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Ana_Feijo_A_escuta_e_a_fala_em_Psicotera

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Copyright 2010 
Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro 
Coordenação editorial 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoa 
Elaine Lopez Feijoo 
Maria Bernadete Medeiros Fernandes Lessa 
Myriam Moreira Protasio 
Conselho Editorial * 
Élida Sigelmann 
Uui11ersidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ 
Moniquc Augras 
U11iversidade Po11tiftcia Carólica-PUC/RJ 
Roberto Novaes de Sá 
Universidude Federnl Fluminense- UFF 
Thclma Donzclli 
Universidade do Estado do Rio de Janeira-UERJ 
Ued Ma luf 
U11iversidade Federal do Rio de Ja11eiro-UFRJ 
Projeto gráfico e diagramação 
Papel & Tinta / Sergio Laks 
Jhrstraç,io da capa (linoleogravura) 
Va leria Brancafortc 
Revisão e padronização de texto 
Arnaldo Marques 
F328e 
2.cd. 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ, 
Feijoa, Ana Maria Lopez Calvo de, 1952-
A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial/ 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoa· 2.ed. · Rio de Janeiro : IFEN, 2010. 
Inclui bibliografia 
ISBN 978-85-63850-00-3 
1. Psicoterapia existencial. 2. Existencialismo. 3. Fenomenologia existenc ial 
3. Psicologia clínica. 4. Psicoterapeuta e paciente 1. Titulo. 
10-4 193. 
23.08.1 O 25.08.1 O 
Índices pnrn coJO/ogo sislemótico: 
1. Clicnte-psicolera.peuta : Relação clínica: 
Psicologia 150. t95 
2. Psico1ern.peu1a.cl ientc : Relação clínica : 
Ps ico!ogin 150. 195 
• Membros da Banca Examinndora do doutoramento da 011/ora. 
CDD: 616.8914 
CDU: 615.851 
021042 
CAPÍTULO 3 
Uma proposta de psicoterapia 
feno m en o 1 ógi co-existencia 1 
A proposta aqui desenvolvida consiste em pensar a psicote-
rapia em termos do próprio existir. Não se trata aqui de pensar o 
homem a partir de fonnu lações teóricas, que postulam o existente 
em um sistema explicativo e determinista ou como uma filosofia 
idealista ou realista. Neste percurso, substituíram-se os sistemas 
científicos e a teorias que consideram o homem a partir de uma 
construção em si mesmo pelos fundamentos da hermenêutica fe-
nomenológica e pela filosofia da existência. 
O homem passa, então, a ser tomado não mais a partir de 
substancialidade do eu e de sua dicotomi zação. Assume-se a 
questão pela via dos modos de ser do homem, retornando assim 
à ligação originária do homem com o mundo, prescindindo de 
um aparato psíquico . Parece necessário abrir um espaço de re-
flexão, para que possamos propor uma psicologia com bases fe-
nomenológico-existenciais, em que se pensa uma psicologia para 
um ente dotado de caráter de poder-ser, ou seja, para um ente 
desprovido de algo assim como o psiquismo. 
Trata-se de um eu na concepção de Kierkegaard (s/d), que se 
constitui como movimento, um eterno vir-a-ser, constituindo-se na 
101 
CAP(TULO 3 Uma proposta de psicoterapia f enomenológico-existencia l 
relação que a própria relação estabelece consigo mesma e com o 
mundo. Esse existir, implica-se com o real e com o imaginário, com 
os limites, mas também com as possibilidades; vive no imediato 
do presente, como no remoto do passado e no vir-a-ser do futuro. 
Implica-se, enfim, consigo próprio e com o outro, co1:n a razão e 
com a paixão e, ainda, com o desespero da própria ambiguidade 
frente ao fato de existir. Pode assumir posições psicológicas de li-
berdade e de não-liberdade, considerando ainda aspectos como in-
terioridade, ilusão e transparência do eu (KIERKEGAARD, 1968). 
Fundamentar-se em Kierkegaard é uma tarefa para a qual ele 
mesmo abriu caminho, ao definir duas de. suas obras como des-
tinadas à psicologia : O conceito de angústia e O desespero hu-
mano. Neste livro são desenvolvidas, além de uma proposta de 
constituição do eu, considerações sobre a perda do eu. Naquele, 
considera a liberdade como um aspecto psicológico , em que a 
não-liberdade constitui-se como estado de queda. 
Fundamentar uma proposta psico terapêutica na fe nomenolo-
gia hermenêutica de Heidegger abre uma série de discussões 
acerca da possibi lidade cujo caminho o próprio Heidegger apon-
tou nos Seminários de Zollikon, ao afirmar que o distúrbio, no 
homem, se caracteriza pela sua dificuldade de flexibilização e da 
liberdade. À psicoterapia cabe acompanhar aquele que esqueceu 
do seu caráter de poder-ser e, no desvelamento de sua situação, 
poder resgatar a possibilidade de sua liberdade. 
Articula-se uma psicoterapia, considerando o pensamento de 
H eidegger acerca da técnica, do método fenomenológico, da her-
menêutica e da estrutura do ser-aí juntamente com as reflexões 
de Kierkegaard sobre o modo de acolhimento quando se queres-
tabelecer uma relação que, pretendendo levar o homem q reco-
nhecer-se a si próprio, desfaz a ilusão de quem acredi ta ser aquilo 
que em ato não é. 
102 
Ana Maria Lopez Ca lvo de Feijoa 
Trata-se, então, de estruturar uma prática clínica, fundamen-
tada em uma ontologia do sentido, na abertura do ser-do-ente e 
nas reflexões de Kierkegaard , ao sustentar uma relação singular 
de "ajuda", em um sentido particular: psicoterapeuta e cliente 
em uma situação concreta. 
O percurso psicoterapêutico, aqui desenvolvido, pauta-se no 
processo de escuta e fala articul ados na psicoterapia em um a 
abordagem fenomenológico-existencial, em que escuta e fala não 
se dão na relação dicotômica sujeito-objeto. Ocorre pela herme-
nêutica, desvelando sentidos pela compreensão explicitada, ainda 
que ao modo do encobrimento, no discurso. Assim sendo, pode-
se atuar de forma a não cair em uma perspectiva sem fu ndamen-
tos, parecendo, muitas vezes, uma psico logia do senso comum. 
Mas, ao mesmo tempo, não se cai em um excesso de proteção da 
naturalidade das relações, refugiando-se em normas rígidas 
acerca de como se deve dar a relação psicoterap êu tica, pare-
cendo, muitas vezes, tratar-se mais de um jogo de forças do que 
de uma relação compreensiva. Trata-se, portanto, de fundamentar 
uma proposta psicoterapêutica flexível, com princípios filosófi-
cos orientadores - e não limitadores de uma ação . 
3.1 - As refl exões de l(i erkegaard e a psicoterapia 
A propos ta de uma psicoterap ia em uma perspectiva fenome-
nol ógico-ex istencial vai procurar, nas reflexões de Kierkegaard, 
a possibilidade de se estabelecer uma relação ps icoterapêuti ca 
na busca da transparência do eu, a qual se constitui como reto-
mada do movimento do existir. A proposta deste pensador torna 
viável uma psicoterapia que consiste em ajudar o outro a reco-
nhecer-se em suas escolhas . Vale ressaltar uma discussão de 
Kierkegaard (1 846) de grande relevância para a psicologia, seja 
103 
CAPÍTULO ·i Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-existencial 
no âmbito do social, seja do particular. Aliás, a questão do indi-
víduo e da multidão em Kierkegaard já aponta para uma tentativa 
de <li ssolução desta dicotomiai. 
3 . .l.1. O indivíduo e a mult idão 
Kierkegaard em A época presente (2001 ), texto datado de 
1846, mostrou sua preocupação com o despontar da sociedade de 
massa e a dissolução da tradição europeia. Atualmente, pode-se 
assistir à sedimentação da sociedade de massa. Testemunha-se, 
hoje, o início da sociedade globalizada e a dissolução de qualquer ., 
tradição, seja europeia, asiática.ou americana. Tem-se, agora, uma 
sociedade de massa hegemônica. Observa-se, pacificamente, o 
total desaparecimento da tradição: dos valores, da ética, das cren-
ças. As essências se perdem e aparece a extrema valorização da 
aparência, tomada como realidade e que consiste nos critérios a 
serem seguidos. As modificações na cultura engendram mudanças 
exteriores que, pouco a pouco, vão transformando a interioridade 
do homem: o pensar sobre as coisas, os sentimentos, as atitudes. 
Kierkegaard (Op. cil.), a todo o momento, declarava a sua fé no 
homem, no sentido de resgatar sua individualidade, por dois moti-
vos. Primeiro, já que a multidão é formada por indivíduos, há o 
poder em cada homem de chegar a ser o que é: oindivíduo singular, 
exceto se esse homem não desejar assim e preferir escolher excluir-
se a si mesmo, e continuar mantendo-se como multidão. Segundo, 
por acreditar que a interioridade é possibilidade para todo homem . 
O homem, como indivíduo fiel à singularidade, não precisa se 
encaixar em nenhum enquadramento ou reduto . Não precisa, para 
tanto, atacar nem criticar um determinado grupo, e sim proceder a 
uma análise sincera e poder assumir que não se identifica. A sub-
jetividade se constihii incorporando existencialmente as verdades 
104 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoa 
objetivas na singularidade. Manter-se no singular implica não se 
perder no geral, porém sem abandoná-lo. A singularidade se for-
talece no geral, mantendo a verdade objetiva e assumindo as ne-
cessidades. É preciso, no entanto, não confundir a necessidade 
com a moda ou com o universal. No entanto, quanto mais enfra-
quecida a consciência, mais fácil é perder-se na multidão. Na atua-
lidade, através da forte expressão da publicidade, a multidão se 
articula de modo que o indivíduo tenda a cauterizar a consciência, 
fortalecendo o impulso inconsciente. E o homem sem consciência 
torna-se presa fácil da multidão1 Só na singularidade o indivíduo 
torna-se responsável por sua ação, compromete-se com a sua obra, 
assina a sua autoria. Para este, os meios não justificam nenhum 
fim. O indivíduo massa é a multidão, em que a verdade toma-se 
uma abstração, portanto ninguém é responsável, ninguém àssume 
a autoria e, ainda, os meios justificam o fim. 
A exemplo da Ilíada e da Odisséia, tem-se, no político, o 
homem da massa, com a valorização da astúcia, da sofística na qual 
importa a palavra, e não a ação. Não precisa haver comprometi-
mento, faz-se necessário o convencimento. Frente à astúcia do po-
lítico, o indivíduo singular tem que estar muito preparado para 
posicionar-se frente aos argumentos do outro, deve poder contra-
argumentar sem recon-er à in-itação ou a uma resposta inflamada. 
No senso comum, costuma-se afirmar que o que diz a multi-
dão é a verdade. Para Kierkegaard, a multidão é a mentira, pois 
considera o numérico como critério que decide o que é verdade. 
A multidão atua como instância decisiva segundo os asp eétos 
temporal, terrestre e mundano. "Do ponto de vista ético e/ou 
ético-religioso, a multidão é mentira, se dela se pretende fazer a 
instância que julga acerca do que é a verdade." (Id., p. 97). A 
multidão é a verdade em relação ao finito e ao sensível. Em re-
lação ao eterno, um único atinge a meta. 
105 
CAPÍTULO 3 Urna proposta de psicoterapia fenornenológico-existencial 
Com relação ao eterno, tem-se uma discussão do filósofo di-
namarquês em O desespero humano. Neste manuscrito, Kierke-
gaard refere-se ao desespero como doença do eterno, descoberta 
pelo cristianismo ao inserir o eterno na existência. O desespero 
é a doença do eterno pela impossibilidade do homem de justifi-
cação da existência no temporal. Doença muito peculiar, pois 
afeta o temporal e acontece quando o homem não encontra mais 
sentido no temporal. Então, o que constitui o homem? É o pró-
prio desesperar, já que este se constitui no jogo do eterno e do 
temporal. Trata-se de uma energia viva, autodeterminante, que 
em abertura ambígua e indeterminada, em total ausência de sín-
teses, no ato de existir, constrói a verdade de sua existência. 
Cabe, então, ao psicólogo acompanhar aquele que o procura no 
sentido de saber do que ele desespera. Seria a enfermidade psí-
quica a doença que o cristianismo anuncia? 
3.1.2 - A constituição do eu: movimento e queda 
Kierkegaard refere-se ao eu como se constituindo em movi-
mento, movimento do existir. A escassez deste movimento con-
siste na perda do eu, que seria o homem em estado de queda. O 
eu se perde quando se paralisa em uma tentativa de resolver o 
inevitável, ou seja, a situação paradoxal da existência humana. 
O movimento dialético do existir humano, o "ir e vir", é o que 
constitui o eu. O eu é, portanto, atividade, eterno movimento. 
A proposta de psicoterapia consistirá em mobilizar os para-
doxos da existência, uma vez que aquele que está em desespero 
- no sentido de lutar para resolver as ambiguidades da existência 
- encontra-se paralisado. Debate-se contra si mesmo. Cabe, 
então, ao psicoterapeuta reconhecer a estagnação do cliente e, 
através do desvelamento, facilitar o reconhecimento da ausência 
106 
i 
1 
1 
! 
1 
1 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
de movimento do eu. O cliente deverá vir a reconhecer que a sua 
existência se estabelece na dialética do finito e infinito, do eterno 
e do temporal, do necessário e dos possíveis, e mais: da razão e 
da paixão, do singular e do universal, do acaso e do autodeter-
minado. E que nem ele, nem nenhum homem se constituem como 
um eu fechado: existir sempre implica abertura, fechar-se implica 
deixar de exis tir - nas palavras de Kierkegaard, em perda do eu. 
Na dialética do finito e infinito, a estagnação ocorre quando o 
eu se perde no finito, e sua ação se torna uma eterna repetição das 
realizações do impessoal. O eu se perde no infinito e atua no ima-
ginário, que não realiza. Restabelecer o movimento consistiria na 
fluidez finito e infinito que se constitui como realização, no mo-
vimento em que o imaginado se faz real e, então, o eu realiza. 
No mqvimento das necessidades e possibilidades, o homem 
atua em liberdade. Quando preso ao necessário, este homem não 
se assume livre e costuma dizer: "A Deus tudo é possível" ou, 
então, justifica o não-fazer no mundo, nos pais, enfim, na ameaça 
do externo. Por outro lado, quando preso aos possíveis, acredita 
que para ele tudo é possibilidade, esquece-se dos seus limites, 
pensando que nada no mundo o detém. Reconhecer seus limites 
e arriscar nos possíveis constitui-se no eu em liberdade . 
Na fluidez do eterno e do temporal, a existência se dá em uma 
síntese entre passado, presente e futuro, em que o imediato se 
constitui como eterno e temporal. O eu qu e se perde no eterno 
acredita-se imortal, portanto, é especial : o que ocorre ao outro, 
por certo não lhe ocorrerá. Aquele que se perde no temporal teme 
o tempo, se previne de todas as formas possíveis, por acreditar 
que, através de uma atitude de proteção extremada, poderá evitar 
ou adiar a sua morte. Em movimento, o eu se constitui, justifi-
cando no eterno o existir no temporal. Só assim a existência 
torna-se totalmente justificável. 
107 
À psicoterapia caberia, então, buscar o que afinal justifica 
aquela existência em termos de eterno e necessário . O apelo para 
a justificação no temporal revela a ausência de necessidade - o 
que também é desespero, doença mortal. Em Migalhas filosófi-
cas (1991), Kierkegaard diz que a transformação se dá no ins-
tante - logo, no âmbito do eterno da existência temporal e do 
necessário da existência frente aos possíveis . 
'3.1.'3 - A angústia e as posições psicológicas de liberdade 
A angústia revela o caráter de indeterminação da existência 
que abre ao homem o pecado. Daí o homem, saindo do estado de 
ignorância, poder reconhecer-se corno pecador - ou seja, na pos-
sibilidade para as possibilidades. Aí se encontra no seu poderes-
colher-se: Kierkegaard vai descrever as posições psicológicas da 
liberdade, dentre elas a da não-liberdade. Na não-liberdade, o 
homem não se reconhece como pecador, aquele que se escolhe. 
Revela-se, então, corno determinado por condições alheias a si 
mesmo, de vários modos. Seja pelas queixas psicossomáticas, 
pelas expressões de culpa e de isolamento. Justifica-se no acaso, 
no destino e, ainda, deixa que o tempo dê conta daquilo que tem 
de decidir. 
A presente proposta psicoterapêutica consiste também na 
apropriação da condição de pecador, ou seja, da liberdade ine-
rente ao homem. A fala e a ação do cliente serão não só a fonte 
reveladora do movimento do seu existir como também.!_expres-
sãodomodoque ele lida ~ sua liberdade. A angústia, que de-
flagra a condição de liberdade, não deve ser amenizada: 
experimentá-la e nela emergir é o possível d iberdade. 
O homem se constitui como liberdade, daí a angústia frente ao 
real e ao futuro, i m que se apresenta o mundo como possibilidades. 
108 
Hlld 1·1ana Lopez Laivo oe re1ioo 
Muitas vezes, no entanto, o homem quer obscurecer a sua situação 
de indete1minação, sua liberdade. Para tanto, dissimula a angústia 
que lhe é constitutiva, assumindo-se, no mundo, como não-liberdade. 
Desta fonna, justifica-se nas determinações do somático, do divino, 
do mundo, do acaso. Há, nestes casos, uma falta de interioridade, ou 
seja, de obscurecimento da situação que lhe cabe. ~ psicoterapia e]Q.S;.'t 
~enFOl.~ -~-~-~~~!J~ritm:..que aquel~~ se justi~ as t 
dete1111inações exteriores possam ganhar interioridade. Para que - - --aquele que se diz não-livre possa assumir-se em sua liberdade. 
3.1.4 - A psicoterapia e os princípios de uma 
"relação de ajuda" 
Tanto Kierkegaard quanto o psicoterapeuta existencial pre-
tendem facilitar ao homem o encarar sem temor o seu ser em 
abertura e aceitar a condição paradoxal da existência humana. O 
psicólogo pode se valer dos princípios da relação de ajuda, a fim 
de que o homem reconheça a si mesmo, assumindo a responsa-
bilidade de suas escolhas e daquilo que continua a escolher ser, 
em cada momento de sua vida, sabendo-se, ao mesmo tempo, 
lançado às contingências do mundo. 
Kierkegaard (1988) denomina "ajudante" aquele que pretende 
ajudar ao outro a se desembaraçar dos laços da ilusão, a alertar o 
ho1pem do perigo de se perder nas determinações do impessoal, 
de modo a esquecer-se do caminho de retomo a si mesmo. Afirma 
que aquele que quer ajudar deve, antes de tudo, reconhecer que 
tem um diferencial em relação ao outro - o que, no mínimo, im-
plica reconhecer o risco de se perder nas orientações demarcadas 
pela multidão . E reconhecendo o perigo, pode tentar identificar o 
que ameaça o outro. Aquele que ajuda deve saber dialogar através 
da comunicação indireta, que consiste em uma forma de se fazer 
109 
CAPÍTULO 3 Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-existencial 
chegar ao outro, sem que este perceba que há aí uma intenção de 
confrontá-lo, de questioná-lo ou interceptá-lo em suas ações. 
A fim de organizar a sua estratégia de comunicação indireta, 
Kierkegaard utiliza-se de pseudônimos para assinar o conteúdo de 
suas obras, elaboradas de acordo com critérios estéticos, éticos e 
religiosos da existência humana. Estabelece tais critérios de acordo 
com os referenciais pelos quais o homem estabelece suas escolhas. 
Daí, ele organiza suas obras, para poder atingir a todos os leitores. 
Com base nos escritos de Kierkegaard em Mi punto de vista, 
onde ele descreve de que forma se deve conduzir aquele que pre-
tende levar o homem a reconhecer-se, propõe-se uma descrição 
de como deve proceder o psicoterapeuta existencial ao estabele-
cer uma relação libertadora com o seu cliente. Aponta para as di-
ficuldades de destruir uma ilusão por via direta, devendo, então, 
fazê-lo por meios indiretos, mas como? 
110 
{J Organizando dialética e indiretamente aquilo que pre-
tende dizer ao cliente para, em seguida, retirar-se; 
2°) E, assim, não testemunha o autorreconhecimento. 
Desta forma, aquele que ajuda não assume para si o reco-
nhecimento que o homem faz de si mesmo, por ter vivido 
uma ilusão; 
3°) Mantendo-se próximo, permanecendo na situação de 
acompanhar aquele que obscurece a sua condição de liber-
dade para as suas ilusões. Quando se pretende ajudar o 
outro, deve-se promover a aproximação, acompanhando 
~ uele que está sob a ilusão, mas jamais escolhendo por ele; 
(J Sendo cuidadoso e paciente para chegar onde o cliente 
se encontra e começar por aí. A fim de desfazer a ilusão, 
deve-se chegar até ele, para, então, poderem caminhar jun-
tos; mas, no momento da decisão, QJ?.!icoterapeuta dá um 
Qasso atrás; ----... 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoa 
® Entendendo o que o cliente entende e a forma como 
entende. Se assim não for, a ajuda de nada lhe valerá. Tudo 
começa quando se pode entender o que o outro entende, e 
a forma como entende; 
6º) Assumindo uma atitude de humildade e colocando-se, 
deste modo , na relação. Se, orgulhoso do conhecimento, 
-ª.lltes de ajudar o outro, o ql!_e se deseja é ser admirado. O 
autêntico esforço para ajudar começa com uma atitude hu-
milde. Aquele que ajuda deve colocar-se como desconhe-
cendo mais do que aquele a quem ajuda; 
7º) Assumindo a responsabilidade pela atuação; 
8º) Utilizando metáforas, quando estas se fizerem neces-
sárias. Interpretações poéticas, muitas vezes, ajudam 
aquele que fala do seu sofrimento; 
9º) Deve-se ser um ouvinte que senta e escuta o que o 
outro encontra mais prazer cm contar, sem assombro; 
10º) Apresentando-se com o tipo de paixão do outro homem: 
alegre para os alegres, em tom menor para os melancólicos; 
11 º) Não temendo fazer tudo isto , mesmo que na verdade 
não se possa fazer sem medo e temor. 
Acredita-se que, pelo processo psicoterapêutico, possa o 
homem chegar a se reconhecer. Chegar à interioridade, através 
da reflexão, significa desembaraçar-se dos laços da própria ilu-
são, o que também é uma modificação reflexiva. 
Estabelecida a relação compreensiva, o psicoterapeuta já pode 
arriscar mais no processo de comprometimento com sua própria 
existência. É o momento de não tentar obscurecer a inquietação 
própria da condição de reconhecimento de sua indeterminação 
existencial: a angústia. E, assim, tentar manter uma atmosfera 
para que o outro possa reconhecer o seu caráter de pecador -
logo, aberto para possibilidades. É o momento de mobilizar o 
111 
CAPITULO 1 Umil propoSlil cre ps1co1erap1a 1enomeno1og1co-ex1srenc1a1 
desfazer da ilusão de que se é determinado quando se é liberdade; 
de que as justificativas da existência se encontram no temporal 
esquecendo-se da justificação no eterno; de que, no mundo, tudo 
é possibilidade obscurecendo o necessário; de que a verdade se 
encontra naqui lo que se diz e que, na ação, não se faz . E tudo 
isto vai se dar no discurso psicoterapeuta-cliente. 
'3.2 - O pensamento de Heidegger e a psicotera pia 
Uma proposta psicoterapêutica em uma perspectiva fenome-
nológico-existenci ai articulou-se aqui, tomando em Heidegger 
os seus fundamentos, como bem esclarece Sá (1995, p . 47): "Um 
diálogo cri terioso com a obra de Heidegger muito tem a contri-
buir para que a clínica alcance uma compreensão mais profunda 
de seus próprios fundamentos." 
Urna Analítica do Dasein tal como designada por Heidegger 
abre, por sua vez, a possibilidade de uma clínica psicológica que 
trabalhe com as bases ontológico-existenciais a partir da proposta 
de t~ia sem psiquismo e da tese fundamenta!_pres~te _ 
n · omenolog1a heideggeriana de que os problemas psíquicos 
não são problemas da inte1~orwacfs ~ ão orgân~ _se-
mântica interna - enfim, não são problemas do eu. São problemas 
--,...t:..----- -
d~eto existencial, da relação ser-aí e mundo. A própria da-____ _:_ __ _:_ ____ -
seinsanálise, tal como assumida por Boss, consiste em uma ten-
ta tiva de pensar todos os problemas ditos psíquicos como 
problemas da articulação ser-aí/mundo. 
3.2.l - O desve lamento das possibilidades 
do ser-aí e a psicoterapia 
Uma questão muito presente no âmbito da psicologia versa 
sobre a real possibilidade de se arti cular uma clínica psicológica 
a partir da fenomeno logia hermenêutica de Heidegger. A dúvida 
112 
1-\llcJ l"ldl ld LU~t:"L \...dlVU UC' 1 C' IJUV 
acerca de tal possibilidade ocorre uma vez que este filósofo nega 
totalmente a existência de um psiquismo. Ele questiona, também, 
a pretensão de uma atuação modificadora do comportamento hu-
mano a partir de um posicionamento que toma o homem como 
algo da ordem do natural, logo passível de uma modificação pelaação direta. É o próprio filósofo da daseinsanálise, contudo, que 
aponta para a possibilidade de uma clínica psicológica com bases 
na fenomenologia hermenêutica; e isso em seus Seminários de 
Zollikon (1987/200 1). Heidegger, em Ser e tempo (1927; 1989), 
refere-se à analítica do Dasein como a análise ontológica das es-
truturas da existência humana. Os psiquiatras Ludwig Binswan-
ger e Medard Boss , inspirados no filósofo , vão denominar de 
daseinsanálise o exercício desta analítica em uma perspectiva ôn-
tica - ou seja, na relação com problemas materiais. 
3.2.1. 1 - O método fenomenológico 
Husserl apresenta a atitude antinatural, própria à fenomenologia, 
como possibilidade de uma visada não comprometida com a postura 
ingênua que se deixa levar pela opinião já marcada por um modo 
de ver presente no senso comum. Nessa atitude antinatural, ao invés 
de se imergir em atos superpostos uns aos outros e de pressupor os 
objetos como dotados em si mesmos de sentidos e dete1minações 
essenciais acessíveis na pesquisa, o importante seria retomar ao 
ponto de gênese dos atos e ao caráter intencional de sua realização. 
A atitude antinatural tal como assumida pela fenomenologia 
com seu lema fun damental - "rumo às coisas mesmas" - pode 
dar a impressão de que o que está em questão é o empírico, ou 
seja, é deixar-se tomar pelas coisas da maneira como elas apare-
cem. No entanto, a questão aí implica a superação de todas as 
tendências metafísicas que criam teorias acerca dos entes, esque-
cendo-se do sentido originário do ser. A orientação fenomenoló-
113 
CAPÍTULO 3 Urna proposta de psicoterapia fenornenológico·existencia l 
gica exige que se saia do campo empírico, que posiciona os ob-
jetos no espaço e no tempo, o que envolve a necessidade de se 
deixar o campo emergir num gesto não-teorizante. Para tanto, é 
preciso que, uma vez diante do fenômeno, se dê um passo atrás 
e se retorne ao seu correlato cooriginário. 
Husserl propõe o abandono da atitude natural por uma atitude 
antinatural: temos aqui a noção de epoché - a suspensão desta 
atitude natural. O que ele nos ensina é que precisamos deixar de 
tomar a verdade com referenciais e categorias hipostasiantes, 
como se as coisas fossem estruturadas naturalmente, dando a 
idéia falsa de que se conhece a verdade. 
Heidegger, inspirado por Husserl, adota o método fenomeno-
lógico como atitude de investigação do fenômeno. "Método", 
aqui, é entendido no sentido grego, como a busca daquilo que 
vem depois do caminho. Na ciência moderna, entende-se como 
representação; na fenomenologia é o sentido./). i~ão fe-, 
nomenológica em Heideggg_p!QPÕe-se a buscar' o fenômeno nos 
__.. -- -
S2!§ m01lõs-de-e:~1~licitação - s.9~aparên_cja, na manifesta~ão 
~Fltr errh:rlham-eat-0,,__ 
Este método também vai consistir no modo de investigação 
que se dará na própria relação psicoterapêutica. Parte-se do prin-
cípio de que não é o método com seus parâmetros que conduz: 
aquele que se investiga é que traça o caminho da investigação. 
O psicoterapeuta, pautado na proposta da fenomenologia, vai 
esti ação do homem em relação deixando ue o_ 
que se mostra, fa a-o a seu modo próprio, e a p,ar.tü: ... de si mes~ 
Este método, em psicoterapia, vai seguir os seguintes aspectos, 
propostos por Husserl e adotados por Heidegger: 
114 
- "Às coisas em si mesmas": o psicoterapeuta vai se dire-
cionar àquilo que se mostra em si mesmo, que se deixa ver, 
a própria revelação do ser. As coisas que se deixam ver. 
Ana Maria Lopez Calvo ele Feijoo 
- Evidência, tal como tomada na acepção de Heidegger 
nos Seminários de Zollikon : 
Evidente ( 0/fenbar) significa, se tomarmos 
seu signifi cado mais claro e o desdobrar-
mos, algo como notório, evidente, que vem 
de evideri, deixar-se ver, em grego eva-
pyns, iluminar brilhantemente, mostrar-se 
a si mesmo. (HEIDEGGER, 1987, p. 12) 
~ ~ nômeno: o psicoterapeuta vai buscar o que se mos-
tra, sem nenhuma perspectiva de demonstração. 
\ ~ As estruturas da experiência: explicitam-se e são com-
~ eendidas, portanto não se explicam, nem se comprovam. 
~ A transparência: o psicoterapeuta facilitando que o ser 
transpareça e não o deduzindo segundo uma perspectiva 
teórica, vai deixar que o sentido se mostre. 
-A compreensão da existência : a existência, enquanto fe-
nômeno, é captada indiretamente, mas não por um mundo 
interno desconhecido, porém pelo seu modo próprio de 
mostrar-se. O "ser em si" não se esconde atrás de aparên-
cias , o fenômeno é apreendido através de perspectivas, na 
medida em que se desvela. 
Heidegger, atento ao modo de investigação, não pretende ca-
racterizar o objeto, mas buscar o seu modo de expressão. Pre-
tende, ainda, apreender o sentido via interrogação e, então, 
desvelar o ser-do-ente, que permaneceria oculto, quanto mais a 
preocupação consistisse em aprisioná-lo para conhecê-lo. 
A clínica psicológica, nesta proposta, recorre à investigação 
do modo de ser do homem, ser-aí o considerando não como uma 
unidade fechada, com algumas características que a definam. A 
busca se dará na forma do se mostrar do ente, podendo até mos-
trar-se como não é : aparência . Pode mostrar-se, ainda, através de 
11 5 
,...,..., ,,v1...v .1 v1 , ,u IJIVIJVJIV -.,,.__ p., , ,._..,,.,.,.,..,..,,...., ,.,. , , .., , ,..,..,.,, .... b, ....... .... , .. .,., .... , ... ,~. 
indicações de coisas que, em si mesmas, não se mostram, apenas 
se anunciam: manifestação. Pode, ainda, mostrar-se e ao mesmo 
tempo esconder-se - o que Heidegger denomina "entulhamento". 
Heidegger propõe que, na investigação do ser, se parta da-
quilo que é evidente rumo à fundamentação. Assim procede o 
psicoterapeuta, quando tenta elucidar o dito do cliente. Este, em 
sua fala, traz evidências do seu sentido e, somente quando tais 
evidências são aceitas por ele próprio, o psicoterapeuta pode pro-
ceder às suposições. Pode-se, porém, levantar a seguinte questão : 
como explicitar o sentido, para que ele possa ser aceito como 
evidente? Heidegger propõe que se deixe h·ansparecer o sentido 
do ser através de seus momentos constitutivos: o questionado, o 
perguntado e o interrogado. 
Em psicoterapia, busca-se o sentido daquele que se apresenta 
em estado de queda, tomando-se como algo que é determinado 
apenas pelo impessoal: o interrogado. Quanto ao questionado, 
ou seja, este homem que se perde de si mesmo, aí se dá a procura. 
O analista desta orientação deve busca!.,9-lnedo própi:io cle ace-sso ~ ---
ªº ser questionado, pela forma tal qual ele se mostra j;jndi_ca_o 
caminho. Cabe ao analista reconhecer que ele e o analisando 
_ estão inseridos no hori zonte histórico em que se encontram. 
Logo, partem de visões e posturas prévias, naquilo que consiste 
. os seus modos de ser. Interroga-se o próprio ente em seu ser; aqui 
se dá a estrutura escuta e fala, assegurando-se um modo propício 
de acesso ao sentido articulado pelo analisando. Este modo de 
investigação jamais passa por um processo dedutivo, porém des-
critivo. Ao partir da dedução, considera-se o não-evidente e o ser 
será conhecido por características escondidas. Ao se mostrar, será 
conhecido apenas o que se mostra, sem nada existir por tF_ás. 
116 
3.2 .1.2 - A hermenêutica e o círculo hermenêutico 
A hermenêutica, em uma perspectiva metateórica, tomada 
como processo de compreensão, constitui-se no círculo herme-
nêutico tal como proposto por Heidegger, em que o próprio su-
jeito da compreensão está inserido no círculo, por sua condição 
originária de pré-compreensão. 
Heidegger (1990) concorda que a hermenêutica, convenien-
temente ampliada, pode designar a teoria e metodologia de qual-
quer gênero de interpretação. Afirma, ainda, que emprega o 
termo hermenêutica em Ser e tempo numa tentativa de determi-
nar a sua interpretação a partir do que é hermenêutico. Continua: 
[ ... ] a denominação 'hermenêutica' é empre-
gada em Ser e tempo em um sentido mais 
amplo;porém, mais amplo não significa 
pura e simplesmente ampliação do mesmo 
significado a um âmbito de validade ainda 
maior. 'Mais amplo' significa: procedente 
daquela amplitude que brota da essência ori-
ginária. (HEIDEGGER, 1990, p. 89) 
No que se refere à hennenêutica , colocar-se-á em cena a noção 
de círculo hermenêutico tal corno discutido de forma radical por 
Heidegger. Essa noção é aqui introduzida como princípio funda-
mental de uma clínica psicológica. O círculo hermenêutico é a ideia ---------de g~ nunca há _: possibilid~ nterpretativa~ a existência q~ nã~ 
seja a partir de um horizonte fático sedimentado, no qual sempfe -- - - _,_) há uma visão prévia, uma conce ~,ãO_Jlrévia e uma posição prévy . 
Na análise existencial, o que está em discussão é o como romper 
círculo hermenêutico que aprisiona o ser-aí em comportamentos 
sedimentados no impessoal. Rompimento que consiste na possibi-
lidade de, diante de uma experiência-limite, suspender o poder 
prescritivo do horizonte hennenêutico em que estamos inseridos. 
11 7 
CAPÍTULO 1 Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-existencial 
Desta forma, pode, então, a hermenêutica ser utilizada em psi-
coterapia, substituindo a interpretação psicodinâmica da psica-
nálise e a explicação behaviorista. Nas palavras de Sá: 
No caso da clínica, apesar de muitos prin-
cípios da hermenêutica terem aplicação di-
reta, isto não significa que ela deva 
constituir-se em uma nova teoria clínica ao 
lado de outras. Seu papel deve ser, antes de 
tudo, fornecer um apoio metateórico para 
que o psicoterapeuta tenha uma relação 
mais livre, isto é, mais crítica e transdisci-
plinar com seu campo propriamente teó-
rico. (SÁ, 1998, p. 31) 
Na própria afirmativa de Heidegger (1990, p. 113), "é a fala 
que dá voz à hermenêutica." E ainda: "A fala é o traço fundamental 
da relação hermenêutica do homem com a duplicidade do ser-aí e 
do que é presente." O processo de escuta e fala em psicoterapia 
vai tomar a hermenêutica como modalidade de compreensão. 
Compreensão como originariamente constitutiva da existência hu-
mana e que precede qualquer interpretação. "Interpretar é elaborar 
e tematizar o previamente compreendido." (SÁ, 1998, p. 30) 
O psicoterapeuta, assim como Hermes na mitologia grega, 
atuará como mensageiro da palavra. Da mesma forma que Her-
m es, o psicoterapeuta não vai ocupar a casa do outro, morada do 
ser, mas vai habitá-la para, então, poder entender o que o outro 
entende. Acompanhará aquilo que o cliente revela na sua fala, 
mesmo quando silenciar. Direcionar-se-á de acordo com aquilo 
que lhe é dado, agindo em um espaço de expressão livre. O psi-
coterapeuta compreende o outro e isto consiste em captar a in-
terpretação de mundo que o outro é. Abre, então, possibilidades 
para o próprio se questionar em seu ser mais próprio. O psicote-
rapeuta, ao se permitir pensar sobre o "modo do diálogo", possi-
118 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
bilita o emergir do ser-do-ente, de forma que a fala se dê em li-
berdade, como possibilidade do ente. 
3.2 .1. 3 - A questão da técnica 
A psicoterapia, entendida em uma perspectiva prática, na qual 
as pessoas que buscam esta modalidade de tratamento acreditam 
dele extrair resultados , não poderia ser tomada como técnica, no 
sentido moderno? "Sim" e "não". 
"Sim", quando a psicoterapia se pauta em uma perspectiva 
positivista, humanista, subjetivista, que consiste em técnicas, 
cujos resultados visam à produtividade, à adequação com a exi-
gência da "public-idade", do impessoal. "Sim", quando a psico-
terapi a se pauta na extração dos recursos de que o homem dispõe 
para atingir o sucesso socialmente determinado com o tal. E 
"sim" com a psicoterapia estru turada como utilidade prática. 
"Não", quando se trata da técnica em uma perspectiva de 
apreensão daquilo que se produz a si mesmo , deixando que o ser-
aí venha à presença tal como se constitui no seu modo de ser. 
Trata-se, aqui, da psicoterapia como um tornar manifesto o que 
é presente. Não importam, nesta perspectiva, os resultados, em-
bora se pense em consequências, pelo modo de articular o mundo 
em liberdade, assumindo suas próprias escolhas, seu caráter de 
poder-ser. O psicoterapeuta vai atuar como um facil itador, cuja 
produção vai consistir em deixar aparecer o que se oculta, tal 
como um escultor - no mármore - deixa aparecer uma forma, 
constituindo a arte de desvelar o oculto . · 
A psicologia clínica em uma perspectiva fenomenológico-
existencial possibilita um pensamento meditante, abrindo a pos-
sibilidade àquele qu e, em angústia, clama pelo seu p oder-ser 
mais próprio, de reconhecer-se como ser-p ara-a-morte pois, ao 
119 
1 • ~,. ,_ .,,,.. l"',#'"''' "''VJ•' '-'' ICIIVlllt:IIVl\..,b,\,. V 1..Ãl~i\.:'JI\.IQI 
encontrar-se perdido no impróprio, obscurece a sua possibilidade 
mais própria . Neste querer-ter-consciência, pode descobrir-se em 
sua liberdade, tanto no que se refere à utilização das coisas, como 
no seu próprio fazer-se no mundo. Pode, ainda, descobrir sua se-
renidade no "inútil", e não ansiar para se tornar um objeto de uti-
lidade, para adequar-se às exigências do mundo do das Man 
Nesta perspectiva, a psicoterapia - como pensamento medi-
tante e não-calculante - seria ela própria uma meditação, mesmo 
sendo apontada pela sociedade atual como um processo "inútil". 
O psicoterapeuta, no lugar de artesão, atuaria como tal na criação 
de um discurso libertador, no qual residiria sua criação, permitindo 
que aquele que deseje se reencontrar dê-se a conhecer. 
3.2 .Z - A ontologia de Heidegger e os fundamentos de 
uma proposta em psicoterapia 
Trata-se de uma psicoterapia como um remeter-se a uma aná-
lise do existir na dimensão da analítica da existência. A proposta 
consiste, então, em trazer a ontologia de Heidegger para uma re-
lação dialogal. Em Zollikonner Seminaire, que resultou de semi-
nários coordenados por Medard Boss, Heidegger permite pensar 
na possibilidade de trazer sua filosofia para a psicoterapia: 
Empregamos a psicologia, a sociologia e a 
psicoterapia para ajudar o homem a ganhar 
adaptação e liberdade em seu sentido mais 
amplo. Isso diz respeito à medicina e à so-
ciologia, porque todo o distúrbio socioló-
gico e patológico é um distúrbio da 
adaptação e da liberdade do homem singu-
lar. (HEIDEGGER, 1987, p. 199) 
Em Ser e tempo, Heidegger refere-se ao ser-aí como uma tota-
lidade estrutural que se mostra na cotidianidade mediana, imprópria 
120 
e impessoal, porém sempre como abe1iura para possibilidades de 
outras formas de expressão, quais sejam pessoais, próprias e sin-
gulares. Ser-aí constitui-se em um ente aberto às possibilidades -
Jogo, em liberdade em seu modo de ser. Constitui-se, então, no jogo 
do impróprio e do próprio. Na verdade, nada se estmtura como de-
finitivo, pois é o próprio caráter de abertura, que abre sempre às 
possibilidades - tanto em direção à autenticidade como à inauten-
ticidade. Ao modo da impessoalidade e da inautenticidade, o ser-aí 
tende ao fechamento. Os limites de sua abertura para o mundo res-
tringem suas possibilidades. Em fechamento, o homem esquece-se 
do seu poder-ser e reconhece-se como presença à vista. 
Na duplicidade "ente e ser", ser-aí pode esquecer-se do ser e 
tomar-se como ente. Perdido no ente, escolhe o modo como o im- i/ 
pessoal determina que deva escolher. No mundo do das Man, 
perde-se no impessoal, no impróprio e no inautêntico. Esquece-
se de sua liberdade de escolha das possibilidades e passa a viver 
no "É". ·"É" apenas as propriedades que o mundo lhe atribui. "É", 
apenas no conformismo da massa, mais uma "ovelha no rebanho." 
Ser-aí, no movimento do ser e ente, clama, tomado pela an- 1 
gústia por ser si próprio, pessoal e autêntico, que implica, em úl- \ 
tima instância, reconhecer-se como um poder-ser que ruma \ 
sempre para a finitude. Tal clamor ocone, mesmo que na forma 
de estorvo e inquietude, mesmo quesilencioso ou disfarçado nos 
afazeres cotidianos. Incomoda, mas abre a possibilidade de uma 
escolha singular. Muitas vezes, ainda esquecido de sua liberdade, 
o homem justifica-se pelas situações exteriores: o governo, os 
pais, o inconsciente, enfim. Outras vezes, no entanto, o incômodo 
o mobiliza, e aí vai em busca de sua possibilidade mais própria\ 
seu poder-ser. 
Na busca de cuidado, pode-se procurar um médico, um feiti-
ceiro ou um psicólogo. O médico, normalmente, confere o mal 
121 
CAPÍTULO 3 Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-existencial 
ao corpo, exime o que o procura da responsabilidade e dele se 
preocupa no modo substitutivo. O feiticeiro também vai se preo-
cupar deste mesmo modo. O psicólogo, por sua vez, pode modi-
ficar as contingências e o comportamento, ou ainda atrelar a 
questão trazida aos motivos inconscientes. Pode também, na an-
gústia, buscar a questão que ali se encontra. Nas duas primeiras 
modalidades de atuação, ocorre sob a tutela do psicólogo, que 
substitui o cliente decidindo pór ele; na última, a relação se es-
tabelece de modo que o psicólogo dê um passo atrás e devolva 
ao cliente o cuidado de si. 
3.2 .2. l - O ser-em: a escuta e a fala em psicoterapia 
Nos Seminários de Zollikon, Heidegger refere-se à psicologia 
como uma proposta para ajudar o homem a ganhar sua liberdade. 
Diz, ainda, que é a angústia que lança o ser-aí frente a frente com 
sua liberdade e responsabilidade, tentando romper com o circulo 
hermenêutico em que este se encontra. 
Ao se tomar o eu como abertura, ausência dinâmica em jogo 
com o mundo, e ao se assumir a fenomenologia hermenêutica 
como atitude interpretativa frente ao fenômeno, passa-se a esta-
belecer uma outra articulação para a psicologia a partir da feno-
menologia e da hermenêutica. Inaugura-se, então, uma outra 
atuação clínica, ou seja, um novo comportamento clínico que, 
inspirado em Heidegger, recebe a denominação de daseinsaná-
lise. Para se proceder a uma clínica fenomenológica, parte-se do 
pressuposto de que toda e qualquer teoria acerca da existência 
humana deve ser suspensa para que, assim, seja possível se apro-
ximar do fenômeno - no caso, a questão trazida pelo paciente, 
atendo-se a todo o detalhamento de como se dá o acontecimento 
em questão. 
122 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoa 
Em uma postura hermenêutica, consideramos os horizontes 
hermenêuticos que estarão sempre presentes na situação clínica, 
e o que de fato se interpreta são os encontros de horizontes, que 
consistem precisamente no que se fala e ~e escuta. Este choque 
de horizontes é o horizonte mesmo de apreciação do que acon-
tece no encontro clín ico, ou seja, da apari ção da coisa. 
A tarefa de uma clínica "daseinsanalítica" consiste, primeira-
mente, no fato de que o anal isando precisa ser o mais preciso 
possível em suas descrições e o analista deve, incessantemente, 
atentar para as interpretações do paciente, tentando, assim, al-
cançar uma compreensão daquilo que está em jogo na descrição 
do analisando. Em continuidade a esta tarefa, precisamos, tam-
bém, quebrar ou destruir os comportamentos onto lógicos presen-
tes nas descrições do analisando. Esta clínica consiste em abrir 
m espaço para que o outro se conquiste em sua alteridade. Abrir 
espaço, sem conduzir; traduzir, sem mapear um caminho que leve 
a algo como uma conscientização. 
Em uma visada hermenêutico-fenomenológica, o problema 
consiste no aprisionamento em nossas histórias, nos modos como 
vamos sufocando não o problema que temos, mas o problema 
que "nós" somos. A tarefa de uma clínica fenomenológica con-
siste em quebrar o aglomerado de vivências que se dão na mis-
tura de campos intencionais e que provocam a quebra do fluxo 
do tempo do eu. E, assim, possibilitar que o instante e lugar do 
acontecimento se deem. Levamos o analisando a aperceber-se 
das suas vivências próprias e a co locar-se diante do campo in-
tencional em que o fenômeno se constituiu. O caminho da feno -
menologia, como atitude de investigação dos modos de ser do 
homem, na hermenêutica de Heidegger, busca o modo como este 
homem articula sentidos, que se mostram em sua fala. A escuta 
do psicoterapeuta vai se dar no desvelar desses sentidos, atuando 
123 
CAPÍTULO J Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-existencial 
de forma a captar a expressão do ser-em em seu falatório, curio-
sidade e ambiguidade. 
A investigação de si por si mesmo pode ocorrer na relação 
psicoterapêutica, em que o psicoterapeuta vai assumir o lugar de 
mensageiro do discurso do cliente, em um processo mútuo de 
corresponder e "des-prender", tal como entendidos por Heideg-
ger (1990) em sua perspectiva ontológica. No corresponder, a 
fala se desprende quando escuta. No des-prender, a escuta se dá 
simultaneamente com o responder. Compreende-se que é assim 
que se dá o processo de "escutas e falas" do psicoterapeuta e do 
cliente. 
Em uma psicoterapia na perspectiva. ora proposta, a articula-
ção se dá na busca do sentido do homem que se mostra em sua 
fala. Na escuta do psicoterapeuta, vai se dar a investigação desse 
sentido, atuando de forma a captar a expressão do ser-em em seu 
falatório, curiosidade e ambiguidade. Ao modo da disposição, da 
compreensão e do discurso, ser-aí em sua impropriedade revela-
se como ambiguidade, curiosidade e falatório. Através da articu-
lação do processo psicoterapêutico, o psicoterapeuta poderá 
então, através de sua fala, facilitar o reconhecimento do poder-
ser. O processo psicoterapêutico consiste no tecer das palavras 
(CANCELLO, 1991), segundo um corresponder, como entendido 
por Heidegger: um falar que se des-prende quando escuta, e em 
um des-prender - escuta, ao mesmo tempo em que responde 
(HEIDEGGER, 1990). 
Heidegger diz em Ser e tempo que a conexão do discurso com 
a compreensão e sua compreensibil idade torna-se clara a partir 
de uma possibilidade exis tencia l iminente ao próprio discurso, 
qual seja, a escuta. Discurso e escuta se fundem na compreensão 
e o homem se mostra como ente que é no discurso . 
124 
Ana Maria Lopez Laivo de re1Joo 
Convém lembrar que, na psicologia, a fala é considerada o 
instrumento fundamental na tarefa do psicólogo. Alguns teóricos 
desta área do saber enfatizam a importância daquilo que é ver-
balizado. Monique Augras afirma ser a linguagem o instrumento 
de que o homem dispõe para explicitar sua situação. Diz, ainda: 
A fala, pelo seu caráter fís ico e abstrato, in- ' 
terpretativo e manipulador, concentra em 
si todas as modalidades de formulação e 
atuação do ser no mundo. Para atender ao 
objetivo inicialmente proposto, qual seja o 
de encontrar na situação existencial subsí-
dios para estabelecer uma compreensão in-
dividual, o questionamento da linguagem 
afirma-se como meio necessário à investi-
gação. (AUGRAS, 1981, p. 146) 
3.2.2.2 - Testemunho. débito. angústia e ser-para-a-
rnorte 
Constitui-se como próprio do ser-aí o estar-em-débito. A de-
cisão antecipadora reconhece o estar-em-débito como algo que 
a constitui, quando ser-aí se reconhece na transparência e na 
abertura do seu ser mais próprio. 
Ser-aí, na decisão antecipadora, responde ao clamor da cons-
ciência do seu "poder estar-em-débito" como mais próprio e irre-
missível. Na fuga desta situação, de si mesma, frente ao caráter 
ameaçador daquilo de que se foge, ser-aí cai no impessoal, no 
mundo das ocupações. Foge da estranheza de si mesmo que, no 
entanto, não se firma pois na estranheza, no modo de angústia, 
ser-aí singulariza-se, retirando-se da de-cadência, alerta para o 
impróprio e clama para o mais próprio . Ser-aí, no entanto, precisa 
do testemunho de um "poder-ser-si-mesma" que, enquanto pos-
sibilidade, é sempre si mesma. A consciência pode tornar-se tes-
temunho de si mesma, e assim se faz no seu clamor "voz da 
125 
CAPÍTULO 1 Uma proposta de psicoterapia fenomenológico-exisrencial 
consciência", abrindoa possibilidade de escuta. Tem-se o querer-
ter-consciência, onde transparece a totalidade estrutural: cuidado. 
O querer-ter-consciência. como modo_de abertu_r.a, s~c_o~i 
na disposição, compreensão e disc~so. A psicoterapia deve, no 
mínimo, não atuar para dissipar esta tonalidade afetiva para que, 
uma vez o analisando se abrindo para sua estranheza, possa per-
mitir o surgimento de uma escolha singular, retirando-se, nem que 
seja por um momento, da compreensão di tada pelo "impessoal" 
que, obscurecendo as possibilidades, ser-aí dá-se ao modo do es-
paçamento, medianidade e nivelamento . Modos pelos quais ser-
aí se encontra no início e na maioria das vezes. No espaçamento, 
o ser-com se constitui com os outros; na medianidade, o ser-com 
desconhece a s i e aos outros; no nivelamento, suas possibilidades 
nivelam-se com as de todos. Em uma narrativa fenomenológica, 
importa o modo como uma hermenêuti ca-fenomenológica vai se 
dando, em um horizonte fundido, abrindo espaço para que o ana-
lisando apareça para si mesmo. Ao se abrir para o ser-para-a-
rnorte, suas possibilidades mais próprias são assumidas. Desta 
forma, não encobre nem foge da morte, porém compreende sua 
própria possibilidade, como certeza de seu ser-para-o-fim. 
A compreensão existenciária, que projeta o ser-aí para as pos-
sibilidades cada vez mais próprias do "poder-ser-no-mundo", 
constitui-se no humor da estranheza de sua singularidade. ~ 
querer-ter-consciência na dispos ição da angústia, que se abre 
- - -- --
para o discurso originário. O silêncio, retirando a palavra do fa-
-- --latório, mostra o estar-em-débito, conduzindo o si-mesmo à com-
preensão, afastando-o da curiosidade do impessoal. 
3.2.2 .3 - O cuidado: a relação psicoterapêutica 
O cuidado constitui-se como a totalidade da unidade estrutu-
ral do ser-aí, constitui-se no pôr-se para fora, movimento do exis-
126 
Ana Maria Lopez Calvo ele Feijoa 
tir. O cuidado como processo de constituição do ser-aí se dá no 
acontecer, isto é, no tempo. Cuidar constitui-se no exercício da 
pre-ocupação com o acontecer. Portanto, pode-se falar do ocu-
par-se do acontecer no seu sentido mais próprio do "pre" - ou 
seja, do ser como cuidado. 
A psicoterapia aqui proposta se dá no sentido do acompanhar 
esse acontecer. T.!_ata-se de uma psicotcr11pia-cg;i_que_o-..115_ic.ote.ra-
-peuta pa1ticipa do acontecer do cliente. O ser do ser-aí se constitui 
como um ser-com. Neste modo de ser, já está presente a condição 
de compreensão dos ouh·os. O modo originário de ser-com possibi-
lita ao ser-aí o conhecimento e o reconhecimento do outro. E é este 
mundo compa1tilhado que abre espaço para a psicoterapia. Encon-
h·a-se aí o círculo hermenêutico - consiste na idéia de que nunca há 
a possibilidade interpretativa da existência que não seja a partir de 
um horizonte fático sedimentado, no qual sempre há uma visão pré-
via, uma concepção prévia e uma posição_Q!'évia. Na daseinsanáli~ 
!? que está em discussão é o como romper o círculo hennenêutico 
que aprisiona o ser-aí em cornp01tamentos sedimentados no impes-
~l. Rompimento que consiste na possibilidade <le, diante de uma 
experiência-limite, suspender o poder prescritivo do horizonte her-
menêutico em que estamos inseridos. A questão que se impõe é: 
como se dá a relação psicoterapêutica na perspectiva fenomenoló-
gico-existencial? Toda e qualquer relação é cuidado. E, à relação 
que o ser-aí estabelece com outros providos do mesmo caráter de 
abertura, Heidegger denomina preocupação. A pre-ocupação se 
apresenta também em duas possibilidades: pre-ocupação substitu-
tiva e anteposição libertadora. Sá ( 1999) refere-se a essas duas for-
mas de pre-ocupação como possíveis na atuação psicoterapêutica. 
Na pre-ocupação substitutiva ou substituição dominadora, a psi-
coterapia se daria através do domínio do outro. As técnicas, neste 
caso; visariam a resultados, e o cliente seria dominado e submisso 
127 
CAPÍTULO '3 Uma proposta de psicoterapia ienomenológico-existencial 
à técnica, no sentido moderno de recursos a serem explorados. Neste 
modo de preocupação, o psicoterapeuta assume a tutela do outro, 
onera-se do cuidado do outro e lbe diz o que deve fazer. Na pre-ocu-
pação ele anteposição ou antecipação libe1iadora, a relação psicote-
rapêutica se funda na liberdade de escolha por parte daquele que 
clal11a pelo seu ser mais próprio) ou seja, pelo seu caráter de poder-
ser. Segundo Heidegger (1986, p. l74), "ajuda o outro a tomar-se 
c1n sua cura, transparente em si mesmo e livre para ele." Aqui, are-
lação se constitui como técnica, no sentido originário de desvela-
mento, e o psicoterapeuta desonera-se do cuidado que sempre é do 
outro e dá um passo atrás, deixando o outro sob a sua própria tutela. 
O mundo próprio constitui-se com suas próprias possibilida-
des e limites. A psicoterapia, nesta perspectiva, não pensa em ter-
mos de realidade, mas de possibilidades. O psicoterapeuta 
prossegue no cuidado com o cliente na abertura de caminhos, 
restabelecendo o movimento como acontecer. 
A clínica "daseinsanalítica" se estabelece muito mais em uma 
negatividade do que propriamente de uma identidade positiva. O 
ser-aí que, marcado pela nadidade e pela fragilidade ontológica, 
busca a estabilidade do mundo - que se constitui em um apoio, 
suporte e tutela. Mas é exatamente esta busca que o coloca na ca-
dência do mundo: esquecendo-se do seu próprio ritmo, acaba obs-
curecendo o seu caráter de poder-ser. São as situações-limite que, 
ao entrarem na articulação do ser-aí e muudo, rompem com os 
sentidos sedimentados no círculo hermenêutico e o vazio aparece, 
e no nada padece. A augústia emerge como um mobilizador exis-
tencial que, imediatamente, abre duas possibilidades: na tentativa 
de livrar-se da angústia) o ser-aí ou bem retorna a tutela do mundo 
e volta àquilo que lhe é familiar, ou bem concretiz_a-se no poder-
ser, singulariza-se - o que consiste na perda, nem que seja por um 
instante, da tutela do mundo. 
128 
CAPÍTULO 4 
Metodologia 
A investigação acerca da estrutura da escuta e fala em psico-
terapia ocorreu em duas etapas. Na primeira, foi utilizada a fe-
nomenologia como modalidade de investigação, em que a coleta 
e análise das iuformações obtidas deram-se de forma qualitativa. 
A partir do estudo atento de diferentes sessões psicoterapêuticas 
realizadas por quatro psicoterapeutas' que atuam com base nos 
pressupostos fenomenológico-existenciais, averiguaram-se as es-
truturas fundamentais subjacentes na relação psicoterapêutica. 
A segunda etapa da investigação consistiu em urna investiga-
ção fenomenológica de um diálogo clínico. Foram cuidadosa-
mente estudadas cada "fala e escuta" do psicoterapeuta e do 
cliente. A partir de uma leitura detalhada, pôde-se acompanhar o 
modo como se dá uma psicoterapia pautada na fenomenologia 
hermenêutica corno modalidade de compreensão, esclarecendo 
as estruturas fundamentais obtidas na primeira etapa e articu-
lando-as com a fundamentação filosófica. 
4 Os psicoterapeutas colaboradores desta pesquisa foram: Myriam Protasio, Ber~ 
nadete Medeiros Lessa, Luciana Oliveira e Rita Luzia Nielsen. 
129 
CAPÍTULO 4 Metodologia 
4.1 - O método fenomenológico 
Utilizou-se o método fenomenológico em um primeiro mo-
mento, por considerá-lo um recurso apropriado para investigar o 
sentido da experiência - no caso, em psicologia clínica e) mais 
especifica1nente, no processo de escuta e fala que ocorre em psi-
coterapia, importando chegar à identificação das estruturas sig-
nificativas que compõem este processo. Como afirma Augras 
( 1981, p. 23): "A investigação fenomenológica propõe-se a iden-
tificar estruturas significativas, a partir da observação das ima-
gens elaboradas pela vivência cotidiana." 
As sessões psicoterapêuticas investigadas foram gravadas e 
transcritas, diferindo quanto à essência da problemática levada 
à terapia. Os psicoterapeutasparticipantes deste estudo atuavam 
na perspectiva fenomenológico-existencial. Iniciou-se esta in-
vestigação com quatro psicoterapeutas. No entanto, no decorrer 
da pesquisa, outros psicoterapeutas5 trouxeram suas sessões, que 
acabaram por contribuir para a análise realizada. 
Os dados referentes às sessões foram analisados através de 
uma proposta fenomenológica da análise com a apuração dos 
significados que estruturam o processo psicoterapêutico. Atra-
vés das reduções fenomenológicas, puderam-se destacar as uni-
dades de significados implicadas no processo psicoterapêutico, 
uma vez que a redução consiste na busca do sentido, partindo 
do significado. 
5 Sanitella Cappola Defelippe, Elaine Lopez Feijoo, Thays Babo, Cristine Mon-
teiro, Valéria Barbosa, Patrícia Rio, Elaine de Oliveira e Ana Margarida Chagas. 
130 
Ana 1'1aria Lopez Calvo de Feijoo 
4.1.1 · A análise fenomenológica 
A pesquisa seguiu as etapas propostas por Brice (1991), que 
também as utilizou ao investigar a estrutura do luto materno, As 
fases) respectivamente, são: 
1 ª) dedução de unidades significativas, através do sentido 
da totalidade e da complexidade que aparecem nos discur-
sos psicoterapêuticos; 
2ª) delineamento dos aspectos centrais expressos nas uni-
dades de significado; 
3') descrição das temáticas principais do processo psico-
terapêutico; 
4') descrição estrutural situada do processo de escuta e de 
fala, bem como dos elementos constitutivos deste pro-
cesso; 
5') caracterização estrutural geral. 
As falas constituem as unidades de significado, destacadas 
através das questões que aparecem em algumas relações psico-
terapêuticas. Os seus aspectos centrais foram devidamente deli-
neados e suas temáticas descritas no modo em que apareceram 
no proc~sso. O destaque foi dado às formas como aparecem tais 
questões e às possibilidades de atuar do psicoterapeuta até a ca-
racterização geral de um processo de escuta e fala, que possibilita 
conhecer mais do ofício do psicólogo. 
4.1.1.1 · A fala do cliente 
A investigação, em um primeiro momento, ateve-se à fala dos 
clientes. Delas foram extraídas algumas temáticas que ocorrem 
no contexto psicoterapêutico, a título de ilustração. Algumas pos-
síveis senain: 
131 
CAPÍTULO •I Metodologia 
a) Culpa existencial - o cliente mostra no seu discurso a 
culpa existencial de várias maneiras. Aparece, por exemplo, 
corno lamentação das possibilidades que não foram escolhidas, 
da seguinte forma: Ah! Se eu tivesse ... _A queixa fica em torno da-
~ ilo do qual outrora se abriu 1:;!.o. 
A culpa existencial pode ser exemplificada pela fala de uma 
mulher de 44 anos que se queixava de depressão da seguinte 
forma: Quando, casei, meu marid,o me proibiu de estudar. Falou: 
ou estudo ou casamento. Eu casei e hoje fico muito triste porque 
não sou a advogada famosa que eu sempre quis ser. Ah! Que ar-
rependimento. Ah! Se eu tivesse estudado, hoje não estaria 
aguentando marido efilhos. 
Na visão existencialista, a culpa existencial caracteriza-se pelº-
aprisionamento do existente aos acontecimentos passados. Assim, 
não se lança para o futuro. A culpa, para Kierkegaard, se dá pelo 
fato de a liberdade não ter sido exercitada em suas possibilidades. 
Para Heidegger, trata-se do débito que, sob a forma de lamenta-
ção, clama pelo devir como ser mais próprio. O psicoterapeuta 
traz à tona a expressão do cliente, mobilizando-o a assumir o ca-
ráter de liberdade de escolha e, também, clarifica para este que, à 
medida que se lamenta, permanece na mesma escolha. Um exem-
plo da fala do psicoterapeuta: Parece que, no ppssado, você optou ( 
pelo casamento e, hoje, você se lamenta pela escolha do passado. } 
b) Medo existencial - expresso pelo cliente através da par.a-
~ ão no Jlresente. Acreditando-se não escolhendo, crê que não 
corre risco, por imaginar que, desta forma, controla a imperma-
nência da existência. Um relato de urna mulher de 54 anos, em 
dúvida entre .dois relacionamentos: Eu não vou me encontrar com 
ele, não sei o que pode acontecer. Tenho medo do que vou ouvir: 
Prefiro esperar que as coisas se resolvam por si mesmas. En-
quanto isto, fico sozinha, mesmo temendo a solidão. 
132 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
c) Angústia existencial - sentimento de estranheza, da inquie-
tude, onde se fala: "um não-sei-o -quê", que traz o querer-ter-
consciência. Não querer ter consciência, trata-se de um engodo, 
fadado a vivenciar a angústia em plenitude, porque se sabe esco-
lhendo, porém se justificando pelo medo, pelo pânico, pelo outro 
que impede. Sente como se sua liberdade não lhe pertencesse, em-
bora sabendo de sua pertença. Relato de uma mulher de 30 anos: 
É um mal-estar, sinto que não eslf!U bem, mas não tenho do que 
reclamar, meu casamento, meus filhos, tudo está bem. Mas eu me 
sinto estranha como se as coisas não estivessem bem na minha 
vida. O psicoterapeuta existencial atua mantendo a angústia frente 
àquilo que sustenta a questão, não facilitando a fuga para o im-
pessoal. Pode atuar da seguinte forma: Mesmo que tudo em torno 
de você esteja bem, em você mesma as coisas vão mal. 
d) Perda no impessoal - perde-se o próprio referencial, quer a 
tutela do mundo. ~ discurso compõe-se pela incapacidade de tomar 
decisões: pergunta sempre ao outro sobre como deve agir, inclusive 
ao psicoterapeuta. Sente-se pe1turbado pelas observações do outro a 
seu respeito. Como um barco à deriva, sente-se feliz frente ao elogio 
do outro e infeliz frente à crítica. Sua ação é mediada pela insegu-
rança e suas possibilidades, desconhecidas. Afasta-se de seu ser mais 
próprio, na medida em que se perde no impróprio, no impessoal. 
Uma cliente queixando-se de suas filhas: Elas não cuidam bem dos 
seus filhos e eu sofro por isto, afinal, são meus netos. O que você me 
aconselha afazer? Eu li na revista que a experiência da avó deve se 
fazer valei'. Eu não sei, mas você, que é psicóloga, deve saber. 
A perda do próprio referencial é revelada pelo pleno desconhe-
cimento do seu sentido, do seu projeto, desconhecendo, também, 
os próprios referenciais. O existente fica à mercê do que lhe dizem, 
das normas que lhe são impostas. Perde-se no mundo, não sabe o 
que é seu e o que é do outro. O psicoterapeuta, nestas situações, 
133 
CAPÍTULO 4 Metodologia 
pode atuar de fo1IDa a buscar - juntamente com o cliente - seus re-
ferenciais. Deve cuidar para que as suas crenças não sejam jamais 
passadas ao cliente e também cuidar para que não indique qualquer 
caminho ao cliente, mesmo que este insista que direções lhe sejam 
indicadas. Nesta situação, uma das possibilidades- terapêuticas é 
clarificar a fo1IDa como abre mão de sua liberdade, deixando que o 
outro ~scolhayor el~: A revista te diz q~e o que vale~ a experiência / 
da avo. Agora, voce quer que eu te diga o que voce deve faze,~ E 
assim, você vai vivendo, perguntando aos outros o que deve fazer. 
e) Rigidez frente ao referencial próprio - Neste caso, o 
existente perde-se em si mesmo e desconsidera o mundo ao seu 
redor. 9 existente, na condição de compreens ibilidade, perce..b..e 
seus critérios corno sendo o refocen.ci al do_mundo. Vive tão au-
tocentrado, que qualquer situação que esteja em oposição ao que 
acredita constitui-se em um grande erro, e mais: tem a intenção 
de atingi-lo. Esquece-se de gue o mundo do ser-aí é O-ID-unclo 
( 
compartilhado, o ser-com. Relaciona-se com o outro de modo a -tutelá-lo e submetê-lo. As relações de convivência se dão na 
forma de desconfiança e indiferença. Liga-se apenas a si próprio. 
Fala uma cliente, referindo -se à sua mãe: Ela atrapalha meu ca-
samento. Está sempre ali. Meu filho diz que não tem nada de-
mais. Eu fico magoada com ele, ele não se coloca no meu lugar. 
Não sabe o que é isto, acho que ele quer é me ver mal. 
No discurso, coloca-se sempre no centro, uti liza-se demasia-
damente do pronome "eu". Diz que todos estão errados - ou que 
sãocontra ele ou nutrem por ele uma grande inveja. Os fatos são 
relatados com tamanha lógica, que não deixa possibilidade de 
discordância, inclusive por parte do psicoterapeuta. Este modo 
de mostrar-se requer muito tato do psicoterapeuta, uma vez que 
este pode se tornar aos olhos do cliente um grande invejoso e, 
desta forma, romper-se a confiança. 
134 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
A princípio, e até mesmo em todo o processo, a postura do te-
rapeuta é de aceitação e centrada no próprio relato do cliente, 
tentando astutamente descentrar o referencial do cliente na sua 
própria ação. Por exemplo: quando o cl iente traz uma queixa de 
alguém (do chefe, de seu pai, enfim, de alguém que tenha alguma 
ascendência sobre ele, e o aborde de forma autocentrada), o psi-
coterapeuta, a partir deste relato, pode mostrar-lhe, pouco a 
pouco, indiretamente, que o outro existe em uma relação . A at-
mosfera, o astral é fre quentemente de raiva do outro, de vaidade 
e orgulho. As relações estabelecidas vêm carregadas de conflito. 
f) Projeto de aceitação e aprovaçã o por parte do outro - o 
discurso do cliente, na maioria das vezes, revela-se de forma re-
ticente, pois ele espera conhecer um pouco mais do outro, p,ar,'L 
po~deunostrar-se de acordg ÇQID_a.1,.xp_ectativa daquele com guem. 
se relaci._ona, Nos primeiros contatos,._a ansiedade é sua marca re-
gistrada, parecendo inseguro, frágil. 
Uma adolescente de 18 anos traz o seguinte re lato : Eu até sei 
que não devo ceder às vontades do meu namorado, nem da mãe 
dele. Mas também não quero parecer inconveniente, então pre-
firo mostrar-me como uma moça muito fina como eles querem 
que eu seja, também não é tanto sacrifício . 
A existência presenteia o existente, no seu surgimento no 
mundp, pela falta de sentido e pela solidão. Na tentativa de es-
capar à solidão, o outro pode se tornar u ma necessidade, impres-
cindível para que sua vida tenha continuidade. Quando o outro 
se torna uma necessidade, o suj eito em questão abre mão de seus 
referenciais. Embora conhecendo os seus valores, enfim seu pro-
jeto, seu sentido maior é escapar à solidão . 
O psicoterapeuta, nestes casos, deve atuar de forma atenta 
pois, se deixa transparecer suas expectativas, é segundo tais ex-
pectativas que o cliente vai se revelar. Caminha passo a passo, a 
135 
CAPÍTULO 4 Metodologia 
fim de que o cliente entre em contato com a sua solidão e com 
seu medo. 
g) Dificuldade de assumir o sofrimento como possibilidade -
a minimização cio sofrimento aparece no relato do cliente e ocorre 
muitas vezes de fomrn a não contar a realidade tal como ela o afeta. 
Foge da situação, evita-a ou distorce-a. Na linguagem vem: "não é 
bem assim", "ele não é tão ruim". Justifica "o não observar bem" pela 
fa lta de tempo, pelo medo de ser injusto, enfim, não há tempo nem 
espaço para ver o que realmente acontece: Eu digo ruim com ele, pior 
sem ele. Ele tem muitos ciúmes, chega a me empurrai; mas é bom 
para mim, faz isto porque gosta de mim. Muitas vezes minimizar a 
dor consiste em uma estratégia que pennite o alívio. No entanto, não 
falar deste sentimento, implica em não deixar que este se desfaça. 
O ps icoterapeuta existencial pode manter a angústia frente à 
estranheza do cliente de sua própria condição . Mesmo que o 
cliente insista em não falar de si próprio, o terapeuta insiste, su-
tilmente, nos indícios, a fim de qu e o cliente tenh a a oportuni-
dade de se confrontar com a sua s ituação. 
h) Maximização do sofrimento - Nes ta situação, o__ciie.n.te 
tenta convencer o outro o quanto é digno de piedade. O relato é 
rico em lamentação. Vê o mundo com uma desconfiança ex-
trema, utiliza "os olhos da imaginação" para, assim, dar ampli-
tude ao seu sofrimento. Relato do cliente, adulto jovem: Ninguém 
na minha casa me entende, ninguém liga para mim. Eu/aço tudo 
por eles, mas quando eu preciso, me abandonam, ninguém dei-
xou de viajar porque eu estava sofi-endo, não consegui o emprego 
e eles até gostam, estavam felizes porque iam viajar. O psicote-
rapeuta pontua o exagero, rompendo com "os olhos da imagina-
ção", trazendo à tona as incoerênci as . 
i) Não-aceitação dos próprios limites - muitos clientes mos-
tram-se insatisfei tos com suas condições, sejam financeiras, in-
136 
Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
lelectuais ou sociais. Queixam-se, até mesmo, da sua constituição 
física ou motivacional. Lutam desesperadamente a fim de torna-
rem-se aquilo que em sua ação não se realiza. 
Em O desespero humano, afirma Kierkegaard: 
[ ... ) é certo que um eu tem sempre ângulos, 
mas daí apenas se conclui que é preciso dar-
lhes resistência, e não limá-los e de modo 
algum significa que, por receio de outrem, 
ou eu deva renunciar a ser ele próprio ou 
não ousar sê-lo cm toda a sua originalidade, 
na qual somos plenamente nós para nós pró-
prios. (KIERKEGAARD, s/d, p. 39) 
A não-aceitação do seu ser com suas possibilidades e limita-
ções pode implicar uma tentativa de limar seus ângulos, ou então 
criar ângulos não-possíveis, uma vez que somos nós próprios e 
nenhum outro. 
Relato da cliente com quase 30 anos, que queixa-se da perda 
da juventude: Não quero envelhecer, 30 anos não dá, não queria 
sair dos 29 anos. O psicoterapeuta existencial, nestes casos, mui-
tas vezes em primeiro lugar, amplia, dá voz à vivência desespe-
rada, em que o existente se debate contra si mesmo, luta contra 
a maré. Depois, mostra-lhe como sua luta toma-se vazia; por fim, 
procede de forma que o cliente se esmere no polimento de seus 
ângu los e deixe de tentar limá-los, na medida em que se aceite 
em sua originalidade. Enfim facilita o acesso ao seu modo de ser 
que se faz em ato, na vida. 
j) Medo da solidão - ao perceber-se como lançado e esta con-
dição como algo inevitável, este existente agarra-se ao outro 
como se agana à vida. Aceita qualquer imposição, mesmo que, 
para tal, tenha que abrir mão daquilo que, em si mesmo, lhe é 
mais próprio, seu cuidado. 
137 
CAPfrULO 4 Merodologia 
Uma cliente de 21 anos: Eu prefiro não terminar o namoro, 
pois não aguentaria ficar sozinha, mesmo ele sendo dependente 
químico e até correndo o risco de um dia acabar sendo presa 
com ele. Ainda é melhor do que morre,: Sem ele, eu morro. Esta 
cliente cuida de si ao modo do descuido. Cabe ao psicoterapeuta 
lembrar à cliente que o seu cuidado lhe pertence. 
k) Desconhecimento das próprias possibilidades - suas rea-
lizações são ditadas pelas detenni_naç:.ões do impessoal, por descg;. 
nhecer aquilo que faz,_assuiae a posição que é mais beíll=,Yista. 
Neste caso, o modo de ser temeroso obscurece as suas possibili-
dades. Uma arquiteta, muito valorizada pelos projetos realizados, 
posiciona-se da seguinte forma: Fico pensando que tenho que 
agradar meus clientes de todas as formas. Fazer tudo que eles exi-
jam que eu faça. Ser bastante boazinha. Refazer os projetos todas 
as vezes que assim quiserem. Cobrar pouco. Penso que se deixar 
de fazer assim, vou ficar sem trabalho. O psicoterapeuta pode 
então questionar estas certezas. Desfazer este aglomerado, no qual 
percepção, lembrança e expectativas encontram-se emaranhados. 
1) Projeto idealizado de si mesmo - não aceita cometer erros, 
equivocar-se. Está no mundo para realizar-se como perfeição, tendo 
de dar conta de todas as possibilidades. Acredita que assim não ficará 
em débito, embora, com relação ao passado, sinta-se sempre em débito. 
Muitas vezes, aquele que assim se encontra chega ao psicólogo com 
pretensões de curar-se, tomando-se perfeito, inatingível, infalível, não 
mais vulnerável às contingências do mundo. Idealiza uma situação de 
vida perfeita. Quer tornar-se um ente pronto e acabado. Segue-se um 
exemplo: Imaginei que, na minha vida, tudo daria certo: meu marido, 
meus filhos, minha vida profissional. No entanto, não fui bem-sucedida 
profissionalmente. Assim como eu gostaria. Dediquei-me demais aos 
meus filhos e,hoje, não sou a professora que gostaria de sei; sabe? 
Uma acadêmica, com doutorado, livros publicados. 
138 
A11a Maria Lopez Calvo ele Feijoo 
A psicoterapia vai acontecer de forma que o cliente, em tal 
situação, possa reconhecer a vulnerabilidade, a abertura, a morte 
e a imperfeição em que a existência sempre se encontra. 
111) Falta de diálogo consigo próprio - perde-se nos fa lató-
rios. Fala de tudo e de todos, mas não se implica naquilo que esta 
fa lando. Vive na curiosidade. A fala pode dar-se da seguinte 
forma: Isso é coisa de mulher fresca. Deve ser igual ao que o 
povo fala que tem enjoo na gravidez. Isso é mulher doente que 
fica enjoada. Menopausa é uma coisa tão boa que acaba a mens-
truação. Ora diz uma coisa, logo fala tudo ao contrário . Não sabe 
dizer no que realmente acredita. O psicoterapeuta acompanha 
atentamente, ao mesmo tempo em que tenta trazer uma situação 
por ela experienciada, para assim perguntar-lhe, por exemplo: E, 
na sua gravidez, como foi? 
n) Não-liberdade - transfere toda a responsabilidade de sua 
vida ao outro, ao acaso, a Deus, à energia do mundo . Todos são 
responsáveis pelos rumos de sua v ida, não reconhece nenhuma 
de suas escolhas. Uma mulher de 40 anos que se queixa da pes-
soa com quem se relaciona e que, ultimamente, '(em até pensando 
na separação: Ah! Se eu ganhasse na loteria, eu não vou te dizer 
que não teria problemas, mas esse problema não existiria, por-
que obviamente eu gosto do cara, senão eu não estaria nessa ba-
talha toda para ele mudar. 
O psicoterapeuta pode atuar, pouco a pouco, apontando su as 
escolhas, com muito cuidado, para que o cliente não oponha re-
sistência. Como, por exemplo, poderia dizer- lhe: Então, parece 
que ganhar na loteria não seria suficiente pra a sua decisão? 
o) Espaçamento - neste modo, o ser mostra-se como que to-
talmente determinado pelo impessoal, permanecendo sob a tutela 
dos outros . Seu valor está"na aprovação do outro. Ao modo da 
medianidade, desconhece-se a ; i próprio, define-se no mundo 
139 
como todo mundo. Fala o cliente: No meu campo de atuação, 
tenho que me mostrar confiante. Se pareço muito carente, elas 
não negociam comigo. Tenho que estar sempre bem-vestido, para 
parecer bem-sucedido. Tenho que ser admirado. O psicotera-
peuta pode atuar pontuando, junto ao cliente, o seu modo de ser 
na aparência, da seguin te forma: Você tem que representar muito 
bem para que as pessoas te deem valo,~ não pelo que você faz, 
mas pelo que você aparenta fazer . 
4. 1.l.2 - A fala do psicoterapeuta 
Em um segundo momento da investigação fenomenológica, 
serão descritas as unidades de significado referentes à fala da 
psicoterapeuta, que buscará mobilizar, no cliente, a possibilidade 
de sua liberdade, responsabilidade, ação e aceitação dos riscos. 
Algumas das falas possíveis para um psicoterapeuta serão aqui 
descritas, sem se pretender esgotar todo um infinito de possibi-
lidades. A investigação destas falas pretende elucidar a forma 
com que o psicoterapeuta se conduz, com o exerce a hermenêu-
tica, pouco a pouco buscando o sentido daquele que se mostra, 
mesmo que de forma velada. 
O processo p sicoterápico compõe-se de momentos em que se 
torna importante conhecer o dia a dia do cliente, sendo necessá-
ri o, para tal , exp lorar seu cotidiano. O psicoterapeuta tenta, 
então, colher mais informações e organizar-se quanto ao con-
teúdo relatado. Afinal, é preciso, para se estabelecer a compreen-
são psicoterapêutica, ir até o lugar onde o outro se encontra. Para 
tanto, é necessário saber o que o outro sabe de si mesmo. Nas 
sessões psicoterapêuticas investigadas, encontraram-se nos psi-
coterapeutas existenciais fa las do tipo: 
140 
M.110 1· 10110 L UfJt'l. l.dlVU ue retJOO 
- Exemplificadora - O terapeuta pede ao cliente que 
exemplifique como o que está relatando acontece em outras si-
tuações ou, se for o caso, o próprio terapeuta exemplifica, através 
daquilo que já sabe de relatos anteriores. 
O cliente relata: Parecia que ela nem fava ali.foi uma coisa rá-
pida, eu não sei o que me deu, que a gente tava conversando. E 
ela já tinha me escrito uma carta, dizendo do desejo dela. E eu 
tinha até respondido pra ela, olha não rola, eu amo muito a Ro-
sana, e eu não me sinto bem, até imaginando isso. Aí, de repente 
ali na festa, ali eu nem sei o que me deu ... Acabado de chegar, 
fazendo planos de ficar lá, junto com ela, amando tanto ela .. . O 
que será que aconteceu? Eu não entendi, parece que brinco com 
as situações, brinco com os outi·os. 
Fala do psicoterapeuta: Você poderia me dar um exemplo em 
que você se percebe brincando com as situações, brincando 
com os outros? 
\ 
- Exploradora do cotidiano - O terapeuta, a partir da ex-
ploração do cotidiano do cliente, busca que ele identifique fatos 
que desencadearam um determinado modo de sentir as coisas, 
como os fatos o afetam. 
Fala o cliente: Acabei ficando com uma menina, eu não sei o 
quê que deu, tava tendo uma festa, e eu fiquei com uma menina 
lá da clínica mesmo, eu não sei o que deu em mim, o que me deu. 
Psicoterapeuta: Relata pra mim o que aconteceu. 
l 
-Inquisitiva - Quando o terapeuta faz perguntas sobre 
o fato, as intenções ou os sentimentos implicados em um deter-
minado relato. 
Cliente: Eu não sei. Quando ela contou, eu neguei. 
Psicoterapeuta : Negou o quê? 
141 
CAPÍTULO 4 Metodologia 
Em outros momentos psicoterápicos, torna-se fundamental fa-
cilitar o aprofundamento nas questões trazidas pelo cliente, 
porém de forma compreensiva e de modo que o cliente não opo-
nha resistência. Outras falas possíveis seriam: 
- Clarificadora da atmosfera afetiva - O cliente traz um 
relato e, junto ao relato, o afeto . O terapeuta clarifica para o 
cliente a emoção que percebe no seu relato. Desta forma, escla-
rece o sentir e facilita o reconhecimento de seu sentimento frente 
à situação. Pode ser formulada como pergunta ou como afirma-
tiva. Este tipo de fala foi amplamente utilizada por Rogers 
(1961 ), que a denominou de "clarificadora de vivência emocio-
nal". Uma situação psicoterapêutica pode dar-se assim: 
Fala do cliente: Mais ou menos isso. Um exemplo, não é o meu \ 
caso. Vamos supor que eu quero ser canto,~ aí eu sonho com isso, 
e aí eu chego lá e não consigo, vou ficar muito decepcionado . 
Psicoterapeuta: E para 11ão se decepciona,; você prefere não 
querer. 
- Refletora de conteúdo verbal - O cliente traz um re-
lato extenso e o terapeuta sintetiza-o,' apresentando-o novamente 
ao cliente. Reduz o conteúdo ao essencial. Ao sintetizar, o tera-
peuta mostra que compreende o cliente, que está atento e o con-
vida ao aprofundamento do conteúdo. Pode ser elaborada de 
forma inquisitiva ou afirmativa. Esta fala também foi elaborada 
por Rogers (1961), que a utilizava mais frequentemente sob a 
forma afirmativa. Virgínia Axline (1989) uti lizava-a predomi-
nantemente sob forma interrogativa, como pode ser constatado 
em seu livro Dibs, em busca de si mesmo. 
Cliente: Não, eu não penso nada, para quê? O que vai acontecer 
é o que tiver de ser. 
Psicoterapeuta: Você acha que tudo já está decidido, que nós 
não podemos Jazer nada? 
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Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo 
Na impropriedade, o humor se dá de modo ambíguo. Muitas 
vezes, a fim de chegar mais próximo do astral que o envolve, 
faz-se necessário reconhecer tais ambiguidades. O psicoterapeuta 
pode clarificar tais situações, mostrando-as aos clientes quando 
elas aparecem, porém, nestes momentos faz-se necessária paciên-
cia. Com impaciência, pode-se afastar o outro de uma possibili-
dade mais própria. 
- Refletora de conteúdo não-verbal - Quando se mostra 
( 
ao cliente sua postura fisionômica ou corporal, frente a uma de-
terminada situação oposta ao que, por exemplo, é verbalizado 
por ele. 
Fala do cliente: O chefe me demitiu, vai ser péssimo. Como vou 
pagar minhas contas? (Ao mesmo tempo que relata, mostra-se

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