso, traumas cranianos tem chance de resultar em epilepsia subsequente. Acredita-se que redes neuronais previamente hígidas se tornem hiperexcitáveis após esse tipo de trauma, constituindo focos epilépticos permanentes. No caso das síndromes genéticas, os genes implicados geralmente codificam a síntese de receptores ou canais iônicos defeituosos que se localizam na membrana neuronal. PERIODO NEONATAL: doenças congênitas, trauma, anóxia e desordens metabólicas. CRIANÇAS DE 3 MESES A 5 ANOS: predominam as convulsões febris, mas também temos causas idiopáticas e infecções. ENTRE 5 e 12 ANOS: a causa mais comum é a genética; ADULTOS JOVENS: o TCE, a neurocisticercose, abuso de drogas ilícitas e a abstinência alcoólica compõe as principais etiologias. IDOSOS: a causa mais comum é a doença cerebrovascular, além disso, temos os tumores cerebrais, TCE, hematoma subdural, infecção do SNC e doença degenerativa (Alzheimer). 2 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 EPILEPSIA PRIMÁRIA OU IDIOPÁTICA: Por mais que investigue esse paciente, não se encontra causa orgânica para sua epilepsia. Geralmente abem o quadro na infância e adolescência e tendem a desaparecer na idade adulta. EPILEPSIA SECUNDÁRIA OU SINTOMÁTICA: Para ser considerada como secundaria ou sintomática, o paciente tem que apresentar duas ou mais crises associadas a distúrbios metabólicos, eletrolíticos, intoxicação exógena, abstinência de álcool.. ATENÇÃO: Todo adulto que apresente uma crise epiléptica, não importa se focal ou generalizada, deve ter como hipótese diagnóstica a crise secundária, portanto, há necessidade de investigação etiológica de todos os casos. CLASSIFICAÇÃO As crises podem ser FOCAIS ou GENERALIZADAS. Além disso, as crises focais podem sofrer um processo de generalização secundária, isto é, iniciam em um foco restrito e depois ocorre disseminação para todo o cérebro. CRISES FOCAIS A atividade epiléptica se restringe a determinada área do córtex cerebral. Quando há preservação plena da consciência a crise é denominada crise focal perceptiva. Porém, se a consciência for comprometida, a crise é considerada focal disperceptiva. Como a crise focal é restrita a um local do cérebro, os sintomas dependerão da área afetada. Crises frontais vão apresentar manifestações motoras, enquanto crises parietais apresentaram manifestações sensitivas, crise occipitais manifestações visuais, crises temporais alterações comportamentais. Crises convulsivas focais de caráter “não motor” (ex.: parestesias; alterações visuais, auditivas, psíquicas, autonômicas) são genericamente chamadas de auras. 1. PERCEPTIVAS (SIMPLES) Sintomas de uma determinada área cerebral, mas sem alteração da consciência. Antigamente denominada "crise simples". 3 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 2. DISPERCEPTIVAS (COMPLEXAS) Normalmente surge no lobo frontal ou temporal. Caracterizada pela alteração da consciência (não responsividade), o que anteriormente denominava-se "crise complexa". Período pós- ictal marcado por desorientação. CRISE GENERALIZADA As crises generalizadas originam-se simultaneamente dos dois hemisférios cerebrais. Nesse tipo de crise, como o sistema reticular ativador ascendente é acometido, o paciente perderá a consciência. Ele pode perder a consciência por poucos segundos várias vezes ao dia (crise de ausência) ou até perder a consciência por minutos com movimentos (crise tônico-clônica generalizada). Normalmente, nessas crises há envolvimento muscular, seja com aumento da contração (tônica, clônica, mioclônica, espasmo) ou com diminuição da contração (crise atônica). 1. CRISE TÔNICO CLÔNICA GENERALIZADA (GRANDE MAL) É o tipo mais comum de crise convulsiva induzida por fatores desencadeantes (ex: distúrbios metabólicos) e por esse motivo é a mais encontrada na pratica. Essas crises começam com uma fase tônica (contração simultânea dos músculos esqueléticos do corpo até a despolarização concomitante de todos os neurônios do córtex motor, nos dois hemisférios). Essa fase tem curta duração (10-20 segundos). É seguida pela fase clônica (período de relaxamento muscular sobreposto à contração tônica de base, o que corresponde a ativação reflexa dos interneuronios inibitórios). Ocorre o grito epiléptico, os quatro membros são afetados e pode ocorrer sialorreia com liberação esfincteriana. Após a crise, o paciente entra no período pós-ictal, de aproximadamente 15-30min, apresentando letargia, confusão mental e sonolência A evolução da crise no EEG é a seguinte: na fase tônica surge um padrão generalizado de ondas rápidas de baixa voltagem, cuja amplitude aumenta progressivamente até se transformar em polipontas de alta voltagem. A fase clônica começa quando as polipontas de alta voltagem passam a ser periodicamente interrompidas por ondas lentas, criando um padrão “ponta-onda” cuja frequência vai diminuindo até predominar um traçado difusamente lentificado, que corresponde ao termino da fase ictal. A atividade elétrica volta ao normal na medida que o paciente recobra a consciência. 2. CRISES DE AUSÊNCIA (PEQUENO MAL) É caracterizada por episódiossúbitos e breves (duração de segundos) de perda de consciência sem perda de tônus postural. A consciência retorna de maneira súbita, sem que haja manifestação pós-ictal. Muitas vezes nem o próprio paciente se dá conta de sua ocorrência, pois trata de verdadeiros lapsos no funcionamento normal do indivíduo, ocorrendo dezenas a centenas de vezes durante o dia. Apesar da perda de consciência ser a única manifestação da crise de ausência, não é raro a presença de automatismos sutis durante o evento (piscar os olhos, mastigar, clonus bilateral das mãos). Habitualmente se iniciam na infância (faixa etária entre 4-8 anos) e representam o principal tipo de crise em 15-20% das crianças epilépticas. No EEG, observa-se complexos “ponta-onda” de 3 Hz bilaterais e simétricos (isto é, em todas as derivações ao mesmo tempo), sobrepostos a um traçado de base NORMAL; Esses complexos duram poucos segundos e podem ou não ser acompanhados de manifestações clínicas. A hiperventilação é um desencadeante previsível, e durante o EEG deve ser feita voluntariamente a fim de documentar um episódio. Nos quadros de pequeno mal isolado, o prognóstico é bom: a maioria dos pacientes melhora espontaneamente com o passar do tempo (raro após 20 anos de idade). Alguns pacientes, no entanto, desenvolvem outras formas de crise convulsiva, mantendo-se epilépticos pelo resto da vida. Muitos pais e professores não reconhecem as crises de ausência. O cenário clássico é levar a criança ao neurologista porque parece que a criança está sempre sonhando acordada ou tem um baixo desempenho escolar. 4 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 AUSÊNCIA ATÍPICA: Difere da ausência típica pelo fato de os lapsos de consciência serem mais duradouros e não apresentarem início e fim tão súbitos, isto é, a crise evolui de forma gradual. Em geral há sinais motores mais grosseiros durante o evento... No EEG, observa-se complexos “ponta- onda” com frequência ≤ 2,5 Hz (atividade lenta), sobrepostos a um traçado de base ANORMAL. As crises de ausência atípica aparecem no contexto de alterações estruturais difusas do cérebro, sendo comum a existência de franco retardo mental. 3. CRISES CLÔNICAS Presença de abalos musculares clônicos. 4. CRISES TÔNICAS Aumento do tônus muscular. Duram de 10 a 20 segundos. 5. CRISES MIOCLÔNICAS Contrações musculares súbitas semelhantes a choques, com preservação da consciência. Frequentemente ocorrem após privação do sono, ao acordar ou ao início do sono. Acontece, por exemplo, quando sonhamos que estamos em queda livre e, de repente, acordamos. Diz-se que a mioclonia representa uma crise convulsiva quando sua ocorrência está sincronizada com surtos de atividade epileptiforme no EEG (complexos ponta-onda difusos). Em geral, as crises mioclônicas coexistem com outras formas de crise convulsiva em portadores de epilepsia, porém, é a forma predominante numa síndrome chamada epilepsia mioclônica juvenil 6. CRISES ATÔNICAS Caracterizada por perda do tônus muscular (1-2 segundos). Leva o indivíduo a quedas que realmente machucam e podem ser desencadeadas por sustos. O EEG revela um padrão difuso de complexos “ponta-onda” imediatamente seguidos por ondas lentas, que correspondem à perda do tônus muscular. 7. ESPASMOS São contrações tônicas rápidas, de 1 a 15 segundos. Normalmente ocorrendo várias vezes ao dia, com preferência ao acordar ou durante o sono. São semelhantes às crises tônicas. No EEG observa-se hipsarritmia, um padrão caracterizado por um traçado de base caótico, com ondas pontiagudas multifocais e irregulares. Os espasmos epilépticos recorrentes caracterizam a clássica síndrome de West (“espasmos infantis”), comuns em crianças muito pequenas decorrente da imaturidade do SNC. CRISES FOCAIS QUE GENERALIZAM Aqui o paciente inicia com alguma manifestação focal (motora ou aura) que em seguida se transforma numa crise generalizada, habitualmente do tipo tônico-clônica. Na pratica é difícil caracterizar esta evolução, pois as manifestações focais iniciais podem ser sutis e de curta duração, passando despercebidas. Na dúvida, a videoeletroencefalografia contínua pode ser de grande auxílio. 5 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 CRISES EPILÉPTICAS São desordens com características clinicas, patológicas, radiológicas, eletroencefalográficas e genética peculiares, nas quais a epilepsia é uma manifestação preponderante. 1. AUSÊNCIA INFANTIL OU PEQUENO MAL Idade: início entre 5 e 8 anos. Crise: perda total da consciência, com duração de 5 a 25 segundos, até 200 vezes ao dia. Pode ser acompanhada de componente motor (alteração do tônus, movimentos clônicos), autonômico (palidez, dilatação pupilar, taquicardia) e automatismos (continuar a fazer o que estava realizando, movimentos faciais). As crises podem ser desencadeadas por hiperventilação, estresse, hipoglicemia. Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem também crises tônico-clônicas generalizadas. Eletroencefalograma: complexos ponta-onda na frequência de 3 Hertz; 2. EPILEPSIA FOCAL BENIGNA DA INFÂNCIA (ROLÂNDICA) Idade: 3 a 13 anos. Crise: focal perceptiva (motora ou sensitiva). Normalmente envolvendo língua, lábios, musculatura da faringe, bochechas. As crises geralmente são curtas (um a dois minutos). Quando noturna, é comum se tornar generalizada. Eletroencefalograma: complexos ponta-onda centrotemporais. 3. EPILEPSIA MIOCLÔNICA JUVENIL (SÍNDORME DE JANZ) Idade: 13 a 20 anos. Crise: crises mioclônicas principalmente ao despertar e geralmente desencadeadas por privação do sono. Frequentemente os pacientes evoluem com crises tônico-clônicas após as mioclonias. Também pode haver crises de ausência. Em cerca de 1/3 dos casos há fotossensibilidade. Eletroencefalograma: complexos ponta-onda difusos (geralmente entre 3,5 e 4,5 ciclos por segundo). 4. EPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL MESIAL É a epilepsia focal mais comum no adulto (40% dos casos). A causa mais comum é a esclerose mesial temporal (esclerose hipocampal). Crise: caracteriza-se na maioria das vezes por crises focais disperceptivas recorrentes (olhar fixo, automatismos orais e manuais) de duração de um a dois minutos. Frequentemente são seguidas de crises tônico- clônicas generalizadas. Alguns pacientes podem apresentar distúrbios da memória e pode haver história de crises febris na infância. Eletroencefalograma: atividade epileptiforme nas regiões temporais médio-basais. Obs.: a ressonância magnética de crânio é capaz de mostrar sinais indicativos de esclerose mesial temporal. Podem não responder aos anticonvulsivantes, mas a intervenção cirúrgica costuma ser uma boa opção. 5. SÍNDROME DE WEST (ESPASMOS INFANTIS) Compreende a seguinte tríade: Espasmos infantis; Retardo do desenvolvimento neuropsicomotor; EEG com padrão de hipsarritmia. Idade: inicia-se quase exclusivamente no primeiro ano. Crise: espasmos breves intermitentes da musculatura do pescoço, tronco e membros, 6 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 podendo levar a movimentos de extensão ou flexão. 6. SÍNDROME DE LENNOX-GASTAUT Idade: início geralmente entre dois e dez anos. Crise: podem apresentar diversos tipos de crises (tônicas, atônicas, mioclônicas, tônico-clônicas, focais disperceptivas), associadas a retardo mental e distúrbio comportamental. Etiologia: pode ser devida à encefalopatia anóxica prévia, ou precedida pela síndrome de West, ou criptogênica. Eletroencefalograma: complexo de ponta-onda de frequência lenta (até 2,5 ciclos/segundo) e atividade de base caótica na vigília. Obs.: geralmente são refratárias ao tratamento antiepiléptico. Carbamazepina piora as crises; DIAGNÓSTICO A primeira pergunta a ser respondida é: foi oprimeiro episódio ou o paciente já era sabidamente epiléptico? PRIMEIRO EPISÓDIO Neste caso, temos três prioridades: (1) fazer diagnóstico diferencial com outros eventos paroxísticos (foi convulsão mesmo?); (2) identificar fatores precipitantes; (3) decidir se é necessário lançar mão de profilaxia com drogas antiepilépticas. É preciso coletar uma anamnese minuciosa, não apenas com o paciente, mas também com eventuais testemunhas, questionando o que aconteceu antes, durante e depois do evento. Deve-se também questionar a presença de fatores precipitantes como crise febril na infância, epilepsia na família, história de traumas, AVC, neoplasia. Além de drogas, privação de sono e doenças sistêmicas. O exame físico precisa ser abrangente, em busca de sinais de doenças infecciosas, cardiovasculares e/ou insuficiências orgânicas (renal, hepática). Todos os pacientes devem ser submetidos a exame neurológico completo. Uma bateria de testes laboratoriais para rastreio de alterações homeostáticas sistêmicas sempre deve ser solicitada após um primeiro episódio de crise convulsiva. ELETROENCEFALOGRAMA (EEG); não é feito de rotina, mas torna-se obrigatório quando se suspeita de epilepsia, ou seja, quando o paciente tem 2 ou mais crises espontâneas. O objetivo é tentar caracterizar o padrão epiléptico, o que pode sugerir um diagnóstico especifico. No entanto, é importante lembrar que um EEG normal, mesmo durante o evento, não necessariamente afasta o diagnóstico de crise convulsiva. Assim como um indivíduo normal pode apresentar atividade epileptiforme no EEG. É importante perceber que crises generalizadas SEMPRE alteram o EEG convencional! Como as crises costumam ser infrequentes e imprevisíveis, pode-se lançar mão do EEG ambulatorial contínuo (≥ 24h), ou então internar o paciente num quarto especial onde é feita a videoeletroencefalografia contínua; RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: é o método de preferência após um episódio de crise convulsiva. TC DE CRÂNIO: por ser menos sensível, é reservada para casos em que se suspeita de uma condição urgente (tumor, infecção) e a RN não se encontra disponível. PACIENTE SABIDAMENTE EPILÉPTICO Neste caso, temos duas prioridades: (1) identificar fatores precipitantes; (2) decidir se o tratamento atual está adequado. É importante salientar que quando existe um precipitante óbvio, como a má adesão ao tratamento anticonvulsivante (uma das principais causas de crise em indivíduos epilépticos), não se faz necessário a realização de exames complementares. 7 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL SÍNCOPE X CRISE CONVULSIVA Síncope é a perda da consciência e do tônus postural devido a um estado de baixo fluxo sanguíneo cerebral. CRISES PSICOGÊNICAS São eventos não convulsivos (EEG normal) em que o paciente tradicionalmente simula uma crise tônico-clônica generalizada. As crises psicogênicas se associam a distúrbios psiquiátricos, como o transtorno conversivo. Uma medida que pode ser útil é a dosagem de prolactina sérica nos primeiros 30 minutos do período pós-ictal. Em geral, as crises convulsivas verdadeiras aumentam a prolactina (> 2x o LSN), mas a pseudocrise não... TRATAMENTO CRÔNICO As drogas antiepilépticas (DAE) agem primariamente bloqueando o início ou a disseminação da hiperexcitação elétrica dos neurônios. Dentre os principais mecanismos de ação das DAE, podemos citar: 1. Inibição de canais de Na+ (responsáveis pelo início do potencial de ação) de maneira “frequência-dependente”, como fenitoína, carbamazepina, topiramato e lamotrigina; 2. Inibição de canais de Ca2+ voltagem- sensíveis (responsáveis pela evolução do potencial de ação), como topiramato e lamotrigina; 3. Abertura de canais de K+ (hiperpolarizam a célula e reduzem/dificultam a formação/transmissão dos potenciais de ação), como ezogabina; 4. Bloqueio dos receptores de glutamato (excitatórios), como topiramato e lamotrigina; 5. Aumento da atividade dos receptores do GABA (inibitórios), como benzodiazepínicos e barbitúricos; 6. Aumento na síntese e oferta de GABA, como ácido valproico, gabapentina e tiagabina; 7. Diminuição da transmissão sináptica, como levetiracetam. O objetivo é manter o paciente 100% livre das crises e sem efeitos colaterais. Sempre que possível deve-se tentar a MONOTERAPIA na menor dose possível. O tratamento deve começar quando o paciente apresentar crises idiopáticas ou quando houver uma causa que não possa ser prontamente corrigida. QUAL DROGA COMEÇAR? Ausências » etossuximida ou valproato. Ausências + tônico-clônica generalizada » valproato. Tônico-clônica generalizada » carbamazepina, fenitoína, valproato, lamotrigina, topiramato. Focal perceptiva ou disperceptiva » carbamazepina, fenitoína, valproato, lamotrigina, levetiracetam. Focal evoluindo para tônico-clônica bilateral (incluindo epilepsia do lobo temporal) » carbamazepina, fenitoína, valproato. Mioclônica » valproato, lamotrigina. Espasmos infantis » ACTH ou vigabatrina. OBS: A LAMOTRIGINA é a droga de primeira escolha em TODOS os tipos de crise convulsiva. O ÁCIDO VALPROICO também, exceto nas crises focais. 8 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 ATENÇÃO: carbamazepina, oxcarbazepina e fenitoína podem PIORAR crises de ausência, mioclônicas, tônicas e atônicas!!! Uma vez escolhida a droga, esta deve ter sua dose gradualmente aumentada até que o paciente fique livre de crises ou surjam efeitos colaterais (não existe uma regra rígida para titulação da dose, é “tentativa-erro” até achar uma dose adequada). Se mesmo com uma dose máxima tolerável as crises continuarem ocorrendo, deve-se ASSOCIAR uma segunda droga. Se as crises forem controladas, deve-se tentar desmamar a primeira droga; Deve-se estar atento às possíveis interações farmacológicas (ex.: redução dos níveis séricos de contraceptivos orais), efeitos teratogênicos e via de metabolização preferencial (renal ou hepática). É preciso salientar que TODAS as DAE podem causar paraefeitos similares de maneira dose dependente, como sedação, ataxia e diplopia. Algumas, em longo prazo, também podem induzir osteoporose (ex.: fenitoína). Logo, é preciso vigilância desses problemas... Hemograma, hepatograma e função renal são solicitados no início do tratamento, como parâmetros de base, devendo ser repetidos após alterações de dose. O nível sérico dos antiepilépticos não obrigatoriamente precisam ser medidos, mas podem ser uteis no início do tratamento para ajustar a dose ou para verificar a adesão ao tratamento. Cerca de 70% das crianças e 60% dos adultos que suprimem por completo a epilepsia com o uso de DAE conseguem interromper a medicação! Os principais preditores de sucesso para interrupção são: (1) Ausência de crises por 1-5 anos; (2) O paciente apresenta um único tipo de crise; (3) Exame neurológico normal, incluindo inteligência; (4) EEG normal. Na presença de todos esses critérios pode-se tentar “desmamar” gradualmente a DAE após um período de no mínimo dois anos de tratamento regular. A maioria das recidivas acontece nos primeiros três meses após a interrupção da DAE, e o paciente deve estar ciente deste fato. Nos casos de epilepsia refrataria, a conduta é associar uma segunda droga, em geral outro representante do grupo de primeira linha, porem de mecanismo de ação diferente. O risco de refratariedade é maior na presença de lesões estruturais do SNC e paciente que tem múltiplos tipos de crise. Algumas DAE interagem entre si, por exemplo: o ácido valproico diminui a metabolização da lamotrigina, aumentando os níveis séricos desta última TRATAMENTO CIRURGICO Cerca de 20% dos pacientes não respondem à combinaçãode duas ou mais DAE. Em muitos desses casos, a neurocirurgia pode permitir uma redução de doses ou mesmo a cura da epilepsia! O paciente que mais se beneficia da abordagem cirúrgica é aquele que possui um foco epileptogênico identificável e passível de ressecção, sendo o exemplo clássico a esclerose mesial do lobo temporal. Na epilepsia do lobo temporal, os procedimentos empregados são: a lobectomia temporal (ressecção da porção anteromedial do lobo temporal) ou a amigdaloipocampectomia (ressecção restrita do hipocampo e da amígdala cerebral). TRATAMENTO AGUDO A maioria das crises convulsivas ocorre fora do hospital e tem curta duração. Nestes casos, quando o paciente chega ao médico, a crise já cessou espontaneamente. Quando falamos de tratamento agudo de uma crise convulsiva, estamos nos referindo ao chamado status epiléptico, que é uma crise convulsiva contínua ou crises repetitivas sem recuperação da consciência entre os episódios. O estado do mal epiléptico é uma emergência medica, pois, a crise tônico-clõnica prolongada causa disfunção cardiorrespiratória, rabdomiólise e hipertermia, além de lesar diretamente os neurônios. A sua principal etiologia é a má adesão à terapia medicamentosa ou distúrbios metabólicos como hiponatremia, hipoglicemia. Antes de qualquer coisa, devemos excluir a possibilidade de causas potencialmente tratáveis gerando a convulsão, como hipoglicemia. Para isso, é recomendada a administração de glicose a 50% após tiamina IV (exceto em casos onde os níveis glicêmicos são conhecidos e estejam normais). 9 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Em seguida, deve-se administrar lorazepam ou diazepam IV (no Brasil usamos o diazepam IV, pois não existe o lorazepam venoso). Para uso IM, a melhor droga é o midazolam. A partir daí, caso as convulsões persistam é necessário adicionar drogas. A primeira é a fenitoína. Outras opções são fosfenitoína, ácido valproico ou levetiracetam; O paciente refratário a duas classes de drogas é considerado portador de status refratário. O próximo passo é iniciar monitorização eletroencefalográfica contínua e anestesiar o paciente com midazolam, propofol,tiopental ou pentobarbital, procedendo à intubação orotraqueal.
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