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A Fábula dos porcos assados

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A fábula dos porcos assados 
Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque. Os porcos que ali viviam foram 
assados pelo fogo e suas peles duras pururucaram, tornando-se apetitosamente 
crocantes. Os homens daquela região, habituados a comer carne crua, degustaram 
os porcos transformados em torresmos e acharam delicioso o sabor e o aroma da 
carne assada. A partir dessa revolucionária experiência gastronômica, toda vez que 
desejavam comer porco assado e torresmo incendiavam todo um bosque inteiro.¶ 
 
Os homens daquela região montaram um aparato técnico, científico e 
administrativo monumental para o assamento de porcos. Este aparato foi crescendo 
assustadoramente passando a envolver milhões de pessoas. 
 
Foram desenvolvidas máquinas e equipamentos sofisticados para executar tarefas 
de diversos tipos; funcionários foram especialmente treinados para acender fogo e 
incendiar bosques e alocados em núcleos regionais para trabalhar em períodos 
diurnos e noturnos. Surgiram, ainda, especialistas em ventos, em chuvas, em 
árvores, em bosques, em pururuca e torresmo e, enfim, especialistas de todos os 
tipos possíveis e imagináveis. Os cargos foram surgindo sem parar: o de diretor 
geral de assamento, o de diretor de técnicas ígneas com seu Conselho de 
Assessores, o de administrador geral de reflorestamento, o de diretor disso e 
daquilo, além de centenas de cargos de chefia e sub-chefia. Foram criados 
departamentos para o treinamento profissional em Porcologia, institutos superiores 
de cultura e técnicas alimentícias e diversos centros responsáveis pelas reformas de 
caráter igneooperativo. Foi formulado um Plano Nacional para a Formação de 
Bosques, Planabo, cuja meta plurianual seria implantar bosques de acordo com as 
técnicas mais modernas de reflorestamento. Foram trazidos do exterior cientistas 
para o estudo e seleção das melhores variedades de árvores e sementes, para o 
estudo de fenômenos pluviométricos, para o estudo do fogo e de matrizes de 
porcos e para desenvolver pesquisas sobre o extraordinário fenômeno da 
pururucagem. Poderíamos ficar dezenas de anos seguidos descrevendo o faraônico 
aparato instituído para coordenar, implementar, controlar e manter todo o 
gigantesco processo. 
 
Apesar da enorme soma de recursos públicos investidos no funcionamento deste 
gigantesco aparato, no processo de assamento os animais ficavam, ou parcialmente 
crus, ou demasiadamente tostados, desagradando milhões de paladares cada vez 
mais refinados. 
 
As queixas eram justificadas: os impostos pagos para custear o aparato eram 
escorchantes, a poluição causada pelos incêndios e a qualidade da carne assada, 
devido, supostamente, à ampliação da escala de produção, cada vez piores. Foram 
aumentando os protestos na imprensa, crescendo as insatisfações na opinião 
pública, os políticos aproveitando para fazer promessas de campanha e as 
mobilizações da comunidade tornando consensual a necessidade urgente de 
reforma no modelo de assamento de porcos. 
 
Congressos, seminários e conferências passaram a ser realizados na busca de uma 
solução para o problema. Apesar do extraordinário esforço empreendido por 
milhares de especialistas em assamento de porcos, inclusive com títulos de doutor 
obtidos no exterior, os resultados alcançados eram desanimadores. Repetiam-se, 
assim, os congressos, seminários e conferências. Os especialistas continuaram 
insistindo que as causas do mau funcionamento do sistema eram a indisciplina dos 
porcos, que não permaneciam onde deveriam ficar no momento do incêndio do 
bosque; a natureza indomável do fogo e dos ventos; e, ainda, a má seleção das 
variedades de árvores, muitas delas inadequadas para o assamento, a excessiva 
umidade da terra e o insatisfatório serviço de meteorologia que não fornecia 
informações exatas sobre o lugar, a hora e a quantidade da precipitação de chuvas. 
Os especialistas formaram correntes de pensamento e desenvolveram doutrinas 
que geraram disputas acirradas nas Universidades. Milhares de obras de cunho 
científico foram publicadas, lançadas revistas com prestígio internacional, criados 
cursos de pós-graduação para formar cientistas além de institutos para desenvolver 
pesquisas sobre porcos e assamento de porcos. 
 
Até que, certo dia, João Bom-Senso, um incendiador categoria C, nível 4, classe 
INC, percebeu que o problema era de fácil solução. Bastava, primeiramente, matar, 
limpar e cortar o porco escolhido e, depois, colocar a carne numa armação metálica 
sobre carvão em brasa, até que, sob o efeito do calor, a carne ficasse assada. A 
grande vantagem desse método era a possibilidade de cada um temperar a carne 
de acordo com o seu paladar e assá-la em sua própria casa reunindo os amigos 
para beber, conversar, solidificar laços de cunho político, religioso, profissional e/ou 
apenas afetivo. 
 
Tendo sido informado sobre as idéias subversivas deste perigoso funcionário, o 
diretor geral de assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e, depois de ouvi-lo 
pacientemente, disse-lhe em tom incisivo: 
 
— Tudo o que o senhor me explicou é teoricamente muito bonito, diria até 
maravilhoso, mas jamais funcionaria na prática. O que o senhor faria, por exemplo, 
com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua bem intencionada idéia? 
Onde seriam empregados os pesquisadores que produzem todo o conhecimento 
necessário para aperfeiçoar as técnicas de incêndio e de reflorestamento?¶¶— Não 
sei, disse João. 
— E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de 
instalações para porcos e os operadores de máquinas para destrinchar carne 
assada? 
— Não sei. 
— E os cientistas que ficaram anos seguidos especializando-se no exterior e cuja 
formação custou tantos recursos ao país? E os pesquisadores que têm trabalhado 
na elaboração do Programa de Reforma e Melhoramento do Sistema de Assamento 
de Porcos? O quê faço com eles se a solução que o senhor me traz resolver tudo? 
— Não sei, repetiu João, encabulado. 
— O senhor percebe que a sua “maravilhosa” idéia pode desencadear uma crise de 
proporções catastróficas no país? O senhor não vê que se tudo fosse tão simples, 
nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito, muito, tempo atrás? 
O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os 
milhares de técnicos, engenheiros e pesquisadores com PhD e dizer-lhes que tudo 
se resume a utilizar brasinhas, sem chamas, para assar porcos, e bye-bye para 
todos vocês! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros 
quadrados de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm 
folhas para dar sombra e abrigo aos pássaros? 
— Não sei, não, senhor.¶ 
— O senhor não reconhece que nosso Instituto de Porcopirotecnia é constituído por 
personalidades científicas do mais extraordinário gabarito? 
— Sim, eu acredito que sim. 
— O que eu faria com figuras de tão grande importância para o país? 
— Não sei. 
— Viu? O senhor não sabe de nada! O que precisamos são soluções viáveis para 
problemas práticos específicos. Por exemplo, como melhorar as anemotécnicas 
atualmente utilizadas, como formar rapidamente profissionais para preencher as 
vagas existentes na região Oeste do país ou como construir instalações para porcos 
com mais de sete andares que sejam funcionais. Temos que caminhar muito ainda 
para aperfeiçoar o sistema, o senhor me entende? O que precisamos, acima de 
tudo, é de sensatez e não de belas intenções! 
— Realmente, eu estou perplexo!, respondeu João. 
— Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia 
espalhando por aí a sua insensata idéia. Pode ser muito perigoso. O problema é 
bem mais sério e complexo do que o senhor jamais poderia imaginar. Agora, entre 
nós, recomendo que não insista nessa sua idéia boba pois isso poderia trazer 
problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo 
issopara o seu próprio bem, porque o compreendo, entendo perfeitamente o seu 
posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos 
compreensivo, não é mesmo?. 
 
João Bom-Senso não falou mais um a. Meio atordoado, meio assustado, 
envergonhado por ter transmitido a sua estúpida idéia ao diretor geral, saiu de 
fininho e ninguém nunca mais o viu. Os boatos se espalharam e tornou-se 
hábito dizer em reuniões de Reforma do Sistema, em tom de chacota, de 
forma cínica até, que falta Bom-Senso.

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