Livro - O que é ser arquiteto

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í ^ ^ . B a t e n d o p a p o c o m d o i s g r a n d e s am i g o s , Darcy R i b e i r o o i ro 
A l o y s i o C amp o s da Paz, e m 1996. Falávamos do "beijódromo" dí) d 
Fundação D a r c y R i b e i r o , que n u n c a s a i u d o pape l . . . Darcy m o r r e e i r r e 
r i a n o a n o s e g u i n t e ! ^ 6 . U m a das escolas pré-fabricadas p rodu -ubdu -
z i da s p e l a Fábrica d e E q u i p a m e n t o s Comunitários de S a l v a d oKoHo r 
cu j o f e c h am e n t o m e c au sou m u i t a decepção e até um i n f a r t o . 
^ ( ' J . C o m m i n h a s f i l h a s Sônia e A d r i a n a , e a mãe de l a s , A l d a 
l l d l i r l l o C u n h a , também a r q u i t e t a 2,8. C o r u j a n d o d o i s d o s 
iiitMiH (rês n e t o s , G u s t a v o e João, f i l h o s d e A d r i a n a . E m ^ o o S , 
d e u à l u z P a u l i n h o . 
m ÍRm Dí cómims 
A m i n l i a é u m a história p r o f i s s i o n a l das m a i s p e c uh a r e s . P od e 
p a r e c e r incrível, m a s não há n a d a n o início d a m i n h a b i o g r a f i a 
i n d i c a n d o q u e u m d i a e u i a m e t o r n a r a r q u i t e t o . N a v e r d a d e , q u a -
se c h e g u e i a m e t o r n a r músico. O qu e h o u v e f o r a m coincidên-
c ias ao l o n g o do s a n o s q u e m e a j u d a r am a s e g u i r c e r t o s c a m i n h o s , 
a m e l h o r a r , p o r p u r a c a sua l i d ade . P o r q u e f u i p a r a Brasília? P o r 
q u e f i q u e i a m i g o de Osca r N i e m e y e r ' ? São coincidências, nào são 
c o n qu i s t a s . A c o n t e c e u c om i g o c o m o p o d e r i a a c on t e c e r c o m q u a l -
q u e r o u t r a pe s soa . Se não f o s s e m essas coincidências, não t e r i a 
f e i t o n a d a d o q u e f i z . M i n h a v i d a p r o f i s s i o n a l se d eve a u m a s u -
cessão de acasos . 
N a s c i n o d i a l o de j a n e i r o d e i g S ? n o R i o d e J a n e i r o , n o s u -
búrbio da C e n t r a l d o B r a s i l c h am a d o E n c a n t a d o , f i l h o único de 
u m casa l de c lasse média b a i x a , João e M a r i a Emília. N o s s a casa 
s i m p l e s , d e d o i s cómodos só, v o l t a e m e i a a c om o d a v a o u t r o s 
m e m b r o s da família. D u r a n t e p a r t e da infância t i v e de d i v i d i r o 
q u a r t o c o m m i n h a avó m a t e r n a , M a r i a Eugênia, o u c o m as dua s 
f i l h a s de u m a t i a q u e h a v i a f a l e c i d o d e r e p e n t e . E a i n d a h a v i a u m 
p r i m o q u e f i c ava lá de vez e m q u a n d o . 
A p e s a r d i s s o , não c o n s i d e r o q u e fôssemos p o b r e s . T a n t o é 
q u e tínhamos p i a n o e m casa. Aliás, a única c o i s a q u e h a v i a e r a o 
p i a n o . . . P a p a i t i n h a s i d o músico p r o f i s s i o n a l e h e r d a d o d a mãe o 
p i a n o , q u e r e l u z i a n o m e i o de n o s s a sa l a , o n d e só e x i s t i a , além 
de l e , u m sofá — l e m b r o de f i c a r d e i t a d o v e n d o p a p a i t o c a r , e t o -
cava m u i t o b e m . A n t e s , p a r a g a n h a r a v i d a , t o c a r a p i a n o e m c i -
n e m a s , f a z e n d o ao v i v o a t r i l h a s o n o r a d o s f i l m e s q u e e s t a v am 
s e n d o e x i b i d o s . A i n d a e r a a época do c i n e m a m u d o . Só q u e a p r o -
'Nascido no Rio em 1 9 0 7 , Oscar Niemeyer formou-se em arquitetura em 1 9 3 4 , 
pela Escola Nacional de Belas-Artes do Rio de Janeiro. 
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O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
fissão de músico s emp r e f o i a s s i m , m e i o d u v i d o s a . N a q u e l e s t e m -
po s , então, e r a p i o r , não e r a r e c o n h e c i d a . O músico p r o f i s s i o n a l 
v i v i a de f a z e r b i c o s , s em p r e . 
M e s m o s e n do u m b o m p i a n i s t a , p a p a i a c a bou d e s i s t i n d o d a 
música q u a n d o se c a sou e, c o m o não t i n h a formação, e n t r o u p a r a 
o s C o r r e i o s p a r a s e r po s t a h s t a , u m a profissão que h o j e n e m ex i s t e 
m a i s . O p o s t a l i s t a t r a b a l h a v a c o m ca r t a s , f a z i a a s u a distribuição, 
s e p a r a n d o - a s p a r a s e r e m e n c am i n h a d a s às d i v e r s a s regiões d a 
c i d a d e . E l e se c a s ou m u i t o t a r d e , d e p o i s do s 4 0 a n o s , e e u já o 
c o n h e c i p o s t a l i s t a , m a s t o c a v a s e m p r e p a r a m i m . Mamãe e r a 
d o n a - d e - c a s a e c u i d av a de t o d o s o s a s s u n t o s r e l a c i o n a d o s à m i -
n h a educação. •* 
E r a m am b o s pe s soa s afáveis. P a p a i e r a brincalhão, e s t a v a 
s e m p r e a l e g r e . Mamãe t a l v e z fosse u m p o u c o m a i s séria, i n t r o -
v e r t i d a , m a s também e r a m u i t o c a r i n h o s a . E m b o r a p a p a i fosse 
u m a pessoa m u i t o rígida de caráter, de m o r a l , a educação que e l e s 
m e d e r a m não f o i rígida e m excesso . E l e m e p a s s o u essa questão 
do r i g o r , s em p r e conve r s ava c om i g o s o b r e h o n e s t i d a d e . C o m o f u i 
a l u n o d o Colégio M i l i t a r e m r e g i m e s e m i - i n t e r n o a p a r t i r d o s 10 
a no s , a d i s c i p h n a v e i o m a i s da e sco la , da co i s a m i l i t a r . 
C r e s c i d u r a n t e o p r i m e i r o g o v e r n o de Getúlio V a r g a s ^ Q u a n -
d o a c abou , d e p o i s da g u e r r a , e u já t i n h a i 3 a n o s . O u se ja , n a s c i 
n a d i t a d u r a e c o n v i v i o t e m p o i n t e i r o c o m e l a . E m e u p a i f o i m u i t o 
simpático àquela co i s a d o n a c i o n a l i s m o . Esses v a l o r e s patrióti-
cos , o H i n o N a c i o n a l , a b a n d e i r a b r a s i l e i r a , e r a m m u i t o e x a c e r -
b ado s n e s s e período, e f u i i m p r e g n a d o d i s s o . T i n h a q u e o u v i r o 
H i n o N a c i o n a l n a e sco la primária, cantávamos t o d o d i a . E r a t u n a 
"Getúlio Dornelles Vargas ( 1 8 8 3 - 1 9 5 4 ) . natural de São Borja (RS), governou o Bra-
sil de 1 9 3 0 a 1 9 8 7 como chefe de governo provisório epresidente eleito pelo Con-
gresso. No final de seu governo, instalou a ditadura do Estado Novo, que iria durar 
oito anos. Em 1 9 5 1 volta ao poder pelas urnas: eleito presidente, fica no cargo até 
1 9 5 4 , quando se suicida com um tiro no peito. 
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L E L É < J 0Â0 F I L G U E I R A S L I M A ) 
co i s a m e i o f a sc i s t a , m a s s e r p a t r i o t a e r a i m p o r t a n t e . Até h o j e , de 
vez e m q u a n d o t o c o n o t e c l ado o H i n o N a c i o n a l . H o u v e u m perío-
d o de rejeição ao h i n o d u r a n t e o r e g i m e m i l i t a r , t o d o m u n d o d i -
z i a q u e e r a horrível. E u a cho b o n i t o . 
Q u a n d o e r a p e q u e n o , ao o u v i r p a p a i t o c a n d o , l o g o f i q u e i i n -
t e r e s s a do . A o s 5 a n o s d e i d ad e , c om e c e i a t o c a r p i a n o a s s i m , c o m 
e l e . P a p a i t o c av a de o u v i d o , não s ab i a música. Q u a n d o p e r c e b e u 
q u e e u t i n h a vocação, d i s s e q u e precisávamos a r r a n j a r u m a p r o -
f e s s o r a p a r a m e d a r au l a s . M a s e l a se c o m p o r t o u de u m a m a n e i r a 
m u i t o r u d e c om i g o , e e u não q u i s c o n t i n u a r . F o i l o g o n o p r i m e i -
r o d i a : c h e g u e i n a casa da p r o f e s s o r a p a r a a a u l a e a irmã d e l a m e 
p e d i u p a r a t o c a r a l g um a co i s a . T i n h a a p r e n d i d o u m a s c o i s i n h a s 
d e o u v i d o q u e p a p a i m e e n s i n a r a , então s e n t e i ao p i a n o e t o q u e i . 
A p r o f e s s o r a v i u a q u i l o e d i s s e , m u i t o zangada , que m e p r o i b i a 
de t o c a r d e o u v i d o , q u e não p o d i a . F i q u e i tão chocado q u e n u n c a 
m a i s a p a r e c i p o r lá. Só f u i a p r e n d e r música m e s m o aos 17a n o s , 
q u a n d o já t o cava acordeão e m b a i l e s e s e n t i n e c e s s i d ade de e s -
t u d a r . E s p o n t a n e am e n t e , t o m e i a i n i c i a t i v a de p r o c u r a r u m a p r o -
f e s s o r a p a r a a p r e n d e r a t o c a r p o r p a r t i t u r a . M a s a c ho q u e p o r 
causa desse t r a u m a de infância n u n c a p u d e d o m i n a r a l e i t u r a de 
música. 
V i v i t o d a a fase de formação n o subúrbio. F u i criança n o E n -
g e n h o N o v o , q u e , c o m o t o d o s o s b a i r r o s c o r t a d o s pe l a s l i n h a s da 
C e n t r a l , não t i n h a n a d a a v e r c o m a Z o n a S u l . O R i o d e J a n e i r o 
s e m p r e f o i d o i s , p r i n c i p a l m e n t e ne s s e período, q u a n d o h a v i a a 
m a i o r d i f i c u l d a d e de passa r de u m l a d o p a r a o o u t r o . Não h a v i a 
m u i t o s túneis e n c u r t a n d o os c a m i n h o s . A g o r a é d i f e r e n t e , você 
p o d e m o r a r n a B a r r a da T i j u c a que t e m a L i n h a Am a r e l a ^ , f a c i U -
'Via expressa com 3 5 km de extensão que reduziu a menos de meia hora o percur-
so de automóvel entre a Barra da Tijuca e a Baixada Fluminense. Liga a Zona Oeste 
àZona Norte da cidade do Rio. 
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o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
t o u m u i t o . A n t e s , não; h a v i a u m a diferença e n o r m e . I s s o f o i 
m u i t o m a r c a d o p a r a m i m : o s u b u r b a n o de u m l a d o e, d o o u t r o , a 
e l i t e q u e m o r a v a e m Bo t a f o g o , n o F l a m e n g o , e m Copa c ab an a . E u 
p e r t e n c i a ao p r i m e i r o g r u p o . 
E r a u m a criança saudável, b a s t a n t e a l t a e m comparação c o m 
as o u t r a s . C r e s c i r a p i d a m e n t e e p r a t i c a v a m u i t o s e s p o r t e s . T i v e 
u m a v i d a eugênica, d i g am o s a s s i m : atlética, ao a r l i v r e . B r i n c a v a 
c o m o u m m e n i n o t i p i c o d o subúrbio, c o m pião, b o h n h a d e g u d e . 
F i l h o s únicos n o r m a l m e n t e se r e s s e n t e m m u i t o d e t e r e m t i d o 
u m a v i d a e n c l a u s u r a d a , m a s e u não f u i a s s i m , não. N u n c a f u i t r a -
t a d o c o m o f i l h o único. B r i n c a v a n a r u a , t i n h a m u i t o s a m i g o s . 
D e p o i s d o E n g e n h o N o v o , f o m o s p a r a L i n s d e V a s c o n c e l o s , o u -
t r o subúrbio da C e n t r a l , e de lá, aos 12 a n o s , p a r a a I l h a d o G o v e r -
n a d o r , o n d e p e r m a n e c e m o s p o r m u i t o t e m p o . Já h a v i a m o r a d o 
n a I l h a u m a vez , aos d o i s o u três a n o s d e i d a d e , q u a n d o mamãe 
t e v e u m p r o b l e m a de saúde e os médicos h a v i a m r e c om e n d a d o 
p r a i a p a r a e l a . 
A I l h a d o G o v e r n a d o r e r a o paraíso p a r a m i m e m e u s am i g o s . 
Inventávamos de s a i r p a r a o m a r n a s condições m a i s precárias: 
d e b a r c o , de ba l s a , q u a l q u e r co i s a . I s s o g e r ava u m a preocupação 
c o n s t a n t e n a s famílias. H o u v e d i a s e m q u e não p u d e v o l t a r p o r -
q u e f i q u e i p r e s o p e l o m a u t e m p o , l a n c h a s e r a m convoc ada s p a r a 
m e p r o c u r a r . Mamãe f i c a v a i n d i g n a d a . G o m o se não bas t a s se , tí-
n h a m o s u m a b r i n c a d e i r a terrível, s u p e r p e r i g o s a . N a I l h a o i ^ e l e -
v o é m u i t o a c i d e n t a d o , então as p r a i a s a c a b am s e m p r e n u m a 
elevação. Nós morávamos e m u m a p r a i a e x a t am e n t e a s s i m . C o n s -
truímos u m c a r r i n h o , e c o m d o i s pedaços de m a d e i r a i m p r o v i -
s amo s u m t r i l h o , q u e besuntávamos c o m b a s t a n t e l a m a p a r a f a z e r 
a q u i l o e s c o r r e g a r de lá de c i m a d o m o r r o . 
E m b a i x o , p a r a p a r a r a geringonça, fazíamos o u t r a elevação 
q u e o b r i g a v a o c a r r i n h o a f r e a r . M a s , às vezes , vínhamos c o m t a l 
v e l o c i d a d e q u e não conseguíamos p a r a r , e o c a r r i n h o d e s p e n c a -
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L E L É ( J O A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
v a lá p a r a b a i x o d a r i b a n c e i r a . A q u e l a e r a o u t r a b r i n c a d e i r a q u e 
e n l o u q u e c i a mamãe. E u n u n c a q u e b r e i n a d a , m a s u m g a r o t o d a 
t u r m a , s i m . N u m a dessas ocasiões, a g e n t e t i n h a f e i t o u m c a r r i -
n h o tão pe s ado e p o s t o t a n t a l a m a n o t r i l h o q u e o c a r r i n h o s u b i u 
n a q u e l a elevação, v o o u s o b r e u m a e scada q u e h a v i a e m b a i x o e 
e n t r o u p e l a j a n e l a de u m a casa. M e u a m i g o f o i p a r a r n a s a l a d e 
alguém, caído d e u m a a l t u r a d e u n s dez m e t r o s , e q u e b r o u a p e r -
n a . D e v e z e m q u a n d o a c o n t e c i a . j 
Q u a n d o e n t r e i p a r a o Colégio M i l i t a r , e m São Cristóvão, j i m - ' 
s e m i - i n t e r n a t o , p a s s ava o d i a p o r lá e só v o l t a v a p a r a d o r m i r . 
I s s o m u d a m u i t o a relação e m casa, p o r q u e você f i c a o d i a i n -
t e i r o j u n t o c o m o s a m i g o s — é c o m o criança q u e f i c a e m c r e c h e 
h o j e e m d i a . 
M e u a p e h d o v e m das p e l a d a s q u e organizávamos n o colégio. 
E u j o g a v a n a m e s m a posição de u m ídolo do V a s c o d a G a m a n e s -
sa época, a r t i l h e i r o d o c am p e o n a t o c a r i o c a d e 1945, q u e se c h a -
m a v a Lelé*. F a z i a p a r t e da b r i n c a d e i r a : cada j o g a d o r d o t i m e e r a 
c h am a d o p e l o n o m e d e a l g u m f a m o s o q u e a t u a v a n a m e s m a p o -
sição. Se fosse g o l e i r o , t a l v e z t i v e s s e m e t o r n a d o B a r b o s a , c o m o 
o g o l e i r o d a seleçào b r a s i l e i r a d e 1950. G o m o j o g a v a d e m e i a -
d i r e i t a , f i c o u Lelé. E p e g o u . N e s s a época, a g e n t e u s a v a u m ca s -
q u e t e , u m a espécie de boné q u e f a z i a p a r t e d o u n i f o r m e , e u m 
a m i g o e s c r e v e u a h : Lelé. N u n c a m a i s c o n s e g u i m e U v r a r d i s s o . 
Ninguém m e c h am a p e l o n o m e , é u m a c o i s a terrível. N u n c a e s -
t i m u l e i , m a s o q u e v o u f a z e r ? E engraçado, d i z e m q u e o a p e h d o 
pega q u a n d o você não ace i t a . P o i s e u d e i x a v a , não t i n h a n e n h u m 
p r o b l e m a c o m i s s o , e f i c o u d o m e s m o j e i t o . P ou c a s p e s soa s m e 
c h a m a m de João, i n c l u s i v e p r o f i s s i o n a l m e n t e . Q u a n d o t e l e f o n o , 
d i g o : " A q u i é o Lelé." 
•Manuel Pessanha, o Lelé, foi meia-direita do Vasco entre 1 9 4 , 3 e 1 9 4 8 . 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
EKtR£ Ó ACÓmÁÓ EÀ PRAmEÍk 
É n o f i n a l d a adolescência q u e a a r q u i t e t u r a v a i a p a r e c e r n a 
m i n h a v i d a , de f o r m a i n t e i r a m e n t e ca sua l , u m a c i d e n t e . A s p e s -
soas , s o b r e t u d o da f a m i h a , d a v a m m u i t o s p a l p i t e s s o b r e m e u f u -
t u r o p r o f i s s i o n a l . D i z i a m q u e e u t i n h a d e s e r médico, a dvogado , 
e n g e n h e i r o , m a s n a d a d i s s o m e em o c i o n a v a . A i i n i c a c o i s a q u e 
m e em o c i o n a v a de v e r d a d e e r a a música. T i n h a essa ligação c o m 
p a p a i , t o c av a p i a n o c o m e l e , e d a i h a v i a pa s sado p a r a o acordeão, 
u m i n s t r u m e n t o q u e es tava m a i s o u m e n o s n a m o d a . R a p i d a m e n -
t e começaria a m e p r o f i s s i o n a l i z a r . 
A o s i5anosjátocava e m b a i l e s . O músico, porém, e r a u m t a n -
t o d e s p r e s t i g i a d o n a época do rádio. G o m o a d v e n t o d a televisão, 
jáb e m n o f i n a l da década de 1950, é q u e começa a m e l h o r a r u m 
p o u c o . O rádio t o r n a v a o s músicos c o n h e c i d o s , p r i n c i p a l m e n t e 
o s c a n t o r e s , m a s não dava d i n h e i r o . O músico v i v i a m e s m o d e 
t o c a r e m b a i l e s . H a v i a u m l u g a r n o C e n t r o d o R i o , p e r t o d a Praça 
T i r a d e n t e s , q u e e r a o p o n t o do s músicos. A g e n t e chegava lá e 
p e r g u n t a v a : t e m a l g u m b a i l e p a r a f a z e r ? O s músicos t r a b a l h a v a m 
m u i t o a s s i m : i a m aos b a i l e s e g a n h a v a m u m cache q u e l h e s p e r -
m i t i a u m a sobrevivência b e m mo d e s t a . 
N u n c a c h e g u e i a s e r u m músico f am o s o , a p e s a r d e t e r f e i t o 
m u i t o s b a i l e s . P a r a l e l am e n t e , v i v i a u m im p a s s e : d o Colégio M i -
l i t a r o s a l u n o s n o r m a l m e n t e i a m d i r e t o p a r a a E s c o l a M i l i t a r p a r a 
s e r o f i c i a i s , m a s e u não a ce i t a v a a q u e l e negócio. F i z esse c a m i -
n h o d u r a n t e u m a n o , até ch ega r à conclusão de q u e t u d o a q u i l o 
d e c a s e r n a , de Exército, não e r a p a r a m i m . A c a b e i d e s i s t i n d o 
m e s m o , p a p a i c o n c o r d o u , m a s a família t o d a m e o l h o u c o m d e s -
confiança. P a r a e l e s , t e r u m f i l h o q u e i a s e r m i l i t a r r e p r e s e n t a v a 
u m a segurança, u m a e s t a b i l i d a d e f i n a n c e i r a g a r a n t i d a . P o r i s s o , 
a família i n t e i r a f i c o u ouriçada q u a n d o saí, c o m o se a q u e l a t i v e s s e 
16 
L E L É ( j O A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
s i d o u m a o p o r t u n i d a d e desperdiçada. D i z i a m : "Es se daí v a i p a r a 
a boémia, c o m o s e m p r e q u i s . " M e u d e s t i n o e r a esse , ninguém 
a c r e d i t a v a q u e e u fo s se recuperável. S u r p r e e n d e n t e m e n t e , m e 
r e c u p e r e i . 
M a s , a n t e s d i s s o , v i v i a tão d e s a c r e d i t a d o n e s s a v i d a boémia 
de t o c a r e m b a i l e s q u e p a p a i d e c i d i u q u e e u t i n h a d e começar a 
t r a b a l h a r d e q u a l q u e r m a n e i r a . Q u a n d o d e i x e i a E s c o l a M i l i t a r , 
aos 18 a n o s , c o n s e g u i e n f i m u m em p r e g o de e s c r e v e n t e , datiló-
g r a f o , c o m m e u t i o , q u e e r a d a M a r i n h a , n o serviço d a R e s e r v a 
N a v a l . Lá, c o m o s e m p r e g o s t e i de d e s e n h a r , a p r o v e i t a v a as h o r a s 
l i v r e s p a r a f a z e r c a r i c a t u r a s . E f o i u m s u b t e n e n t e d a M a r i n h a 
c h am a d o Gastão, q u e t r a b a l h a v a e m u m a m e s a p e r t o da m i n h a , 
q u e m d e u a i d e i a : ''Você t e m j e i t o p a r a d e s e n h o , p o r q u e não v a i 
e s t u d a r a r q u i t e t u r a ? " E u n e m s ab i a o q u e e r a a r q u i t e t u r a , q u a l a 
diferença exa t a e n t r e e l a e a e n g e n h a r i a , m a s a c h e i q u e p o d i a s e r 
u m a saída p a r a m i r a . Não d a v a m e s m o p a r a s o b r e v i v e r c o m o 
acordeão. 
Gastão m e e x p l i c o u b a s i c am e n t e c o m o e u p o d e r i a f aze r p a r a 
e n t r a r n a f a cu l d ade : d i s s e q u e t i n h a u m c o n c u r s o , e m a i s d e t a -
l h e s não d e u . M e i n s c r e v i p a r a o v e s t i b u l a r n a a n t i g a U n i v e r s i -
d a d e d o B r a s i l ^ , n o R i o , e f u i f a z e r o c o n c u r s o a b s o l u t a m e n t e 
d e s p r e p a r a d o . T i n h a q u e l e v a r u m a régua-tê, u m i n s t r u m e n t o 
e n o r m e , d o t a m a n h o d e u m a p r a n c h e t a , e o q u e l e v e i f o i u m a ré-
gua e m f o r m a t o de T minúsculo. Q u a n d o c h e g u e i lá, t o d o m u n d o 
r i u de m i m , f o i ridículo. A c a b a r a m a r r u m a n d o u m a régua-tê 
m a i o r , ^xm s u j e i t o m e e m p r e s t o u . P a s s e i n e s s a p r o v a c o m o mí-
n i m o possível. A E s c o l a M i l i t a r e r a m u i t o p u x a d a , s a b i a matemá-
slnicialmente denominada Universidade do Rio de Janeiro, passou a se chamar 
Universidade do Brasil em 1 9 3 7 . Em 1 9 6 5 , nova mudança de nome, para Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro. Em 3 0 0 0 , recuperou na Justiça o direito de uti-
lizar a denominação Universidade do Brasil/UFRJ. 
17 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
t i c a e e s t ava b e m p r e p a r a d o , m a s não p a r a f a z e r u m v e s t i b u l a r 
específico c o m o o de a r q u i t e t u r a . T o d o m u n d o t i n h a f e i t o u m 
c u r s i n h o preparatório e e u não t i n h a pas sado p o r n e n h u m . 
Q u a n d o c h e gou n a p r o v a de d e s e n h o f i g u r a d o , o u t r a avaliação 
ehminatória, a c on t e c e u a lgo m a i s i n t e r e s s a n t e a i n d a . O p i n t o r U b i 
Bava^, m u i t o r e s p e i t a d o n a época, e r a u m do s e x am i n a d o r e s . E l e 
p a s s ou ao l a d o da m i n h a p r a n c h e t a , o l h o u o que es tava f a z e ndo e 
d i s s e que e u i a s e r r e p r o v a d o se c o n t i n u a s s e c om o es tava i n d o . Não 
s e i o que v i u e m m i m , p o r q u e r e s o l v e u m e d a r o u t r o p a p e l e m b r a n -
co e começou a m e e n s i n a r . D a v a a v o l t a , passava de n o v o , d i z i a q u e 
e u es tava i n d o b e m . A c a b e i p a s s ando c o m u m 7, u m a n o t a fantás-
t i c a p a r a q u e m não sab i a n ad a . E f o i e l e q u e m m e a j u d o u . P a r a as 
o u t r a s d i s c i p l i n a s e u es tava p r e p a r a do , e acabe i s e n do a p r ovado e m 
^5*^ I n g a r e n t r e u n s 80 ; não f o i tão r u i m . M a s t u d o i s so m o s t r a c omo -
a m i n h a i d a p a r a a a r q u i t e t u r a não f o i n a d a p l a n e j a d a . ^ 
Começou a f a c u l d a d e , e o c a m i n h o p a r a a a p o s e n t a d o r i a d o 
acordeão também. Q u a n d o f u i p a r a B r a sU i a , e m 1957, l a r g u e i de 
u m a vez ; t i v e que e s c o l h e r , e m b o r a o c a s i o n a l m e n t e a i n d a t o c a s -
se p o r lá. E m e s m o d u r a n t e o período e m q u e e s t ava n a f a c u l d a -
d e , f u i o b r i g a d o a o p t a r , p o r q u e t i n h a q u e e s t u d a r e t r a b a l h a r . 
P r e c i s a v a c o n t i n u a r t r a b a l h a n d o c o m o e s c r e v e n t e , p o r q u e m e u 
p a i m o r r e u e m e t o r n e i a r r i m o de família — aliás, a c h o até e n -
graçado que , n e s s a época, e u g anha s s e u m salário mínimo e c o m 
esse d i n h e i r o p ud e s s e m a n t e r mamãe e a m i m . O p o d e r a q u i s i -
t i v o d o salário mínimo e r a m u i t o m a i s a l t o , não é c o m o t o j e , q u e 
q u e m g a n h a está n a miséria... P a p a i t e v e câncer n o pulmão ao s 
57 a n o s . F o i u m a m o r t e r e p e n t i n a , e m d o i s m e s e s e l e m o r r e u . 
L e m b r o - m e , n o e n t a n t o , d e a i n d a tê-lo v i s t o f e l i z p o r e u t e r e n -
^0 santistaUbi Bava ( 1 9 1 5 - 1 9 8 8 ) foipintor, desenhista, arquiteto e professor. Sua 
pintura abstrata se caracteriza pelas formas geométricas e pelo uso de efeitos éti-
cos obtidos com a utilização de espelhos. 
18 
L E L É ( J O Ã O F I L G U E I R A S L I M A ) 
t r a d o p a r a a f a c u l d ad e de a r q u i t e t u r a e m e H v r a d o d o d e s t i n o de 
boémio q u e e l e v i s l u m b r a v a . 
Usava a ba r ca p a r a i r à facu ldade , que n a época f icava n o C e n t r o 
d o B i o de J a n e i r o . Já e x i s t i a a p o n t e , que f o i construída d u r a n t e a 
gue r r a , m a s o d e s e n v o l v im e n t o d a I l h a d o G o v e r n a d o r a con t eceu e m 
t o r n o da hgação c o m a barca , que é do o u t r o l a do de o n d e f i c a a p o n -
t e . E e u s em p r e p r e f e r i i r de ba r ca p o r q u e e r a m a i s fácil. T i n h a que 
s a i r t odos os d ias ás 4h3o da manhã de casa e só chegava às 10 da n o i t e , 
e r a u m a pa rada . H o u v e tambémum período e m que m o r a v a n a I l h a , 
já t r a b a l h av a e passava a s ema n a n a casa de u m a p r i m a m u i t o q u e -
r i d a , C e h n a , n o Grajaú. E l a e s e u m a r i d o , José, f o r a m s emp r e c a r i -
nhosíssimos c om i g o . D o r m i a n o c an t o de u m q u a r t o e m c i m a d a 
ga r agem, que ab r igava também u m a b i b ho t e c a g r ande , d o Emího, 
irmão de José.Às vezes, v i r a v a a n o i t e l e n d o . I s so diu-ouimsoíto anos ; 
só passe i a m o r a r s o z i n h o q u a n d o f u i p a r a Brasília. 
N o s f i n s de s eman a , a i n d a faz ia os ba i l e s c o m o acordeão p a r a 
g a nh a r u m d i n h e i r i n h o ex t r a . H a v i a m u i t o s b a i l e s n o R i o de J a n e i r o 
n o s ano s 50, e nós m o n t a m o s u m c o n j tm t o mu s i c a l , o ( Jen te Nos s a . 
H o j e o n o m e m e parece m e i o brega , m a s acho que t u d o e r a b r ega 
n a q u e l a época. Nào h a v i a s upe r a r t i s t a s c omo h o j e , g r andes as t ros da 
M P B que v i v e s s em só da v e n d a g em de d i scos . L e m b r o de a c omp a -
n h a r m u i t a s vezes até m e s m o g r ande s n o m e s da " E r a d o Rádio", 
c om o Ângela M a r i a , O r l a n d o S i l v a , N e l s o n Gonçalves, Gauby P e i -
x o t o , p o r q u e esse pe s soa l também t i n h a que fazer b i sca te . A n t e s da 
T V , o músico p r o f i s s i o n a l , m e s m o o c an t o r , d e p end i a d o rádio, d i s -
co e r a t u n a co i sa mtúto precária, n e m t o d o m u n d o t i n h a . D e p e n d i a 
também de p e q u e no s shows, não e r a m g randes espetáculos, c om o 
h o j e . V i v i a m n o s u b l i r b i o , p a s s avam de u m l a do p a r a o u t r o o t e m p o 
t o d o . E r a m shows b e m m a i s s im p l e s do que as produções a tua i s : o 
pa lco , a o r qu e s t r a , o c an to r , não m u i t o m a i s d o que i s so . 
E x i s t i a u m c l ub e n a I l h a d o G o v e r n a d o r c h am a d o Jequiá, o n d e 
tocávamos c o m frequência. Atuávamos c o m o am a d o r e s , s e m c o -
19 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
b r a r cache . M a s pegávamos u n s b a i l e s c o m o p r o f i s s i o n a i s , a q u i 
e a h . C h e g u e i a t o c a r e m Bo t a f o g o , n o s c l u b e s f i n o s d o b a i r r o . N o 
Copacabana Pa lace , nâo. D e u s m e l i v r e , a q uUo e r a co i sa p a r a a a l t a 
e l i t e . A l g u n s músicos contemporâneos n o s s o s , c o m o João D o -
n a t o , d e f a t o já t o c a v am lá q u a n d o d e i x e i o acordeão. Q u a n d o 
D o n a t o e s t ava começando, e u e s t ava t r o c a n d o d e f i n i t i v a m e n t e o 
i n s t r u m e n t o p e l a p r a n c h e t a . T i n h a começado m u i t o cedo , a n t e s 
d a Bos s a N o v a . Q u a n d o a Bos s a N o v a s u r g i u , e u já t i n h a saído do 
c o n j u n t o , não t o c av a m a i s . 
Ó Àimó SUBIMBAHÓ 
Desd e o p r i m e i r o a n o n a u n i v e r s i d a d e a s s u m i a q u i l o , e a a r -
q u i t e t u r a começou a m e i n t e r e s s a r , e m b o r a m i n h a formação c u l -
t u r a l , m e u c o n h e c i m e n t o , t e n h a m s i d o t a r d i o s . C o m o m i n h a 
convivência e r a c o m pessoas de u m l u g a r d e p o u c a informação, 
não t i n h a acesso a u m p a t am a r c u l t u r a l m a i s e l e v a do . E r a b r o n c o 
m e s m o . T i v e q u e a p r e n d e r m u i t a co i s a ; a formação artística v e i o 
q u a n d o já e s t ava b e m m a i s v e l h o . F o i u m p r o c e s s o . 
Se essa formação i n t e l e c t u a l não o c o r r e n a h o r a c e r t a , há 
s e m p r e u m a deficiência. I s s o a con t ece e m t o d a s as áreas d o c o— 
n h e c i m e n t o . N a música, p o r e x em p l o : T cha i kov sky ' * , q u e c o m e -
çou a f a z e r música d e p o i s de m a d u r o , n u n c a f o i u m c o m p o s i t o r 
d o nível de Mo z a r t ^ , t r e i n a d o p e l o p a i a p a r t i r do s c i n c o a n o s . A 
^Piotr Tchaikovsky ( 1 8 4 , 0 - 1 8 9 3 ) , compositor russo, era filho de um engenheiro, 
e durante muitos anos foi obrigado pela família a dividir seu tempo entre a músi-
ca e o direito. 
Wolfgang Amadeus Mozart ( 1 7 5 6 - 1 7 9 1 ) , compositor austríaco, era filho de um 
violinista e compositor profissional. Foi iniciado na música pelo pai, e aos cinco 
anos de idade já compunha minuetos. 
L E L É ( J O Ã O F I L G U E I R A S L I M A ) 
música d e l e não t e m a m e s m a força, 0 r o m a n t i s m o d e l e é m u i t o 
c r i t i c a d o , t a r d i o , ao passo que M o z a r t e s tava b e m i n s e r i d o e m sua 
época. É c l a r o q u e a t u a h n e n t e , c o m a f a c i l i d a d e de se i n f o r m a r , a 
p e s soa c on s egu e se r e c u p e r a r , m a s não é a m e s m a co i s a q u e r e -
c eb e r essas informações desde a infância. 
N a f a cu l d ad e , m e s e n t i a até m e i o d e s l o c ado n o princípio. T i -
n h a o g r u p o do s s u b u r b a n o s , q u e se i s o l a v a u m p o u c o , e, d o m e s -
m o m o d o q u e g e o g r a f i c am e n t e , d o o u t r o l a d o h a v i a a q u e l a eU t e 
m a i s s ab i d a , c o m a q u a l e u t i n h a c e r t o m e d o d e c o n v i v e r p o r q u e 
não s ab i a n a d a . M a s c o m o possuía a l g u n s do t e s , u m a c e r t a f a c i -
h d a d e p a r a o d e s e n h o , u m a formação b o a e m matemática e e m 
ciências q u e v i n h a d a E s c o l a M i h t a r , c om e c e i a m e des t aca r c o m o 
u m b o m e s t u d a n t e . Aí a e h t e m e a p a d r i n h o u e f u i a b s o r v i d o g r a -
d u a l m e n t e p e l o o u t r o g r u p o , p a s s a n d o a c i r c u l a r n o s d o i s . O 
acordeão também d a v a i u n a f o r c i n h a , p o r q u e e r a c o n v i d a d o p a r a 
t o c a r n a s f e s t a s d a Z o n a S u l , u m c o n t a t o p a r a o q u a l e u não es t ava 
n e m u m p o u c o p r e p a r a d o . 
L e m b r o - m e d e t e r f i c a do a m i g o d o f U h o de u m s u j e i t o m u i t o 
b e m s i t u a d o f i n a n c e i r a m e n t e , q u e m o r a v a n o F l a m e n g o e e r a 
r e p r e s e n t a n t e da H o U e r i t h ^ n o B r a s i l , V a l e n t i m Bouças. P a r a d a r 
u m a ideia d a importância d o h o m e m , ba s t a s a b e r q u e a H o l l e r i t h 
f o i u m a espécie d e embrião do s c om p u t a d o r e s de h o j e e m d i a : 
t i n h a u r a s i s t e m a de perfurações n o p a p e l q u e p e r m i t i a f a z e r 
m e c a n i c a m e n t e t r a b a l h o s das emp r e s a s , c o m o a f o l h a de p a g a -
m e n t o s — daí q u e o c o n t r a c h e q u e f o i c o n h e c i d o d u r a n t e m u i t o 
t e m p o c o m o " h o l e r i t e " , a i n d a é sinónimo. 
Esse V a l e n t i m Bouças e r a m u i t o i m p o r t a n t e , i n c l u s i v e p o l i -
t i c a m e n t e : e r a a m i g o de CetúUo Va r g a s . E o f i l h o d e l e , L u i z C a r l o s 
'O nome da empresa faz referência ao norte-americano Herman Hollerith ( 1 8 6 0 -
1 9 3 9 ) , inventor do sistema de processamento de dados que utiliza cartões perfu-
rados. 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
A n t o n y , f i c o u m e u a m i g o e m e c o n v i d o u p a r a j a n t a r e m s u a casa. 
N u n c a t i n h a i d o a u m j a n t a r f o r m a l . A o v e r a q u e l a m e s a e n o r m e , 
c o m os p r a t o s p e r f i l a d o s , o s t a l h e r e s a r r u m a d o s , os c opo s g r a n -
de s e p e q u e n o s , t o m e i u m s u s t o d a n a do . Q u a n d o v e i o a e m p r e -
gada t o d a u n i f o r m i z a d a , c o m a t r a v e s s a n a mão p a r a m e s e r v i r , 
p e g u e i a t r a v e s s a e f i q u e i s e g u r a n d o , p r a t i c a m e n t e t o m e i da mão 
de l a , e e l a e d u c a d ame n t e , s o l t o u . T o d o m u n d o m e o l h a v a , e u c o m 
a q u e l e troço n a mão. Aí a mãe d e l e r e s o l v e u t o m a r u m a a t i t u d e e 
m e d i s s e : "Não, p o d e d e i x a r c o m e l a , q u e e l a s e r v e . " E u d e v o l v i , 
m a s f o i u m a c o i s a h o r r o r o s a . É u m episódio q u e m o s t r a c o m o e u 
e r a p o u c o i n f o r m a d o a r e s p e i t o de quase t u d o f o r a d o m e u m u n -
d i n h o s u b u r b a n o . 
L o g o , porém, começaria a t o m a r c o n h e c i m e n t o dessas p e -
q u e n a s co i sa s e de o u t r a s , m u i t o m a i s i m p o r t a n t e s : começaria a 
m e i n f o r m a r s o b r e a a r q u i t e t u r a n o m u n d o . O s c a r N i e m e y e r já 
h a v i a d e s p o n t a d o c o m o u m g r a n d e a r q u i t e t o b r a s i l e i r o . T i n h a 
p a r t i c i p a d o d o p r o j e t o d o Ministério da Educação e Saúde Pú-
blica'°, ao l a d o de L e C o r b u s i e r " , e m 1936, f e i t o o C o n j u n t o d a 
P ampuLh a , e m B e l o H o r i z o n t e , que é de 194,0, e se p r o j e t a v a c o m o 
u m g r a n d e a r q u i t e t o . A o s 4 0 e p o u c o s a n o s , O s c a r já e r a a m a i o r 
referência da a r q u i t e t u r a b r a s i l e i r a , e o i d e a l d e t o d o m u n d o n a 
f a c i ddade e r a s e r u m N i e m e y e r . 
'"Em 1 9 3 6 , a convite de Lúcio Costa, o arquiteto franco-suíço Corbusier vem 
ao Brasil para atuar como consultor no projeto do prédio do Ministério da Educa-
ção e Saúde Pública, no Rio, hoje chamado Palácio Gustavo Capanema. A equipe 
de arquitetos que atuava no projeto era formada por Carlos Leão, Affonso Reidy, 
Oscar Niemeyer, Jorge Moreira e Ernâni Vasconcelos. O prédio é considerado um 
marco internacional da arquitetura moderna. 
"Le Corbusier é o pseudónimo do francês nascido na Suíça Charles-Edouard 
Jeanneret-Gris ( 1 8 8 7 - 1 9 6 5 ) , a mais influente figura da arquitetura do século XX. 
Suas concepções inspiraram profundamente a geração de arquitetos brasileiros 
intitulada modernista. Esteve aqu ipe lapr ime i ravezemi9 í9 , quando fez uma sé-
rie de conferências em São Paulo e no Rio. Voltou em 1 9 3 6 e novamente em 1 9 6 3 , 
quando visitou Brasília. 
L E L É ( j O A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
Es s a é, aliás, a ambição m a i s vã q u e u m e s t u d a n t e p o d e t e r . É 
o m e s m o q u e n a s c e r q u e r e n d o s e r M o z a r t . Osca r é u m génio, p r o -
v a v e l m e n t e não v a i a p a r e c e r o u t r o n o n o s s o século. E t i m t a l e n t o 
incrível e m a r q u i t e t u r a , s e i lá de q u a n t o e m q u a n t o t e m p o p o d e 
s u r g i r u m a pe s soa c o m o e l e . O p r o f i s s i o n a l q u e e n t r a r n a e s co l a 
a c h a n d o q u e será i g u a l a Osca r estará e q u i v o c a d o . Também não 
p o d e imitá-lo de u m a f o r m a ordinária, c o m o u m a c a r i c a t u r a . O 
p r i n c i p a l é e n t e n d e r a m e n s a g em , o q u e e l e propõe, essa é a g r a n -
de influência q u e p o d e e x e r c e r . N a m i n h a relação coíp, O s c a r , 
s e m p r e p r o c u r e i f a z e r i s s o , e n t e n d e r s u a a r q u i t e t u r a , a b s o r v e n -
d o essas influências q u e são i m p o r t a n t e s , m a s m a n t e n d o m i n h a s 
limitações. U m a r q u i t e t o p o d e s o b r e v i v e r d i g n a m e n t e s e m p r e -
c i s a r se t r a n s f o r m a r n u m L e C o r b u s i e r o u n u m Osc a r N i e m e y e r . 
E l e s são únicos. 
mmm 
Os am i g o s f o r a m m u i t o i m p o r t a n t e s n a m i n h a v i d a . T i v e e 
t e n h o m u i t o s . São pessoas q u e a p a r e c em , d e s a p a r e c em e de r e -
p e n t e v o l t a m , a f i n i d a d e s q u e se c r i a m e f i c a m . D e s d e a f a c u l d a -
de , e também, d o m e u p o n t o de v i s t a , de m a n e i r a a b s o l u t am e n t e 
c a sua l , f o i se t e c e n d o ao m e u r e d o r u m a r e d e de am i g o s q u e têm 
u m a influência f u n d a m e n t a l n a m i n h a c a r r e i r a . 
Q u a n d o e s t udava , q u e m m e i n f l u e n c i o u b a s t a n t e não f o i u m 
p r o f e s s o r , m a s o a r q u i t e t o e p i n t o r A l d a r i T o l e d o " , q u e m e f o i 
"O pintor e arquiteto Aldari Toledo (Rio, 1 9 1 5 - 1 9 9 8 ) foi discípulo de Portinari, com 
quem estudou entre 1 9 3 2 e 1 9 3 5 , Mais tarde, iria se dedicar com maior empenho à 
arquitetura. Com Oscar Niemeyer, Francisco Bolonha e Edgar do Vale, faria vários 
projetos modernistas na cidade de Cataguases (MG) durante a década de 1 9 5 0 , 
«3 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
a p r e s e n t a d o p o r u m p r i m o de l e e m s e g u n d o g r a u , M i l t o n V i l l a r , 
a m i g o m e u d o subúrbio. P a s s e i a f r e q u e n t a r s i s t e m a t i c am e n t e 
sua casa, e m Copacabana , u m a vez p o r s em a n a . A l d a r i m e m o s -
t r a v a a a r q u i t e t u r a n o s l i v r o s , ficávamos n o i t e s i n t e i r a s c o n v e r -
s a n d o . F o i u m a pessoa q u e m e a j u d o u m u i t o , d u r a n t e o período 
da esco la , a d e s c o b r i r a a r q u i t e t u r a c o m o a r t e . 
F o i u m a co i s a m u i t o rápida: e n t r e i n a f a cu l d ade u m i m b e c i l 
c o m p l e t o e de r e p e n t e t i v e acesso a A l d a r i T o l e d o , u m a pe s soa da 
e l i t e , q u e não t i n h a n a d a a v e r c o m o subúrbio, p o r u m a c o i n c i -
dência, p o r q u e m e u a m i g o b r e g a e r a c o n t r a p a r e n t e d e l e . O c o n -
t a t o c o m A l d a r i m e p r o p o r c i o n o u , p o r s u a vez , o e n c o n t r o c o m 
o u t r o a m i g o , o antropólogo D a r c y R i b e i r o ' ^ , que c o n h e c i e m s e u 
escritório, e m 1951. A l d a r i t i n h a f e i t o o p r o j e t o d o M u s e u d o ín-
d i o , n o R i o , e D a r c y a p a r e c e u n a q u e l e d i a p a r a v e r a p r o p o s t a . 
D a r c y e r a u m a pe s soa e x u b e r a n t e , c o m u m a formação i n t e l e c t u a l 
incrível e c o m t u n a f o r m a de se e x p r i m i r , e l o q u e n t e m e n t e , r a -
p i d a m e n t e , que d e i x av a a g e n t e quase a s f i x i a d o , t o n t o . 
E u , aos zo e p ou co s a n o s , t o m e i u m s u s t o q u a n d o v i a q u e l a 
f i g u r a . M a s , ao m e s m o t e m p o , s i m p a t i z a m o s de i m e d i a t o . Es se 
f o i apenas u m p r i m e i r o e n c o n t r o , u m a referência. Quase dez a n o s 
d e p o i s , q u a n d o D a r c y s o u b e que e u e s t ava e m BrasíUa, n a m e s -
m a h o r a q u i s m e a t r a i r p a r a a u n i v e r s i d a d e q u e e s t ava f u n d a n d o 
lá, a U n B ( U n i v e r s i d a d e de Brasíha). M a s e u só i r i a p o r intermé-' 
d i o de Os c a r N i e m e y e r , já e s t ava c o m p r o m e t i d o c o m e l e . F i q u e i 
e s p e r a n d o q u e Osca r se d e c i d i s s e a a s s u m i r a F a cu l d ad e d e A r -
q u i t e t u r a da u n i v e r s i d a d e . 
''Darcy Ribeiro ( 1 9 2 2 - 1 9 9 7 ) , antropólogo e educador, nasceu em Montes Claros 
(MC). Atuou como indigenista e dedicou-se à educação primária e superior. Em 
1 9 6 2 fundou a Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor. Foi minis-
tro da Educação e ministro-cbefe da Casa Civil ( 1 9 6 4 ) . vice-governador do Rio 
( 1 9 8 2 ) e senador (de 1 9 9 1 até sua morte). 
34 
L E L É ( J O Ã O F I L G U E I R A S L I M A ) 
I n i c i a l m e n t e , u m a r q u i t e t o q u e a t u a v a e m Brasíha,m u i t o 
b o m e c u l t o , A l c i d e s da R o c h a M i r a n d a , e s t ava c og i t a d o p a r a a s -
s u m i r o c a rgo . E l e h a v i a f e i t o o p r i m e i r o p r o j e t o arquitetônico da 
U n B , o auditório D o i s C a n d a n g o s . Só q u e e r a u m prédio a i n d a 
d i s s o c i a d o d o c o n t e x t o d a u n i v e r s i d a d e q u e e s t a v a n a s c e n d o . 
M a i s t a r d e é q u e f o i d e s e n v o l v i d o o p r o j e t o de u r b a n i s m o d a U n B ; 
O s c a r p a s s o u então a a t u a r e e u e n t r e i e m sua e q u i p e . C o m D a r c y 
R i b e i r o c o m o r e i t o r . 
V i v i m u i t a s histórias engraçadas c o m D a r c y . E r a u m a f i g u r a 
e t a n t o . N u m a ocasião, c o m p r o u u m casarão lá e m M o n t e s C l a -
r o s , M i n a s , s u a t e r r a n a t a l ; u m a demolição, e q u e r i a que e u f izesse 
a casa d e l e e m Brasília c o m aque l e s destroços. M e v i e n v o l v i d o 
n u m a confusão e n o r m e , t i n h a q u e n u m e r a r as peças de m a d e i -
r a , eraumquebra-cabeça. A c a b e i não f a z e n do , p o r q u e , q u a n d o 
a g e n t e i a começar a construção da casa, v e i o o g o l p e m i l i t a r de 
1964 e o exílio p a r a D a r c y . 
F i z em o s vários o u t r o s p r o j e t o s j u n t o s . O último qu e f i z , e m 
1996, u m a n o an t e s de e l e m o r r e r , f o i o p r o j e t o da Fundação D a r c y 
R i b e i r o , e m Brasíha, que também n u n c a c h e gou a s e r construída. 
F o i n u m período e m q u e e l e e s t ava m u i t o frágil, f a z e n d o q u i -
m i o t e r a p i a , es tava i n t e r n a d o n o S a r a h e q u e r i a fazer o p r o j e t o de 
q u a l q u e r m a n e i r a . D i s s e p a r a A l o y s i o C ampo s d a Paz'*, o u t r o a m i -
go , q u e d i r i g e o h o s p i t a l : " T e n h o que f a l a r c o m Lelé." T u d o p o r 
c o n t a dessa g en e r o s i d ad e m a r a v i l h o s a de Oscar . Nós éramos d o i s 
p r o f i s s i o n a i s q u e trabalhávamos s emp r e p a r a D a r c y—N i e m e y e r , 
é c l a r o , c o m p r o j e t o s m u i t o m a i s i m p o r t a n t e s d o que e u— m a s de 
r e p e n t e Osca r d i z i a : "F a z i s so , Lelé." S e m n e n h u m a r i v a h d a d e . F o i 
a s s i m c o m a Fundação. D e p o i s , Osca r p e g ou o p r o j e t o e e l e pró-
p r i o a p r e s e n t o u n o j o r n a l , e l o g i a n do , fez a apresentação. 
'*Aloysio Campos da Paz Júnior éclrurgião-chefe e fundador da Rede Sarah de Hos-
pitais do Aparelho Locomotor. 
35 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
Ma s , n e s s a ocasião, D a r c y quase não f a l a v a , e s t ava c o m d i -
f i c u l d a d e de se e x p r i m i r e A l o y s i o o c o l o c o u n a sa la de v i d e o c o n -
ferência d o H o s p i t a l S a r a h d e Brasília p a r a e l e p o d e r se c o m i m i c a r 
c om i g o n o S a r a h de S a l v a do r . F o i m u i t o engraçado, p o r q i i e D a r c y 
f a l o u p a r a m i m : " O l h a , q u e r o u m heijódromo." E começou a e x -
p l i c a r m a i s o u m e n o s o q u e t i n h a e m m e n t e : "É p a r a b o t a r as 
m i n h a s co i s a s , m i n h a b i b h o t e c a . " T i v e m o s q u e i n v e n t a r j u n t o s 
o c o n c e i t o de beijódromo. S e r i a u m espaço a o a r l i v r e , n a g r am a , 
n o s d e g r a u s — u m espaço b e m ao g o s t o d e Brasília, e m q u e se 
p o d i a f a z e r s e r e s t a , as pessoas p o d e r i a m e s t a r e m v o l t a se b e i -
j a n d o , n a m o r a n d o . P a r a u s o n o t u r n o , p r i n c i p a l m e n t e . P e n a q u e 
não se c o n c r e t i z o u . 
O s c a r , D a r c y e e u s e m p r e t i v e m o s u m a relação m u i t o b o a . 
O s c a r , q u e c o n h e c i n a época d a construção d e Brasília, é p a r a 
m i m u m e x e m p l o de s e r h u m a n o , e m t o d o s o s a s p e c t o s . É c l a -
r o , a g e n t e acaba a d m i r a n d o o s a m i g o s , m a s o c o n s i d e r o u m a 
p e s s o a e x c e p c i o n a l . E capaz de r e n u n c i a r a q u a l q u e r c o i s a p a r a 
a j u d a r o s a m i g o s , p r e z a essa questão da s oU d a r i e d a d e . N o t r a t o 
p e s s o a l , O s c a r é c o m p l e t a m e n t e d i f e r e n t e d e D a r c y . D a r c y e r a 
e x t r o v e r t i d o e e l e , não. M a s é u m a p e s s o a q u e t e m s e u s a m i g o s 
d e m u i t o s a n o s , q u e v a l o r i z a s ua s am i z a d e s , n e m s e m p r e i n t e -
l e c t u a i s — são pe s soa s até b a s t a n t e s i m p l e s a l g um a s v e z e s , não 
o b r i g a t o r i a m e n t e a r q u i t e t o s . 
S e m p r e f o m o s am i g o s , a p e s a r da diferença g r a n d e d e i d a d e 
e n t r e nós — ? 5 a n o s . O s c a r s e m p r e t e v e essa capac idade de e s t a -
b e l e c e r relações d e am i z a d e c o m pes soas d e i d a d e s d i f e r e n t e s . 
H o j e e m d i a está m u i t o a m i g o d o José C a r l o s S u s s e k i n d , também 
m e u a m i g o , u m c a l c u l i s t a q u e t r a b a l h o u c o m e l e , m a i s j o v e m , 
c o m o e u— s a i u até u m l i v r o d e ca r t a s t r o c a d a s e n t r e o s d o i s . A c h o 
i s s o s a d i o , é possível c o n s e g u i r u m a identificação m u i t o b o a e n -
t r e pe s soas d e i d ad e s d i f e r e n t e s . E u às vezes m e s i n t o u m a c r i a n -
ça. G o s t o de dançar, o q u e d e i x a m e u n e t o m a i s v e l h o (são d o i s e 
a6 
L E L É ( j O A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
u m t e r c e i r o está a c a m i n h o ) , de 6 a n o s , a b s o l u t am e n t e e n v e r g o -
n h a d o . E l e p e n s a q u e u m v e l h o c o m o e u não p o d e dançar, q u e é 
co i s a d e o u t r a i d a d e . M a s as i d a d e s são r e l a t i v a s . 
F o i o u t r a coincidência q u e m e l e v o u ao médico A l o y s i o 
C am p o s d a Paz . E m igóS, e u e m i n h a m u l h e r , a também a r q u i -
t e t a A l d a R a b e l l o C u n h a , tínhamos i d o d e c a r r o p a r a o R i o , e , 
n a v o l t a , s o f r i d o u m a c i d e n t e horrível. F o i n o m e i o d o p e r c u r -
s o , e só c o n s e g u i l e v a r a A l d a , q u e q u a s e m o r r e u , c o m a b a c i a 
f r a t u r a d a e perfuração d o pulmão, p a r a o h o s p i t a l de Brasília — 
f i q u e i m a l também, m a s n a d a m u i t o g r a v e . O l o c a l d o a c i d e n t e 
e r a p e r t o d a c i d a d e d o I s r a e l P i n h e i r o ' 5 , e m M i n a s G e r a i s . A r -
r a n j a m o s u m a ambulância, q u e enguiçou n o m e i o d o c a m i n h o . 
E n f i m , o a c i d e n t e o c o r r e u às o i t o h o r a s d a n o i t e e só f o m o s c h e -
g a r a Brasília às três d a manhã. 
Ne s s a ocasião, A l o y s i o t i n h a v i n d o d a I n g l a t e r r a e d i r i g i a o 
serviço d e o r t o p e d i a . F u i a t e n d i d o p o r e l e , e começamos a c o n -
v e r s a r m u i t o à n o i t e . E l e t o c av a p i s t o m , p a s s amo s a t o c a r j u n t o s , 
essa c o i s a d a música. E s t a b e l e c emo s u m a relação q u e d e p o i s se 
t r a n s f o r m o u n u m a relação p r o f i s s i o n a l . A l o y s i o t e m u m a f o r m a -
ção sólida, vê a m e d i c i n a c o m o u m i n s t r u m e n t o de c u r a de cada 
indivíduo, até e s c r e v e u u m l i v r o s o b r e i s s o : cada p a c i e n t e é t u n 
p a c i e n t e . Es sa generalização da m e d i c i n a , de t r a t a r t o d o s de m o d o 
i g u a l , é c omp l i c a d a . Às vezes , a c u r a p a r a d e t e r m i n a d o s u j e i t o não 
é a m e s m a p a r a a q u e l e o u t r o , d e p e n d e n d o até d a v i d a q u e l e v a . 
P r i n c i p a l m e n t e n a questão d a recuperação m o t o r a . E e l e te m essa 
visão de q u e o m a i s i m p o r t a n t e é o s e r h u m a n o — daí essa i d e n -
t i d a d e q u e se e s t a b e l e c e u e n t r e nós. 
'50 engenlieiro Israel Pinlieiro ( 1 8 9 6 - 1 9 7 3 ) presidiu a empresa responsável pela 
construção de Brasília, a Novacap. Figura polémica, de trato difícil, chegou a se 
comportar durante o processo, segundo Niemeyer, quase como um "senhor de en-
genho". 
27 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
C o m essa visão, p u d e v i r t r a b a l h a r n o S a r a h : a d e q u e o s e r 
h u m a n o t e m d e s e r t r a t a d o d e u m a f o r m a g e r a l a b r a n g e n t e , 
não c o m o r e f l e x o d e u m a aplicação tecnológica d e última g e -
ração. E s s a a m i z a d e p e r d u r o u ao l o n g o d o s a n o s , t o r n e i - m e 
p a d r i n h o d o f i l h o d e l e , A l o y s i n h o . Há m u i t o t e m p o não é u m a 
relação só p r o f i s s i o n a l — n a v e r d a d e , são dua s relações d i s t i n -
t a s . P r o f i s s i o n a l m e n t e , há u m a i d e n t i d a d e que p e r m i t e a o p o r -
t u n i d a d e d e t r a b a l h o q u e e u t i v e n o S a r a h , a m e l h o r d a m i n h a 
v i d a . 
Já a relação c o m o antropólogo b a i a n o R o b e r t o P i n h o também 
começou n a U n i v e r s i d a d e de Brasíha, o n d e f o m o s colegas . R o b e r t o 
étunreaHzador, i n t e h g e n t e , m u i t o p r epa r ado c u l t u r a lm e n t e , e aca-
b o u se t o r n a n d o u m a espécie d e p l a n e j a d o r n a área púbUca — 
a t u a h n e n t e é assessor e s p e c i a l d o m i n i s t r o da C u l t u r a , G i l b e r t o 
Gíl'^. A s o p o r t u n i d a d e s que t i v e c o m e l e f o r a m m u i t a s ; e l e gos t a de 
f aze r co i sas e m q u a l q u e r área. 
R o b e r t o P i n h o s e m p r e f o i u m a v e n t u r e i r o n o s e n t i d o de i n -
v e n t a r p r o j e t o s e, d e p o i s de t e r s i d o a f a s t ado d a U n B c o n o s c o , 
c o m o g o l p e m i l i t a r , v o l t o u p a r a a B a h i a p a r a a t u a r n o g o v e r n o ao 
l a d o d e s e u am i g o , o então secretário e s t a d u a l de P l a n e j a m e n t o 
Mário Kertész'^. J u n t o c o m o designerMex C h a c o n , R o b e r t o t i -
n h a f e i t o u m t r a b a l h o n a c idade histórica de C a c h o e i r a , n o R e -
côncavo B a i a n o . O s d o i s m e c o n v i d a r a m p a r a t r a b a l h a r a q u i n a 
B a h i a , f i z e r a m a cabeça do Mário p a r a m e t r a z e r . íssb f o i e m 1973, 
q u a n d o f i z o p r o j e t o d o C e n t r o A d m i n i s t r a t i v o da B a h i a . D e p o i s , 
q u a n d o h o u v e a construção do S a r a h e t i v e q u e m o n t a r u m a e q u i -
'*0 Cantore compositor Gilberto Gil, nascido em Salvador em 1 9 4 2 , foi presidente 
da Fundação Gregório de Mattos ( 1 9 8 7 - 1 9 8 8 ) e vereador na capital baiana ( 1 9 8 9 -
1 9 9 2 ) . 
'^ Mário Kertész foi secretário de Planejamento do governo da Bahia entre 1 9 7 2 
e 1 9 7 6 , prefeito nomeado de Salvador entre 1 9 7 8 e 1 9 8 1 , e prefeito eleito de 1 9 8 5 
a 1 9 8 8 . 
28 
L E L É ( j O A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
pe , l e v e i - o s p a r a Brasíha, e t r a b a l h a r a m e m m e u escritório de a r -
q u i t e t u r a . 
E m 1978, Kertész se t o m o u p r e f e i t o n o m e a d o , e m e c o n v o -
c o u n o v a m e n t e a S a l v a d o r . N e s s e período, R o b e r t o d i r i g i a o 
E q u i p H o s , órgão responsável p e l a produção d e e q u i p am e n t o s d o 
S a r a h de Brasília, e v i e m o s j u n t o s p a r a a B a h i a . T r a b a l h a m o s e m 
colaboração m a i s u m a v e z e m 1985, q u a n d o Mário Kertész f o i 
e l e i t o p r e f e i t o d e S a l v a d o r e R o b e r t o p a s s a r a a s e r s e u secretário 
de G o v e r n o . A g o r a , c o m os p r o j e t o s q u e e s t o u r e a l i z a ndo , e m R i -
beirão P r e t o , v o l t o u a p a r c e r i a c o m R o b e r t o , q u e f o i q u e m i d e a -
l i z o u as intervenções u r b a n a s p l a n e j a d a s . 
O u t r o am i g o q u e c o n h e c i e m BrasíUa, n a época da u n i v e r s i -
d ade , f o i o a r t i s t a plástico A t h o s Bidcão'^ m e u p a r c e i r o e m inú-
m e r o s t r a b a l h o s n o s últimos 4,0 a n o s . F i c a m o s m u i t o am i g o s , e 
s em p r e q u e pegava u m a o b r a e u o c o n v i d a v a , e m b o r a n a época 
t i v e s s e p o u c o s p r o j e t o s . N o s s a p a r c e r i a se i n t e n s i f i c o u d e u n s 
t e m p o s p a r a cá, e, ne s sa s fábricas t o d a s , são d e l e o s painéis e as 
p o r t a s c o l o r i d a s . N o s s o t r a b a l h o f i c o u m u i t o i n t e r h g a d o . A t h o s 
está c o m m a l d e P a r k i n s o n a t u a h n e n t e , m a s c o n t i n u a p r o d u z i n -
d o , a p e s a r de t e r a c apac idade l i m i t a d a . C o m o está d o e n t e , a go r a 
e u m e s m o faço a l g u n s t r a b a l h o s . N a fábrica de e q u i p am e n t o s de 
Ribeirão P r e t o f i z t u d o , até a p a r t e plástica. E c l a r o q u e se e l e f i -
zesse s e r i a m u i t o m e l h o r , m a s c o m o não p o d i a envolvê-lo n u m 
t r a b a l h o lá, e u f i z . 
I d e n t i f i c o t o d a s essas am i z a d e s , tão i m p o r t a n t e s p a r a m i m , 
c o m o c a suahdade s . T e r t i d o c o n t a t o c o m A l d a r i T o l e d o f o i u m a 
c o i s a q u e a c o n t e c e u , não saí atrás. D e p o i s , o acaso d e t e r m e t o r -
n a d o a m i g o e discípulo d e O s c a r N i e m e y e r , u m a p e s s o a c o m 
'^ Nascido no Rio emigiS, o decorador, desenhista, pintor e professor Athos Bulcão 
dedica-se desde 1 9 5 5 atrabalhos de integração arquiteto nica, criando obras com-
plementaresparaprédiosprojetadospor nomes como Niemeyer, Sérgio Bernardes 
e Lelé, entre outros. 
39 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
q u e m m e i d e n t i f i c o n o c am p o ideológico, n a m a n e i r a de p e n s a r . 
P a r a l e l a m e n t e , h o u v e o u t r o s episódios, c o m o o caso d o D a r c y , d e 
A l o y s i o o u de R o b e r t o P i n h o . T u d o i s s o a c o n t e c e u d e m a n e i r a 
f o r t u i t a . 
miíltkm 
N o período e m q u e e s t u d e i , a f a c u l d ad e e r a m u i t o técnica. O 
p r o f e s s o r de c o n c r e t o a r m a d o , A d e r s o n M o r e i r a d a R o c h a , p o r 
e x e m p l o , e r a do s m a i s e x i g e n t e s . N o s s a formação e r a m a i s v o l -
t a d a p a r a a p a r t e técnica d o que p a r a a artística, o q u e se c o b r a v a 
e r a o d e s e n v o l v i m e n t o técnico d o e s t u d a n t e , c o m a p a r t e artísti-
ca c o r r e n d o p a r a l e l a : a g e n t e t i n h a q u e se v i r a r p o r c o n t a própria. 
O r e s u l t a d o p o s i t i v o d i s so é q u e f i q u e i c o m u m a ótima f o r m a -
ção técnica. C o m o a i n d a p o r c i m a t i n h a u m a formação científica 
preparatória f o r t e , da E s c o l a M i h t a r , i s so f o i m e c o n d u z i n d o p a r a 
u m a técnica u m p o u c o m a i s e sme r a d a do que se p o d i a e s p e r a r d e 
u m a f acu ldade de a r q u i t e t u r a . Reconheço q u e a p a r t e técnica f o i 
m u i t o m a i s e f i c i e n t e d o q u e a artística d e n t r o da f ac tddade . 
E A l d a r i T o l e d o m e a j u d o u , f e l i z m e n t e , a começara e x p l o r a i s , 
essa o u t r a p a r t e , f o i u m a pe s soa f u n d a m e n t a l p a r a q u e e u t e n h a 
p o d i d o e n t e n d e r a a r q u i t e t u r a n e s s a f a s e . A l d a r i t r a b a l h a v a n o 
p r o j e t o d a C i d a d e Universitária d o R i o , q u e e s t ava s e n d o c o n s -
truída, j u n t o c o m Jo rge M o r e i r a ' ^ , o u t r o a r q u i t et o i m p o r t a n t e , 
•'Jorge Machado Moreira ( 1 9 0 4 , - 1 9 9 2 ) , arquiteto e professor, é um dos pioneiros 
da arquitetura moderna no Brasil. Colaborou no planejamento da Cidade Univer-
sitária do Rio (Ilha do Fundão), em 1 9 5 4 , para a qual projetou o Instituto de Pueri-
cultura, e é autor do projeto do edifício Antônio Ceppas no bairro Jardim Botânico, 
Rio de Janeiro. ( 1 9 4 , 6 ) . 
3o 
L E L É ( j O A o F I L G U E I R A S L I M A ) 
qu e fez p a r t e d o g r u p o d o Ministério da Educação n a m e s m a época 
que Osca r N i e m e y e r . A l d a r i , além do m a i s , d e s e nh av a m u i t o b e m , 
t i n h a u m a formação artística e x c e l e n t e . E e u a p r e n d i a ; f o i m e 
i n t r o d u z i n d o e m a r t e de m o d o g e r a l ; p i n t u r a , e s c u l t u r a , também 
pa s s e i a c o m p r e e n d e r a j u d ado p o r e l e . 
C o m o c o n v i v i a b e m c o m a p a r t e técnica d e s d e a E s c o l a M i -
l i t a r , s u p o r t a v a s e m d i f i c u l d a d e as a u l a s . M a s , d e u m m o d o g e -
r a l , as p e s soa s tínhamhorror. D e s e j a v a m o u t r a formação, c o m o 
até h o j e d e s e j a m . Q u a n d o e n t r a n a f a c u l d a d e , o f u t u r o a r q u i -
t e t o e s p e r a e s t a r m u i t o m a i s l i g a d o à a r t e , e às v e z e s d i s c o r d o 
d i s s o . A f i n a l d e c o n t a s , o i n s t r u m e n t o p a r a r e a l i z a r u m a o b r a 
é u m i n s t r u m e n t o técnico. Se o a r q u i t e t o não t i v e r u m a c o n -
vivência b o a c o m e s se i n s t r u m e n t o , não c o n s e g u e l e v a r s e u 
p r o j e t o a d i a n t e . 
A p a r t e técnica p o d e s e r cha t a , e m u i t a s veze s é, m a s t e m q u e 
s e r e n f r e n t a d a . Q u a n d o o a r q u i t e t o d o m i n a o s u f i c i e n t e p a r a d i a -
l o g a r c o m os e s p e c i ah s t a s , t e m u m i n s t r u m e n t o m u i t o m a i s f o r -
t e d e realização p a r a s e u p r o j e t o . A g o r a , e m s u a formação, é 
p r e c i s o d o s a r essa b a g a g em técnica c o m a formação artística. So -
ciológica também, p o r q u e não? O a r q u i t e t o é u m g e n e r a h s t a , não 
u m e s p e c i a l i s t a , t e m q u e e s t a r c u l t u r a l m e n t e p r e p a r a d o p a r a 
e x e r c e r s u a profissão de u m a f o r m a a b r a n g e n t e . Não p o d e f i c a r 
n a minúcia, n o d e t a l h e . Es se é u m aspec to m u i t o difícil n a f o r -
mação d o a r q u i t e t o : s a b e r d o s a r , s a b e r até q u e p o n t o se a p r o -
f u n d a r e m d e t e r m i n a d a s áreas d o c o n h e c i m e n t o q u e vão s e r 
necessárias. 
A c h o q u e e x i s t e u m a d i f i c u l d a d e e m relação a i s s o . E p o r essa 
razão q u e até h o j e o a r q u i t e t o f i c a d i s c u t i n d o s e u p e r f i l . A t u a l -
m e n t e díscute-se também u m a o u t r a co i s a m a i s s o f i s t i c a d a , q u e 
é a s u s t e n t a b i h d a d e da profissão. A c h o t u d o i s s o u m a f o r m a de 
f u g i r d o p r o b l e m a : u m a profissão só é sustentável se a s oc i edade 
e x i g i r q u e e l a e x i s t a . Se a s o c i e d ade a ch a r q u e não p r e c i s a m a i s . 
3 i 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
não se s u s t e n t a . I s t o s i g n i f i c a que é p r e c i s o s e r e f i c i e n t e . O médi-
co , o advogado . E o a r q u i t e t o também. 
ARQintEtm BOSSA-MÍYA 
Se p o r u m l a d o e r a d e f i c i e n t e n a p a r t e artística, a f a cu l d ade 
de a r q u i t e t u r a d ava ao e s t u d a n t e a o p o r t u n i d a d e de se i n f o r m a r 
a r e s p e i t o de t u d o . H a v i a u m a efervescência i n t e l e c t u a l m u i t o 
g r a n d e , t i v e a s o r t e de e s t u d a r n u m período e m q u e a a r q u i t e t u r a 
b r a s i l e i r a v i v i a u m m o m e n t o g l o r i o s o , i m p o r t a n t e , de r e t o m a -
da . L e C o r b u s i e r t i n h a v i s i t a d o o B r a s H a n o s a n t e s , a a r q u i t e t u r a 
m o d e r n a já s u r g i r a p o r a q u i . 
E r a u m a época e m que se p r o d u z i a m m u i t a s r e v i s t a s de a r t e , e 
várias de a r q u i t e t u r a . P o r intermédio de las , o f u t u r o p r o f i s s i o n a l 
começava a t e r acesso ao que se es tava f a z e ndo não só n o B r a s i l 
c o m o n o m u n d o . A f a c u l d a d e d ava o c o n t a t o c o m essas i n f o r -
mações, m a s às vezes elas não e r a m d i g e r i d a s , p r i n c i p a l m e n t e n o 
caso de u m a pessoa de sp repa rada c om o e u . A l d a r i m e a j u d o u m u i t o 
n e s s a digestão. 
Além de s e r m e u g u i a i n t e l e c t u a l , A l d a r i começou a a cha r q u e 
e u t i n h a a l g um a qu ahdade p r o f i s s i o n a l e m e l e v o u p a r a o I n s t i t u t o 
de A p o s e n t a d o r i a e Pensão dos Bancários ( l A P B ) , o n d e e l e t r a b a -
l h a v a . A r r a n j o u p a r a m i m u m emp r e g o de d e s e nh i s t a . R e c eb i a m n 
salário mínimo c om o e s c r even t e da M a r i n h a , m a s já t i n h a d e i x a -
d o essa ocupação p o r q u e o p r i m e i r o c o n s e l h o que o A l d a r i m e d e r a 
f o i : " L a r g u e essa profissão, vá t r a b a l h a r n u m a f i r m a c o n s t r u t o r a , 
a r r a n j e q u a l q u e r co i sa , m a s l a rga nissoNão t i v e dúvida, e l a r g u e i . 
F o i p i o r a i n d a , p o r q u e c o n t i n u e i a g a n h a r u m salário míni-
m o , m a s t r a b a l h a v a à beça n u m a c o n s t r u t o r a q u e f a z i a m m t o s 
3? 
L E L É ( J O Ã O F I L G U E I R A S L I M A ) 
prédios de a p a r t am e n t o s e m Copacabana . O i j o o m imobihário da 
década de 1950 n o R i o e s t ava começando, e essa em p r e s a e m q u e 
e u a t u ava , a A r t e c , e r a j u s t a m e n t e a que f az i a esses prédios. P a s -
s e i a t r a b a l h a r lá c o m o d e s e n h i s t a , m a s a s s i m q u e s u r g i u u m a 
o p o r t u n i d a d e , A l d a r i m e l e v o u p a r a o I n s t i t u t o do s Bancários n a 
m e s m a função. Aí m e u salário a u m e n t o u . 
H o j e e m d i a , c o m a a j u d a d o c om p u t a d o r , a f i g u r a d o d e s e -
n h i s t a até se t r a n s f o r m o u . M a s , n a q u e l a época, t o d o s o s d e -
s e n h o s e r a m f e i t o s c o m i n s t r u m e n t o , c o m n a n q u i m . N o m e u 
t e m p o , o s p r o j e t o s e n c a m i n h a d o s p a r a aprovação d a p r e f e i t u r a 
e r a m f e i t o s e m t e l a , e o d e s e n h i s t a e r a u m p r o f i s s i o n a l b e m 
r e m u n e r a d o e m u i t o i m p o r t a n t e , p o r q u e t o d o a r q u i t e t o t i n h a 
u m a s e u l a d o . Só q u e o d e s e n h o técnico e r a p e s a do , d ava u m 
t r a b a l h o d a q u e l e s . E t o d o a r q u i t e t o i n i c i a n t e pa s s ava p o r essa 
função. N o t o t a l , f i q u e i u m a n o c o m o e s c r e v e n t e , d o i s n a A r t e c 
e n o s últimos d o i s a n o s d e f a c u l d a d e f u i p a r a o I n s t i t u t o d o s 
Bancários. 
Os a r q u i t e t o s i m p o r t a n t e s então e r a m , e m São P a u l o , V i l a -
n o v a Artigas^° e R i n o L e v i ' " ; e, n o R i o , A f f o n s o Reidy* ' ' e os três 
irmãos R o b e r t o M a r c e l o , Maurício e M i l t o n " ^ q u e f i z e r a m ob r a s 
'"O curitibano João Batista Vilanova Artigas ( 1 9 1 5 - 1 9 8 5 ) foi um dos fundadores 
da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP. cujo prédio projetou em 
1 9 6 1 . Mestre da chamada "arquitetura brutalista paulista", que propunha o uso 
de concreto aparente e vidro. 
''Rino Levi ( 1 9 0 1 - 1 9 6 5 ) é o autor do projeto do primeiro edifício modernista do 
Brasil, o Columbus, em Sào Paulo,projetado em 1 9 2 8 e inaugurado em 1 9 8 4 . 
"Affonso Eduardo Reidy ( 1 9 0 9 - 1 9 6 4 ) . discípulo de Le Corbusier, atuou na equi-
pe que projetou o Ministério da Educação, em 1 9 8 6 . Seu trabalho mais conhecido 
é o projeto do Museu de Arte Moderna do Rio. 
^Marcelo Roberto ( 1 9 0 8 - 1 9 6 4 ) , MiltonRoberto ( 1 9 1 4 - 1 9 5 8 ) e Maurício Roberto 
( 1 9 2 1 ) . irmãos arquitetos cariocas, fundaramjuntos afirma MMM Roberto, na qual 
fizeram inúmeros projetos para edifícios públicos e particulares. O prédio da ABI 
foi o primeiro do mundo inteiramente protegido por brise-soleil, anteparo for-
mado por uma série de placas estreitas e compridas, dispostas horizontal e verti-
calmente, para proteger o edifício da ação direta do sol. 
33 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
i m p o r t a n t e s , c o m o o A e r o p o r t o S a n t o s D t u n o n t e a sede d a A B I 
(Associação B r a s i l e i r a de I m p r e n s a ) , u m p r o j e t o d e referência. 
O s c a r N i e m e y e r e L u c i o C o s t a ^ , n a t u r a l m e n t e , C a r l o s Leão^s, 
a q u e l e g r u p o d o Ministério da Educação. M a s o s únicos aos q u a i s 
t i v e acesso n a f a cu l d ade f o r a m A l d a r i T o l e d o e, u m p o u c o , J o r g e 
M o r e i r a . 
A l d a r i a b r i u m e u s o l b o s e f u i m t i i t o i n f l u e n c i a d o p o r e l e e até 
p e l a a r q u i t e t u r a q u e f a z i a , m a s , n a v e r d a d e , e s t ava n u m período 
de e s p o n j a , de a b s o r v e r o q u e f o s s e . Não t i n h a n e m d e l i n e a d o 
a i n d a o m e u c a m i n h o , o q u e i a f a ze r ; o q u e e u e s t ava q u e r e n d o 
e r a s abe r . F o i u m período e m q u e t i v e de e s t u d a r b a s t a n t e , m e 
i n f o r m a r s o b r e m u i t a s o u t r a s co i s a s . 
I n t e r n a c i o n a l m e n t e , é c l a r o q u e L e C o r b u s i e r e r a u m a i n -
fluência f o r t e . D e p o i s , M i e s v a n d e r Rohe*^ . Ne s s e período já se 
q u e s t i o n a v a m u i t o a que l a s l i n h a s , h a v i a três m u i t o d i f e r e n t e s : 
M i e s v a n d e r R o b e p r o p u n h a a industriahzação p o r m e i o da c o n s -
trução e m aço; L e C o r b u s i e r , e m b o r a t i v e s s e u m d i s c u r s o da i n -
dustrialização, r e a l i z a r a u m a o b r a e m c o n c r e t o ; e t i n h a a i n d a 
"*0 arquiteto Lúcio Costa ( 1 9 0 2 - 1 9 9 8 ) , formado pela Escola Nacional de Belas-
Artes em 1 9 2 4 . foi influenciado pelo russo radicado no Brasil Crego ri Warchavchik 
( 1 8 9 6 - 1 9 7 2 ) , autor da primeira casa modernista, em São Paulo ( 1 9 2 7 - 1 9 2 8 ) , com 
quem trabalhou. Éo autor do desenho original do Plano Piloto de Brasilia ( 1 9 5 6 ) , 
era forma de avião ou cruz, com o qual venceu o concurso nacioij.al para a escolha 
do projeto da nova capital. 
• s Q carioca Carlos de Azevedo Leão ( 1 9 0 6 - 1 9 8 8 ) foiarquiteto, pintor e desenhis-
ta. Participou da equipe do MEC, em 1 9 8 6 , e projetou várias casas no estilo mo-
dernista, como a residência Homero Silva ( 1 9 5 6 ) . 
**Ludwig Mies van der Robe ( 1 8 8 6 - 1 9 6 9 ) , alemão, foi uma das maiores influên-
cias do modernismo na arquitetura. Em i g 3 o passou a dirigir a Baubaus e em 1 9 8 7 , 
com a chegada dos nazistas ao poder, emigrou para os EUA. Naturalizou-se norte-
americano em 1 9 4 4 - Inventou uma linguagem sofisticada em vidro e metal que 
tem seu melhor exemplo na Famswortb House ( 1 9 4 6 - 1 9 5 0 ) , na Cidade de Plano, 
lUinois, EUA. 
34 
L E L É ( j o A o F I L G U E I R A S L I M A ) 
R i c h a r d N e u t r a ' ' ' , c o m t u n a p r o p o s t a m u i t o r e q u i n t a d a e m t e r -
m o s de a c a b am e n t o , m i s t a de aço e c o n c r e t o . U s a v a e s t r u t u r a 
metálica também, c o m o e u . 
T o d o s e l e s v i n h a m da Bauh au s ' ' ^ p a s s a r am p o r e l a , m a s d e -
p o i s v e i o o n a z i s m o n a A l e m a n h a , e cada u m f o i p a r a u m c a n t o . 
P o r v o l t a de 1989, esses a r q u i t e t o s já e s t a v am n o s E s t a d o s U n i -
d o s , o n d e v i v i a o n o r t e - a m e r i c a n o F r a n k L l o y d W r i g h t " ' , u m a 
referência i m p o r t a n t e de o u t r a f o r m a , c o m u m a a r q u i t e t u r a m a i s 
l i g a d a à t e r r a . E l e se e x p r i m i u m u i t o m a i s através de colistrução 
de casas . F a z i a u m a a r q u i t e t u r a m a i s p r i v a d a , ao contrário d a 
m i n h a . Só e x i s t e u m e x e m p l o d e a r q u i t e t u r a pública, q u e é o 
M u s e u G u g g e n h e i m de N o v a Y o r k , o p r i m e i r o . 
I s s o t u d o a g e n t e s ab i a , m a s t i n h a m q u e m e a j u d a r n a d i g e s -
tão. C o n t i n u a v a b r o n c o , e s o u u m p o u c o até h o j e , não m e l i v r o 
n u n c a desses resquícios. H a v i a u m a p r e s e n t a d o r de rádio n u m a 
época m u i t o c a f o n a , César d e A l e n c a r , d o s t e m p o s d a c a n t o r a 
E m i l i n h a B o r b a . P o i s A t h o s Bulcão s em p r e m e c h am a v a de César 
de A l e n c a r e m h o m e n a g e m a essa m i n h a " b r o n q u i c e " . E o l h a q u e 
só f u i c o n h e c e r o A t h o s q u a n d o já es tava u m p o u q u i n h o m e l h o r . . . 
Lúcio Co s t a e r a u m a espécie d e m e n t o r , e s t a v a n u m o u t r o 
p l a n o . H a v i a p r o j e t a d o o b r a s i m p o r t a n t e s , c o m o o P a r q u e G u i n l e 
"^Richard Josef Neutra ( 1 8 9 2 - 1 9 7 0 ) , austríaco, emigrou para os EUA em 1 9 2 3 . 
Criador de casas, seu período mais produtivo fôramos anos 1 9 8 0 e 1 9 4 0 . quando 
projetou residências para nomes famosos de Hollywood, como o diretor Josef von 
Sternberg, seu conterrâneo. 
'*Bauhaus: em alemão, literalmente "construindo uma casa". Escola alemã de 
design ( 1 9 1 9 - 1 9 8 3 ) que se tornou um centro de teoria modernista na arquitetura 
apartirde 1 9 2 2 . Coma mudança da sede de Weiraarpara Dessau. em 1 9 2 5 , a nova 
sede da escola, projetada por Walter Gropius ( 1 8 8 8 - 1 9 6 9 ) , seu fundador, se tor-
naria um paradigma do modernismo. Aemigração de seus membros por causa do 
nazismo espalhou os ideais da Baubaus pelo mundo. 
''O norte-americano Wright ( 1 8 6 7 - 1 9 5 9 ) é um dos mais importantes arquitetos 
do século XX. Projetou o Cuggenheim em 1 9 4 2 . mas o museu só foi concluído em 
1 9 6 a . 
35 
O Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
e o P a r k H o t e l de N o v a F r i b u r g o , e m 194,8, m a s não se d ed i c av a 
m u i t o à a t i v i d a d e p r o f i s s i o n a l . E r a m a i s m n i n t e l e c t u a l que a p o n -
t a v a os c a m i n h o s , a g r a n d e referência. O s p r o f i s s i o n a i s q u e a t u a -
v a m m e s m o e r a m N i e m e y e r , o R e i d y e os irmãos R o h e r t o , q u e 
e r a m as no s s a s referências, j u n t o c o m A r t i g a s , e m São P a u l o . A 
a r q u i t e t u r a e r a então u m a profissão m u i t o c h a rmo s a , e os a r q u i -
t e t o s f r e q u e n t a v am os salões da s o c i ed ade . E u , não, só os b o t e -
q u i n s d a I l h a d o G o v e r n a d o r . Além de l e s , p a r a s e r b e m s i n c e r o , 
só a casa d o A l d a r i . 
Ó d f f DE BRASÍUA 
M i n h a f o r m a t u r a , e m 1956, c o i n c i d i u c o m a época e m ( |ue 
s u r g i u o p l a n o de Brasíha. F o i u m a excitação e n t r e os a r q u i t e t o s , 
f i c o u t o d o m u n d o t o n t o , a q u i l o t u d o p a r e c i a ficção científica d e -
m a i s p a r a s e r v e r d a d e . P o r o u t r o l a d o , o p e s s o a l d o R i o não q u e -
r i a s a b e r da transferência d a c i d ade , e r a u m a h e r e s i a f a l a r n i s s o . 
B i l l y B l a n co^ " chegouafazerumamúsica: "Não v o u , não v o u p a r a 
Brasília/ N e me u n e m m i n h a família." T u d o i s s o p o r q u e o c a r i o -
ca não s u p o r t a v a a i d e i a de a c a p i t a l s a i r d o R i o . Também os f u n -
cionários púbhcos nâo q u e r i a m i r p a r a Brasília, p a r a o m e i o d o 
m a t o , e m Goiás. ^ 
E a p r i m e i r a co i sa que Ju scehno Kub i t s chek^ ' fez f o i d e f i n i r que 
e r a p r e c i s o c r i a r habitações p a r a o p o d e r público c o n s e g u i r se 
'°Billy Blanco (Belém do Pará, 1 9 2 4 ) . compositor, um dos precursores da Bossa 
Novã. 
'^Juscelino Kubitschekde Oliveira ( 1 9 0 2 - 1 9 7 6 ) , mineiro, governou seu estado na-
tal ( 1 9 5 0 - 1 9 5 6 ) e foi presidente da República de 1 9 5 6 a 1 9 6 1 . Teve seus direitos 
políticos cassados por dez anos pelo golpe militar de 1 9 6 4 . 
36 
L E L É ( J O Ã O F I L G U E I R A S L I M A ) 
mu d a r . E r a necessário começar a c o n s t r u i r o s a p a r t am e n t o s . E l e 
d i s t r i b u i u essa t a r e f a e n t r e os l A P S s , o s i n s t i t u t o s de a p o s e n t a d o -
r i a s e pensões, c r i a d o s n o s a n o s 3o, e que não e r a m u n i f i c a d o s 
c o m o h o j e : t i n h a o l A P B ( do s bancários), l A P I ( d o s industriários)» 
o I P A S E ( do s s e r v i d o r e s ) e tc . N o dos bancários, o n d e e r a d e s e n h i s -
t a , c o r r e u u m a h s t a p a r a v e r q u e m q u e r i a i r p a r a Brasília, e m e 
c a n d i d a t e i n a m e s m a h o r a . E r a u m a o p o r t u n i d a d e p r o f i s s i o n a l 
imperdível p a r a q u e m es tava começando. C o m o ninguém q u e r i a 
i r , não h o u v e d i s p u t a , e e u f u i . . 
O I n s t i t u t o c r i o u u m a comissão de construção q u e não p r e -
c i s ava m o r a r e m Brasíha, se l o c o m o v i a de lá p a r a cá. F u i a p r i -
m e i r a pe s soa d o l A P B q u e c h e g o u lá c o m o r e s i d e n t e , p a r a f i c a r 
m e s m o . T i v e de a s s u m i r u m a p o s t u r a q u e n u n c a t i n h a m e o c o r -
r i d o , d e a d m i n i s t r a d o r , de t e r q u e t o m a r decisões. E s t a v a lá s o -
z i n h o , m i n h a função e r a r e s o l v e r t u d o . Éramos m u i t o p o u c o s 
a r q u i t e t o s n o princípio. D o I n s t i t u t o , f o m o s e u , c o m o técnico, u m 
a d m i n i s t r a d o r , A y r t o n P i n h e i r o , e u m a t e r c e i r a pe s soa , o Jessé, 
q u e e r a e n c a r r e g a d o de c o n t r a t a r o p e s s o a l p a r a t r a b a l h a r . T i n h a 
de c o n t r a t a r q u a l q u e r pes soa , de q u a l q u e r j e i t o , p o r q u e não h a -
v i a mão-de-obra disponível. N i e m e y e r também f i c a v a n o R i o . 
N a q u e l e a n o h a v i a s i d o c r i a d a a Nov a c a p , c o m p a n h i a e n c a r -
r e g ada de f a z e r o s p r o j e t o s d o P l a n o P i l o t o , q u e f i c a v a s e d i a d a n o 
R i o d e J a n e i r o . Q u a n d o m e p r o n t i f i q u e i a i r , r e c e b i a o r d e m : 
"Você v a i p r o c u r a r o a r q u i t e t o O s c a r N i e m e y e r p a r a d i z e r q u e 
q u e r i r , c o n s t r u i r o prédio que e l e está p r o j e t a n d o . " Efoiaí q u e o 
c o n h e c i . Não s e i p r e c i s a r a da t a , a c ho q u e e r a n o f i n a l de 1956. 
S e i q u e c h e g u e i nervosíssimo n o escritório, m a s e l e f o i m u i t o 
g e n t i l . P e r g u n t o u : "Você v a i t e r c o r a g em de i r p a r a Brasíha?" E 
e u d i s s e q u e s i m . T i n h a ? 4 a n o s . 
D e q u a l q u e r m a n e i r a , o e n c o n t r o c o m Osc a r f o i rápido. M e u 
c o n t a t o m a i o r f o i c o m s e u a s s i s t e n t e , N a u r o E s t e v e s , q u e m e d e u 
u m b o l o de d e s e n h o s , t o d o s o s p r o j e t o s , u m calhamaço e n o r m e . 
37 
o Q U E É S E R A R Q U I T E T O 
Co n f e s s o q u e c h e g u e i a p e n s a r : " N o q u e f o i q u e e u m e m e t i ? Q u e 
e n r a s c a d a ! " 
Q u a n d o f u i p a r a Brasília, não h a v i a n a d a . Não t i n h a água, não 
t i n h a l u z . O Núcleo B a n d e i r a n t e , a p r i m e i r a cidade-satéhte, q u e 
s e r v i u de base p a r a a n o v a c a p i t a l , e s t ava começando. O q u e t i -
n h a m u i t o e r a b a r b e i r o , a q u e l e b i c h o q u e c au s a a doença d e 
Ch a g a s . L e m b r o q u e q u a n d o c h e g u e i lá f i q u e i h o s p e d a d o n u m 
b a r r a c o m u i t o precário q u e c h a m a v a m de h o t e l , c h e i o de b a r b e i -
r o s . A m u l h e r q u e c u i d a v a d o h o t e l , i n c l u s i v e , t i n h a a doença de 
Chaga s . E r a u m l u g a r de a l t o r i s c o . L o g o d e p o i s f o i i n a u g u r a d o 
u m h o t e l u m p o u q u i n h o m e l h o r , também de m a d e i r a , o S a n t o s 
D u m o n t , e e u e A y r t o n , o a d m i n i s t r a d o r , n o s m u d a m o s p a r a lá. 
Dividíamos o m e s m o q u a r t o . 
N e s s a época h a v i a e m Brasíha u m núcleo d a No v a c a p , c u j o s 
e n g e n h e i r o s i a m f a z e r a p a r t e de t o p o g r a f i a , d e t e r r a p l a n a g em , 
p a r a a b r i r as r u a s , e h a v i a o s i n s t i t u t o s , cada q u a l f a z e n d o a s u a 
o b r a i n d e p e n d e n t e . F o i u m a a v e n tm - a incrível n a m i n h a v i d a , 
u m a mudança r a d i c a l . Nós tínhamos q u e e r g u e r o s prédios das 
c h am a d a s s u p e r q u a d r a s , o s b l o c o s de edifícios h a b i t a c i o n a i s d e 
Brasília. O l A P B e r a responsável pe l a s s u p e r q u a d r a s 108 e 109 d a 
A s a SvX. F i z e m o s t o d o s o s a l o j a m e n t o s p a r a o s operários, p o r q u e 
c h e g amo s a t e r m a i s d e d o i s m i l t r a b a l h a d o r e s . E r a p r e c i s o c o n s -
t r u i r u m a c i d ad e o n d e só h a v i a m a t o . 
Ninguém a c r e d i t a v a q u e d a l i p u d e s s e s a i r Brasília. E u m e s -
m o f i c a v a i m a g i n a n d o , p o r q u e o c e r r a d o dá u m a sensação d e 
v a z i o . . . Não t e m c o h n a s , é a q u e l a c o i s a p l a n a , t e m u m a ligação 
e n o r m e c o m o céu q u e não se t e m n a c i d a d e n u m a n o i t e e s c u r a , 
só c o m e s t r e l a s . F o i u m a s u r p r e s a p a r a m i m . C o m o r e l e v o d o 
R i o d e J a n e i r o , q u a n d o se s a i u m p o u c o d a c i d a d e s e m p r e e x i s -
t e a referência das m o n t a n h a s . E m Brasília, a q u e l e céu i n f i n i -
t o , a q u e l e céu d e s p e j a d o s o b r e o c e r r a d o m e d e u u m s u s t o . E u 
saía á n o i t e só p a r a c o n t e m p l a r a q u i l o , p o r q u e não s a b i a q u e 
38 
L E L É ( j o A O F I L G U E I R A S L I M A ) 
e x i s t i a . O céu n u n c a f o i u m a c o i s a tão p r e s e n t e e m m i n h a v i d a 
c o m o n e s s a época. 
A o m e s m o t e m p o , i s s o c r i a v a u m i m p a c t o m u i t o f o r t e . P e n -
s a r q u e d a h p o d i a n a s c e r u m a c i d ade , de u m a c o i s a tão r u d e , tão 
p r i m i t i v a ! A q u e l a s árvores r e t o r c i d a s . . . L o g o q u e f u i p a r a lá p e -
g u e i u m a seca, e m s e t e m b r o , e h a v i a o fenómeno da combustão 
espontânea, q u e j a m a i s t i n h a i m a g i n a d o q u e e x i s t i s s e . O s c au l e s 
das árvores começavam de r e p e n t e a q u e i m a r . E s c r e v i u p i a c a r t a 
a b s o l u t a m e n t e l o u c a p a r a o s am i g o s d o I n s t i t u t o do s Bancários 
d i z e n d o q u e n u n c a t i n h a v i s t o árvore pega r f o go s o z i n h a . U m i n -
f e r n o . 
M a s , e m b o r a a i n d a não e x i s t i s s e o I ago a r t i f i c i a l , q u e só c o -
meçou a s e r e n c h i d o e m 1959, não e r a tão q u e n t e . O a s f a l t o é q u e 
p i o r o u m u i t o . Até f