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RESUMO – 7º PERÍODO OSTEOARTRITE Sociedade Brasileira de Reumatologia, 2019 CONCEITO A osteoartrite (OA) é a mais frequente entre as artrites, sendo causa importante de incapacitação decorrente de dor e/ou destruição articular, com grande custo pessoal e social. • Admite-se atualmente ser a OA uma doença inflamatória, com progressão, na maioria das vezes, lenta e persistente, afetando a articulação como um todo. • As lesões decorreriam de fenômenos inflamatórios, mecânicos e genéticos, afetando a cartilagem articular, osso subcondral, ligamentos, meniscos dos joelhos e também músculos, além de alterações estruturais que podem levar à destruição articular, motivando indicação de artroplastia. Não há causa definida para a OA, mas há fatores considerados desencadeantes e/ou agravantes que influem decisivamente no quadro clínico, evolução e prognóstico da doença. EPIDEMIOLOGIA A rigor, não se tem dados de OA em pacientes assintomáticos, o que impossibilita estimar a prevalência de OA subclínica, sendo o diagnóstico feito quando surgem sintomas ou em investigação por imagem. • Dados mundiais apontam prevalência de OA sintomática dos joelhos, uma das formas mais comuns, com confirmação radiológica, estimada em 3,8%, sendo quase duas vezes maior em mulheres (4,8%) que em homens (2,8%), com pico aos 50 anos de idade. • Um estudo realizado no Brasil encontrou prevalência de 4,1% de OA de joelhos. As juntas mais frequentemente acometidas, além de quadril e joelhos, são as das mãos, com predileção pelas interfalangeanas distais e proximais e da base do polegar, coluna cervical e lombar e as primeiras metatarsofalangeanas (“joanetes”). O fato de ser diagnosticada apenas quando sintomática sugere que a prevalência é subestimada. • A prevalência aumenta após os 50 anos, e um estudo sueco estimou em 40% a de OA dos joelhos na faixa dos 75 a 84 anos de idade. S • eu impacto social é muito alto, sendo responsável por mais de 90% das indicações de artroplastia do quadril e joelho. PATOLOGIA A cartilagem articular (hialina) é um tecido avascular e aneural que propicia uma superfície lisa e suave que recobre o osso subcondral, presente em articulações diartrodiais. Os condrócitos são as principais células na cartilagem, estando imersos em matriz extracelular composta sobretudo por água, colágeno predominantemente do tipo II e proteoglicanos. • O ácido hialurônico é outro glicosaminoglicano que se agrega ao colágeno e ao agrecano da matriz, compondo uma estrutura tridimensional polissulfatada e hidratada cuja integridade é fundamental para a função da cartilagem articular. Há lenta renovação de proteoglicanos, e o colágeno tem ainda mais baixo turnover. A renovação da matriz depende, em parte, da atividade de enzimas específicas, como colagenase e agrecanase, que são metaloproteinases (MMP), cuja ativação é regulada por fatores tissulares inibidores de MMP (TIMP). • O processo patológico na cartilagem da OA se desencadeia, pelo menos em parte, por alteração dessa homeostase, motivada principalmente por fatores mecânicos e inflamatórios, levando à desorganização da matriz. • A rigor, há neoformação da matriz da cartilagem na OA, que pode levar à formação de osteófitos, que são estruturas de cartilagem calcificada que não cumprem função fisiológica, coexistindo com áreas de degradação com redução de matriz. Em estados avançados, percebe-se áreas de fissuras e erosões extensas, podendo expor o osso subcondral, ao lado de segmentos de intensa atividade metabólica na cartilagem remanescente. • No osso subcondral, inicialmente, há aumento da densidade óssea, por neoformação, chamada à radiologia de esclerose. • Tecidos subjacentes como a cápsula articular e ligamentos, que sofrem estiramento por tração e edema, também são envolvidos, bem como a musculatura periarticular. • Esse envolvimento panarticular na OA levou ao entendimento de afetar um órgão, representado pelo conjunto das estruturas de uma junta, diferente do pensamento pregresso de ser essa uma “doença da cartilagem”. Condrócitos da cartilagem na OA, particularmente em áreas próximas ao líquido sinovial, proliferam e podem formar agregados. • Esse aparente “esforço” do condrócito em restaurar a cartilagem, possivelmente em resposta a fatores de crescimento liberados localmente, não supre a necessidade de reparação tecidual, de sorte que a doença pode progredir, havendo apoptose dessas células. • Alterações do osso subcondral, precedendo ou acompanhando mudanças na cartilagem, parecem importantes na fisiopatologia da OA, pelo menos no caso dos joelhos. • Entretanto, danos aos meniscos e sinovite precedem em até dois anos o surgimento de OA clínica dos joelhos, revelando papel ativo dos meniscos na fisiopatologia da OA, para além de seu fator de desestabilização mecânica quando lesionado. o Na sinovite, há infiltrado de linfócitos e macrófagos e hiperplasia dos sinoviócitos compondo a inflamação local, que em parte justifica o nome osteoartrite. • Deposição de cristais de pirofosfato de cálcio e de fosfato básico de cálcio, bem como fragmentos de cartilagem degradada, pode estimular a produção de mediadores inflamatórios, contribuindo para início e perpetuação de um lento, mas progressivo processo a lesionar os tecidos articulares. o Essas alterações são descritas particularmente para a OA dos joelhos e quadril. o Na OA das mãos, há ainda componente erosivo, sugerindo mecanismos distintos a regular esses processos, acometendo diferentes sítios. FATORES DE RISCO → Há agregação familiar na OA das mãos e também na dos joelhos, sugerindo fator genético. → Lesão articular associada a esforço, dano ao menisco, trauma prévio, lesão ligamentar, malformações como displasia do quadril e doença de LeggPerthes implicam fatores mecânicos no desencadeamento de OA. → Uma vez que o envelhecimento se associa a danos estruturais e à sarcopenia, promovendo sobrecarga articular, direta ou indiretamente a senescência se associa à OA, criando- se um círculo vicioso em que a fragilidade do aparelho musculoligamentar por esforço, lesão e/ou sedentarismo, somado ao envelhecimento, propicia dano à estrutura articular e desenvolvimento de OA. → Não menos importante é a sobrecarga causada por excesso de peso, seja pelo fator mecânico, a impor maior desgaste às estruturas articulares, seja por mediadores inflamatórios, como adipocinas, produzidas no tecido adiposo, que potencializam a inflamação local. o Essa liberação de mediadores pode se disseminar, promovendo componente sistêmico. De fato, indivíduos com OA de joelhos têm progressivo aumento não aleatório no número de juntas doloridas, predominando OA dos ombros após aparecimento dessa doença no joelho. DOR NA OSTEOARTRITE A dor na OA certamente não provém da cartilagem, visto ser aneural. • Estruturas bem inervadas como ênteses, ligamentos e o osso subcondral podem ter seus nociceptores estimulados, quer por tração mecânica, quer por mediadores algogênicos como prostaglandina E2, liberada localmente. • Embora haja liberação intraarticular de citocinas próinflamatórias como interleucina (IL)1, IL6 e fator de necrose tumoral, além de espécies reativas de oxigênio/nitrogênio, citocinas não parecem se associar diretamente à dor nessa doença. • Estímulo no periósteo do osso subcondral, sensibilizado por fragilidade de ligamentos e músculos, e edema da medula óssea subjacente podem expor nociceptores locais, e a participação do sistema nervoso central ocorreria por ativação de vias aferentes nociceptivas medulares, com fenômeno de alodinia e hiperalgesia. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Diagnosticar geralmente não representa uma dificuldade no manuseio de pacientes com OA, particularmente quando acomete mãos e joelhos, podendo ser feito pela anamnese e exame físico,prescindindo até mesmo de radiografia simples, quando a apresentação clínica for clássica. → O caráter localizado, com tendência a dor mais acentuada em alguns pontos da articulação, exacerbada por movimento, além da ausência de sinais sistêmicos inflamatórios, sugere o diagnóstico de OA, embora possa ser confundida com doenças inflamatórias crônicas como artropatias microcristalinas, artrite psoriática e mesmo formas menos clássicas de artrite reumatoide. De fato, a osteofitose em joelhos de OA pode ser bem similar à da artrite psoriática, e doença por deposição de pirofosfato de cálcio pode ser causa de OA secundária. Problemas periarticulares, particularmente nos joelhos, como bursite anserina, cuja dor é próxima, mas não exatamente no joelho, ocorrem comumente em mulheres, com sobrepeso, piorando ao caminhar ou erguer-se, podendo ser confundidos com OA. A dor por OA no quadril acompanha- se de limitação da rotação interna, ao passo que dor na face lateral proximal da coxa e dor sacral, decorrentes respectivamente de bursite anserina e tendinite glútea, por exemplo, por vezes confundem o diagnóstico de OA do quadril ou da coluna lombar. Rigidez pós-repouso é incomum na OA, geralmente dura menos de 30 minutos, mas OA dos joelhos pode produzir dor na fossa poplítea após algum tempo sentado, fruto de acúmulo de líquido sinovial inflamatório ocasionando aumento da pressão local, como no caso dos cistos de Baker. O exame físico pode revelar deformidades, aumento de volume articular, calor local, crepitações e limitações ao movimento passivo da articulação, e deve-se avaliar possíveis instabilidades articulares decorrentes de fragilidade de ligamentos e/ou músculos. • Sensação de click ou “claudicação”, possivelmente associada à lesão meniscal, pode ocorrer na OA de joelho. • Varismo e valgismo dos joelhos, valgismo do hálux, desvio dos dedos das mãos com aumento de volume nas interfalangeanas distais (nódulos de Heberden) e proximais (nódulos de Bouchard) apontam para OA nessas juntas (Figura 1A). Essa é uma doença de longa evolução e insidiosa, de sorte que mudanças bruscas no quadro, como surgimento de dor noturna ou contínua, podem alertar para um quadro inflamatório intenso, como em neoplasias ou infecções, ainda que secundárias, e dor súbita em joelho ou quadril pode decorrer de osteonecrose local, mesmo em OA prévia. A OA dos ombros talvez seja mais subdiagnosticada que a de joelhos e quadril, buscando-se crepitações e limitação aos movimentos de rotação interna e externa, avaliando os músculos do manguito rotador, habitualmente comprometidos quando essa junta é sede de OA. O acometimento da coluna por OA é clássico e frequente, envolve articulações interapofisárias, entra no diagnóstico diferencial das síndromes dolorosas da coluna e pode até se associar com radiculopatia, o que motiva a realização de exame neurológico detalhado. DIAGNÓSTICO Exames laboratoriais específicos não são necessários para o diagnóstico da OA. • Entretanto, na avaliação do paciente como um todo, são fundamentais pelo menos hemograma e bioquímica completos, com dosagem de uricemia, medida da velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, exame de urina tipo I e radiografia do tórax, em parte pela associação da OA com senescência, obesidade, aterosclerose e dislipidemia, o que exige atenção a comorbidades para guiar a conduta. A análise do líquido sinovial é necessária quando há dúvida sobre artrite infecciosa (piogênica, micobacteriana ou fúngica), como em imunossuprimidos, ou microcristalina. Exames de imagem não são imprescindíveis na OA de joelhos, quando clássica, mas fundamentais na OA de mãos, quadril, pés e coluna, bem como quando atinge juntas menos comuns como tornozelos. • Habitualmente, há dissociação clínicoradiológica na OA, limitando seu uso para tomada de conduta (Figura 1B). • A radiografia simples pode revelar esclerose do osso subcondral, osteofitose, redução e desalinhamento do espaço articular, cistos e áreas de erosão (Figura 2). • A ultrassonografia pode mostrar derrame articular e edema sinovial, podendo eventualmente ser útil no diagnóstico diferencial. • A ressonância magnética é mais sensível em mostrar alterações precoces, como edema do osso subcondral e alterações meniscais, além de derrame articular mesmo leve e alterações da cartilagem. o Entretanto, geralmente não altera a orientação da conduta, não sendo recomendada solicitação na rotina. TRATAMENTO Há poucos estudos adequadamente realizados sobre tratamento da OA, e a maioria aborda OA dos joelhos, mas princípios comuns norteiam o tratamento para qualquer articulação. • Os objetivos incluem alívio sintomático e melhora da mobilidade, uma vez que não há estratégias que, de forma inequívoca, impeçam a progressão do dano estrutural à junta. Tratamento não farmacológico Considerando o papel de fatores mecânicos na fisiopatologia, deve-se evitar situações de agravamento, como subir escadas e exercícios que sobrecarreguem as articulações e provoquem dor. → Os pacientes devem ser orientados sobre exercícios e práticas saudáveis, estimulando-se a continuidade em domicílio, incorporando-os à rotina do paciente. → Há evidência de que palmilhas e bengalas reduzem dor e melhoram a mobilidade e o equilíbrio na OA de joelhos, reduzindo risco de quedas, que podem levar a fraturas. → Talas podem trazer algum benefício na OA de mãos, como quando afeta polegares. → Redução de peso com prática regular de exercícios físicos mostrou benefícios principalmente na OA dos joelhos, mas deve ser estimulada de forma geral. → O fortalecimento muscular ajuda no tratamento e prevenção da sarcopenia, sendo útil também para OA de coluna e quadril. → A melhora da força muscular pela prática rotineira de exercícios reduz o esforço em tendões e ligamentos e a sobrecarga à cartilagem e osso subcondral. → Exercícios na água, preferencialmente aquecida, são mais bem tolerados, aliviam a dor e ampliam a mobilidade, com baixo risco de trauma; é possível, inclusive, fortalecer músculos, com carga crescente, sob orientação e acompanhamento médico. → Exercícios de alongamento per se não demonstraram benefício, mas são habitualmente incluídos no início de atividade física. Considerando que o envelhecimento está associado à piora da força muscular, prática de exercícios é recomendada não apenas para alívio de sintomas, mas para prevenir dano às juntas, decorrente de esforço físico sob musculatura frágil. • Individualizar os exercícios e orientar para a manutenção e adesão a longo prazo são talvez as maiores dificuldades na implementação dessas práticas. • Especificamente em relação à OA dos joelhos, o uso de joelheiras com bandagens ajustáveis com o intuito de corrigir ou minimizar varismo ou valgismo traz conforto na caminhada e pode reduzir a dor. • Aplicação de calor ou gelo local, dependendo da preferência do paciente, pode ser feita envolvendo completamente o joelho ou, no caso de dor na face medial, sobre o(s) local(is) mais doloroso(s). Não há estudos bem conduzidos atestando eficácia, mas é possível que, aplicados repetidas vezes durante o dia, os meios físicos minimizem a dor, facilitando a realização de tarefas diárias e exercícios de fortalecimento da musculatura. o A rigor, o grande elemento nessas medidas é a rotina de exercícios físicos, que melhora a força muscular e reduz a sobrecarga à junta. o O empenho do médico na adoção de condutas não farmacológicas, envolvendo orientação dietética, órteses e exercícios específicos para cada paciente tanto quanto na prescrição de medicamentos, pode ser um fator de grande estímulo à sua adesão. Tratamento farmacológico Analgesia – efeito antiinflamatório • Paracetamol (2g/d) - acetominofeno Antiinflamatório não esteroidal (AINE) tópico pode aliviardor com baixo risco de eventos adversos, embora com pequeno tamanho de efeito. Usar após aplicação de meios físicos locais pode potencializar sua eficácia. • Celecoxibe (máximo de 200 mg/d), Naproxeno (máximo de 1 g/d) ou Ibuprofeno (máximo de 2,4 g/d). • Associar a IBP. Infiltrações articulares de corticosteroides são prática comum, a despeito de controvérsias na literatura, com grande variabilidade na resposta individual, produzindo alívio da dor e do desconforto para deambular por, em média, três semanas. O uso de opioides fracos pode ser feito em pacientes com dor refratária a AINE e corticoide intraarticular, existindo preparações com associação de paracetamol e codeína. Condroprotetores Não há, de forma inequívoca, medicamentos que tenham demonstrado eficácia no dano estrutural da OA, mesmo em joelhos. • Protocolos recentes mostraram que a associação de sulfato de glucosamina e sulfato de condroitina reduziu a perda de espaço articular medida por radiografia em pacientes com OA de joelhos e teria preservado a cartilagem avaliada por ressonância magnética, comparada ao uso de placebo. • Ainda, sua administração mostrou analgesia em OA de joelhos não inferior à de 200 mg de celecoxibe. RESUMO FATORES DE RISCO • Idade • Mulher • Meia idade • Obesidade – sobrepeso e inflamação • Lesões QUADRO CLÍNICO • Dor em articulações (geralmente joelhos, quadris, coluna lombar e cervical, dedos do pé e mãos); • Raramente tem rigidez matinal (se tiver, é menor que 30 min); • Piora ao exercício/movimento; • Ausências de sinais inflamatórios. • Ao exame físico apresenta deformidades, aumento de volume articular, calor local, crepitações e limitações ao movimento passivo da articulação. • Aumento de volume nas interfalangeanas distais (nódulos de Heberden) e proximais (nódulos de Bouchard). DIAGNÓSTICO • Clínico, mas pode dispor de exames de imagem como RX e USG. TRATAMENTO • Droga inicial: Paracetamol (acetominofeno) em doses altas. • Se não houver melhora: AINES – Naproxeno. • Se dor refratária: Paracetamol + codeína. • Se não houver melhora do quadro: artroplastia.
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