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1 Tutoria 2 1. Diferenciar os tipos de cefaleia caracterizando sinais de alerta e conduta diagnóstica; Um sistema de classificação de cefaleias foi estabelecido pela International Headache Society (IHS). A versão mais recente, International Classification of Headache Disorders, terceira edição, versão beta (ICHD-3 beta) divide as cefaleias em síndromes primárias (na quais a cefaleia e as manifestações associadas constituem a condição) e distúrbios secundários (nos quais a cefaleia tem causas exógenas). As cefaleias primárias são doenças cujo sintoma principal, porém não único, são episódios recorrentes de dor de cabeça (ex.: migrânea, cefaleia do tipo tensional e cefaleia em salvas). As cefaleias secundárias são o sintoma de uma doença subjacente, neurológica ou sistêmica (ex.: meningite, dengue, tumor cerebral). O diagnóstico diferencial entre cefaleia primária ou secundária é essencial. A causa da cefaleia secundária habitualmente deve ser investigada por meio de exames subsidiários. A síndrome de cefaleia primária mais comum é a cefaleia tensional (representa 69% de todos os casos de cefaleia primária); entretanto, a cefaleia tensional raramente é debilitante e, de modo geral, é autotratada com medicamentos de venda livre. A segunda cefaleia primária mais comum é a enxaqueca (migrânea), com prevalência em 1 ano de 12% (17% em mulheres e 6% em homens, alcançando seu máximo na quarta década de vida). Os casos de cefaleia recorrente e incapacitante no atendimento primário são mais frequentemente enxaquecas. Cefaleia potencialmente fatal é incomum; contudo, cautela e supervisão adequada são necessárias para o diagnóstico e o tratamento apropriados desses casos. Nos ambulatórios de clínica médica, a cefaleia é a terceira queixa mais frequente (10,3%), suplantado apenas por infecções de vias aéreas e dispepsias. Nas Unidades de Saúde, a cefaleia é responsável por 9,3% das consultas não agendadas, e nos ambulatórios de neurologia é o motivo mais frequente de consulta. Pacientes com cefaleia representam 4,5% dos atendimentos em unidades de emergência, sendo o quarto motivo mais frequente de consulta nas unidades de urgência Tipicamente, ocorre dor quando os nociceptores periféricos são estimulados em resposta a determinados fatores, como lesão tecidual ou distensão visceral. Nesse contexto, a percepção da dor constitui uma resposta fisiológica normal mediada por um sistema nervoso sadio. Entretanto, a dor também pode ocorrer em consequência de dano ou ativação inapropriada das vias produtoras de dor do sistema nervoso periférico ou central. A cefaleia pode resultar de um desses mecanismos ou de ambos. Existem relativamente poucas estruturas cranianas que geram dor, as quais incluem o couro cabeludo, a foice do cérebro, os seios da dura-máter e segmentos proximais das grandes artérias da pia-máter. Acredita-se que a maior parte do parênquima cerebral, o epêndima ventricular, o plexo corióideo e as veias da pia-máter não sejam capazes de produzir dor. DIAGNÓSTICO O diagnóstico diferencial de uma cefaleia recente e intensa é bastante diferente de uma cefaleia recorrente crônica. Existe maior probabilidade de identificar uma causa potencialmente grave com uma cefaleia de início recente e intensa do que com uma cefaleia recorrente ao longo dos anos. A cefaleia que comporta risco à vida é relativamente rara, porém é necessária uma vigilância, de modo a reconhecer e tratar adequadamente esses pacientes. As causas graves a considerar incluem meningite, hemorragia subaracnóidea, hematoma epidural ou subdural, glaucoma, tumor e sinusite purulenta. Crucial para o diagnóstico apropriado da cefaleia é a obtenção de uma anamnese abrangente e precisa. Dentre os componentes da anamnese de pessoas com cefaleia estão os seguintes: • Instalação: abrupta versus insidiosa; contexto no qual a cefaleia surgiu (p. ex., traumatismo cranioencefálico recente, inclusive cirurgias de cabeça/pescoço, doenças virais, gravidez/pós- parto) 2 Tutoria 2 • Cronologia: cronicidade, duração e frequência dos episódios de cefaleia; intervalo de tempo até intensidade máxima; diurna versus noturna • Características: por exemplo, surda, aguda, em caráter de pressão, pulsátil, em caráter de punhalada, lancinante, em caráter de queimação • Lateralidade: unilateral versus bilateral; hemicraniana constante ou alternante • Localização: por exemplo, retro-orbitária, frontal, temporal, occipital • Intensidade: inclusive incapacidade e interferências nas atividades laborais/cotidianas • Alteração: padrão diferente de episódios anteriores de cefaleia • Sinais/sintomas associados: hipersensibilidade sensorial (p. ex., a luz, ruído, sons, odores, movimentos); náuseas/vômitos; alterações visuais; dormência/formigamento na face ou nos membros; fraqueza motora focal; comprometimento da fala; atordoamento/vertigem; disfunção cognitiva • Manifestações autônomas cranianas: lacrimejamento, congestão conjuntival, edema facial ou periorbitário, ptose, alterações na pupila; congestão nasal ou rinorreia; plenitude auricular ou zumbido • Características premonitórias: manifestações apresentadas dias a horas antes dos episódios de cefaleia (p. ex., bocejos, sonolência, aumento da sede, alterações do padrão urinário/intestinal, rigidez da nuca) • Fatores desencadeadores: por exemplo, ciclo menstrual; “pular” refeições; falta de sono ou dormir demais; estresse ou relaxamento após estresse; alterações barométricas ou de altitude; posição (decúbito versus posição ortostática); manobras de Valsalva ou esforço físico; luzes fortes, ruído ou odores; álcool etílico; cafeína e determinados alimentos (como aqueles contendo nitratos ou glutamato monossódico) • História familiar de cefaleia. A história patológica pregressa (HPP), a revisão dos sistemas, a história social, a medicação concomitante, os exames de imagem e os exames laboratoriais também devem ser revisados detalhadamente porque a causa da cefaleia pode ser assim revelada. O exame físico deve incluir avaliação abrangente e neurológica com atenção especial aos seguintes pontos: sopros na cabeça ou no pescoço, pulsação e dor à palpação da artéria temporal, dor à palpação de nervo occipital, simetria e tamanho das pupilas, fundoscopia (pesquisa de papiledema e pulsações venosas retinianas), campos visuais e movimentos dos músculos extraoculares, sensibilidade facial (inclusive respostas corneanas) e função motora. A primeira meta do diagnóstico consiste na diferenciação entre cefaleia benigna (geralmente uma síndrome primária) e uma condição subjacente grave (cefaleia secundária). Existem alguns instrumentos disponíveis para ajudar a identificar uma cefaleia potencialmente fatal (usando os chamados sinais de alerta ou bandeiras vermelhas). Por outro lado, “bandeiras brancas ou verdes” podem sugerir um cenário mais benigno. SINAIS DE ALERTA Os sinais/sintomas sugestivos de uma condição grave subjacente: Sistêmicos Sinais/sintomas sistêmicos: rigidez da nuca, vômitos que precedem a cefaleia, febre, sudorese noturna, erupção cutânea, mialgia, perda ponderal; também cefaleia durante gravidez ou após o parto e doença sistêmica concomitante (p. ex., infecção pelo HIV, processo maligno). Manifestações neurológicas 3 Tutoria 2 Alteração do estado mental ou do nível de consciência; papiledema, diplopia; perda da sensibilidade; fraqueza; ataxia; dolorimento localizado (região da artéria temporal); cefaleia induzida por manobras de Valsalva (inclinação do corpo, elevação do corpo, tosse, espirros); dor que compromete o sono ou surge imediatamente após o despertar; relato de crise epiléptica/colapso/perda da consciência. Adultos mais velhos Início após os 50 anos de idade. Instalação Abrupta e/ou primeiro episódio; cefaleia intensa ou “a pior”; cefaleia “fulminante” (a dor atinge intensidade máxima rapidamente). Alteraçãodo padrão Alteração da frequência, da intensidade ou das manifestações clínicas do episódio de cefaleia; agravamento subagudo ao longo de dias/semanas ou padrão acelerado, cefaleia contínua ou persistente; dor deflagrada por atividade sexual, manobra de Valsalva ou sono; agravamento com a mudança de posição. Além desses sinais, o exame neurológico ainda é o melhor preditor de patologia intracraniana estrutural. A avaliação de um paciente com cefaleia no setor de emergência é apresentada abaixo: Causas alarmantes de cefaleia secundária que demandam avaliação urgente incluem meningite, hemorragia intracraniana, evento isquêmico agudo, tumor ou lesão obstrutiva, glaucoma, sinusite purulenta, trombose de veia cortical/seio craniano, dissecção de artéria carótida/vertebral, apoplexia hipofisária, síndrome de encefalopatia reversível posterior (SERP) e síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR). Para os pacientes que apresentaram infarto isquêmico há pouco tempo e desenvolvem cefaleia de início recente também deve ser solicitada imediatamente tomografia computadorizada (TC) de crânio, sobretudo aqueles que receberam agentes trombolíticos. Os distúrbios tireóideos (mais frequentemente hipotireoidismo) também costumam se acompanhar de cefaleia. 4 Tutoria 2 BANDEIRAS VERDES Determinadas características clínicas falam a favor de cefaleia primária benigna. Questionários simples que podem ajudar a identificar enxaqueca (migrânea) incluem ID Migraine, um conjunto de três questões sobre fotofobia, náuseas e incapacidade funcional. Se houver duas das três manifestações, um diagnóstico de enxaqueca é provável (com 81% de sensibilidade e 75% de especificidade). Se as três manifestações ocorrerem, existe uma probabilidade de 93% de atender os critérios diagnósticos da IHS para enxaqueca. O achado de quatro das cinco manifestações permite a previsão acurada do diagnóstico de enxaqueca: Como identificar enxaqueca (migrânea): • Cefaleia pulsátil • Um dia de duração (4 a 72 h) • Localização unilateral • Náuseas ou vômitos • Incapacitante Apesar das atuais recomendações das diretrizes, muitos médicos solicitam exames de imagem demais em cenários benignos. A American Headache Society (AHS) criou as recomendações “Escolha com Sabedoria” (Choosing Wisely) em relação à necessidade de exames de neuroimagem: exames de imagem não são necessários quando os pacientes apresentam cefaleia estável que atende aos critérios de enxaqueca; não solicitar TC para pacientes com cefaleia quando for possível solicitar ressonância magnética (RM), exceto em situações de emergência. 2. Caracterizar as etiologias de cefaleia primária de acordo com a sua fisiopatologia, quadro clínico e fatores desencadeantes; MIGRÂNEA (ENXAQUECA) A migrânea (enxaqueca) constitui a segunda causa mais comum de cefaleia e está entre as 20 principais causas de incapacidade no mundo inteiro de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Aflige cerca de 12% da população anualmente (15% das mulheres e 6% dos homens ao longo de um período de 1 ano). No Brasil, a prevalência anual da migrânea é de 15.8%, acometendo cerca de 22% das mulheres e 9% dos homens, com pico de prevalência entre 30 e 50 anos. A migrânea sem aura (75% dos casos) é mais frequente que com aura (25% dos casos). Cerca de 80% dos pacientes têm um familiar direto acometido. A migrânea é uma síndrome recorrente de cefaleia, juntamente com sintomas de disfunção neurológica, como sensibilidade a estímulos sensoriais (luz, som, odores ou movimento); a cefaleia é frequentemente acompanhada de náuseas e vômitos. O cérebro na migrânea é particularmente sensível a estímulos ambientais e sensoriais; os pacientes com propensão à migrânea não se habituam facilmente a estímulos sensoriais. A cefaleia pode ser iniciada ou amplificada por vários deflagradores, incluindo luzes brilhantes, sons, odores ou outra estimulação aferente; fome, estresse ou o desligamento do estresse; esforço físico; condições meteorológicas de tempestade, altitude ou mudanças de pressão barométrica; flutuações hormonais durante a menstruação; falta ou excesso de sono; e álcool ou outras substâncias químicas, como nitratos. A identificação da suscetibilidade do paciente a deflagradores específicos pode ser útil para orientar mudanças do estilo de vida como parte do plano de tratamento. 5 Tutoria 2 Fisiopatologia A sensibilidade sensorial que é característica da migrânea provavelmente resulta de uma disfunção dos sistemas de controle sensoriais monoaminérgicos localizados no tronco encefálico e no diencéfalo. A ativação das células no núcleo trigeminal resulta na liberação de neuropeptídios vasoativos, particularmente o peptídio relacionado com o gene da calcitonina (CGRP), nas terminações vasculares do nervo trigêmeo e no interior do núcleo trigeminal. Centralmente, os neurônios trigeminais de segunda ordem cruzam a linha média e projetam-se para os núcleos ventrobasais e posteriores do tálamo para maior processamento. Existem projeções adicionais para a substância cinzenta periaquedutal e o hipotálamo, a partir dos quais sistemas descendentes recíprocos apresentam efeitos antinociceptivos estabelecidos. Outras regiões do tronco encefálico provavelmente envolvidas na modulação descendente da dor trigeminal incluem o locus coeruleus na ponte e o bulbo rostroventromedial. Dados farmacológicos e outros dados indicam a atuação do neurotransmissor, a 5- hidroxitriptamina (5-HT ou serotonina), na migrânea. As triptanas foram desenvolvidas para estimular seletivamente subpopulações de receptores 5-HT; nos seres humanos, foram identificados pelo menos 14 receptores de 5-HT diferentes. As triptanas são agonistas potentes dos receptores 5-HT1B e 5- HT1D, e algumas mostram-se ativas nos receptores 5-HT1F (os agonistas desses últimos são denominados ditanas). As triptanas interrompem a sinalização nervosa nas vias nociceptivas do sistema trigeminovascular, pelo menos no núcleo caudal trigeminal e tálamo sensitivo trigeminal, além de vasoconstrição craniana. As ditanas, que recentemente demonstraram ser efetivas na migrânea aguda, atuam apenas em alvos neuronais. Uma variedade interessante de alvos neurais está sendo ativamente investigada para um manejo agudo e preventivo da migrânea. Os dados também sustentam o papel da dopamina na fisiopatologia da migrânea. Os sintomas da migrânea podem ser induzidos, em sua maioria, por estimulação dopaminérgica. Além disso, existe uma hipersensibilidade do receptor dopaminérgico nos indivíduos que sofrem de migrânea, conforme demonstrado pela indução de bocejos, náuseas, vômitos, hipotensão e outros sintomas de crise de migrânea por agonistas dopaminérgicos, em doses que afetam os indivíduos que não sofrem de migrânea. Os agonistas dos receptores dopaminérgicos são agentes terapêuticos efetivos na migrânea, particularmente quando administrados por via parenteral ou concomitantemente com outros agentes antimigrânea. Além disso, a ativação hipotalâmica, anterior àquela observada na cefaleia em salvas, foi atualmente demonstrada na fase premonitória da migrânea por meio de exame de imagem funcional, e isso pode fornecer uma chave para entender parte do papel desempenhado pela dopamina no distúrbio. Foram identificados genes de migrânea em estudos de famílias com migrânea hemiplégica familiar (MHF), que revelam a participação dos canais iônicos, sugerindo que alterações na excitabilidade das membranas podem predispor à migrânea. Atualmente, sabe-se que mutações envolvendo o gene CACNA1A do canal de cálcio regulado por voltagem do tipo Cav2.1 (P/Q) causam MHF-1; essa mutação é responsável por cerca de 50% dos casos de MHF. As mutações no gene ATP1A2 da Na+-K+ ATPase, designadas como MHF-2, são responsáveis por cerca de 20% dos casos de MHF. As mutações no gene SCN1A do canal de sódio regulado por voltagemneuronal causam MHF-3. Diagnóstico e manifestações clínicas Caracteriza-se por crises recorrentes constituídas por até cinco fases (nem sempre estão presentes todas elas). 6 Tutoria 2 1. Sintomas premonitórios: precedem a cefaleia por horas ou até dias. Nesta fase o paciente pode apresentar irritabilidade, com raciocínio e memorização mais lentos, desânimo e avidez por alguns tipos de alimentos. 2. Aura: complexo de sintomas neurológicos que se desenvolve gradualmente (ao longo de no mínimo 5 minutos) e dura até 60 minutos. A aura típica é um distúrbio visual constituído por pontos fosfenos, perda ou distorção de um dos hemicampos visuais ou parte deles. Às vezes associam-se parestesia unilateral e/ou disfasia. 3. Cefaleia: é de forte intensidade, latejante/pulsátil, piorando com as atividades do dia a dia. A duração da fase de dor é de 4 a 72 horas. A dor é unilateral em dois terços das crises, geralmente mudando de lado de uma crise para outra. 4. Sintomas associados: náuseas e/ou vômitos, foto e fonofobia. 5. Fase de recuperação: fase de exaustão em que alguns pacientes necessitam de um período de repouso para seu completo restabelecimento. Existem várias formas de migrânea que foram definidas: migrânea com e sem aura, migrânea episódica e migrânea crônica A aura da migrânea, como distúrbios visuais com luzes tremulantes ou linhas em zigue-zague que se movimentam através do campo visual ou outros sintomas neurológicos, é relatada em apenas 20 a 25% dos pacientes. Os pacientes com episódios de migrânea que ocorrem em 15 dias ou mais por mês são considerados portadores de migrânea crônica. A maioria dos pacientes com cefaleia incapacitante tende a apresentar migrânea, em oposição à cefaleia do tipo tensional, que constitui a cefaleia primária mais comum. Os pacientes com migrânea sem cefaleia (aura típica sem cefaleia, 1.2.1.2) apresentam sintomas neurológicos recorrentes, frequentemente com náuseas ou vômitos, porém com pouca ou nenhuma cefaleia. A vertigem pode ser proeminente; foi estimado que um terço dos pacientes encaminhados devido a vertigem ou tontura apresenta um diagnóstico primário de enxaqueca. A aura da enxaqueca pode exibir sintomas proeminentes do tronco encefálico (como diplopia, ataxia, alteração da consciência, disartria, zumbido e vertigem), e, atualmente, os termos migrânea da artéria basilar e migrânea basilar foram substituídos por migrânea com aura do tronco encefálico. Complicações da migrânea: • Estado migranoso: cefaleia intensa que dura mais que 72 horas, com intervalos livres inferiores a 12 horas, à qual associam-se náuseas e vômitos por horas seguidas, levando a desidratação e as suas consequências, como a necessidade de internação. • Infarto migranoso: é um ataque idêntico aos outros episódios, mas os sintomas da aura persistem por mais de 60 minutos e são associados a um infarto demonstrado no exame de neuroimagem. 7 Tutoria 2 • Migrânea crônica: é o aumento da frequência das crises até tornarem-se diárias ou quase diárias (>15 dias por mês com dor por mais de 3 meses). São fatores de risco para cronificação: fatores emocionais, estresse, doenças psiquiátricas e abuso de analgésicos. CEFALEIA DO TIPO TENSIONAL A cefaleia do tipo tensional (CTT) episódica é a mais frequente das cefaleias primárias, com pico de prevalência na quarta década. É a cefaleia primária mais comum, embora os pacientes raramente procurem a clínica devido ao baixo nível de incapacidade associada. Manifestações clínicas A CTT caracteriza-se por um desconforto da cabeça bilateral, de fraca ou moderada intensidade, com sensação de aperto ou pressão e semelhante a uma faixa, de intensidade leve a moderada. Pode ser frontal, occipital ou holocraniana. Em geral, a dor progride lentamente, flutua na sua intensidade e pode persistir de modo mais ou menos contínuo durante muitos dias. A cefaleia pode ser episódica ou crônica (presente em 15 dias ou mais por mês). A dor pode melhorar com atividades físicas. Surge, em geral, no final da tarde, relaciona-se com estresse físico (cansaço, exagero de atividade física, especialmente no calor e sob o sol), muscular (posicionamento do pescoço no sono ou no trabalho) ou emocional. Por vezes, há hiperestesia e hipertonia da musculatura pericraniana que pode ser percebida com a palpação cuidadosa. Diferentemente da migrânea, a CTT é, nos demais aspectos, indefinida e carece de manifestações associadas, como náuseas, vômitos, fotofobia, fonofobia, osmofobia, caráter latejante e agravamento com o movimento. Fisiopatologia A fisiopatologia da CTT não está totalmente elucidada. É provável que a CTT seja causada por um distúrbio primário de modulação da dor do sistema nervoso central isoladamente, ao contrário da migrânea, que envolve um distúrbio mais generalizado da modulação sensorial. Os dados disponíveis sugerem uma contribuição genética para a CTT, embora isso possa não ser um achado válido, visto que esses estudos provavelmente incluíram muitos pacientes com migrânea. O nome cefaleia do tipo tensional implica que a dor é um produto da tensão nervosa; entretanto, não há evidências claras de tensão como etiologia. A contração muscular tem sido considerada como uma característica que diferencia a CTT da migrânea, porém não parece haver nenhuma diferença na contração entre os dois tipos de cefaleia. CEFALALGIAS AUTONÔMICAS DO TRIGÊMEO (CEFALEIAS TRIGÊMINO- AUTONÔMICAS) As CAT descrevem um grupo de cefaleias primárias, incluindo a cefaleia em salvas, a hemicrania paroxística, a SUNCT (cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejamento/ SUNA (crises de cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme, com sintomas cranianos autonômicos sem hiperemia e lacrimejamento) e a hemicrania contínua. As CAT caracterizam-se por crises de duração relativamente curta de cefaleia associada a sintomas cranianos autonômicos, como lacrimejamento, hiperemia conjuntival ou congestão nasal (Tabela 54.6). 8 Tutoria 2 A dor é habitualmente intensa e pode ocorrer mais de 1 vez/dia. Devido à congestão nasal ou rinorreia associadas, os pacientes frequentemente recebem um diagnóstico incorreto de “cefaleia sinusal” e são tratados com descongestionantes, que são ineficazes. A característica essencial dessa classe de cefaleias reside na natureza lateralizada dos sintomas (p. ex., cefaleia unilateral e manifestações cranianas autonômicas ipsilaterais). As CAT devem ser diferenciadas das cefaleias de curta duração que não exibem síndromes cranianas autonômicas proeminentes, notavelmente neuralgia do trigêmeo, cefaleia primária em facada e cefaleia hípnica. O padrão cíclico e a duração, frequência e momento de ocorrência das crises são úteis na classificação dos pacientes. Os pacientes com CAT devem ser submetidos a exames de imagem da hipófise e provas de função hipofisária, visto que há um excesso de casos de CAT em pacientes com cefaleia relacionada a tumor primário. • CEFALEIA EM SALVAS A cefaleia em salvas é uma síndrome de cefaleia primária rara, com frequência de aproximadamente 0,1% na população, que afeta mais os homens do que as mulheres, em uma proporção de 3:1. É a cefaleia trigêmino-autonômica mais frequente, acometendo 1 em cada 1.000 indivíduos (85% das pessoas afetadas são do sexo masculino). Geralmente se inicia após os 20 anos, mas é mais frequente entre as 3ª e 5ª décadas. Manifestações clínicas A doença evolui em surtos de um a três meses de duração (salvas), quando o paciente experimenta de uma a oito crises por dia e frequentemente é despertado à noite pela crise. Em geral, as crises têm duração limitada, de 15 a 180 minutos, quadro clínico típico com dor excruciante, unilateral e 9 Tutoria 2 alterações autonômicas (hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento, congestão ocular e nasal, rinorreia,edema palpebral, rubor facial, miose e/ou ptose ipsilaterais) associados a sensação de inquietude e agitação. Após episódio de salvas pode haver período de meses ou anos sem crises A dor é profunda, habitualmente retro-orbital, frequentemente de intensidade excruciante, não flutuante e de qualidade explosiva. Uma característica central da cefaleia em salvas é a sua periodicidade. Ocorre pelo menos uma das crises diárias de dor aproximadamente na mesma hora todos os dias para a duração de um surto de cefaleia em salvas. O início é noturno em cerca de 50% dos pacientes. O paciente típico com cefaleia em salvas apresenta episódios diários de uma ou duas crises de dor unilateral de duração relativamente curta por 8 a 10 semanas por ano; essas crises são habitualmente seguidas de um intervalo sem dor por um período médio de menos de 1 ano. A cefaleia em salvas é caracterizada como crônica quando existe um período de menos de 1 mês de remissão sustentada sem tratamento. Os pacientes com cefaleia em salvas tendem a ser inquietos durante as crises e podem andar de um lado para outro, balançar ou esfregar a cabeça para obter alívio; alguns podem até mesmo se tornar agressivos durante as crises. Esse comportamento contrasta nitidamente com os pacientes com migrânea, que preferem permanecer imóveis durante as crises. Fisiopatologia A cefaleia em salvas provavelmente é um distúrbio que envolve neurônios marca-passos centrais na região hipotalâmica posterior, explicando, assim, a sua periodicidade. Outras manifestações características da cefaleia em salvas incluem sintomas ipsilaterais de ativação craniana parassimpática autonômica: hiperemia conjuntival ou lacrimejamento, rinorreia ou congestão nasal ou disfunção craniana simpática, como ptose. O déficit simpático é periférico e provavelmente devido à ativação parassimpática, com lesão das fibras simpáticas ascendentes que envolvem uma artéria carótida dilatada quando entra na cavidade craniana. Quando presentes, a fotofobia e a fonofobia têm muito mais tendência a ser unilaterais e do mesmo lado da dor, em lugar de bilaterais, conforme observado na migrânea. Esse fenômeno de fotofobia/fonofobia unilaterais é característico das CAT. 10 Tutoria 2 3. Compreender o tratamento agudo e profilático das cefaleias (mecanismo de ação, doses, efeitos adversos da superdosagem e efeitos colaterais dos medicamentos citados); TRATAMENTO DA MIGRÂNEA Uma vez estabelecido o diagnóstico de migrânea, é importante avaliar a extensão da doença do paciente e o nível de comprometimento funcional. O escore de avaliação de incapacidade da migrânea (MIDAS) é uma ferramenta bem validada e de fácil uso. Um diário de cefaleia também ajuda a avaliar a incapacidade, bem como a frequência de uso de medicação abortiva. A orientação do paciente constitui um importante aspecto do manejo da migrânea. É importante que o paciente entenda que a migrânea é uma vulnerabilidade herdada à dor da cefaleia e associada a sintomas neurológicos e que, embora o distúrbio não possa ser “curado”, a migrânea pode ser modificada e controlada por meio de mudanças no estilo de vida e uso de medicamentos. Além disso, é preciso tranquilizar os pacientes quanto ao fato de que, em geral, a migrânea não está associada a doenças graves ou que comportam risco à vida. Tratamento farmacológico Terapias abortivas (crise aguda) A Tabela 54.3 fornece um resumo dos medicamentos comumente usados para a migrânea aguda, que incluem anti-inflamatórios não esteroides (AINE), agonistas dos receptores 5-HT1B/1D e antagonistas dos receptores dopaminérgicos [Nível 1]. 11 Tutoria 2 12 Tutoria 2 A escolha do esquema ideal para cada paciente depende de vários fatores, dos quais o mais importante é a gravidade da crise. As crises leves de migrânea habitualmente podem ser controladas com agentes orais, com taxa média de eficácia de 50 a 70%. As crises intensas de enxaqueca podem exigir tratamento intranasal ou parenteral para obter um início mais rápido. Em geral, devese utilizar uma dose adequada do medicamento selecionado o mais cedo possível após o início de uma crise. Se houver necessidade de medicação adicional dentro de 1 h, devido à persistência dos sintomas ou sua recorrência, deve-se aumentar a dose inicial, ou deve-se escolher uma classe diferente para terapia de resgate. O tratamento da migrânea deve ser individualizado; não é possível seguir uma abordagem padronizada para todos os pacientes. Além disso, pode ser necessário rever com frequência o esquema de tratamento até que se obtenha um plano bem-sucedido capaz de proporcionar alívio rápido, completo e consistente, com efeitos colaterais mínimos (Tabela 54.4). Fármacos anti-inflamatórios não esteroides Os AINE podem reduzir significativamente a gravidade e a duração de uma crise de migrânea e são mais efetivos quando tomados no início da crise. Entretanto, esses fármacos isoladamente podem não abortar por completo uma crise de migrânea moderada ou grave. Foi constatado que a associação de ácido acetilsalicílico com metoclopramida é comparável a uma dose única de sumatriptana oral. Os efeitos colaterais importantes dos AINE consistem em dispepsia e irritação gastrintestinal, bem como efeitos cardiovasculares e renais potenciais (particularmente com uso frequente ou a longo prazo). Agonistas dos receptores de 5-hidroxitriptamina1b/1d (triptanas) 13 Tutoria 2 A estimulação dos receptores de 5-HT1B/1D pode abortar uma crise de migrânea aguda. A ergotamina e a di-hidroergotamina são agonistas não seletivos dos receptores, enquanto as triptanas são agonistas seletivos dos receptores de 5-HT1B/1D. Atualmente, dispõe-se de uma variedade de triptanas, agonistas dos receptores de 5-HT1B/1D – sumatriptana, almotriptana, eletriptana, frovatriptana, naratriptana, rizatriptana e zolmitriptana – para o tratamento agudo da migrânea. Cada fármaco pertencente à classe das triptanas possui propriedades farmacológicas semelhantes, porém varia ligeiramente na sua eficácia clínica. A rizatriptana e a eletriptana são as mais provavelmente eficazes. A sumatriptana e a zolmitriptana apresentam taxas semelhantes de eficácia, bem como tempo de início, com a vantagem de ter diferentes vias de administração. A almotriptana possui uma taxa de eficácia semelhante àquela da sumatriptana, porém é mais bem tolerada, enquanto a frovatriptana e a naratriptana têm um início de ação ligeiramente mais lento, porém apresentam um perfil de efeitos colaterais mais leves. A eficácia clínica parece estar relacionada mais com o tmáx. (tempo necessário para alcançar o nível plasmático máximo) do que com a potência, meiavida ou biodisponibilidade. Essa observação é consistente com vários estudos indicando que os analgésicos de ação mais rápida são mais efetivos do que os agentes de ação mais lenta. Infelizmente, a monoterapia com triptanas orais não produz alívio rápido, consistente e completo da migrânea em todos os pacientes. As triptanas podem não ser efetivas na migrânea com aura, a não ser que administradas até o término da aura e o início da cefaleia; a recidiva da cefaleia constitui outra limitação para o uso das triptanas. Evidências de ensaios clínicos controlados e randomizados demonstram que a coadministração de um AINE de ação mais longa (como naproxeno, 500 mg) com sumatriptana irá aumentar o efeito inicial da sumatriptana e, de modo importante, irá reduzir as taxas de recidiva da cefaleia. Os efeitos colaterais das triptanas consistem em náuseas, sensação de constrição no tórax, tontura, astenia e rubor. Os agonistas 5-HT1B/1D estão contraindicados para indivíduos com história de doença cardiovascular ou vascular encefálica. As formulações nasais de di-hidroergotamina (Migranal σʊπ>® /σʊπ>), zolmitripana (Zomig σʊπ>® /σʊπ> nasal) ou sumatriptana podem ser úteis para pacientes que necessitam deuma via de administração não oral (p. ex., devido à ocorrência de náuseas/vômitos). A administração nasal pode resultar em níveis sanguíneos substanciais dentro de 30 a 60 min. Embora teoricamente os sprays nasais possam proporcionar alívio mais rápido e mais efetivo do que as formulações orais, a sua eficácia relatada é de apenas 50 a 60%. Estudos realizados com uma nova formulação inalatória de di-hidroergotamina indicam que os problemas de absorção podem ser superados para produzir um início de ação rápido com boa tolerabilidade. A sumatriptana e a di- hidroergotamina também estão disponíveis em injeções. A sumatriptana, na dose de 4 a 6 mg por via subcutânea (SC) mostra-se efetiva em cerca de 50 a 80% dos pacientes. Os níveis plasmáticos máximos de di-hidroergotamina são alcançados dentro de 3 min após administração intravenosa (IV), 30 min após administração intramuscular (IM) e 45 min após administração por via subcutânea. Se uma crise ainda não alcançou o seu pico, a administração por via subcutânea ou IM de 1 mg de di- hidroergotamina pode ser efetiva em cerca de 80 a 90% dos pacientes. Antagonistas dos receptores dopaminérgicos Os antagonistas dos receptores dopaminérgicos por via oral ou parenteral podem ser considerados como tratamento auxiliar da migrânea aguda. A absorção desses fármacos é afetada durante a migrânea, devido à redução da motilidade gastrintestinal (mesmo na ausência de náuseas) e está relacionada com a gravidade da crise, mais do que com a sua duração. Por conseguinte, quando os AINE e/ou as triptanas por via oral fracassam, deve-se considerar a adição de um antagonista dos receptores dopaminérgicos (como metoclopramida 10 mg) para aumentar a absorção gástrica, bem como para diminuir as náuseas/vômitos. Determinados fármacos fenotiazínicos (como a prometazina, 14 Tutoria 2 a proclorperazina ou a clorpromazina) também podem melhorar independentemente a dor da cefaleia, particularmente quando administrados por via parenteral, embora possam ter efeito sedativo em virtude de suas propriedades anti-histamínicas. Outros medicamentos para a migrânea aguda Os opioides são modestamente efetivos no tratamento agudo da migrânea e costumam ser administrados no serviço de emergência. Esses fármacos podem “ajudar”, no sentido de que a dor da migrânea é eliminada ou reduzida. Entretanto, esse esquema é subótimo para pacientes com cefaleia recorrente. Os opioides não tratam a fisiopatologia subjacente da cefaleia; na verdade, atuam no sentido de alterar a sensação da dor, e há evidências de que possam tornar outros medicamentos para a migrânea (como as triptanas) menos efetivos. Além disso, o uso frequente de opioides pode resultar em cefaleia por uso excessivo de medicação, levando à dependência física ou adicção; a fissura e/ou abstinência de opioides podem, por sua vez, agravar a migrânea. Por conseguinte, recomenda-se que o uso de opioides na migrânea seja restrito a pacientes com cefaleias intensas, porém infrequentes, que não respondem a outras abordagens farmacológicas ou que apresentam contraindicações para outros tratamentos. Os compostos que contêm butalbital (como Fioricet σʊπ>® /σʊπ> ou Fiorinal σʊπ>® /σʊπ>) também são administrados com frequência para o tratamento da migrânea aguda. Embora esses medicamentos possam proporcionar alívio analgésico, existe um alto potencial de dependência e desenvolvimento de cefaleia por uso excessivo de medicação (também conhecida como cefaleia de rebote), que é um estado de cefaleia refratária diária ou quase diária. Essa condição provavelmente não é uma entidade separada de cefaleia, porém uma reação do paciente com migrânea a determinado medicamento. Em alguns países, os medicamentos contendo butalbital foram proibidos e, embora ainda estejam disponíveis nos EUA, seu uso deve ser evitado. Tratamentos preventivos para a migrânea Indica-se o tratamento preventivo para pacientes que exibem uma frequência crescente de crises de migrânea ou cujas crises respondem inadequadamente aos medicamentos abortivos. Em geral, deve- se considerar o uso de medicação preventiva para pacientes com quatro ou mais crises por mês; entretanto, a decisão sobre quando iniciar um agente preventivo também pode depender da gravidade e da duração das crises. Muitos desses medicamentos possuem efeitos colaterais significativos, e a dose terapêutica pode variar acentuadamente entre diferentes pacientes. O mecanismo de ação desses fármacos não está totalmente elucidado; é provável que eles modifiquem a sensibilidade do cérebro subjacente à migrânea. Em geral, os pacientes começam com uma dose baixa do medicamento selecionado; em seguida, a dose é gradualmente aumentada até uma dose máxima razoável para obter uma resposta clínica. O medicamento preventivo precisa ser tomado diariamente, e, em geral, existe um intervalo de pelo menos 2 a 12 semanas para que se possa observar algum benefício. Os medicamentos comumente utilizados para a prevenção da migrânea estão listados na Tabela 54.5. 15 Tutoria 2 16 Tutoria 2 Os fármacos que foram aprovados pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento profilático da migrânea incluem propranolol, timolol, valproato de sódio, topiramato e metisergida (não disponível nos EUA). Além disso, vários outros fármacos parecem apresentar eficácia profilática. Incluem amitriptilina, nortriptilina, candesartana, flunarizina, fenelzina, gabapentina e cipro- heptadina. A toxina onabotulínica tipo A demonstrou ser efetiva em estudos controlados com placebo para a prevenção da migrânea crônica, mas não da migrânea episódica. A probabilidade de sucesso com qualquer um desses medicamentos é de aproximadamente 50 a 75%. Uma vez obtida uma estabilização efetiva, o fármaco é mantido por cerca de 6 a 12 meses e, em seguida, a dose é lentamente reduzida para avaliar se há necessidade de continuação. Muitos pacientes são capazes de desmame bem-sucedido dos medicamentos profiláticos, com crises mais leves e menos frequentes por longos períodos, sugerindo que esses fármacos possam alterar a história natural da migrânea. TRATAMENTO DA CEFALEIA TENSIONAL A dor na CTT responde habitualmente a analgésico simples, como paracetamol, ácido acetilsalicílico ou outros AINE. As abordagens comportamentais, incluindo relaxamento, também podem ser efetivas. Os estudos clínicos realizados demonstraram que as triptanas na CTT pura não são úteis, embora sejam efetivas na CTT quando o paciente também apresenta migrânea. Para a CTT crônica, a amitriptilina (10 a 100 mg/dia) constitui o único tratamento comprovado; outros agentes tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e benzodiazepínicos não demonstraram ser efetivos. Não há evidências de que a acupuntura seja eficaz. Os ensaios clínicos controlados com placebo da toxina onabotulínica tipo A foram negativos na CTT crônica. TRATAMENTO DA CEFALEIA EM SALVAS Tratamento abortivo As crises de cefaleia em salvas rapidamente alcançam um pico, de modo que é necessário um tratamento de início rápido. Muitos pacientes com cefaleia em salvas aguda respondem muito bem à inalação de oxigênio. Pode ser administrado como oxigênio a 100%, 10 a 12 ℓ/min, por 15 a 20 min no início da crise. A sumatriptana, na dose de 6 mg SC, tem início rápido e habitualmente diminui a duração de uma crise para 10 a 15 min; não há evidências de taquifilaxia. A sumatriptana (20 mg) e a zolmitriptana (5 mg) em spray nasal também são efetivas na cefaleia em salvas aguda. A sumatriptana oral não é efetiva para prevenção ou tratamento agudo da cefaleia em salvas. Tratamentos preventivos 17 Tutoria 2 A escolha de um tratamento preventivo na cefaleia em salvas depende, em parte, da duração do episódio. Os pacientes com episódios de longa duração ou aqueles com cefaleia em salvas crônica necessitam de medicamentos que sejam segurosquando administrados por longos períodos de tempo. Para os pacientes com episódios relativamente curtos, a administração de ciclos limitados de glicocorticoides VO pode ser muito útil. Um ciclo de 10 dias de prednisona, começando com uma dose diária de 60 mg, durante 7 dias, seguida de rápida diminuição da dose, também pode ser útil para interromper o ciclo. O lítio (400 a 800 mg/dia) parece ser particularmente útil para a forma crônica do distúrbio. Muitos especialistas preferem o verapamil como tratamento preventivo de primeira linha para pacientes com cefaleia em salvas crônica ou episódios prolongados. Embora o verapamil seja mais adequado do que o lítio na prática, alguns pacientes necessitam de doses de verapamil muito mais altas do que aquelas administradas para os distúrbios cardíacos. A faixa posológica e inicial é de 40 a 80 mg, 2 vezes/dia; as doses efetivas podem alcançar 960 mg/dia. Os efeitos colaterais consistem em constipação intestinal e edema dos membros inferiores. A segurança cardiovascular do verapamil é mais problemática, particularmente em altas doses. O verapamil pode induzir bloqueio cardíaco por meio de alentecimento da condução no nó atrioventricular e, portanto, exige monitoramento rigoroso do intervalo PR com eletrocardiogramas seriados (ECG). Em cerca de 20% dos pacientes tratados com verapamil, observa-se o desenvolvimento de anormalidades no ECG, que podem ocorrer com doses baixas, de apenas 240 mg/dia; essas anormalidades podem se agravar com o passar do tempo em pacientes que recebem doses estáveis. Recomenda-se um ECG basal para todos os pacientes. Em seguida, repete-se o ECG dentro de 10 dias após mudança da dose nos pacientes cuja dose é aumentada acima de 240 mg/dia. Os aumentos da dose são habitualmente feitos em incrementos de 80 mg. Nos pacientes em uso prolongado de verapamil, é necessário um monitoramento ECG a cada 6 meses. MANEJO NA UNIDADE DE URGÊNCIA CEFALEIA AGUDA RECORRENTE Nos casos de cefaleia do tipo tensional episódica • O médico da unidade de urgência orienta paciente e familiares quanto à baixa gravidade do quadro e de não haver necessidade de encaminhá-lo a um especialista ou realização de exames complementares. • Orientação de medidas educativas como: sono regular, evitar bebidas alcoólicas, controle de estresse (técnicas de relaxamento, atividade física leve), lazer. 18 Tutoria 2 • Prescrição de analgésicos (paracetamol 750-1.000 mg até 6/6 h; dipirona 500 1.000 mg até 6/6 h) e/ou anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) (ibuprofeno 400-800 mg até 6/6 h; diclofenaco 50 mg até 8/8 h; cetoprofeno 50 mg até 6/6 h; naproxeno sódico 500 mg dose inicial e 250 mg até 6/6h). Associações com cafeína aumentam a eficácia analgésica. A maioria das crises é resolvida com uma dose de analgésico comum, sendo a escolha feita de acordo com a experiência anterior do paciente e a tolerância à droga. Se não há resposta em 1 ou 2 horas com uma medicação, pode-se usar outra. • Orientar consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS) para seguimento ambulatorial do quadro. Nos casos de enxaqueca (migrânea) Em todos os casos tentar manter o paciente em repouso sob penumbra em ambiente tranquilo e silencioso (leitos de observação). • Nos casos em que a dor tem duração inferior a 72 horas: I. administrar antiemético parenteral se vômitos ou uso prévio de medicações: dimenidrato 30mg por via intravenosa (IV) diluído em 100ml de soro fisiológico a 0,9% ou dimenidrato 50 mg por via intramuscular (IM); II. recomenda-se jejum, com reposição de fluidos (soro fisiológico 0,9%) por via intravenosa (IV) se houver indícios de desidratação; III. dipirona 1 grama (2 ml) IV diluído em água destilada (8ml); III. Cetoprofeno 100mg IV diluído em soro fisiológico 0,9% (100ml) ou 100mg IM. IV. reavaliar paciente em 1 hora; se não houver melhora, prescrever sumatriptano 6mg subcutâneo (1 seringa com 0,5ml), repetindo a dose, se necessário, em 2 horas. • Se houver melhora da dor, liberar o paciente e encaminhar para acompanhamento ambulatorial na UBS. • Se houver piora ou não melhora da dor após 2 horas de observação, encaminhar paciente para hospital terciário por meio da Central de Regulação para avaliação de neurologista. • Nos casos em que paciente chega à urgência com dor há mais de 72 horas (estado migranoso): I. jejum e acesso venoso para reposição de fluidos se necessário. Infundir soro fisiológico a 0,9% 500ml em pinça aberta; II. Tratamento da crise como citado anteriormente associado a dexametasona 10mg (ampola 10mg/2,5ml) IV lento. III. Se não melhorar com dexametasona e estiver na urgência da UBS encaminhar o paciente para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde deverá ser prescrito: clorpromazina 0,1-0,25mg/kg IM (ampola 25 mg/5 ml); manter infusão de soro fisiológico a 0,9%; IV. se em 1 hora o paciente mantiver a dor, repetir clorpromazina por até três vezes, no máximo. • Atentar para hipotensão arterial e sinais / sintomas extrapiramidais (como rigidez muscular e inquietude) causados pela medicação, orientar o paciente a não se levantar bruscamente. Não repetir a dose se ocorrer hipotensão ou sinal/sintoma extrapiramidal. • Se houver melhora clínica, o paciente recebe alta da UPA com encaminhamento para acompanhamento ambulatorial na UBS para que seja encaminhado a um ambulatório não hospitalar de neurologia. 19 Tutoria 2 • Se não houver melhora da dor após as três doses de clorpromazina, acionar CR e encaminhar paciente para hospital terciário, onde será realizada avaliação por neurologista e tomada conduta específica. • Após internação em hospital terciário, o paciente deve ser redirecionado à atenção básica (UBS) por meio de contrarreferência descrevendo o tratamento realizado e as orientações a serem seguidas, com data de retorno em hospital terciário, se houver. Obs.1: Não prescrever opioide para o tratamento da crise de enxaqueca, existem medicações mais eficazes que não têm o risco de abuso e dependência. Então o uso de opioides no tratamento da crise de enxaqueca deve ser desencorajado. Cefaleia em Salvas • Administrar oxigênio a 100%, em máscara sem recirculação, com fluxo de 10- 12 l/min durante 20 minutos, ou sumatriptano 6mg por via subcutânea se disponível. Caso o paciente tenha utilizado algum medicamento vasoconstrictor, o sumatriptano deve ser evitado. Analgésicos comuns e opioides são ineficazes e não devem ser utilizados. • Após melhora do quadro álgico, o paciente deve ser orientado a evitar fatores desencadeantes (bebidas alcoólicas e substâncias voláteis), até o final do período de crises. O médico da urgência deve encaminhar o paciente para avaliação pelo neurologista em nível secundário, dentro do sistema de referência e contrarreferência CEFALEIA CRÔNICA NÃO PROGRESSIVA Manejo clínico • Nos casos de cefaleia do tipo tensional crônica e migrânea crônica pode-se usar clorpromazina como orientado acima e o médico da urgência deve encaminhar o paciente ao neurologista em nível secundário. • Orientação de medidas educativas, como sono regular, evitar bebidas alcoólicas, controle de estresse (técnicas de relaxamento, atividade física leve) e lazer. • Analgésicos devem ser abolidos, seu uso diário piora o quadro das cefaleias crônicas. 20 Tutoria 2 • A UBS poderá colaborar no tratamento seguindo orientações contidas na contrarreferência, além de continuar fazendo seguimento de comorbidades. CEFALEIA CRÔNICA PROGRESSIVA Manejo clínico • O padrão de cefaleia crônica progressiva é o mais raro, porém de reconhecimento fundamental pelo médico do setor de urgência, já que, em muitos casos, esse tipo de cefaleia é um sintoma de um transtorno subjacente potencialmente grave (cefaleia secundária), devendo, portanto, sempre ser investigado. • O médico do setor de urgência encaminha guia de referência à CR, solicitandoavaliação pelo neurologista. O médico regulador avalia a solicitação e agenda o atendimento em hospital terciário no prazo máximo de 15 dias. Os retornos ou tratamentos complementares a serem realizados no hospital terciário deverão ser agendados pelo próprio hospital. Paciente e familiares são orientados pelo médico do setor de urgência quanto a sinais de alerta, como: convulsões, vômitos, rebaixamento do nível de consciência, visão dupla, estrabismo ou perda de força. Nessa eventualidade, o paciente deve procurar a UPA ou ligar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192). • Após ser atendido pelo hospital terciário, o paciente deve ser redirecionado à atenção básica por meio da contra referência constando a descrição do tratamento realizado e o seguimento proposto com relação à condição geradora da referência. Cuidados como manejo da dor de baixa intensidade, suporte nutricional e eventualmente curativos podem ser realizados na UBS. Ao mesmo tempo, o paciente receberá seguimento de comorbidades pré-existentes nesse nível de atenção. Tratamentos complementares fora do âmbito da atenção básica e do hospital terciário deverão ser solicitados a CR por meio de guia de referência. CEFALEIA AGUDA EMERGENTE (DOR NOVA OU FRANCAMENTE DIFERENTE DAS ANTERIORES) Manejo clínico • Na suspeita de infecção sistêmica associada à cefaleia (síndrome gripal, dengue, sinusite, entre outros), o médico da urgência prescreve tratamento sintomático e/ou antibiótico de acordo com o provável diagnóstico e orienta retorno breve à unidade caso piorem os sintomas. 21 Tutoria 2 • Nos casos de cefaleia e febre com sinais de alerta, o médico da urgência deve acionar a Central de Regulação para encaminhamento do paciente a um hospital terciário. A remoção pode ser feita por unidade de suporte básico. O paciente deve ser acomodado em leito de observação e recomendam se jejum, reposição de fluidos e antitérmicos. Em nível terciário será realizada avaliação de neurologista. Manejo clínico • Nos quadros de cefaleia de instalação súbita, (intensidade máxima da dor em < 1 minuto), sem história de febre, e/ou associada a outros sinais de alerta, o médico do setor de urgência deverá acionar a Central de Regulação para encaminhar o paciente imediatamente ao hospital terciário. No setor de urgência, iniciar medidas de suporte: manter jejum, acomodar o paciente em leito de observação, proteger vias aéreas, prover oxigênio, se necessário, e disponibilizar acesso venoso periférico. Em nível terciário deverá ser feita avaliação pelo especialista (neurologista e, em alguns casos, neurocirurgião). Outra fonte Tratamento da cefaleia no setor de emergência Como já mencionado, a maioria dos pacientes com cefaleia que procuram o setor de emergência tem enxaqueca (migrânea). Para os casos de cefaleia leve sem náuseas, são recomendados antiinflamatórios não esteroides (AINEs) orais e/ou triptanas como tratamento de primeira linha (ver na Tabela 54.3 informações posológicas detalhadas). Casos de cefaleia mais intensa associada ou não a náuseas podem ser tratados com hidratação venosa com uma dose única de antagonista de receptor de dopamina como clorpromazina (25 a 50 mg), proclorperazina (10 a 25 mg), prometazina (25 a 50 mg) ou metoclopramida (5 a 10 mg), ambos com propriedades antieméticas e antinociceptivas. Os pacientes devem ser monitorados em relação ao desenvolvimento de acatisia ou outros efeitos colaterais extrapiramidais (sobretudo com o uso de proclorperazina e metoclopramida), que podem ser tratados ou prevenidos com a administração concomitante de difenidramina IV. Ácido valproico IV (10 a 15 mg/kg) também pode ser considerado para o tratamento de migrânea intensa. Todavia, um estudo mostrou menor eficácia que a monoterapia com metoclopramida ou cetorolaco. O uso de ácido valproico deve ser evitado em gestantes e realizado com cautela em mulheres em idade fértil, bem como em pessoas com hepatopatias ou distúrbios do ciclo de ureia. O acréscimo de dexametasona IV (4 a 10 mg) comprovadamente reduz a recorrência de cefaleia com um número necessário para tratar (NNT) de 10 quando a dexametasona é administrada antes da alta do setor de emergência. Para a dor refratária pode ser útil administrar di-hidroergotamina (DHE), na dose de 1 mg por via intravenosa/intramuscular/subcutânea. De modo geral, um ciclo de 3 a 5 dias é mais efetivo do que uma infusão única. As contraindicações incluem gravidez, hipertensão arterial não controlada, história pregressa de doença coronariana (DC), doença vascular cerebral ou doença vascular periférica grave, porfiria aguda, doença de Raynaud e uso de triptana ou ergot nas 24 h precedentes. Uma infusão intravenosa contínua de lidocaína (1 a 4 mg/min) durante 7 a 10 dias, sob monitoramento cardíaco, pode ser prescrita para os pacientes com cefaleia refratária que não podem receber DHE pelos motivos 22 Tutoria 2 mencionados. A recorrência de cefaleia após a alta do setor de emergência é extremamente frequente, ocorrendo em cerca de 75% dos pacientes nas primeiras 48 horas após a alta. Assim, é necessário acompanhamento ambulatorial cuidadoso. Naproxeno (500 mg VO) e/ou sumatriptana (100 mg VO) na hora de dormir são opções úteis como terapia abortiva por ocasião da alta do setor de emergência para evitar enxaqueca recorrente. O tratamento agudo de cefaleia em salvas inclui oxigênio a 100% via máscara com válvula unidirecional (10 a 12 ℓ/min durante 15 a 20 minutos) e/ou sumatriptana (6 mg SC). Outras opções são sumatriptana intranasal (20 mg) ou zolmitriptana (5 mg) ou di- hidroergotamina (DHE) por via intramuscular ou intravenosa. Hemicrania paroxística (HP) e hemicrania contínua (HC) respondem muito bem à indometacina VO, que pode ser iniciada em uma dose de 25 mg 3 vezes/dia durante 5 a 7 dias e, se não houver resposta, essa dose pode ser aumentada para 50 mg 3 vezes/dia durante mais 5 a 7 dias e, se necessário, para 75 mg 3 vezes/dia. Uma dose intramuscular de 100 mg de indometacina pode ser útil para confirmar o diagnóstico de HP ou HC, todavia, essa formulação não é comercializada atualmente nos EUA. Já a cefaleia neuralgiforme uniforme de curta duração com congestão conjuntival e lacrimejamento (SUNCT, short-lasting unilateral neuralgiform headache with conjunctival tearing and injection) ou a cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração com sintomas autonômicos cranianos (do inglês, SUNA, short-lasting unilateral neuralgiform headache with cranial autonomic symptoms) que não respondem às terapias orais (como lamotrigina) podem exigir um ciclo curto de lidocaína intravenosa (1 a 4 mg/min) sob monitoramento cardíaco. Um dos desafios da padronização do tratamento da cefaleia no setor de emergência é que aproximadamente 50% desses casos não se encaixam nos critérios da IHS, suscitando preocupação em relação à validade externa dos estudos no setor de emergência. O tratamento deve ser ajustado às características da cefaleia, às manifestações associadas e às comorbidades clínicas do paciente. 4. Estudar o tratamento não farmacológico, alternativo e cirúrgico das cefaleias primária; Tratamento não farmacológico da migrânea Com frequência, a migrânea pode ser controlada, pelo menos em parte, por uma variedade de abordagens não farmacológicas. Muitos beneficiam-se com a identificação de deflagradores específicos da cefaleia, evitando-os. É importante um estilo de vida regular, incluindo uma dieta saudável (com horários regulares para se alimentar), exercícios, padrões rotineiros de sono, evitar o consumo excessivo de cafeína e de álcool e reduzir ao máximo alterações agudas nos níveis de estresse (p. ex., por meio de biofeedback, meditação ou ioga). As modificações no estilo de vida que são efetivas para reduzir a frequência das cefaleias devem ser mantidas de modo rotineiro, visto que proporcionamuma abordagem simples e custo-efetiva para o manejo da migrânea. Se essas medidas não conseguirem evitar uma crise, há necessidade, então, de medidas farmacológicas abortivas. Terapia de neuroestimulação para tratamento da cefaleia em salvas Quando os tratamentos médicos fracassam na cefaleia em salvas crônica, pode-se considerar o uso de estratégias de neuroestimulação. A estimulação cerebral profunda da região da substância cinzenta hipotalâmica posterior demonstrou ter sucesso em uma proporção substancial de pacientes; todavia, em virtude de sua morbidade e possível mortalidade, não é recomendada antes do uso de abordagens menos invasivas. Foram também relatados resultados favoráveis com a abordagem menos invasiva de estimulação do nervo occipital e estimulação do gânglio pterigopalatino, bem como com um estimulador do nervo vagal não invasivo. Tratamento cirúrgico para Enxaqueca Crônica 23 Tutoria 2 A cirurgia da enxaqueca grave pode reduzir a irritação e a compressão dos nervos-gatilho, corrigindo o tecido ao redor dos nervos ou bloqueando os sinais de dor. Existem diferentes tratamentos cirúrgicos para a enxaqueca: liberação do nervo e bloqueio da dor. • Liberação do nervo: O tecido ao redor de um nervo – o músculo, a gordura ou outras estruturas – pode colidir ou comprimir o nervo e provocar a dor da enxaqueca. Uma vez que vários nervos diferentes podem ser ativados, existem vários tipos diferentes de cirurgias corretivas. A cirurgia que pode funcionar para você depende de muitos fatores, como a localização dos seus gatilhos pessoais e da dor; • Uso de Neuroestimuladores: Eletrodos minúsculos que “anulam” os sinais de dor. Os eletrodos são colocados cirurgicamente sob a pele, circundando o nervo-gatilho. Eles são conectados por fio a uma bateria, também sob a pele. Os eletrodos estimulam suavemente o nervo, mantendo- o ocupado e evitando que os sinais mais fortes de dor cheguem ao cérebro; • Bloqueio nervoso: Ao contrário de outras cirurgias de enxaqueca, este procedimento não é necessariamente permanente. É simplesmente uma injeção de anestésico local e um esteróide diretamente no nervo. O anestésico bloqueia os sinais de dor por um período de tempo e o esteróide atua para “acalmar” o nervo irritado, às vezes, eliminando a necessidade de tratamento adicional. Como a injeção no nervo é dolorosa, os bloqueios do nervo são realizados sob anestesia. A Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) vem por meio deste posicionar-se em relação à cirurgia de enxaqueca, procedimento criado pelo cirurgião plástico americano Bahman Guyuron e que tem sido divulgado nos últimos meses nos meios de comunicação no Brasil. A premissa da técnica de Guyuron é que nos pacientes portadores de Enxaqueca Crônica existem quatro sítios que funcionam como triggers sites da cefaleia (dor de cabeça), estes incluem: frontal, temporal, occipital e sítio rinogênico. Guyuron sugere que existe um componente muscular e um componente vascular nestas regiões. O componente vascular (vasodilatação) comprime o nervo e produz a dor (no complexo veia-artéria-nervo), já o componente muscular, contraído principalmente nos sítios onde os nervos atravessam o músculo, também conhecido como foramens, promove a dor. Existem inúmeros trabalhos científicos, muitos com metodologia deficiente, outros com metodologias mais atrativas. Opiniões, inclusive do professor Rami Burstein (referência mundial no âmbito da fisiopatologia da enxaqueca), em um artigo mostra uma série de sete pacientes, alguns com melhora na cefaleia pós traumática e cefaleia persistente diária desde o início e alguns pacientes sem resposta (enxaqueca crônica), inclusive ele nos comentários questiona se funciona ou não, devendo ser aplicado ainda em estudos experimentais. Uma força tarefa da Sociedade Americana para o Estudo das Cefaleias se pronunciou em relação ao tema da seguinte maneira: “Não recomende a desativação cirúrgica dos pontos desencadeantes de enxaqueca fora de um ensaio clínico. O valor dessa forma de "cirurgia de enxaqueca" ainda é uma questão de pesquisa. Estudos observacionais e um pequeno estudo controlado sugerem um possível benefício. No entanto, grandes ensaios clínicos multicêntricos, randomizados e controlados, com acompanhamento a longo prazo, são necessários para fornecer estimativas precisas da eficácia e dos danos da cirurgia. Os efeitos a longo prazo são desconhecidos, mas potencialmente preocupantes. https://victorbarboza.com.br/cirurgia-para-enxaqueca/ 24 Tutoria 2 Os membros pensaram que esse termo facilitaria para médicos e pacientes reconhecerem os procedimentos em questão. A ideia de uma “solução” cirúrgica para enxaqueca é inerentemente atraente para os pacientes. Interesse em abordagens cirúrgicas para enxaqueca tem sido motivada por melhora acidental nas dores de cabeça observada em pacientes submetidos a vários procedimentos cirúrgicos de “rejuvenescimento da testa”. Estes procedimentos são baseados na premissa de que a contração músculos faciais ou outros músculos colidem com os ramos do nervo trigêmeo. Os procedimentos envolvidos são frequentemente referidos coletivamente como "cirurgia de desativação da enxaqueca", embora vários locais e procedimentos cirúrgicos sejam envolvidos. Estes incluem ressecção do corrugador do supercilio com a colocação de enxertos de gordura no lugar, procedimentos de “liberação temporal”, envolvendo dissecção da área glabelar, a transecção do ramo temporal zigomático do nervo trigêmeo e ressecção do músculo semispinalis capitus com colocação de enxertos de gordura na área com o objetivo de redução da pressão no nervo occipital. Finalmente, alguns cirurgiões também realizam septoplastia nasal ou tentativa de abordar possíveis pontos-gatilhos intranasais. Porque a decisão sobre qual procedimento cirúrgico executar é geralmente feito individualmente, é difícil estudar objetivamente os resultados de quando a cirurgia inicial não for bem sucedida. Os pacientes podem passar por procedimentos adicionais para desativar outros pontos de gatilho. Os pacientes são frequentemente selecionados para cirurgia com base na melhora das dores de cabeça com a injeção de OnabotulinumtoxinA e/ou bloqueio do nervo occipital, na teoria de que a resposta a esses procedimentos temporários é prova de nervo impactado. No entanto, existem evidências limitadas para apoiar que tal cirurgia é eficaz ou segura. Vários estudos randomizados foram realizados, mas essas séries apresentam deficiências metodológicas. Além disso, a maioria dos estudos na literatura foi realizada pelo mesmo grupo de proponentes cirúrgicos e publicado em um único periódico de subespecialidade. Apesar da falta de evidências de boa qualidade sobre o equilíbrio de benefícios e malefícios dos tratamentos cirúrgicos enxaqueca, os procedimentos estão se tornando mais comuns. Uma pesquisa recente com membros da Sociedade de Cirurgiões Plásticos descobriu que 18% dos entrevistados realizaram cirurgia de enxaqueca. Sessenta por cento dos que não realizaram a cirurgia disseram que "estariam interessados se um paciente for encaminhado a eles por um neurologista”. A Sociedade Americana para o Estudo das Cefaléias emitiu uma declaração exortando “pacientes, profissionais de saúde e os próprios especialistas em tratamento de enxaqueca, para que tenham cuidado ao recomendar ou procurar tais terapias”. Essa afirmação continuou dizendo “Em nossa opinião, cirurgia para enxaqueca é uma opção de último recurso e é provavelmente não apropriada para a maioria dos pacientes. Até a presente data, não há dados convincentes ou definitivos que mostrem seu valor a longo prazo. Além de substituir o uso de tratamentos mais adequados, a intervenção cirúrgica também pode produzir efeitos colaterais que não são reversíveis e arcar com os riscos associados a qualquer cirurgia. Também pode ser extremamente caroe pode não ser coberto por seguro”. Porque o valor da cirurgia de enxaqueca é ainda incerto, o AHS e a Força Tarefa acreditam que os pacientes devem se submeter a esse tratamento apenas no contexto de procedimentos em ensaios clínicos que visam desenvolver evidências de boa qualidade sobre os danos e benefícios do tratamento. 5. Relacionar o estado emocional com o aparecimento de cefaleias. 25 Tutoria 2 A psicologia médica integra as atividades somáticas e psíquicas mediante o conceito de personalidade. Isso facilitará ao médico a compreensão da problemática que o homem enfermo lhe proporciona diariamente na clínica, já que ele é o autor e o ator da própria vida. O psiquismo não se restringe somente ao cérebro nem somente ao sistema nervoso. Não se trata de que aconteçam fenômenos puramente biofísicos e bioquímicos no sistema nervoso, e que ao chegar a determinadas regiões “superiores” do cérebro aconteça o fenômeno psíquico. A função do sentir psíquico envolve todas as funções e estruturas bioquímicas e biofísicas do organismo. O homem cujo corpo adoece tem o psiquismo alterado de alguma forma. Por outro lado, o homem que tem conflitos intrapsíquicos, leva repercussões para seu corpo. Os fatores psicossociais estressantes influenciam diretamente a saúde, assim como os eventos de vida: viuvez, morte de uma pessoa querida, sentimento de perda, divórcio, luta, separações, perda de emprego, perda do status socioeconômico, angústia das dúvidas, desmoronamentos de projetos de vida, competitividade, etc. Os estresse é sentido por respostas centrais e periféricas para aumentar a capacidade de o organismo equilibrar a homeostase e aumentar as chances de sobrevivência, No aspecto central, há facilitação das sinapses neurais originando vigilância, aumento da cognição, atenção e agressividade com consequente inibição das funções vegetativas como fome e sexualidade. As alterações periféricas ocorrem para promover um redirecionamento adaptativo de energia, com maior aporte de oxigênio e nutrientes para o sistema nervoso central e partes do organismo sob estresse – ocorre aumento do tônus vascular com aumento na pressão arterial e frequência cardíaca e respiratória, gliconeogênese, e lipólise para aumentar a disponibilidade de substâncias vitais. No contexto do estudo e compreensão das cefaléias, é importante conhecer o mecanismo de estresse e suas conseqüências especificamente para os sistemas: • Sistema metabólico e cardiovascular – nas situações de estresse crônico, depressão e hostilidade existe o aumento do risco de cardiopatia coronariana, hipertensão arterial crônica e aumento do índice da musculatura do ventrículo esquerdo e progresso da aterosclerose, aumento da reatividade do sistema plaquetário e de fibrinogênio com aumento do risco para o infarto de miocárdio. • Cérebro – o estresse repetido afeta a função cerebral especialmente no hipocampo que tem alta concentração de receptores de cortisol. Essa região é responsável por funções de memória de evocação e fixação quanto contexto, época e local do evento, e conseqüente prejuízo na confiabilidade e acurácia da memória, e refletindo na alta regulação do eixo HHA ao estresse com inibição. Inicialmente, o estresse aumenta a secreção de cortisol que suprime o mecanismo de memória recente no hipocampo e lobo temporal, sendo reversível e de curta duração. Posteriormente, o estresse repetido causa a atrofia dos dendritos dos neurônios piramidais por um mecanismo envolvendo neurotransmissores excitatórios tipo glicocorticóides e aminoácidos tipo glutamato liberados durante o estresse com maior aporte de cálcio. Essa atrofia é reversível se o estresse for por curto período, mas se a duração for de meses, ou anos, pode destruir os neurônios hipocampais. • Sistema imune – o aumento dos efeitos imunes ao estresse agudo dependerá da secreção adrenal e dura de três a cinco dias. Ocorre mobilização de células de defesa para os locais de estresse, com formação de memória imunológica. Se a memória imunológica for para patógenos ou células tumorais, o resultado é benéfico, mas se a memória imunológica levar a uma resposta auto-imune ou alérgica, o estresse provavelmente exacerbará o estado patológico. Quando o estresse é cronicamente repetido o 26 Tutoria 2 desfecho é diferente, com inibição da resposta de hipersensibilidade causando acentuação da gravidade de doenças comuns, por exemplo o resfriado. • Sociedade humana – as graduações de saúde entre as faixas socioeconômicas se relacionam a vários fatores de risco distribuídos heterogeneamente na sociedade. Em sociedades mais instáveis, a instabilidade social e conflito aceleram o processo patofisiológico com aumento da morbidade e mortalidade. Nos indivíduos com cefaleia, a consequente tensão muscular pelo espasmo teria a finalidade de manter reprimida a pressão interna dos impulsos que procuram descarga motora. O que diferencia um indivíduo para outro é a intensidade da repressão, a escolha da musculatura lisa ou estriada, e isso se dá pela constituição e ambiente dos primeiros anos de vida. A localização dos sintomas depende de fatores fisiológicos e psicológicos, o qual é determinado pelo mecanismo de defesa utilizado. Estudos de literatura sobre variáveis psíquicas apontam a raiva, hostilidade, ansiedade e depressão como presente em indivíduos sofredores de cefaleia. Essas características manifestam-se fisiologicamente em alterações circulatórias funcionais: o coração bate rápido na raiva e no medo, dá a impressão de pesado quando a pessoa está triste. A essência dos aspectos afetivos representa-se em reações vagotônicas e simpaticotônicas, e manifesta-se como aceleramento do pulso. A facilitação somática não reside no coração, e sim no sistema nervoso vegetativo e os respectivos sistemas de controle químicos e centrais. O conteúdo dos conflitos mais importantes dessas personalidades com irritabilidade crônica do coração e do aparelho circulatório é mais tipicamente consequência da agressividade consciente e medo da retaliação (perda, abandono). Há correspondência no fato de as pessoas que bloqueiam a descarga externa de suas emoções serem predispostas à reação dentro do aparelho circulatório e ao fato de este ser um sistema fechado e sem possibilidade de introjeção ou descarga. As reações vasomotoras gerais (enrubescimento, empalidecimento, desmaio, tonturas), associadas a certos fenômenos musculares distônicos também são comuns a quase todas as cefaleias com mecanismos psíquicos.
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