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CONCEITO É a interrupção do processo de gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção. Cabe ressaltar que a expulsão do feto não é necessária, conforme entendimento jurisprudencial. OBJETO JURÍDICO No auto-aborto só há um bem jurídico tutelado, que é o direito à vida do feto. É, portanto, a preservação da vida humana intra-uterina. No abortamento provocado por terceiro, além do direito à vida do produto da concepção, também é protegido o direito à vida e à incolumidade física e psíquica da própria gestante. Início da proteção penal: a proteção penal ocorre a partir da nidação (implantação do ovo) até o término da gravidez (princípio do trabalho de parto). ELEMENTOS DO TIPO a) Ações nucleares Provocar é conduta de forma livre, praticada com variados meios. B) Meios • químicos: são substâncias não propriamente abortivas, mas que atuam por via de intoxicação, como o arsênio, mercúrio, quinina, etc.; • psíquicos: o susto, o terror, etc.; • físicos: são mecânicos (ex.: curetagem), térmicos (ex.: bolsas de água quente e fria no ventre) e elétricos (ex.: emprego de corrente galvânica ou farádica). Obs.: caracterizada a posição de garante ou garantidor, o médico, a parteira, a enfermeira que, apercebendo-se do iminente aborto espontâneo ou acidental, não tomam as medidas disponíveis para evita-lo, respondem pela prática omissiva. c) Sujeito ativo Qualquer pessoa. É crime comum, exceto no caso do auto-aborto ou no consentimento para o abortamento (art. 124 do CP), em que só a gestante pode ser autora. d) Sujeito passivo O feto que é detentor desde sua concepção dos chamados direitos civis do nascituro e a gestante. Obs.: a mãe grávida não pode ser sujeito ativo passivo do crime de aborto, porque ninguém pode ser, ao mesmo tempo, réu e vítima de um crime. e) Crime de resultado É crime material, pois o delito tem tipo que descreve conduta e resultado (provocar aborto). Consuma-se com a interrupção ou destruição do produto da concepção. É, também, delito instantâneo (a consumação ocorre em um dado momento e então, “se esgota”). O fato de ter morrido depois de ter sido expelido da mulher é irrelevante, conforme se tem entendido. Por ser crime material, a comprovação de sua existência virá pelo exame de corpo de delito (direto, realizado à vista do material retirado do útero, à vista do próprio corpo da mulher), suprível na impossibilidade, pela prova testemunhal ou documental (exame de corpo de delito indireto), mas não pela só palavra da gestante. f) Nexo causal A morte do feto, em decorrência da interrupção da gravidez deve ser resultado direto dos meios abortivos. Mesmo que a gestante confesse a prática do aborto, há necessidade de perícia. Tem-se entendido que é necessário a prova da gravidez e prova de que o produto da concepção estava vivo quando das manobras abortivas. Um feto pré-morto dirá com um crime impossível (tentativa inidônea, art. 17 do CP), mercê de sua absoluta impropriedade como objeto material. g) Elemento subjetivo É o dolo direto ou eventual. Não se admite a modalidade culposa. Se a junta médica reunida, por erro de diagnóstico, concluir pela necessidade do aborto, que se revelou absolutamente desnecessário, ocorre erro, que exclui o dolo, e, portanto, o crime em questão. Já a conduta do terceiro que, culposamente, dá causa ao aborto dirá com o delito de lesão corporal culposa em que a vítima será a gestante. Finalmente, a conduta descuidada da mulher que provoca a perda do feto (ovo/embrião) é irrelevante penal. ABORTO h) Tentativa É admissível, na hipótese de a manobra não desencadear a interrupção da gravidez, assim como no caso em que a interrupção desse processo advir em fase final, quando já há viabilidade fetal para a vida extra- uterina, situação em que o nascido precocemente resiste e sobrevive. OBSERVAÇÕES 1) Quando ocorre ameaça ou violência como meios da execução da provocação do aborto, existem dois crimes em concurso formal: aborto sem consentimento e constrangimento ilegal (art. 146 do CP). 2) Comparando-se o aborto qualificado pela lesão grave ou morte e a lesão corporal qualificada pelo aborto (art. 129, §2o, V, do CP), concluindo-se que: a) ambas são figuras preterdolosas: há dolo no antecedente e culpa no consequente (lesão corporal grave ou morte); b) a distinção reside no elemento subjetivo do crime doloso: no art. 129, §2o, inc. V, temos o dolo de agressão, com aborto previsível. O agente deve possuir conhecimento da gravidez. Já, no caso dos arts. 125 e 126 c.c, o 127, há a intenção de praticar um aborto, podendo sobrevir lesão corporal grave ou morte. CONCURSO DE PESSOAS Se o terceiro executar o ato de provocação do aborto, responderá como autor do crime do art. 126 (aborto com o consentimento da gestante). Entretanto, é admissível a participação, na hipótese em que o terceiro apenas induz, instiga ou auxilia, de maneira secundária (não provocando o aborto e sim pagando o serviço, p. ex.) a gestante a provocar o aborto em si mesma. Há corrente no sentido de que, nessa hipótese, o indivíduo responderá pelo art. 126 do CP. Na modalidade “consentir que terceiro provoque” pode haver participação (alguém instiga a gestante a consentir, alguém a induz a isso), mas não coautoria, de vez que o ato permissivo é personalíssimo e só cabe a mulher. FORMAS Auto-aborto Está previsto no art. 124, caput, 1a figura: é o aborto praticado pela própria gestante. Aborto consentido Está previsto no art. 124, caput, 2a figura: consiste no consentimento da gestante para que um terceiro nela pratique o aborto. Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante. Está previsto no art. 125, caput. Dissentimento: a) o dissentimento é real, quando o sujeito emprega violência, fraude ou grave ameaça. A violência ocorre em casos como o de homicídio de mulher grávida com conhecimento da gravidez pelo homicida, pontapé violento no ventre de mulher grávida, conforme julgados. A ameaça não precisa ser injusta, basta ser grave. A fraude consiste em enganar a gestante e com isso conseguir realizar o aborto. A grave ameaça é a chamada violência moral (vis compulsiva). b) o dissentimento é presumido, quando a vítima é menor de quatorze anos, alienada ou débil mental. Obs.: 1) Damásio de Jesus vê na gestante “alienada ou débil mental” do parágrafo único do art. 126 uma pessoa que se insere no caput do art. 26, sendo, portanto, inimputável. Para o autor, o consentimento de gestante semi-imputável bastará para que o crime permaneça no art. 126, não se aplicando ao terceiro as penas do crime sem consentimento; 2) Há possibilidade de erro por parte do terceiro quanto ao imaginado consentimento da vítima. Este, estando na descrição típica, dará ensejo ao erro de tipo e o deslocamento da subsunção penal para a norma do art. 126. Aborto provocado por terceiro, com consentimento da gestante Está previsto no art. 126, caput. O fato gera a incidência de duas figuras típicas, uma para a gestante (art. 124, segunda parte) e outra para o provocador (art. 126). ➢ Validade do consentimento da gestante: a) é necessário que a gestante tenha capacidade para consentir. A capacidade não é a do direito civil, levando-se em conta a vontade real da gestante, desde que juridicamente relevante a sua vontade; b) o consentimento não tem valor, quando a gestante: não é maior de 14 anos; é alienada ou débil mental; ou quando o consentimento for obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Consentimento inválido: o agente comete o crime previsto no art. 125 do CP. O consentimento da gestante deve perdurar durante toda a execução do aborto, de modo que se houver revogação por parte da gestante em momento prévio ou intermediário e, a despeito dela, prosseguir o terceiro na manobra, haverá,para este, o consentimento do delito mais grave (art. 125). Formas qualificadas São as normas previstas no art. 127, sempre que a gestante vier a sofrer lesão corporal de natureza grave ou morte. Este artigo só é aplicado às formas tipificadas nos arts. 125 e 126, ficando excluídos o auto-aborto e o aborto consentido (art. 124 do CP). As causas de aumento de pena do art. 127 do CP, que qualificam o crime, são as seguintes: Ocorrendo lesão grave: a pena é aumentada em 1/3. Ocorrendo a morte: a pena é duplicada. Cumpre lembrar que tanto o resultado morte quanto a lesão grave, decorrentes das condutas tipificadas nos arts. 125 e 126, não podem ter sido queridos, nem mesmo eventualmente, pelo terceiro provocador do aborto, pena de incidência dos crimes de lesão corporal ou de homicídio, em concurso com o aborto. Trata-se, portanto, de resultados que sobrevêm preterdolosos, no caso, o dolo do agente vai até a causação do aborto, mas não abrange a superveniente morte da gestante, nem a lesão grave que nela sobrevenha, estas atribuíveis ao autor da conduta abortiva precedente apenas a título de culpa (se eram consequências previsíveis do aborto que se quis realizar e, portanto, evitáveis). A figura qualificada abrange tanto as hipóteses de crime consumado, nos casso em que a lesão ou a morte advêm em “consequência do aborto”, como as de aborto tentado, em que o resultado mais grave ocorre “e consequência dos meios empregados para provocá-lo”. Obs.: Alguns autores entendem que nos casos em que as lesões, apesar de grave, possam ser consideradas “inerentes” ou “necessárias” para a causação do aborto, não incidiria esse dispositivo, pois referidas lesões estariam absorvidas pelo aborto. ABORTO LEGAL Está previsto no art. 128 e comporta as seguintes espécies: a) Necessário ou terapêutico (art. 128, I): realizado pelo médico (art. 54, §§ 1o e 2o, do Código de Ética Médica: Lei no 3.269, de 30.09.1957) ou pela própria gestante, quando esta correr perigo de vida e inexistir outro meio para salvar a sua vida. É dispensável a concordância da gestante ou do representante legal, se o perigo de vida for iminente (art. 146, § 3o, I, do CP). O médico deverá intervir após parecer de dois outros colegas, devendo ser lavrada ata em três vias, sendo uma enviada ao Conselho Regional de Medicina e outra ao diretor clínico do nosocômio onde o aborto foi praticado. A enfermeira, ou parteira, também não responde se praticar o aborto nessa hipótese, por força do art. 24 do CP (estado de necessidade), no entanto, nesse caso, exige-se que o prosseguimento da gravidez acarrete perigo atual e inamovível, pois se o perigo não for atual, a conduta será criminosa, tendo em vista que o inc. I do art. 128 tem como destinatário exclusivo o médico, a quem cabe exclusivamente fazer prognóstico de detenção de prejuízo futuro à vida da gestante. b) Sentimental, humanitário ou ético (art. 128, II): realizado pelo médico, nos casos de estupro. Necessita de prévio, consentimento da gestante ou de seu representante legal. A lei não exige autorização judicial para prática de aborto sentimental, ficando a intervenção a critério do médico. Basta prova idônea do atentado sexual (boletim de ocorrência, testemunhos colhidos perante autoridade policial, atestado médico relativo às lesões defensivas sofrida pela mulher e das lesões próprias da submissão forçada a conjunção carnal).Se o médico fizer o aborto, e depois vier a descobrir que não era caso de estupro, há erro de fato escusável. Caso não tenha havido estupro e o médico vier a ser enganado, sua boa-fé o isentará de pena; todavia a gestante responderá pelo crime do art. 124, segunda parte do CP. Se a autora for enfermeira, esta responderá pelo delito, pois a lei faz referência expressa à qualidade do sujeito que deve ser favorecido: médico. Se ela auxilia o médico não há crime. As duas hipóteses (letras “a” e “b” supra), quanto à natureza jurídica, são causas especiais de exclusão da ilicitude ou da antijuridicidade. O plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, no dia 12 de abril de 2012, que não pratica crime de aborto, tipificado no nosso Código Penal, a mulher que optar pela “antecipação do parto” em caso de gravidez de feto anencéfalo. (ADPF 54/DF) OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO a) Aborto natural: ocorre com a interrupção da gravidez. Não há crime; b) Aborto acidental: decorrente de traumatismo ou outro acidente. Não há crime; c) Aborto eugênico: para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. Não é permitido pela nossa legislação e, por isso, configura crime. No entanto, mediante prova irrefutável de que o feto nã dispõe de qualquer condição de sobrevida, consubstanciada em laudos subscritos por juntas médicas, o Poder Judiciário já autorizou a prática do aborto. Tecnicamente considerado, o aborto eugenésico dirá com a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, tanto por parte da gestante, considerando dano psicológico a ela causado, em razão de uma gravidez cujo feto sabidamente não sobreviverá, tanto por parte do médico, que não pode ser compelido a prolongar o sofrimento da mulher. d) Social ou econômico: cometido no caso de famílias muito numerosas, onde o nascimento agravaria a crise financeira e social. Nosso ordenamento jurídico não admite. Haverá crime no caso. Obs.: Constitui contravenção penal, punível com multa, “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto” (LCP, art. 20).
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