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Laísa Dinelli Schiaveto Queixas Frequentes no Ambulatório de Pediatria I FEBRE INTRODUÇÃO A temperatura corporal é mantida pelo “centro regulador” localizado no hipotálamo, que integra informações tanto da temperatura corporal interna quanto do meio ambiente, realizando fino equilíbrio entre produção e perda de calor. Em relação à produção de calor, o metabolismo basal é a principal fonte, sendo que outras fontes importantes são a atividade física, o tipo de alimentação, a função hormonal e a atuação da adrenalina. Já, em relação à perda de calor, os principais mecanismo são radiação (perda através de ondas infravermelhas), evaporação (sudorese), convecção (perdas por correntes de ar que circulam ao redor do corpo) e condução (troca de calor no contato direto com alguma superfície). FEBRE A febre é a queixa mais frequente no ambulatório de pediatria, sendo definida como aumento da temperatura corporal, acima dos valores de normalidade, acompanhada de quadro clínico característico. Na maioria dos casos, é possível identificar a origem da febre após a anamnese detalhada e exame físico completo e, então, definir as orientações terapêuticas adequadas. Valor Axiliar Normal = 36,5ºC – 37,5ºC à sendo que, quando a temperatura for aferida no reto, na boca ou na orelha, deve-se acrescentar 0,5ºC. A febre é desencadeada por um conjunto de reações em resposta a estímulos externos, através de agentes conhecidos como pirógenos exógenos. Estes podem ser infecciosos (vírus, bactérias e fungos) ou não infecciosos (complexos antígeno-anticorpo e antígenos resultantes de destruição celular – TNF). Ao entrarem em contato com os macrófagos nos tecidos, os pirógenos exógenos induzem a produção de pirógenos endógenos, que liberam interleucinas e outras substâncias, que, por sua vez, ativam o centro termorregulador do hipotálamo na produção de prostaglandina E2, aumentando, assim, o ponto de termorregulação do corpo. A elevação da temperatura corporal é modulada por hormônios como glicocorticoides (cortisol), hormônio antipirético e TNFa, que atuam como antipiréticos endógenos, impedindo que a temperatura atinja níveis muito elevados, a qual poderia bloquear a atividade enzimática do corpo. A febre potencializa a atividade enzimática, gerando aumento da atividade metabólica das células. Assim, promove: (1) aceleração da migração dos linfócitos para a região onde estiver ocorrendo o processo inflamatório, aumentando a concentração de macrófagos; (2) diminui a estabilidade da membrana lisossomal, potencializando a ação bactericida dos macrófagos; (3) acelera a produção de anticorpos; (4) altera, de maneira indireta, o metabolismo do ferro, que é um micronutriente fundamental para multiplicação bacteriana, ao diminuir sua biodisponibilidade decorrente da redução da absorção pelo intestino e aumento da captação pelo fígado; (5) queda na dosagem de hemoglobina, devido a diminuição do ferro sérico. Ainda, a febre aumenta o consumo de oxigênio, a produção de dióxido de carbono e o DC, podendo exacerbar a insuficiência cardíaca, a insuficiência respiratória e a instabilidade metabólica em crianças com diabetes mellitus ou erros inatos do metabolismo. Laísa Dinelli Schiaveto Quadro Clínico Característico da Febre: • Elevação da temperatura corporal; • Extremidades frias; • Ausência de sudorese; • Sensação subjetiva de frio; • Taquicardia; • Taquipneia; • Tremores eventuais. HIPERTERMIA A hipertermia ocorre quando a elevação da temperatura corporal decorre da dificuldade na perda de calor. Quadro Clínico Característico da Hipertermia: • Elevação da temperatura corporal; • Extremidades quentes; • Aumento da sudorese; • Sensação subjetiva de calor; • Ausência de tremores. CONVULSÃO FEBRIL A convulsão febril ocorre nas primeiras 24 horas do quadro febril, na ausência clínica de qualquer sinal suspeita de infecção do SNC, na ausência de história familiar de epilepsia e na ausência de história recente de traumatismo craniano. Surge na faixa etária dos 6 meses aos 6 anos, sendo que o principal fator predisponente é a herança familiar. Não apresenta sequelas neurológicas pós-crise. Convulsão Febril Simples (> 80% dos casos): Duração menor que 15 minutos, episódio único (não recorrente), generalizada e sem déficits focais. Convulsão Febril Complexa: Duração maior ou igual que 15 minutos, episódios recorrentes (pode voltar a ocorrer em 24 horas) e focais. A temperatura não tem relação com o aumento do risco de convulsão febril, mas sim a velocidade com que a temperatura aumenta. Assim, quanto maior a velocidade de aumento da temperatura, maior é o risco de convulsão febril. FEBRE SEM FOCO APARENTE A febre sem foco aparente é definida como temperatura corporal acima de 38ºC, com duração de 24-72 horas sem que, após história clínica detalhada e exame físico cuidadoso, se consiga estabelecer um diagnóstico clínico. Protocolo de Baraff FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA (FOI) A febre de origem indetermina (FOI) é definida como um quadro febril com duração superior a 3 semanas, podendo ser contínua ou intermitente, sem identificação de causa pós-avaliação médica (anamnese, exame físico e avaliação laboratorial). OBS.: Febre > 3 semanas, sem associação bacteriana e viral, deve-se pensar em doenças autoimunes (lúpus e artrite reumatóide), neoplasias e leucemias. ANAMNESE E EXAME FÍSICO A avaliação de uma criança com febre deve ser iniciada com uma história detalhada obtendo-se dados relevantes sobre a febre como início, tempo de duração, sintomas associados e intensidade da febre (febre aferida ou não; se sim, quanto), além da presença de doenças infecciosas, incluindo antecedentes maternos e do nascimento, imunizações recentes, status vacinal, contatos com pessoas doentes, viagens recentes a áreas endêmicas, doença grave ou cirurgias recentes, nível de atividade, sonolência ou irritabilidade, aceitação da dieta, vômitos, Laísa Dinelli Schiaveto hábito intestinal, estado de hidratação (diurese), mudanças no padrão respiratório, doenças crônicas, desenvolvimento neuropsicomotor e presença de lesões na pele. No exame físico devem ser obrigatória e cuidadosamente observadas e valorizadas as condições gerais do paciente, em especial: tipo de choro, reação à estimulação do exame físico, presença de palidez ou cianose e atitude geral (alerta ou não). - Lactentes que se mostram apáticos, gementes, pálidos, cianóticos ou com pouca resposta de desconforto ao exame físico demonstram sinais claros de alerta de provável quadro grave e, se infeccioso, possivelmente bacteriano. Observações: - Dependendo da idade, os olhos da avaliação são diferentes, visto que lactentes tem maior risco de evolução para sepse. - As crianças, muitas vezes, tem infecção urinária sem sinais e/ou sintomas, podendo apresentar apenas febre ou não. Sendo assim, deve-se atentar sempre aos sinais de alerta. - Taquipneia é o principal fator para se desconfiar de pneumonia. EXAMES SOLICITADOS 1. Hemograma 2. Urina I/Urocultura 3. Líquor (casos de FOI) 4. Hemocultura 5. Raio-X de Tórax (suspeita de pneumonia) Observações: - A urocultura é o padrão ouro para a infecção urinária, mas o resultado leva de 24-48 horas e, sendo assim, deve-se realizar a urina I, pois, se há suspeita de infecção, o tratamento já deve ser iniciado. - Tomografia não deve ser feita em casos de convulsão febril. TOSSE A tosse é a segunda queixa mais frequente no ambulatório de pediatria, podendo ser dividida em três tipos: • Tosse Aguda – Duração de até 3 semanas. • Tosse Subaguda – Duração de 3-8 semanas; • Tosse Crônica – Duração > 8 semanas. CAUSAS Outras causas incluem: IVAS, DRGE eparasitose. ANAMNESE E EXAME FÍSICO A história da doença atual deve ser iniciada com uma história detalhada obtendo-se dados relevantes sobre a tosse como início, tipo, tempo de duração, período em que ocorre, sintomas associados, se tem expectoração, intensidade com que ocorre e fatores de melhora e/ou piora, sendo fundamental questionar sobre coriza, espirros, dispneia, febre e cianose. Além disso, questionar sobre os antecedentes familiares, como asma e alergias. LARINGITE = Tosse seca e noturna; disfonia; estridor inspiratório. ANAFILAXIA = Tosse que surge “do nada”; dificuldade de respirar; pode haver edemas; estridor expiratório e sibilos na base. ASPIRAÇÃO DE CORPO ESTRANHO = Tosse intensa; dispneia; palidez; cianose; sibilos. BRONQUIOLITE = Tosse noturna; rinorreia copiosa; febre alta; irritabilidade; taquipneia; expiração prolongada; sibilos e estertores; (quadro com piora progressiva de desconforto respiratório). Laísa Dinelli Schiaveto ASMA = Tosse seca (piora a noite); dispneia; diminuição do MVF com expiração prolongada; sibilos predominantemente expiratórios, podendo haver roncos e estertores grossos. PNEUMONIA = Tosse produtiva com escarro purulento; dor pleurítica; febre > 38ºC; FR aumentada; dispneia; macicez à percussão torácica; estertores finos e roncos. EDEMA CARDIOGÊNICO = Tosse produtiva com escarro rosado; dispneia; ortopneia; cianose; crepitação fina bilateral. TUBERCULOSE = Tosse crônica associada à hemoptise; febre vespertina; sudorese noturna; emagrecimento; astenia; anorexia; sopro tubário. DRGE = Tosse seca, que piora após alimentação; pirose retroesternal. EXAMES SOLICITADOS 1. Hemograma 2. Dosagem de sódio e cloro no suor (suspeita de fibrose cística) 3. Raio-X de tórax 4. TC de tórax 5. Endoscopia Digestiva Alta (suspeita de DRGE) 6. Pesquisa de Bacilo Koch (suspeita TB) 7. Protoparasitológico 8. Culturas DISTÚRBIOS ALIMENTARES Os distúrbios alimentares, na maioria dos casos, são causados pela ausência de laço efetivo familiar, podendo ser apresentados através de recusa alimentar, transtornos alimentares, anorexia, compulsão e bulimia. ANOREXIA A anorexia ou falta de apetite é caracterizada quando a criança ingere uma quantidade de alimento que satisfaça sua vontade de se alimentar (psíquico), mas que não assegura crescimento e desenvolvimento adequados (orgânicos). Assim, há um desequilíbrio entre a satisfação da sua necessidade psíquica e orgânica, podendo ocasionar desnutrição. Falsa Anorexia – A mãe e/ou responsável acham que a criança não come ou come muito pouco, porém o crescimento e o desenvolvimento estão normais. Pseudoanorexia – A criança tem dificuldade de mastigação e/ou deglutição pela presença de fissuras, aftas, estomatites, dor de dente, tonsilite ou outras condições que provocam dor e, consequentemente, há recusa alimentar. Anorexia Verdadeira – Pode ser subdividida em orgânica ou comportamental/psicossocial. ANOREXIA NERVOSA Segundo o DSM V, a anorexia nervosa é uma doença psíquica com consequências físicas devastadoras, caracterizadas pela perda de peso e distorção da imagem do corpo, com medo obsessivo de ganhar peso, que se manifesta por deprivar o corpo do alimento. É mais comum ao final da adolescência e no adulto jovem, embora possa surgir em qualquer idade e em ambos os sexos, sendo mais diagnosticada em mulheres (cerca de 90% do casos). Sinais Diagnósticos: • Perda de peso acima de 15% do peso ideal; • Medo de engordar; • Alteração da percepção da imagem do corpo; • Parada da menstruação nas mulheres. RUMINAÇÃO A ruminação ou mericismo é uma síndrome caracterizada por regurgitações repetidas de alimentos parcialmente digeridos, que são Laísa Dinelli Schiaveto novamente mastigados e deglutidos ou parcialmente expelidos. A queixa principal é vômitos ou baixo peso. Geralmente, tem início entre 3-8 meses de idade, sendo um ato voluntário, que se inicia em torno de 30 minutos depois da alimentação, podendo durar até 1 hora. Destaca-se que ocorre apenas quando a criança está acordada. Entre os diagnósticos diferenciais, incluem-se: DRGE, alergia alimentar, estenose hipertrófica do piloro, distúrbios de deglutição, doenças metabólicas, infecciosas e endócrinas. • Muitas vezes, o tratamento é feito como se a criança tivesse DRGE e, assim, o problema nunca é resolvido, fazendo com que a criança sempre volte ao atendimento. O tratamento, no caso de ruminação, é feito através do laço afetivo familiar, portanto, deve- se melhorar o vínculo afetivo mãe-filho e a estimulação ambiental. PICA A pica consiste no consumo persistente de substâncias não nutritivas, inapropriadas à fase de desenvolvimento da criança e que não fazem parte dos hábitos culturais da população. Tem maior prevalência entre crianças de 1-2 anos de idade, com declínio até os 4 anos, sendo comum em crianças com retardo mental. Ainda não se tem um consenso em relação à etiologia, mas acredita-se que pode ser devido à fatores culturais, fatores psicológicos e fatores nutricionais (deficiência de ferro e zinco). O tratamento é feito através da supervisão das atividades das crianças e da reposição de ferro e zinco. TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR – BINGE EATING O transtorno de compulsão alimentar consiste no consumo excessivo de alimentos durante certo período, sem controle e com ingestão rápida de alimento, mesmo sem haver fome e até sentir desconforto. Essas atitudes são seguidas por sensação de culpa ou depressão, aparecendo mais na adolescência. Segundo o DSM V, os episódios de compulsão alimentar estão associados a 3 ou mais dos seguintes itens: • Comer muito mais rapidamente que o normal; • Comer até se sentir desconfortável; • Comer grandes quantidades de alimento sem estar com fome; • Comer sozinho por sentir vergonha da quantidade que está comendo; • Sentir-se desapontado consigo mesmo, depressivo ou culpado depois do exagero alimentar. O tratamento é feito através do cuidado psicocomportamental, da educação alimentar e do uso de medicamento (inibidores seletivos de captação de serotonina). BULIMIA A bulimia é definida como compulsão alimentar combinada a formas inapropriadas de tentar interromper o aumento de peso, como os vômitos pós-prandiais e o uso de laxantes, levando a distúrbios físicos, psíquicos e sociais. É caracterizada por episódios repetidos de compulsão alimentar, seguidos por comportamentos compensatórios, além de ser acompanhada por sentimentos de culpa e autodepreciação, em uma forma clara de dano a si mesmo. Segundo o DSM V, os critérios diagnósticos consistem em: • Episódios recorrentes de compulsão alimentar; • Comportamento compensatórios inapropriados para prevenir o ganho de peso; • Frequência de ao menos 1 vez/semana, por 3 meses; • Autoavaliação indevidamente influenciada pelo peso e aspecto corporal. Laísa Dinelli Schiaveto SELETIVIDADE ALIMENTAR – PICK EATER A seletividade alimentar é definida por situações em que a criança recusa ou somente aceita alguns alimentos com características específicas de cheiro, sabor, textura, aparência ou consistência. Além disso, outros aspectos sensoriais costumam estar envolvidos, como baixa tolerância à ruídos ou sujeira e desconforto em manipular produtos de determinadas consistências, como massas de modelar ou pisar na areia. ORTOREXIA A ortorexia é um comportamento patológico caracterizado pela fixação por alimentação saudável, a qual se torna uma obsessão doentia com o alimento biologicamente puro, acarretando restrições alimentares muito significativas. Assim, o indivíduo possui uma preocupação exagerada com a qualidade dos alimentos, a pureza da dieta (livrede herbicidas, pesticidas e outras substâncias artificiais) e o uso exclusivo de “alimentos politicamente corretos e saudáveis”. Tem como consequência uma alimentação inadequada, a qual pode levar a quadros de desnutrição, anemias, hiper ou hipovitaminoses, carência de nutrientes essenciais, hipotensão e osteoporose. Além disso, há uma maior tendência ao isolamento social devido à série de restrições alimentares que impedem o simples convívio social rotineiro. VIGOREXIA A vigorexia é um transtorno dismórfico corporal caracterizado pela percepção distorcida da imagem corporal e pela depreciação do próprio corpo. Possui prevalência acentuada no sexo masculino, porém pode atingir qualquer pessoa independente de classe social ou etnia. Neste caso, a atividade física que deveria ser algo saudável, se transforma em uma obsessão, na qual o indivíduo com desenvolvimento muscular adequado ou, normalmente, acima do esperado, se vê extremamente fraco e franzino e, assim, acaba gerando um afastamento do convívio social devido a sérios problemas psicológicos de distorção da imagem corporal. Além disso, a busca incontrolável pelo corpo com músculos definidos acarreta na diminuição do investimento na vida emocional, social e ocupacional, uma vez que o grande objetivo é aumentar cada vez mais a massa muscular e diminuir ao máximo a porcentagem de gordura do corpo, que pode levar o corpo a extremos limites de exaustão. Geralmente, os indivíduos não se importam com os riscos que esse estilo de vida pode trazer e fazem uso indiscriminado e proibido de anabolizantes ou esteroides. Ainda, estes optam por dietas hiperproteicas, restringindo qualquer alimento que tenha carboidratos. Dessa forma, as principais consequências são ansiedade e/ou depressão, deterioração das relações sociais, insônia, mudanças metabólicas no fígado e sistema cardiovascular, aumento do nível de colesterol, diminuição respiratória, disfunção erétil, hipertrofia prostática, hipogonadismo e ginecomastia, amenorreia e ciclos menstruais irregulares.
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