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CASO CLÍNICO CBS, feminina, 10 anos, parda, previamente hígida, com quadro de vômitos e inapetência há três dias associados a dor periumbilical leve que evoluiu para intensa há um dia, com piora do estado geral. Antecedentes pessoais: dor abdominal leve e intermitente há 20 dias. Antecedentes familiares: seis irmãos com quadro semelhante de dor abdominal recorrente. Exame físico inicial: regular estado geral, descorada 1+/4+, desidratada 2+/4+, anictérica, fácies de dor, apática, taquicárdica e taquipneica. Abdome plano, parede tensa, ruídos hidroaéreos diminuídos, dor intensa à palpação superficial e profunda difusamente, descompressão brusca dolorosa. Presença de pediculose. Exames laboratoriais iniciais: hemograma com leucocitose; amilase, lipase e desidrogenase lática elevadas. A tomografia computadorizada de abdome revelou pancreatite, sem anormalidades em fígado, vesícula biliar ou vias biliares. A conduta inicial foi internação em unidade de terapia intensiva, jejum, hidratação venosa, analgesia, monitorização, antibioticoterapia e Ivermectina. Durante a internação, a paciente eliminou grande quantidade de Ascaris lumbricoides através dos vômitos e evacuações, sendo iniciado tratamento com Albendazol por cinco dias. Evoluiu com estabilidade clínica e hemodinâmica, bom estado geral, recebendo alta hospitalar no 13° dia de internação. INTRODUÇÃO Na Família Ascarididae, Subfamília Ascaridinae, são encontradas espécies de grande importância médico- veterinária representadas principalmente pelo Ascaris lumbricoides e A. suum, que parasitam, respectivamente, o intestino delgado de seres humanos e de suínos. Esses helmintos são citados, com frequência, pela ampla distribuição geográfica e pelos danos causados aos hospedeiros. São popularmente conhecidos como lombriga ou bicha, causando a doença denominada por ascaridíase O A. lumbricoides é encontrado em quase todos os países do mundo e ocorre com frequência variada em virtude das condições climáticas, ambientais e, principalmente, do grau de desenvolvimento socioeconômico da população. MORFOLOGIA O estudo da morfologia deste parasito deve ser feito observando-se as fases evolutivas do seu ciclo biológico, isto é, o verme macho, a fêmea e o ovo. As formas adultas são longas, robustas, cilíndricas e apresentam as extremidades afiladas. MACHOS A boca, ou vestíbulo bucal, localizada na extremidade anterior, é contornada por três fortes lábios com serrilha de dentículos e sem interlábios. A boca, segue-se o esôfago musculoso e, logo após, o intestino retilíneo. A extremidade posterior fortemente encurvada para a face ventral é o caráter sexual externo que o diferencia da fêmea FÊMEAS A cor, a boca e o aparelho digestivo são semelhantes aos do macho. Apresentam dois ovários filiformes e enovelados que continuam como ovidutos, diferenciando em úteros que vão se unir em uma única vagina, que se exterioriza pela vulva, localizada no terço anterior do parasito. A extremidade posterior da fêmea é retilínea. OVOS Originalmente são brancos e adquirem cor castanha devido ao contato com as fezes. São grandes, ovais e com cápsula espessa, em razão da membrana externa mamilonada, secretada pela parede uterina e formada por mucopolissacarídeos. Essa membrana facilita a aderência dos ovos a superfícies propiciando sua disseminação Há grande resistência às condições adversas do ambiente. Internamente, os ovos apresentam uma massa de células germinativas. Frequentemente podem-se encontrar nas fezes ovos inférteis. São mais alongados, possuem membrana mamilonada mais delgada e o citoplasma granuloso. BIOLOGIA HABITAT Em infecções moderadas, os vermes adultos são encontrados no intestino delgado, principalmente no jejuno e no íleo, mas, em infecções intensas, ocupam toda a extensão do órgão. Podem ficar presos à mucosa, com auxílio dos lábios, ou migrarem pela luz intestinal. CICLO BIOLÓGICO É do tipo monoxênico, isto é, possuem um único hospedeiro. A primeira larva (L l) formada dentro do ovo é do tipo rabditoide, isto é, possui o esôfago com duas dilatações, uma em cada extremidade e uma constrição no meio. Após uma semana, ainda dentro do ovo, essa larva sofre muda transformando-se em L2 e, em seguida, nova muda transformando-se em L3 infectante com esôfago tipicamente filarioide (esôfago retilíneo). Estas formas permanecem infectantes, dentro do ovo, no solo, por vários meses podendo ser ingeridas pelo hospedeiro. Após a ingestão, os ovos contendo a L3 atravessam todo o trato digestório e as larvas eclodem no intestino delgado. A eclosão ocorre graças a fatores ou estímulos fornecidos pelo próprio hospedeiro, como a presença de agentes redutores, o pH, a temperatura, os sais e o mais importante, a concentração de CO2, cuja ausência inviabiliza a eclosão. As larvas, uma vez liberadas, atravessam a parede intestinal na altura do ceco, caem nos vasos linfáticos e na veia mesentérica superior atingindo o fígado entre 18 e 24 horas após a infecção. Em 2 a 3 dias chegam ao átrio direito pela veia cava inferior e 4 a 5 dias após são encontradas nos pulmões (ciclo de Loss). Cerca de 8 dias da infecção, as larvas sofrem muda rara L4, rompem os capilares e caem nos alvéolos, onde mudam para L5. Sobem pela árvore brônquica e traqueia, chegando até a faringe. Podem então ser expelidas com a expectoração ou serem deglutidas, atravessando ilesas o estômago e fixando-se no intestino delgado. Transformam-se em adultos entre 20 a 30 dias após a infecção. Em 60 dias alcançam a maturidade sexual, fazem a cópula e a ovipostura, quando são encontrados ovos nas fezes do hospedeiro. Os vermes adultos têm uma longevidade de 1 a 2 anos TRANSMISSÃO Ocorre pela ingestão de água ou alimentos contaminados com ovos contendo a larva L3. A literatura registra grande número de artigos que avaliam a contaminação das águas de córregos que são utilizadas para irrigação de hortas, de forma a levar à contaminação de verduras com ovos viáveis. Poeira, aves e insetos (moscas e baratas) são capazes de veicular mecanicamente ovos de A. lumbricoides A transmissão pode ocorrer, ainda, pela contaminação do depósito subungueal com ovos viáveis Ovos de A. lumbricoides têm grande capacidade de aderência a superfícies, o que representa um fator importante na transmissão da parasitose. Uma vez presente no ambiente ou em alimentos, não são removidos com facilidade por lavagens. Por isto, o uso de substâncias que tenham capacidade de inviabilizar o desenvolvimento dos ovos em ambientes e alimentos é de grande importância para o controle da transmissão. A resistência dos ovos de A. lumbricoides a vários agentes terapêuticos é outra característica importante na transmissão da doença PATOGENIA Deve ser estudada acompanhando-se o ciclo deste helminto, ou seja, as alterações produzidas pelas larvas e adultos. Em ambas as situações, a intensidade das alterações provocadas está diretamente relacionada com o número de formas presentes no hospedeiro. LARVAS Em infecções de baixa intensidade, normalmente não se observa nenhuma alteração. Por outro lado, infecções maciças podem determinar a ocorrência de lesões hepáticas e pulmonares. No fígado, quando são encontradas numerosas formas larvares migrando pelo parênquima, podem ser vistos pequenos focos hemorrágicos e de necrose que futuramente tornam-se fibrosados. Nos pulmões, ocorrem vários pontos hemorrágicos na passagem das larvas para os alvéolos. Há edemaciação dos alvéolos com infiltrado inflamatório por polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos. Dependendo do número de formas presentes, a migração das larvas pelos alvéolos pulmonares podedeterminar um quadro pneumônico com febre, tosse, dispneia, manifestações alérgicas, bronquite e eosinofilia. A conjunção de sintomatologia das vias respiratórias é denominada síndrome de Lõeffler. Na tosse produtiva (com muco), o catarro pode ser sanguinolento e apresentar larvas do helminto Nessa fase da infecção, a resposta imunológica é normalmente caracterizada pelo aumento de eosinófilos sanguíneos e teciduais, bem como anticorpos IgE específicos, responsáveis por reações de hipersensibilidade VERMES ADULTOS Em infecções com três a quatro vermes, em geral não há alterações clínicas e os sintomas quando ocorrem são inespecíficos. Já nas infecções médias, 30 a 40 vermes, ou maciças, 100 ou mais vermes, podem ocorrer: I: AÇÃO ESPOLIADORA Os vermes consomem grande quantidade de proteínas, carboidratos, lipídeos e vitaminas A e C, levando o paciente, principalmente crianças, à subnutrição e depauperamento físico e mental II: AÇÃO TÓXICA A reação entre antígenos parasitários e os anticorpos alergizantes do hospedeiro causam edema, urticária e convulsões. III: AÇÃO MECÂNICA Os vermes causam irritação na parede intestinal e podem enovelar-se na luz, levando à obstrução. LOCALIZAÇÃO ECTÓPICA Nos casos de pacientes com altas cargas parasitárias ou ainda em que o verme sofra alguma ação irritativa, a exemplo de febre, uso impróprio de medicamento e ingestão de alimentos muito condimentados, o helminto desloca-se de seu hábitat normal atingindo locais não habituais. Aos vermes que fazem esta migração dá- se o nome de “áscaris errático”. A literatura registra um número de situações ectópicas que podem levar o paciente a quadros graves necessitando algumas vezes de intervenção cirúrgica: I: Apêndice cecal, causando apendicite aguda; II: Duto colédoco, causando obstrução; III: Duto pancreático, causando pancreatite aguda; IV: Eliminação do verme pela boca e pelas narinas. É muito comum entre crianças o aparecimento de uma alteração cutânea, que consiste em manchas circulares disseminadas em rosto, tronco e braços. Tais manchas são popularmente denominadas de “pano”, e são comumente relacionadas com o parasitismo pelo A. lumbricoides. Parece que seriam causadas pelo parasito que consome grande quantidade de vitaminas A e C, provocando despigmentações circunscritas. Após a terapêutica e a eliminação do verme, as manchas tendem a desaparecer. DIAGNÓSTICO CLÍNICO Usualmente a ascaridiose humana é pouco sintomática, por isto mesmo difícil de ser diagnosticada em exame clínico LABORATORIAL O diagnóstico da Ascardíase é feito pela identificação de ovos nas fezes. Em fases precoces da infecção, ou seja, quando as larvas estão passando pelo pulmão, o exame de fezes é negativo. Portanto, os primeiros ovos só aparecem nas fezes cerca de 40 dias após a contaminação do paciente. Como as fêmeas eliminam diariamente milhares de ovos por dia, não há necessidade, nos exames de rotina, de metodologia específica ou métodos de enriquecimento, bastando a metodologia de sedimentação espontânea. O método de Kato modificado por Katz é recomendado pela Organização Mundial de Saúde para inquéritos epidemiológicos. Deve-se ressaltar que em infecções exclusivamente com vermes fêmeas, todos os ovos expelidos serão inférteis, enquanto em infecções som ente com vermes machos o exame de fezes será consistentemente negativo. Controle de cura: EPF 7, 14 e 21 dias após tratamento EXAME DE IMAGEM Caso de obstrução ou localização ectópica TRATAMENTO FORMA NÃO COMPLICADA I: Albendazol (ovicida, larvicida e vermicida) Contraindicado na gravidez; ação teratogênica; efeitos colaterais II: Mebendazol (95%) Contraindicado na gravidez; ação teratogênica; efeitos colaterais OBS: Em gestantes, uso de Albendazol e Mebendazol com Ascaris e Ancylostoma: dose única após 1 trimestre III: Ivermectina (85 a 100%) Contraindicado na gravidez; pacientes com alterações no SNC; efeitos colaterais; crianças abaixo de 5 anos FORMA COMPLICADA: OBSTRUÇÃO INTESTINAL Piperazina registro e Gastrografina (pediatria ambulatorial) CASOS DE OBSTRUÇÃO Em casos de obstrução biliar e pancreática, procede-se à retirada endoscópica dos vermes. Se houver falha, recorre-se à cirurgia. Obstrução intestinal: Jejum, Recuperar equilíbrio hidroeletrolítico, Sonda nasogástrica, Óleo mineral, Droga: gastrografina (diatrozoato de sódio e de meglumine) e Tratamento cirúrgico PROFILAXIA I: Medidas de educação em saúde: evitar as possíveis fontes de infecção, ingerir vegetais cozidos e lavar bem e desinfetar verduras cruas, higiene pessoal e na manipulação de alimentos; proteção dos alimentos contra insetos e poeiras II: Saneamento III: Tratamento dos doentes IV: Tratamento em massa das populações ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Importante helmintíase transmitida pelo solo: Ascaris lumbricoides (lombriga), Trichuris trichiura e ancilostomídeos (Necator americanus e Ancylostoma duodenale). Distribuição mundial; Doença tropical negligenciada Prevalência: ~ 1,5 bilhões de pessoas (30%); 70 a 90% das crianças entre 1 a 10 anos; Ásia (73%), África (12%) e América latina (8%) Associação a fatores socioeconômicos; hábitos de higiene; condições sanitárias; educação; clima tropical; densidade populacional Verminose mais frequente em países pobres Fatores que interferem na prevalência: I: Eliminação de grande quantidade de ovos (200.000) II: Sobrevivência dos ovos: até 1 ano peridomicílio III: Transmissão: água ou alimentos; poeira, aves e insetos IV: Habito de defecar no peridomicílio V: Saneamento precário VI: Temperatura e umidade ideal VII: Conceitos equivocados sobre transmissão e hábitos de higiene
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