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JACQUES, MARIA. Por que a Psicologia do Trabalho

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POR QUE PSICOLOGIA DO TRABALHO?
 EM BUSCA DE DIMENSÕES SUBSTANTIVAS
 E TOTALIZANTES
 Maria da Graça Corrêa Jacques
PSICO/ Porto Alegre/ v.15/ n.1/ p.71-76/ Jan-Jun 1988. 
No momento em que o Conselho Regional de Psicologia da 7ª Região promove o “1º
Encontro Nacional de Psicologia do Trabalho” julgo importante uma reflexão sobre a
expressão “psicologia do trabalho” que inusitadamente aparece pela primeira vez em um
encontro desta ordem, e talvez por isso a classificação de 1º .
A psicologia vem merecendo do público grande interesse e a partir do início do
século vem sendo solicitada como aplicação prática em variados campos de atuação. As
implicações da sociedade moderna solicitaram sua presença no domínio do homo faber,
surgindo então, inicialmente, a chamada “psicologia industrial”. Surgiu com uma
denominação de conotação limitadora referida por Tiffin e McCormick (1969) que passam
a utilizar o termo indústria mas o estendem para todos os aspectos de produção e uso de
bens e serviços da economia.
Surgiu em um período em que a economia mundial substituía o estágio agrário e
artesanal pela mecanização criando várias ocupações ligadas à operação e manutenção de
máquinas. A psicologia estava, neste período, impregnada de influências da física, da
astronomia, da matemática, e ensaiava uma tentativa de explicar o homem através dos
conhecimentos que orientam essas ciências. Na área administrativa os parâmetros eram
ditados pelos postulados de Taylor. Os modelos mecânicos constituíam a base filosófica de
interpretação do social e a mudança fica percebida como um desequilíbrio e a volta ao
equilíbrio como a única solução viável. Este foi o espaço da psicologia por imposição
histórica ou por definição decorrente de sua prática de cunho “cientificista-positivista”
presente na afirmação de Tiffin e McCormick (1969, p.4): “do mesmo modo que a pesquisa
em ciências físicas e em engenharia fornece dados úteis para a solução de problemas
técnicos, assim também a pesquisa do comportamento humano pode fornecer dados que
poderão ajudar a resolver alguns dos problemas humanos da indústria”.
Neste contexto e chamado como auxílio para a busca do equilíbrio e da harmonia,
encontramos o “psicólogo industrial”, no Brasil, uma das áreas de aplicação pioneira,
previlegiando a aplicação de testes psicológicos para as chamadas questões de pessoal.
O avanço das ciências biológicas e a concepção de Biologia estudando os seres
vivos e sua dependência e adaptabilidade ao meio ambiente invade rapidamente outras
disciplinas como a Sociologia, a Psicologia, a Administração. Domina o conceito
funcionalista de sociedade onde a estrutura é permanente podendo adaptar-se a algumas
mudanças que não a afetem fundamentalmente. Assim, a concepção darwiniana aplicada ao
sistema social já admite as evoluções e as mudanças a partir do potencial dos mais aptos.
As mudanças são apenas “processos adaptativos (homeostase) que visam manter a estrutura
 Trabalho apresentado no I Encontro Nacional de Psicologia do Trabalho – Porto Alegre, 14 a 16 de julho de 1988
 Psicóloga do Trabalho, M.A. em Psicologia Organizacional
sem rupturas bruscas à medida que as condições ambientais se alteram” (Camacho, 1984,
p.4). A Psicologia percebe o indivíduo como um organismo que interage com o meio físico
e previlegia o estudo do ato adaptativo. A introdução do termo “organização” na
Administração é uma decorrência do modelo orgânico. Com a justificativa da divisão de
trabalho exige-se uma “estrutura orgânica que se chama organização. Por isso se diz que a
empresa é uma organização com a finalidade de produzir bens e serviços” (Mendes Ribeiro,
1987, p.10). Proliferam os manuais de psicologia descrevendo várias técnicas de avaliação
de pessoal que possam prever o grau de adaptação do indivíduo à tarefa. Sugerem-se
avaliações periódicas de desempenho, desenvolvimento de pessoal através de treinamentos,
acompanhamentos sistemáticos, partindo do pressuposto de que um indivíduo desempenha
tanto melhor quanto melhor estiver adaptado à sua função. O ponto culminante da
influência do modelo orgânico é a introdução do enfoque sistêmico na Administração: “o
conceito de sistema aberto tem sua origem na Biologia (...)” (Chiavenato, 1986, p.18).
Torna-se corrente o uso da expressão “psicólogo organizacional” representando
nitidamente um novo papel do psicólogo atuando no contexto empresarial. No Brasil, a
introdução da designação coincide com a época de euforia que marcou os fins dos anos 60 e
o início dos anos 70. A indústria brasileira encontrava-se em um crescimento acelerado e o
trabalho na área de recursos humanos era intensamente disputado. O “psicólogo industrial”
é substituído pelo “psicólogo organizacional” munido de vários tipos de “ferramentas”,
métodos e técnicas, e o enfoque da administração sistêmica somado à visão funcionalista
preponderante na psicologia são os sustentáculos teóricos para a prática profissional nesta
área. O momento político brasileiro reforçou a não reflexão aprofundada e revitalizadora da
ação do psicólogo: “do alto dos seus status científico (...) se julgou preservado,
desenvolvendo toda uma atitude que foi se cristalizando como neutra, apolítica , asséptica,
acrítica” (Eizerick, 1988, p.31).
Chegando ao final da década de 80 o que encontramos são muitos psicólogos
exercendo suas funções dentro das empresas, inclusive com lugar definido no organograma
de várias delas, intitulados “psicólogos organizacionais”. Encontramos também, um
sentimento desagradável entre a classe de psicólogos quanto à atuação nesta área refletida
nas expressões “lobo mau da psicologia”, “filha que se prostituiu” (Codo, 1984).
O que proponho é uma reflexão sobre o modelo de atuação do psicólogo, a proposta
de explicação do humano e a análise e compressão do comportamento a partir do
paradigma trabalho. Não se trata de criticar os paradigmas da psicologia e propor
simplesmente a colocação de outro como se algum paradigma fosse o mais perfeito, pois
estaremos caindo no mesmo erro reducionista (Eizerick,1988), mas, de resgatar a
importância do trabalho, o que significa ou pode significar para o ser humano.
“O homem biológico não sobrevive por si e nem é uma espécie que se reproduz tal e
qual, com variações decorrentes de clima, alimentação, etc. O seu organismo é uma infra-
estrutura que permite o desenvolvimento de uma superestrutura” (Lane, 1984, p.12). Assim,
tomando emprestado exemplo de Wanderley Codo (1987) para explicitar a afirmação de
Lane, ao comer o tomate o homem se “tomatiza” ao mesmo tempo que torna o tomate
“homem”. O fruto se torna homem no sentido físico, biológico e psicológico com um
significado humano, e o homem se torna fruto pelas mesmas razões físicas, biológicas e
psicológicas. Assim, a mera atividade de apropriação está impregnada de uma relação
dialética homem-natureza. E é pelo trabalho que o homem se distingue da natureza e pode
contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. O trabalho cria para o homem a
possibilidade de ir além da natureza já que não encontra, por exemplo, o tomate sempre
pronto. A aranha também tem que trabalhar para obter sua teia, mas o faz de modo
instintivo; o ser humano, contudo, é capaz de antecipar os resultados de suas ações, é capaz
de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades – faz uso de
uma técnica e de um projeto específico. O trabalho que permite ao homem transformar a
natureza e se transformar a si mesmo ganhourelevância, inicialmente, com as propostas de
Hegell. Marx ,embora concordando com Hegell de que o trabalho é a mola mestra que
impulsiona o desenvolvimento humano, critica a uniteralidade da concepção hegeliana do
trabalho. Refere-se ao trabalho como “a interação criativa do homem com a natureza que
constitui o caráter específico da espécie humana – a característica do homem que faz dele
aquilo que é “.(Marx, apud Heather, 1977, p.146).
O homem não só muda o seu mundo externo como simultaneamente se transforma
de maneira autoconsciente pelo seu trabalho. A nível individual, ao optar pela
sobrevivência opta pelo trabalho. A nível de espécie, o homem se fez homem ao
transformar o mundo pelo seu trabalho. Como a Psicologia busca a compreensão do
homem, ao menosprezar o papel do trabalho na proposição dos conceitos psicológicos
acaba se distanciando do seu objeto de estudo. Um dos conceitos que merece reflexão é o
de aptidão pois “no desempenho do fazer, na ação concreta do trabalho , o homem domina
o trabalho e a si mesmo, constrói sua natureza humana e constrói novas formas de agir
sobre a natureza, constrói novas aptidões, portanto” (Paulon, 1988, p.9). Assim, aptidão é
algo que se transforma da mesma forma que o homem se transforma pelo trabalho e quanto
a reflexão sobre este conceito pode sugerir um novo fazer psicológico na área a que se
refere este trabalho.
No entanto, aproveitando o que dizia Bakunin (apud Toledo, 1982, p.78) “o trabalho
não se converte em trabalho propriamente humano a não ser quando começa a servir para a
satisfação não só das necessidades físicas, e fatalmente circunscritas à vida animal, como
também do ser social, que tende a conquistar e realizar plenamente a sua liberdade (...)”.
Não se pode negar as limitações decorrentes do invólucro ideológico dos regimes, seja
quando expresso pelos previlégios econômicos e manipulação consumista, no caso do
capitalismo chamado selvagem, seja quando expresso pelas ortodoxias esteritipadas da
ideologia do socialismo autoritário.
Sem pretender um discurso ideológico, mas também sem negar uma ideologia, o
que proponho é o resgate do paradigma trabalho na compreensão do homem, tão esquecido
pela Psicologia. Codo (1984) se refere a esta escassez quando aponta que encontra apenas
10 páginas a respeito em um manual de 5 volumes que percorre todas as áreas da
Psicologia.
O que proponho é o paradigma trabalho, o resgate do significado de alguns
conceitos psicológicos à luz deste paradigma e uma conseqüente práxis, palavra usada para
representar uma interação, retratar a própria dinâmica do processo de aprendizagem, na
qual o homem utiliza-se da experiência e teorias adquiridas anteriormente, ao mesmo
tempo em que cria novas formas de intervenção a partir da experiência.
Se o trabalho sempre foi uma maneira de subjetivar o mundo, transformá-lo à nossa
imagem e semelhança, portanto, objetivarmo-nos.
Se o trabalho enquanto modo de produção da existência humana exigiu do homem a
convivência em grupo, o desenvolvimento da linguagem e a divisão do trabalho.
Por que não “psicologia do trabalho”?
	Maria da Graça Corrêa Jacques

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