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1 Louyse Jerônimo de Morais Farmacologia do idoso Referência: aula do prof. Eduardo Gomes Caso clínico Um senhor de 80 anos de idade, hipertenso, portador de insuficiência cardíaca congestiva com dispneia aos grandes esforços, é atendido em um posto de saúde, onde são prescritos metildopa 250mg 12/12h e digoxina 0,25mg 1 vez ao dia. Após 2 dias de uso da medicação, o paciente evolui com melhora dos níveis pressóricos, mas passa a apresentar dispneia aos pequenos esforços e frequência cardíaca quase fixa de 56 bpm. Qual será a explicação para essa piora do paciente? Que mudanças nas medicações prescritas seriam as mais adequadas? Trata-se de uma IC não tão grave, pois é aos grandes esforços – só cansa subindo grandes escadas. A digoxina é inotrópica positiva [estimula força contrátil] e cronotrópica negativa. O lado de estimular força é quase nada. Foi dado no intuito de melhorar a insuficiência cardíaca, mas piorou o quadro clínico do paciente. Introdução Importância • Processo demográfico: população está envelhecendo. • Doenças crônico-degenerativas: na metade do século passado, isso não existia, porque as pessoas morriam antes. • Exclusão das pesquisas: a maior parte da pesquisa é feita com pessoas de até 65 anos. Isso ocorre porque os idosos manifestam mais efeitos colaterais. No entanto, os pacientes que vivenciamos no dia a dia têm múltiplas comorbidades e usam múltiplos medicamentos. • Polifarmácia: refere-se ao uso de mais de um medicamento por indicação correta ou um medicamento sem indicação. Antigamente, era quando tomava 5 ou mais medicamentos, mas isso é errado, porque podem ser 5 medicamentos bem indicados. • Automedicação: muitos idosos tomam remédio escondido. Circunstâncias relacionadas ao paciente • Múltiplas queixas vs. múltiplos fármacos: há uma noção errada de que cada queixa necessita de um fármaco. O ideal é identificar múltiplas queixas que podem ser resolvidas com apenas uma medicação. • Interação medicamentosa: hoje em dia, já tem programas de computador que auxiliam. • Déficit neurossensorial: muitos idosos tomam o remédio errado porque não conseguem enxergar bem. Epidemiologia • 75% dos idosos usam pelo menos 1 (um) medicamento • 2/3 usam drogas não prescritas • Polifarmácia: 40% da população idosa • Drogas mais frequentemente prescritas: o Anti-hipertensivos / Diuréticos / Digitálicos o Anticoagulantes • Paciente domiciliar (home care): média de 8 medicamentos/dia. Farmacologia clínica do idoso 1. Farmacocinética: é tudo que o organismo faz sobre a substância que está sendo ingerida. Essas alterações de farmacocinética começam a acontecer, em média, por volta dos 30 anos de idade, acentuando-se ao longo do tempo. 1.1 Absorção 1.1.1 Enteral Geralmente é no intestino delgado. Alguns poucos medicamentos são feitos para serem absorvidos na mucosa oral. Com o envelhecimento, a boca tende a ficar mais seca, o que pode retardar a absorção das substâncias [xerostomia, atrofia da mucosa oral]. Além disso, o pH gástrico pode ficar mais alcalino, o que pode atrapalhar a absorção de medicamentos que necessitam de pH ácido para ser absorvido. Com o envelhecimento, a motilidade do TGI reduz, mas para o intestino delgado isso não é ruim, porque a superfície de mucosa gastrointestinal também reduz, então uma coisa compensa a outra. Em relação ao esôfago e ao estômago, isso tem importância, porque o esôfago envelhece [presbiesôfago] e há gastroparesia [sedentarismo, idoso, diabético]. Quando o peristaltismo do esôfago e do estômago fica muito devagar, atrapalha absorção do medicamento ou mesmo a eficiência destes. 2 Louyse Jerônimo de Morais Muitos fármacos têm uma capa que serve para proteger o medicamento por um tempo X em que ele passa pelo esôfago e estômago, se passar muito tempo, a eficácia reduz. De uma forma geral, isso não acontece tanto em idosos funcionais, mas principalmente nos acamados. A circulação esplâncnica também reduz no idoso. 1.1.2 Parenteral O idoso é sarcopênico, com pouca massa muscular, tendo menos vascularização muscular. Então, o uso de um medicamento intramuscular fica mais tempo ali, demora a agir e, às vezes, parte se perde, porque ele não pode ficar eternamente naquele local, ele tem que ser reabsorvido. Assim sendo, há retardo da absorção de medicamentos feitos IM. A doença ocular aumenta a absorção de colírios, então paciente com conjuntivite, inflamação no olho ou trauma na conjuntiva, aumenta absorção do colírio. Isso ocorre porque os vasos ficam mais dilatados, o que pode dar mais efeitos colaterais por excesso do medicamento. • Exemplo: timolol [betabloqueador] pode dar vários efeitos colaterais, como bradiarritmia, síncope, depressão, ansiedade, delirium, urticária, broncoespasmo etc. 1.2 Distribuição Uma vez que o fármaco é absorvido, ele vai ser distribuído pelo corpo. O medicamento pode ir livre no sangue ou ligado à albumina e outras proteínas plasmáticas. Isso pode sofrer interferências. Se a droga for hidrofílica e o paciente tem mais água corporal [criança, por exemplo], fica menos disponível para a ação. Todavia, se for lipofílica, lembre-se que idoso tem mais gordura, então a droga vai ficar menos disponível, pois vai estar agarrada à gordura corporal. Isso faz com que o medicamento seja liberado lentamente e fique mais tempo na corrente sanguínea – aumento de meia vida. • Tecido adiposo: aumento de 20 a 40% da gordura corporal com a idade. Os benzodiazepínicos, principalmente, passam a apresentar meia vida prolongada. Dessa forma, um diazepam, por exemplo, pode durar até 5 dias em um idoso. Outros exemplos: clonazepam, flurazepam [dalmadorm]. Ao longo das horas, é jogado bem devagar na corrente sanguínea. • Água corporal total: reduz em torno de 15% no idoso. Então, drogas hidrofílicas ficam com mais fração livre. A digoxina age com mais intensidade no idoso por conta disso. É a iatrogenia mais comum no idoso, pois querem usar a mesma dose do adulto → 0,25 mg [o ideal é dar metade → 0,125 mg]. Carbonato de lítio também é um exemplo – é danado para gerar diabetes insipidus nefrogênico em 40% dos pacientes que tratam bipolaridade. • Albumina sérica: nos sarcopênicos e idosos frágeis, reduz até 25%. Com isso, ocorre aumento da fração livre de droga na corrente sanguínea. Exemplo: warfarina, sulfoniureias, fenitoína, diazepam [não todos os benzodiazepínicos, apenas ele]. Deve-se diminuir a dose nesses casos. • Glicoproteína ácida alfa-1: para tentar compensar a queda de albumina sérica, o organismo produz mais. Alguns medicamentos podem reduzir seu efeito. 1.3 Metabolismo ou biotransformação Quando a droga cai no fígado, ele quer destruir aquilo, porque é algo exógeno. • Massa do tecido hepático: reduz em torno de 30 a 50%. Drogas que dependem disso têm uma maior ação, porque ele destrói menos a droga. o Exemplo: levodopa, benzodiazepínicos, bloqueador de canal de cálcio têm efeitos aumentados. • Fluxo sanguíneo hepático: reduz em torno de 20 a 30%. o Exemplo: propranolol, nitrato e furosemida apresentam efeito maior no idoso. • Biotransformação [fase 1 a 2] o Fase 1: a droga sofre alterações para se transformar em um metabólito ativo ou inativo. Para a maioria das drogas, é inativo. o Fase 2: quando a substância ganha polaridade e solubilidade para ser eliminada, seja na bile ou na urina [geralmente na urina]. 1.4 Excreção: essa é a mais importante. Do ponto de vista prático, é que o mais se usa na hora de se prescrever, por exemplo, um antibiótico. • Massa renal: reduz com o envelhecimento. • Filtração glomerular: cai. • Concentração urinária máxima: diminui, então precisa de mais água para eliminar. • Fluxo plasmático renal: cai. 3 Louyse Jerônimo de MoraisEssa fórmula é antiga e não é mais usada como parâmetro principal para calcular a função renal de alguém de forma estimada. A melhor forma é colher urina de 24 horas e ver o clearance real. De forma grosseira, só se olha para a creatinina de alguém [se entre 0,6 e 1,4 dizemos que a função renal está normal, porém depende]. A creatinina é um produto da creatina, que é uma proteína muscular, se a massa estiver reduzida, ela também vai estar. Na fórmula, leva-se em consideração a idade, o peso e a creatinina. Não é tão boa para uso laboratorial, mas é bem melhor do que olhar só a creatinina. Por questões matemáticas, observe que idade avançada e peso baixo, mesmo com creatinina não tão alta, vai dar uma função reduzida. O resultado é dado em ml por minuto. O normal é dar mais que 100, mas para fins de ajuste de função renal, mais que 60 é normal, não se fazendo necessário fazer ajuste de droga. Entre 10 e 60 ml/minuto, é uma função renal moderadamente comprometida. Então, tem um ajuste para fazer para drogas que necessitam de ajuste para função renal, especialmente ATB e anticoagulantes. Melhor fórmula atual para cálculo de função renal Caso clínico Uma senhora de 92 anos de idade, 38kg de peso, tem uma creatinina plasmática de 0,9mg/dl (Referência: 0,6 a 1,4mg/dl). Está em sepse e precisa usar vancomicina. De acordo com a depuração (clearance) de creatinina estimado, a quantidade de antibiótico a ser administrado será para mais, para menos ou a mesma dose? Calcule o clearance de creatinina estimado. Deve-se reduzir a dose. 2. Farmacodinâmica: o que o medicamento faz no organismo. • Definição: diz respeito à ação de uma substância em um sítio, que pode ser um receptor para uma substância exógena ou endógena. • Alterações em mecanismos homeostáticos • Alterações em receptores e sítios de ação 2.1 Alterações em mecanismos homeostáticos • Sistema nervoso autônomo: tem idosos que têm períodos de diarreia e constipação, então pelo próprio envelhecimento, começa a ter problemas do sistema simpático e parassimpático. Geralmente acontece lá para a sétima década de vida. No entanto, a pessoa pode já nascer com uma alteração de farmacodinâmica, por exemplo, ao tomar um medicamento, ele pode exercer a função contrária do que é esperado. • Barorregulação: os barorreceptores detectam alterações pressóricas. O idoso sedentário tem uma resposta de barorreceptor e adrenérgica pior. Assim, não contrai tanto a parede do vaso e não aumenta tanto a FC. Como resultado, ocorre lipotimia e síncope. • Termorregulação: mais dificuldade de elevar temperatura. A maioria faz febre, só que o problema é que ela é taxada de forma errônea [febre no idoso = 1,1°C acima da temperatura normal dele]. • Intolerância à glicose: muitos idosos são taxados de diabéticos sem ser, especialmente em caso de infecções. 2.2 Alterações em receptores e sítios de ação • Colinérgicos • Alfa-adrenérgicos O idoso, de forma geral, tem uma imensa propensão para que as drogas de ação anticolinérgica tenham um efeito negativo sobre eles, porque eles têm uma deficiência relativa de acetilcolina – em quantidade ou efetividade da ação desse neurotransmissor. É importante saber disso. 4 Louyse Jerônimo de Morais Além disso, a resposta adrenérgica do idoso também é ruim, tendo uma propensão negativa para efeito de drogas com ação antiadrenérgica. O bloqueio alfa é um desastre porque é sistêmico, então o paciente tem tontura e quedas, podendo causar TCE e fratura de fêmur. 3. Diferença interindividual Prescrição medicamentosa para idosos – roteiro • Estabelecer um alvo terapêutico para cada medicamento: por exemplo, o alvo terapêutico de misoprolol, para quem tem IC, é de 10 mg/dia. Quanto maior a dose tolerada, maior a redução de mortalidade. Pode ser que o alvo não seja atingido com a dose recomendada do medicamento. Para a maioria dos remédios, o alvo terapêutico é a menor dose que resolva o problema. Na IC, no entanto, existe uma dose alvo, se não chegar nela, é porque o paciente não tolerou. • Conhecer os índices de toxicidade das drogas: digoxina, por exemplo, em 0,25 mg não é tóxica para os adultos, mas para os idosos pode ser. A intoxicação digitálica pode dar sintomas gastrointestinais por intoxicação. • Verificar possíveis interações medicamentosas • Iniciar com a menor dose terapêutica: na geriatria, iniciar com doses subterapêuticas. • Orientar o paciente e o(s) seu(s) acompanhante(s) • Solicitar ao paciente e ao acompanhante a repetição das instruções médicas • Evitar mudanças simultâneas no regime de drogas: não mudar vários medicamentos de uma vez, vai mudando aos poucos. • Prescrever medicamentos conhecidos • Estabelecer lembretes e correlações para o cumprimento do esquema terapêutico • Inspecionar medicamentos e suas indicações em cada visita • Indagar sobre o uso de “fármacos sem receita” • Manter regimes de dosagens simples: no máximo duas vezes por dia. • Considerar a possibilidade de que o novo problema se relacione a algum medicamento: sempre perguntar tudo o que o paciente toma. Reações adversas É um efeito indesejado com o uso de um medicamento. • Representam mais de 50% das iatrogenias em idosos • São responsáveis por admissão hospitalar em 3% a 24% da população idosa • Acometem 10% a 20% dos pacientes hospitalizados • Conferem risco à vida em 1/3 dos pacientes • Levam ao óbito em 2% a 5% dos casos Classificação Tipo A • Esperadas: hipoglicemiante pode dar hipoglicemia; warfarina pode levar a um sangramento. • Dose-dependentes: quanto maior a dose, maior a chance. • Relacionadas à propriedade farmacológica Tipo B • Independentes da dose: reação anafilática a algum medicamento, por exemplo. É algo imunomediado e depende do organismo de cada um, podendo levar à morte. • Independentes da propriedade farmacológica • Imunomediadas ou de base genética Fatores de risco • Sexo feminino • Farmacocinética e farmacodinâmica da droga • Número de doenças • Tipo de doença [hepatopatia / nefropatia] • Etilismo • História prévia de reações adversas • Farmacogenética: depende da pessoa. Muitos pacientes submetidos a estudos de farmacogenética são os da psiquiatria. Quando não respondem às drogas, faz estudo farmacogenético do fígado do paciente, para saber como o órgão responde a cada droga. • Interações medicamentosas • Uso de fármaco inapropriado para o idoso • Múltiplos medicamentos e vários médicos • Medicamentos inapropriados o Possuem baixo índice terapêutico: um nível muito próximo entre dose ideal e dose tóxica. o São frequentemente prescritos para idosos Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos 5 Louyse Jerônimo de Morais • Importante: antidepressivos tricíclicos, anti- histamínicos, anti-hipertensivo metildopa [só usa em gestante], fluoxetina [não é proibido, mas tem mais chance de dar errado], bloqueador de canal de cálcio, digoxina [náusea, vômito, bradicardia, segmento ST em colher de pedreiro]. Drogas associadas ao declínio cognitivo no idoso Diagnóstico • Considerar os fatores de risco • Valorizar a suspeita clínico-laboratorial: o Quadros clínicos inespecíficos o Alterações bioquímicas • Estabelecer a relação entre o evento e o medicamento o Sequência cronológica o Plausibilidade farmacológica o Efeito da retirada do medicamento suspeito o Efeito da reintrodução do medicamento o Excluir causa alternativa Conduta • Suspender o medicamento implicado • Reduzir a dose • Administrar outra droga [casos excepcionais] • Evitar cascata iatrogênica • Notificação
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