Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Abdome Agudo Inflamatório Introdução O termo abdome agudo refere-se a uma condição intrabdominal, não traumática, cuja principal característica é: dor de intensidade variável que dura mais de 6 horas, de início súbito ou progressiva, que requer diagnóstico e intervenção precoce. Definição: O abdome agudo inflamatório pode ser definido como quadro de dor abdominal súbita e inesperada, originado de um processo inflamatório e/ou infeccioso localizado na cavidade abdominal. Em algumas situações apresenta-se com peritonite, sendo nesses casos mandatório manejo cirúrgico. Etiologia: As principais causas de abdome agudo inflamatório são: - Apendicite aguda: é a causa mais comum de abdome agudo inflamatório cirúrgico, o qual pode cursar com peritonite secundária. - Colecistite aguda: acomete principalmente o sexo feminino, adultos jovens e idosos, sendo comumente uma manifestação inicial da colelitíase; - Pancreatite aguda: na maior parte dos casos está relacionado com a colelitíase e ao uso de álcool; - Diverticulite aguda: é vista em portadores de doença diverticular dos cólons, sendo mais comum em maiores de 50 anos. Fisiopatologia A dor abdominal pode ser de origem somática ou visceral, referida ou irradiada ou originada a partir de mediadores inflamatórios que estimulam as terminações nervosas resultando em uma dor localizada. A fisiopatologia do abdome agudo inflamatório baseia-se na extensão do processo inflamatório/infeccioso ao peritônio e às modificações do funcionamento do transito intestinal. - Quando o processo inflamatório e/ou infeccioso atinge o peritônio visceral ocorre paralisia do musculo liso, gerando íleo paralítico, além disso, promove o surgimento de uma dor difusa e mal localizada; - Quando a inflamação se estende ao peritônio parietal ocorre uma contratura da musculatura abdominal gerando uma dor localizada, contínua e intensa. A peritonite pode ser classificada da seguinte forma: - Fases iniciais: há pouca atividade inflamatória com aumento da efusão peritoneal e quimiotaxia de células inflamatórias. Esse processo demora horas para evoluir; - Fases tardias: existe uma exuberante resposta inflamatória com formação de fibrina, aderências e pus e, por fim, fibrose. Esse processo demora dias para evoluir. Quadro Clínico A dor abdominal é o sintoma predominante do abdome agudo inflamatório. - A dor costuma ser progressiva nos casos de apendicite, colecistite, pancreatite e Diverticulite. - A dor que é exacerbada com a movimentação é habitualmente vista no abdome agudo inflamatório e está relacionado ao quadro de peritonite. Náuseas e vômitos podem ocorrer na evolução do abdome agudo inflamatório, podendo ser resultado do quadro álgico intenso ou até mesmo de estase intestinal secundária à irritação do peritônio visceral. A febre é um sintoma comumente observado, podendo surgir nas fases iniciais com temperaturas brandas, piorando com a evolução do caso. A obstipação é comumente associado ao abdome agudo inflamatório secundário à paralisia das alças intestinais. Apendicite aguda: Os principais sintomas neste quadro são: - Dor abdominal em cólica, mal localizada em região periumbilical que progride para uma dor em fossa ilíaca direita (Ponto de Mc Burney); - Anorexia, náuseas e vômitos; - Febre baixa a moderada; - Sinal de Blumberg: dor à descompressão brusca do ponto de Mc Burney Peritonite; - Posição antálgica na tentativa de alívio da dor. Colecistite aguda: Nessa patologia podemos encontrar: - Dor em cólica, sobretudo após a ingestão de alimentos que estimulam a secreção de colecistocinina, como alimentos gordurosos; - Inicialmente é uma dor em hipocôndrio direito, irradiando posteriormente para epigástrio e dorso; - Febre alta, náuseas e vômitos podem estar presentes; - Posição antálgica está presente nesses casos; 2 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP - Sinal de Murphy: cessação da inspiração profunda à palpação do ponto cístico; - Pode haver icterícia quando há impactação do cálculo no infundíbulo, ocasionando edema, obstrução do ducto hepático comum (síndrome de Mirizzi) e consequentemente colestase. Pancreatite aguda: O quadro clínico é descrito como: - Dor intensa em região epigástrica com irradiação para dorso (em faixa); - Náuseas e vômitos precoces e volumosos sinais de desidratação e hipovolemia; - Íleo paralítico com parada da eliminação das fezes e flatos e redução dos RHA; - Abdome doloroso difusamente à palpação profunda; - Nos casos graves o paciente pode ter comprometimento geral do estado, taquicardia, taquipneia, hipotensão e abdome distendido, devido peritonite; - Sinal de Cullen: hematoma periumbilical hemorragia retroperitoneal; - Sinal de Grey-Turner: hematoma em flancos hemorragia retroperitoneal. Diverticulite aguda: O quadro clínico pode ser descrito como: - Dor abdominal em fossa ilíaca esquerda, principalmente devido ao acometimento do sigmoide ou em região suprapúbica; - Anorexia e vômitos podem estar presentes; - Há alteração do ritmo intestinal, culminando em diarreia ou obstipação; - Disúria e polaciúria podem estar presentes, caso haja acometimento das vias urinárias; - Distensão abdominal com redução dos RHA; - Dor à palpação e ao toque retal. Diagnóstico O diagnóstico do abdome agudo inflamatório é fundamentalmente clínico, devemos a anamnese e exame físico serem feitos de forma criteriosa. - Anamnese: avaliar o início da dor, tempo de evolução, características, fatores agravantes e atenuantes, sintomas associados, uso de medicamentos e cirurgias prévias; - Exame físico completo. Exames complementares: - Hemograma: Apendicite aguda: Leucocitose discreta nas fases iniciais, com predomínio de neutrófilos; Pode haver desvio à esquerda nos quadros mais avançados, além de granulações tóxicas e leucopenia. - Sumário de urina; - Proteína C reativa; - Amilase e lipase sérica: Pancreatite aguda: Lipase sérica ou amilase > 3x o limite superior de referência (A amilase se eleva precocemente normalizando após 48 horas, enquanto a lipase eleva-se mais tardiamente, porém seus níveis ficam altos por mais tempo). - Teste de gravidez: para mulheres em idade fértil; - Radiografia de abdome em decúbito dorsal e ortostase; Colecistite aguda: Presença de cálculos radiopacos (brancos) no hipocôndrio direito; Dilatação de alças adjacentes à vesícula devido ao íleo paralítico secundário. Diverticulite aguda: Pneumoperitônio; Quadros obstrutivos; Dilatação. 3 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP - USG de abdome: Apendicite aguda: Sinal de Blumberg ultrassonográfico; Aumento do diâmetro do apêndice; Aumento da ecogenicidade da gordura periapendicular; Aumento do fluxo vascular; Pode estar presente apendicolito, gerando sombra acústica posterior. Espessamento do apêndice e não compressível com infiltração gordurosa e líquido livre Apendicite com apendicolito com sombra acústica posterior Colecistite aguda: é o exame de escolha Presença ou ausência de cálculos; Espessamento da parede da vesícula biliar (> 3 mm); Presença de líquido pericolescístico; Distensão da vesícula biliar; Densificação dos planos gordurosos adjacentes Vesícula biliar com parede espessada e edemaciada (setas pequenas) e grande cálculo em seu interior (seta longa). - Tomografia computadorizada (TC): Apendicite aguda: importante considerar principalmente em obesos e em apendicite perfurada ou complicada. Espessamento apendicular; Alterações inflamatórias periapendiculares. Colecistite aguda: feito quando há dúvidas diagnósticas após a realização da USG ou para investigar acometimento de órgãossubjacentes, como pâncreas e duodeno. Possui baixa sensibilidade para colelitíase, sendo mais útil no diagnóstico de colangiocarcinoma, coledocolitíase e para avaliar as complicações. Pancreatite aguda: é o exame de escolha, pois permite boa visualização do pâncreas e avaliação das complicações. Além disso, permite fazer Estadiamento através da classificação de Balthazar. Alargamento focal ou difuso do pâncreas; Necrose pancreática. TC com contraste VO e IV demonstrando pâncreas aumentado de dimensão e com necrose (setas). O asterisco é o parênquima normal OBS: Classificação de Balthazar: estabelece um escore de gravidade da pancreatite aguda definida por achados tomográficos, que incluem: inflamação pancreática e peripancreática, além de coleções líquidas. 4 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Diverticulite aguda: é o exame de escolha, substituindo o enema opção na maioria das vezes; Importante realizar com contraste venoso, oral e retal; Infiltração da gordura pericólica; Espessamento da parede do colo; Formação de abscessos. - Ressonância magnética: Pancreatite aguda: é uma excelente alternativa diagnóstica e de Estadiamento, sendo útil para pacientes que tem contraindicação para uso de contraste iodado na TC. Imagem T2 (líquido brilha): coleções líquidas, pseucocistos e hemorragias. - Enema opaco: Diverticulite aguda: não tem sido mais tanto utilizado, pelo risco de extravasamento do contraste. Fístulas; Abscessos; Extravasamento do meio de contraste; Estreitamento colônico. Tratamento O tratamento do abdome agudo inflamatório baseia-se em tratamento de suporte e específico. Suporte: - Analgesia; - Reposição volêmica e correção de distúrbios hidroeletrolíticos; - Tratamento do íleo paralítico: fazer jejum, passagem de sonda nasogástrica; - ATB; - Tratamento de falência orgânica se houver. Tratamento específico: - Apendicite aguda: A apendicectomia é o tratamento padrão para apendicite complicada ou não complicada; Importante fazer a antiobioticoprofilaxia 1 hora antes da cirurgia para aqueles que serão abordados imediatamente e antibioticoterapia venosa para os que esperarão tempo maior para cirurgia; 5 Luana Mascarenhas Couto 18.2- EBMSP Pacientes instáveis com apendicite perfurada: cirurgia imediata; Pacientes estáveis: ATB e drenagem percutânea das coleções localizadas e apendicectomia 6-8 semanas após. - Colecistite aguda: Realizar ATB empírica com cefalozina, cefuroxima ou Ceftriaxone nos casos leves a moderado. Já nos casos mais graves pode ser usado carbapenêmicos, Betalactâmicos com inibidores de betalactamase e fluoroquinolonas. A colecistectomia de emergência é indicada em pacientes com instabilidade hemodinâmica ou dor intratável e para aqueles com complicações. Pacientes estáveis: colecistectomia deve ser realizada no mesmo internamento, dentro de 3 dias após início dos sintomas ASA 1 e 2 Pacientes sem indicação para colecistectomia de emergência e ASA 3, 4 ou 5 podem ser feito tratamento não cirúrgico inicialmente, ou seja, ATB e drenagem da vesícula. Caso não respondam, o tratamento cirúrgico deve ser instituído. OBS: ASA: A Sociedade Americana de Anestesiologia classifica o risco cirúrgico de pacientes com colecistite, de modo que o baixo risco é ASA 1 ou 2, enquanto os pacientes de alto risco são ASA 3, 4 ou 5. - Pancreatite aguda: Reposição volêmica agressiva nas primeiras 24 horas; Nutrição enteral após 5º dia caso não tolere dieta oral; ATB a partir da segunda semana de suporte clínico; Estão indicadas terapias minimamente invasivas nos casos de complicações a partir da 4ª semana, como USG endoscópica em vigência de Pseudocisto pancreático; CPRE nos casos de pancreatite secundária a colelitíase com evidência de Colangite sobreposta. - Diverticulite aguda: Tratamento hospitalar da Diverticulite não complicada: ATB venosa contra gram negativos e anaeróbicos; Analgesia; Reposição volêmica e dieta zero para repouso intestinal, com retorno em 2-3 dias; Tratamento ambulatorial: Nos casos leves continuar ou iniciar o tratamento em caráter ambulatorial com ATB oral por 7-10 dias, com reavaliações a cada 2-3 dias inicialmente e semanalmente até a resolução do caso. Pacientes estáveis: Ressecção definitiva do segmento colônico acometido Pacientes classificados como Hinchey 1 ou 2 pode-se proceder à anastomose primária. Pacientes instáveis: Terapia menos invasiva, como ressecção limitada ou drenagem percutânea das coleções Procedimento à Hartmann é preferido Hinchey 3 ou 4. OBS: Classificação de Hinchey: é uma classificação da Diverticulite complicada e que orienta acerca do tratamento.
Compartilhar