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Traumatologia - 2022/1 Manuella Soussa Braga AULA 3 CUIDADOS INTENSIVOS NO TRAUMA Suporte avançado de vida é diferente de suporte básico de vida. O primeiro diz sobre o que precisa ser feito para manter o paciente vivo. 1 DISTRIBUIÇÃO DE MORTES NO MUNDO 23% das mortes no mundo estão ligadas a acidentes automobilísticos (fora doenças). O trauma é considerado uma doença. São 150 mil mortes por ano. A grande maioria está ligada ao álcool apesar das leis. 2 HISTÓRIA O Colégio Americano de Cirurgiões criou o comitê de trauma que estabelece normas para o atendimento de pacientes traumatizados (ATLS). O objetivo do ATLS é atender a pessoa e transportá-la o mais rápido possível ao hospital (é um protocolo americano). 3 DISTRIBUIÇÃO TRIMODAL DE ÓBITOS Quando uma pessoa sofre um acidente automobilístico, existem três momentos que ela pode vir a óbito: 1º pico - na hora do acidente (50% das mortes); 2º pico - algumas horas após o trauma (30% das mortes); 3º pico - semanas depois o paciente é infectado, tem falência múltipla de órgãos, embolia pulmonar etc (20% das mortes). Golden hour : se intervir de forma coordenada durante o 2º pico (1 a 3 horas após o trauma), pode-se salvar o paciente. Começa no atendimento pré-hospitalar, na estabilização e remoção desse paciente para o hospital. É feito um esforço coordenado com os médicos do hospital que irá receber o paciente. Normalmente, o grupo do atendimento pré-hospitalar define qual é o hospital mais próximo e se este está habilitado para receber o tipo de trauma. Também fazem o cuidado de transporte (colocam um colar cervical para estabilizar a coluna cervical). Uma trinca na coluna cervical pode virar fratura e rompimento da medula. Também fazem manutenção de via aérea, imobilização e controle do choque (hemorragia) por meio da compressão ou soro intravenoso. O grupo pré-hospitalar tenta levantar a história do trauma e é responsável por comunicar a equipe hospitalar. O objetivo primordial do pré-hospitalar e o inicial no pronto-socorro é manter o oxigênio no cérebro. 4 ATENDIMENTO INTRA-HOSPITALAR (ATLS) Deve-se avaliar, reanimar, estabilizar e ver se as necessidades daquele paciente traumatizado excedem os recursos da instituição. Se exceder, o médico responsável deve providenciar a transferência com todos os cuidados necessários. Categorização do trauma : severo (vias aéreas comprometidas: fratura de mandíbula parassinfisária bilateral, respiração inadequada: trauma craniano ou trauma no pulmão, colapso do sistema circulatório, hemorragias), urgente (lesões no abdômen, lesões nas estruturas orofaciais, lesões de tórax e de extremidade) e não urgente (laceração de lábio). → A fratura de mandíbula parassinfisária bilateral faz com que haja a necessidade da equipe buco-maxilo intervir em um primeiro momento, pois os músculos da região puxam o fragmento para trás, interrompendo a via aérea do paciente. Estabiliza com amarria e trata depois que o paciente já estiver estabilizado. Traumatologia - 2022/1 Manuella Soussa Braga A ordem de atendimento varia com a situação e da capacidade do hospital (vítimas múltiplas e desastres mudam a ordem de atendimento devido a maior chance de sobrevida dos pacientes urgentes). 1 PREPARO DO PACIENTE Existe uma sala preparada para receber os pacientes traumatizados com todos os equipamentos necessários para o suporte avançado de vida. Tem uma equipe que inclui radiologista, socorrista, enfermeiros e alguns médicos especialistas. 2 TRIAGEM Refere-se a categorização do trauma. 3 ATENDIMENTO PRIMÁRIO (ESTABILIZAÇÃO) A via aérea B respiração/ventilação C circulação D avaliação neurológica E exposição → No suporte básico de vida, a ordem é CAB. O paciente fica com o colar cervical até que se tenha uma radiografia da coluna para se descartar a possibilidade de fratura. A: VIA AÉREA Todos os pacientes traumatizados devem receber oxigênio. As causas de morte nessa etapa são: demorar para perceber que o paciente está com obstrução da via aérea, demorar para providenciá-la, demorar para providenciar uma assistência ventilatória, dificuldade técnica na obtenção de uma via e aspiração. Olhar o paciente: pacientes agitados podem estar com hipóxia e podem ficar avermelhados (torpor) por conta do excesso de gás carbônico. Escutar: rouquidão, obstrução de faringe ou laringe e estridor. Palpar: normalmente traqueia obstruída fica lateralizada. Deve-se remover e aspirar o que está obstruindo a via aérea (objetos estranhos, sangue, dentes etc) para que o paciente possa respirar de forma adequada. Uma possibilidade para aumentar a via aérea é jogar o ângulo da mandíbula para frente com as duas mãos. Esse método também auxilia na estabilização e proteção da coluna cervical. Manobras utilizadas: cânulas nasofaríngeas ou orofaríngeas (por ex. cânula de guedel; usado para pacientes inconscientes e também pode ser utilizado para ventilação; mantém a língua de forma que não obstrui a via aérea) e cricotireotomia (é um acesso emergencial de via aérea feito logo abaixo da cartilagem tireóidea, usada quando não for possível ou contra-indicado intubar o paciente; não é para ser utilizado como acesso prolongado, apenas para ganhar tempo; contra-indicado para crianças abaixo de 10 anos de idade e após 24 a 72 horas, se o problema não for resolvido, deve ser convertido a uma traqueostomia). → É contra-indicado intubar o paciente quando há suspeita de fratura de base de crânio e edema de glote. O furo da cricotireotomia deve ser feito em 45º. Em 90º pode atravessar a traqueia e furar o esôfago. Pode ser feita pela técnica da puntura (fura) ou cirúrgica (com bisturi). Complicações da cricotireotomia : estenose subglótica (fibrose: traqueia perde a mobilidade: tom de voz alterado), condrite (inflamação das cartilagens), falso trajeto, estenose de laringe, hemorragia e hematoma, laceração do esôfago e traqueia, enfisema de mediastino (o ar entra abaixo da pele descolada) e paralisia de cordas vocais. B: VENTILAÇÃO E OXIGENAÇÃO Fornecer oxigênio ao paciente para que ele consiga respirar. Existem duas razões para o paciente não respirar: traumatismo craniano ou trauma local no tórax. O oxigênio é fornecido pela via aérea conseguida na primeira etapa. Traumatologia - 2022/1 Manuella Soussa Braga Deve-se decidir se o paciente precisa de uma via aérea definitiva quando ele sozinho não consegue permanecer com a ventilação. As manobras disponíveis são: intubação e traqueostomia . O paciente precisa estar sedado. É feito quando o paciente está em apnéia, tem impossibilidade de manter uma via aérea permeável, proteção das vias aéreas inferiores contra aspiração de secreções, comprometimento iminente ou potencial de vias aéreas (alergia), trauma cranioencefálico, incapacidade de manter oxigenação adequada com o uso de máscara de oxigênio. Intubação : pode ser oral (normalmente é a escolhida no trauma por ser mais rápida) ou nasal. Écontra-indicada em fraturas de terço médio e fraturas de base de crânio. Depois de feito, deve-se avaliar a distensão epigástrica e auscultar para ver se está indo pro pulmão. Outra possibilidade é aprofundar muito o tubo e fazer uma intubação seletiva (danifica o outro pulmão). O tubo tem um balão que é inflado e comprime as paredes da traquéia, impedindo que líquidos passem para dentro do pulmão e impedindo que o oxigênio volte. Complicações da intubação : vômito (só acontece se o paciente estiver consciente), luxação da mandíbula, intubação seletiva, laceração de partes moles, ruptura do balonete e lesão da coluna cervical. Traqueostomia : procedimento cirúrgico invasivo realizado pelo médico de forma eletiva em caráter de urgência em que se faz uma abertura na traquéia com a finalidade de favorecer a respiração ou remoção de secreção. A área da abertura é chamada de estroma. Pode ser temporária ou permanente. É indolor, se não infectada secundariamente. É feita em centro cirúrgico. Tem alturas variadas: traqueostomia alta, baixa, transístmica e percutânea. A traqueostomia cicatriza por segunda intenção. Problemas transoperatórios : sangramentos, mal posicionamento do tubo, laceração traqueal, fístula traqueoesofágica, lesão do nervo laríngeo recorrente, pneumotórax e pneumomediastino e parada cardiorespiratória. Problemas pós-operatórios : sangramento, infecção da ferida, enfisema subcutâneo, obstrução da cânula (na presença de secreção), alteração de posicionamento e disfagia (dificuldade de engolir). Complicações tardias : estenose da traquéia, fístulas traqueoinominada, traqueoesofágica e traqueocutânea e dificuldade de intubação. É preciso entender porque o paciente não está respirando: avaliar se existe alguma lesão no tórax (a expansão do tórax deve ser igual): pneumotórax aberto, pneumotórax hipertensivo, hemotórax e tórax instável (fratura de costelas). Pneumotórax aberto : defeito na parede da cavidade torácica que permite a entrada e saída de ar da cavidade pleural em cada respiração. Leva à hipóxia e excesso de CO2. O pulmão é comprimido impedindo a respiração. O tratamento de emergência é o curativo de três pontas (feito com plástico ou papel alumínio e fita pegando três lados e deixando uma livre). Tem efeito de válvula. Pneumotórax hipertensivo : existe um dano à parede torácica que permite a entrada e saída de ar da cavidade pleural sem comunicação com a membrana externa. É preciso drenar o ar. Leva ao colapso do pulmão, deslocamento da traquéia e mediastino, compressão da veia cava (diminui débito cardíaco), hipóxia, acidose e choque. O tratamento de emergência é a inserção de uma agulha. Geralmente, feita no segundo espaço intercostal. Outra opção é a inserção do dreno no quinto espaço intercostal. Hemotórax : sangue na cavidade torácica. Leva ao colapso do pulmão, hipotensão, diminuição do débito cardíaco, hipóxia e acidose respiratória. O Traumatologia - 2022/1 Manuella Soussa Braga tratamento consiste em reposição do volume sanguíneo, descompressão da cavidade torácica, controle da via aérea e suporte da ventilação. Tórax instável : fraturas múltiplas das costelas levando a uma instabilidade da parede torácica e movimento paradoxal durante a respiração. O paciente sente dor e diminui a habilidade respiratória levando a uma hipóxia. O tratamento consiste em bloquear o nervo intercostal e estabilizar os fragmentos soltos com bandagem. C: CIRCULAÇÃO E CONTROLE DA HEMORRAGIA O choque é uma anormalidade do sistema circulatório que resulta em perfusão inadequada. Observa-se o débito cardíaco (frequência x volume sistólico). O DC alterado leva a uma oxigenação tecidual inadequada (concentração de hemoglobina, pressão parcial de oxigênio arterial e saturação caem). Choque cardiogênico : o coração é incapaz de sustentar um débito cardíaco por uma disfunção intrínseca do coração. Pacientes idosos não permitem as compensações do coração mesmo com uma pequena variação de hipovolemia. Pode ser também por compressão cardíaca: retorno venoso inadequado para o coração devido à compressão intrínseca (tamponamento cardíaco, pneumotórax não tratado). Choque neurogênico : fenômeno de perda de tônus simpático (é central); o paciente para de respirar. Choque séptico : infecção ao redor do coração (ferimentos abdominais, perfuração de bexiga ou intestino etc). Choque hemorrágico : é normalmente causado por hipovolemia (paciente perde sangue e, consequentemente, volume). Diminuição do volume intravascular e o tratamento consiste na reposição intravascular do volume através de fluídos e contenção da hemorragia. O volume de sangue perdido que define a reposição de sangue (oxigênio) ou apenas de soro. → Todo paciente vítima de trauma que chega no pronto-socorro hipotenso, considera que ele está com hemorragia. Como reconhecer um choque hemorrágico? vasoconstrição cutânea (a pessoa fica pálida; sangue é concentrado nas áreas nobres), taquicardia, pressão de pulso, aumento da frequência respiratória, diminui a pressão arterial e diminui débito urinário (varia de acordo com a quantidade de sangue perdido: é um fator importante para decidir entre a transfusão sanguínea ou não. Hemorragia : perda acentuada de sangue causada por grandes feridas (por ex. couro cabeludo), fraturas do terço médio da face, fraturas de nariz e feridas penetrantes do pescoço. As causas mais comuns de choque hemorrágico são fratura de fêmur, de quadril, lesão aos órgãos internos (fígado, intestino etc). 7% do peso corporal de um paciente com 70 kg é sangue (aproximadamente 5 litros de sangue). As hemorragias podem ser classificadas de acordo com a quantidade perdida presumida: Classe 1 : 15% de perda de sangue (750 ml). O paciente apresenta taquicardia mínima. O tratamento é a reposição de líquido (ringer lactato). Classe 2 : 15 a 30% de perda (800 ml a 1.5 l). O paciente já apresenta uma taquicardia nítida, taquipnéia (ausência de oxigênio no sangue) e um certo grau de ansiedade. Tem uma pequena alteração de pressão arterial, diminuição do pulso e diminuição do débito cardíaco. O tratamento consiste na reposição de líquido (solução eletrolítica ringer lactato). Em algumas situações, chegando perto de 1.5 l, o médico pode decidir fazer a transfusão de sangue. Classe 3 : 30 a 40% de perda sanguínea (1.5 a 2 l). O paciente apresenta taquicardia acentuada, taquipnéia, queda da pressão arterial, diminuição de pulso, vasoconstrição (palidez e cianose), perfusão tecidual inadequada e diminuição do Traumatologia - 2022/1 Manuella Soussa Braga volume urinário. O tratamento consiste em reposição de líquido e transfusão sanguínea. Classe 4 : mais de 40% de perda (mais de 2 l). O paciente apresenta taquicardia acentuada, diminuição da pressão arterial, vasoconstrição acentuada e zero volume urinário, estado mental inerte. O tratamento consiste em reposição de líquido e transfusão sanguínea rápida. → Olhos de guaxinim (equimosebilateral) e rinorréia (dada pela fratura da lâmina crivosa) são sinais de traumatismo craniano. Fratura nasal : no tamponamento nasal anterior, utiliza-se uma gaze longa e fina que cobre toda a cavidade nasal (só assim comprime), sendo suficiente para estancar sangramentos em um trauma leve. Esse tampão fica até 48 horas e, se voltar a sangrar, troca por outro. O tamponamento nasal posterior é utilizado quando o sangramento nasal é maior e mais para trás. Para isso, passa uma sonda pelo nariz até a boca do paciente, puxa essa sonda e amarra uma gaze e puxa de volta (a gaze trava lá atrás) e tira a sonda. Depois que faz o posterior, faz o anterior do mesmo jeito. A reposição volêmica inicial contribui para reposição de volume (aumentar volemia) e isso vai normalizar a frequência e pressão de pulso, pressão arterial e débito urinário. O objetivo da transfusão de sangue é aumentar a capacidade de transporte de oxigênio. Resposta à reposição de líquido : rápida (é ótima e ocorre com pequeno grupo de pacientes com pequena perda volêmica - classe 1 e 2 - e decide se é ou não necessária a avaliação de um cirurgião), transitória (a maioria dos pacientes com perda volêmica de 20 a 40%, significando que há uma perda consistente e faz a administração contínua de líquidos e transfusão, deve-se encaminhá-lo rapidamente para resolver essa hemorragia), mínima (pequeno grupo de pacientes e significa necessidade de intervenção cirúrgica imediata e verificar a possibilidade de choques não hemorrágicos). → Em pacientes com hemorragias muito graves, pode-se fazer a reposição com concentrado de hemácias. → O sangue e o soro devem entrar na mesma temperatura do corpo e, por isso, são previamente aquecidos. D: AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA Escala de coma de Glasgow Total: 15 pontos (pessoa normal). Paciente em coma: < 8 ou 7 pontos. E: exposição Olha todo o corpo do paciente procurando lesões e lacerações. É um exame físico. A preocupação nesta etapa é a hipotermia do paciente. Para prevenir a hipotermia, use cobertores, fluídos aquecidos e aquecimento externo se possível. 4 TRANSFERÊNCIA Considera-se a necessidade de transferir o paciente para um outro hospital. 5 ATENDIMENTO SECUNDÁRIO Tratamento definitivo das lesões e a realização de outros exames de imagem (no atendimento primário só foi realizada a radiografia da coluna cervical). Outras especialidades que não foram chamadas até agora entram nesta etapa.
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