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Tendências da Historiografia Contemporânea – CSO 707 – Terceira Sessão ESCOLA DE ANNALES: 1ª GERAÇÃO LUCIEN FEBVRE 20-07-1878 – 11-09-1956 MARC BLOCH 06-07-1886 – 16-06-1944 Escola Normal Superior Vidal de La Blache, Lévy-Bruhl, Meillet, Mâle, Michelet, Burckhardt Lévy-Bruhl, Meillet, Fustel de Coulanges, Durkheim Estudo sobre a relação entre a nobreza e a burguesia na Franche-Comté (séc. XVI), com ênfases na mentalidade de classe e na geografia (rivalidade com Ratzel) Estudo sobre a Île-de-France no período medieval, com ênfase nas questões geográficas e, principalmente sociológicas. HISTÓRIA PROBLEMA - HISTÓRIA TOTAL - INTERDISCIPLINARIDADE Duras críticas à “história tradicional” (Escola Metódica) ESTRASBURGO 1920-1933 Amizade e reuniões frequentes com Blondel, Halbwachs, Lefebvre, Le Bras e outros. Trabalhos sobre o Renascimento e as Reformas (dentre os quais se destaca uma biografia de Lutero), com foco nas classes, por meio da metodologia a geografia história e psicologia histórica. Visava explicações de cunho social para tais fenômenos históricos, em claras críticas aos tradicionais historiadores da arte, da literatura e da religião. Reis Taumaturgos (1924): Influenciado por diálogos com Blondel, Febvre e Frazer, destacou-se pela abordagem de longa duração, uso de psicologia religiosa (desdobrada do debate com a psicologia, sociologia e antropologia), pelo uso do conceito de “representações coletivas” de Durkheim, e pelo recurso à história comparada no estudo do rito de taumaturgia régia como fenômeno histórico da autoridade régia na França e na Inglaterra medievais/modernas. Criação dos Annales em 1929 Originalmente Annales d’histoire économique et sociale (passando por várias mudanças de título, até a atual Annales. Histoire, Sciences sociales), a revista foi fundada com um comitê editorial pluridisciplinar (com representantes da geografia, sociologia, economia, ciência política) e teve em seus primeiros anos a predominância da economia, vista como “cavalo de batalha” contra a política encarnada na história tradicional. Começava o processo de afirmação e institucionalização do grupo de Estrasburgo, reunindo suas pesquisas nas publicações da revista. Bloch e Febvre começaram a formar uma série de discípulos que levavam adiante o “espírito dos Annales”. “Atacou” ferozmente os historiadores empiristas entre 1930 e 1940. Foi transferido para o Collège de France, Paris, em 1933. Em um trabalho de psicologia histórica e linguística, levava à frente a “história das mentalidades” (semelhante à encontrada n’Os Reis Taumaturgos de Bloch) com o estudo O problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais, que não escapou de críticas pelas excessivas generalizações. Criou a VI Seção da Ècole Pratique des Hautes Études em 1947, “quartel general” dos institucionalizados Annales. Produziu uma obra com foco na história rural francesa, As características da história rural francesa, buscando, além das questões econômicas, a compreensão da psicologia (mentalidade) coletiva e das questões demográficas na Île- de-France entre os séculos XIII e XVII, em uma inovadora abordagem retrospectiva. Produziu também A Sociedade Feudal, espécie de síntese de sua obra acadêmica, abordando diversos temas recorrentes em seus estudos na longa duração, em uma proposta de história total. Acabou executado em 1944, prisioneiro na II Guerra Mundial. Os Annales, antes marginais no meio acadêmico francês, emergiram, sob a liderança de Febvre e apoio dos outros adeptos, como instância potencialmente hegemônica no establishment acadêmico do pós-Guerra. 2ª GERAÇÃO Maior expoente: Fernand Braudel (24-08-1902 – 27-11-1985) – Iniciando seus estudos em história diplomática em torno do reinado de Filipe II de Espanha no século XVI, teve sua perspectiva mudada por experiências de vida diversas: Foi Professor na Argélia (1923-1932) e no Brasil (1935-1937), teve contato com Febvre e com os Annales em seu retorno. Deu uma guinada em seus estudos, e simultaneamente influenciado por Febvre e Ratzel, produziu um trabalho no qual o mar mediterrâneo, na época de Filipe II, tornou-se objeto de pesquisa. Deu início ao que ficou conhecido como Geo-História. O MEDITERRÂNEO I – O homem e o ambiente – tempo geográfico, longuíssima duração, “quase imóvel”. II – Estrutura econômica/social – tempo social – longa duração III – História dos acontecimentos – tempo individual – curta duração Com ênfase nas questões do meio físico, produziu sua proposta por uma história total, deixando de lado a história das mentalidades, mesmo a antropologia e a sociologia tinham relevância “menor” em sua abordagem. Mas mantinha os preceitos de história-problema, história total, interdisciplinaridade e combate à história tradicional. Sua maior contribuição acabou sendo a introdução de noções renovadas e amplas a respeito do espaço e do tempo para os historiadores: ESPAÇO: Um mar como objeto principal: caiu em determinismo geográfico, apequenando os indivíduos como agentes históricos diante das grandes estruturas, nomeadamente, em seu caso, o meio geográfico. TEMPO: Ressaltou o papel do historiador como aquele que percebe as mudanças em todos os seus ritmos, mesmo os mais lentos, que guardariam os “segredos” dos movimentos mais acelerados. Homem forte dos Annales a partir do falecimento de Febvre (1956), continuou a produzir obras sob o mesmo modelo de “três andares”, das quais se destaca Civilização Material e o Capitalismo. Garantindo à revista e ao grupo prestígio internacional, atraiu estudantes de todo o mundo. Defendeu a perspectiva globalizante, por meio de uma história estruturalista, como a única capaz de explicar as mudanças históricas. Flertou com o marxismo em estudos econômicos, mas se afastou de historiadores que desejavam manter os estudos da psicologia histórica (Mandrou), ao reduzir esferas do real como as mentalidades, a cultura e a política a reflexos das grandes estruturas, principalmente as geográficas/econômicas. A “outra” Segunda Geração: A HISTÓRIA QUANTITATIVA Outra vertente do período de fortalecimento institucional dos Annales foi aquela que, seguindo tendências presentes na historiografia das décadas de 50 e 60, voltou-se principalmente para os estudos de história econômica, de onde advém o método quantitativo, que logo se ampliou para a história social e demográfica. O triunfo da História econômica: Mesmo com influência de Braudel, outro grande historiador fundamental para entendermos tais tendências foi Ernst Labrousse, de origem marxista, logo um elemento diferenciado da maioria dos Annales. Introduziu o estudo econômico por meio de estatísticas e grandes séries de documentação, fazendo com que as explicações de cunho econômico, confrontando longa e curta duração, gerassem uma forte corrente de cunho determinista entre seus discípulos. Diferente de Braudel, contudo, a economia surgia como elemento fundamental de todas as explicações. Há, inclusive, críticas de que diversos estudos produzidos por seus alunos “forçavam” dados para que estes se conformassem aos modelos construídos. O mais destacado discípulo dessa vertente foi Pierre Chaunu. Em uma impressionante tese de 12 volumes (a maioria de tabelas e gráficos), em que o estudo sobre Sevilha e o Atlântico, analisou o comércio entre a Espanha e suas colônias no século XVI, usando o Atlântico como objeto, inserindo estudos geográficos e o modelo de compreensão que associava estrutura e conjuntura, com a primeira sendo determinante sobre a segunda. Demografia Histórica: O “modelo” se generalizou e se espalhou a outras áreas, das quais a demografia histórica foi uma nas que mais se destacou. Embebida na ideia de história social total, gerou diversos trabalhos do que ficou conhecido como história regional: usava-se com frequência o modelo estrutura-conjuntura, grandes massas documentais “seriadas”, análises de cunho econômico e introduções geográficas inspiradas em Braudel. Os Annales homogeneizavam a grossa parte dos trabalhos acadêmicos, “perdendo” qualidade em seustrabalhos menos brilhantes. Outros autores dignos de nota são Georges Duby, que das análises econômicas posteriormente se aventurou nas mentalidades, na política e na sociologia; Roland Mousnier, de linha weberiana (logo, desafeto de Braudel), que aplicou o método da história comparada a estudos de natureza política-institucional; e, por fim, Emmanuel Le Roy Ladurie, que em As Paísagens do Languedoc dividiu seu estudo regional não em estrutura-conjuntura, mas em períodos recortados entre 1500 e 1700, valorizando nesse processo aspectos da mentalidade, religiosidade e política na longa duração. 3ª GERAÇÃO Iniciada com a aposentadoria de Braudel da presidência da VI Seção, que deu lugar a Jacque Le Goff quando esta mudou de nome para École de Hautes Études em Sciences Sociales. Mais identificada com a Nova História, possui perfil difícil de definir, pois, de acordo com o panorama acadêmico pós-1968, tendeu ao policentrismo. Desencadeou o retorno ao projeto das mentalidades idealizado por Febvre, o uso diversificado da história quantitativa, e mesmo um diálogo mais profundo com a antropologia, principal meio pelo qual se resgataram a política e a narrativa. Também se abriu tematicamente, indo desde a inclusão das mulheres e diversos povos antes “excluídos” do foco historiográfico, até o estudo de temas curiosos, como a morte, o medo, e mesmo o cheiro. A consagração da Nova História se tornava uma realidade internacional, intensificando-se seus contatos com outros centros produtores de conhecimento, “exportando” de seus modelos de estudo. Somava-se a isso uma explosão de publicações historiográficas nas prateleiras francesas de Best Sellers. A diversificação da história das mentalidades (do porão ao sótão) Psicologia Histórica Psico-história Imaginário Social e Ideologias Considerado durante a segunda geração como uma dimensão superficial, o cultural volta a ser valorizado, a começar pelo resgate da ideia de mentalidade presente nos fundadores dos Annales, em uma reação aberta às diretrizes impostas por Braudel e ao determinismo marcante nas décadas de 50 e 60. Destaca-se Philippe Ariès, que rejeita sua formação de demógrafo histórico em nome de um estudo sobre a morte e sobre a infância em seus níveis simbólicos. Amplia-se mais o uso de fontes, estabelecendo novas conexões metodológicas entre cultura e sociedade. Autores relegados ao segundo plano, como Alphonse Dupront, são resgatados e têm sua importância reconhecida. O mesmo valendo para Robert Mandrou (afastado do núcleo dos Annales por divergências com Braudel), cuja grande influência sobre Jean Delumeau o afastou da história sócio-econômica, aproximando-o da psicologia histórica ao estilo febvriano em um estudo sobre o medo (diferenciando os da maioria, como o mar, fantasmas, fome, doenças, daqueles da cultura dominante, como satã, judeus e mulheres). De grande influência também foi a psicologia e o amplo uso que se fazia do pensamento de Sigmund Freud. Presente, por exemplo, em trabalhos como O Carnaval de Romans, em que Le Roy Ladurie analisava o que caracterizou como um “psicodrama” de manifestações e criações do inconsciente humano. Ladurie, com Delumeau e com Alain Besançon, apropriou-se do pensamento freudiano e neofreudiano, seguindo o caminho do estudo de grupos, diferente do que percebia-se nos EUA, onde a influência freudiana se via no estudo dos indivíduos. Talvez a principal tendência da renovada história das mentalidades, até mesmo porque fronteada por Jacques Le Goff e Georges Duby. Le Goff se aprofundou no estudo do “imaginário medieval”, em pesquisas que envolviam religião e os mercadores, abordando as representações coletivas da vida depois da morte. Conectou os dois grupos ao nascimento da ideia de purgatório durante a Idade Média, relacionando, assim, mudanças intelectuais às sociais. Já Duby, partindo de análises econômicas e sociais, voltou-se para as mentalidades em estudo que buscou compreender o significado histórico das três ordens medievais. Entendendo que este era um discurso ideológico de hierarquização social, seu maior interesse, e valor do trabalho que realizou, era desvendar os motivos que faziam com que tal concepção de mundo funcionasse em praticamente toda a Cristandade medieval. Entendia, revelando sua veia neomarxista, que a ideologia não é um reflexo da sociedade, mas um instrumento criado para agir sobre ela. “Terceiro nível” da história serial Vista como superficial, a história cultural era adaptada e integrada ao uso das metodologias quantitativas desenvolvidas inicialmente para serem aplicadas em estudos econômicos, sociais e demográficos. Sob esse aspecto, a influência de outro “esquecido”, Gabriel Le Bras, é de extrema importância. O que fica mais claro no estudo de Michel Vovelle sobre a morte, cujo ponto de partida também devia muito ao trabalho de Ariès. Estudando o que viu como o fim da “morte barroca” no Ocidente dos séculos XVII e XVIII, Vovelle fez um estudo quantitativo (em associação com outros especialistas) das formas de pensar e sentir a morte. Destacavam-se ainda estudos sobre alfabetização, sobre o livro, sobre a leitura e sobre a escrita, procurando, por meio da metodologia quantitativa, analisar tais fenômenos sob o prisma cultural. Antropologia, cultura, política e narrativa Em uma reação mais agressiva contra a história quantitativa de cunho sócio-econômico, colocando em dúvida a validade e o uso honesto de boa parte das estatísticas produzidas. Destas, algumas vertentes destacaram-se. Antropologia Volta da política A narrativa A antropologia deixa de ser um suporte conceitual à história para influenciar profundamente a própria estrutura da disciplina, gerando o que passou a ser conhecido como “antropologia histórica”, cuja ênfase à leitura culturalista/simbólica se disseminou. Afastava-se do uso de conceitos como “regras sociais” ou de perspectivas amplas de apreensão da realidade. A apropriação de diversos instrumentos conceituais da filosofia, sociologia e antropologia, como Foucault (duro crítico do estruturalismo), Chartier, Goffman e Turner foi outra marca dessa vertente culturalista, a partir da qual a cultura servia como meio de explicação de diversos fenômenos envolvendo os seres humanos. Muitos historiadores visavam resgatar a história política do ostracismo ao qual foi relegada desde as duras críticas à história tradicional do início do século, o que acabou dando espaço, em especial nas décadas precedentes, a estudos de cunho econômico e social. Os estudos medievais foram um dos focos desse resgate, ainda que, em sua maioria, estivessem diretamente associadas à história das mentalidades e da cultura. A perspectiva microscópica de Foucault também exerceu certa influência, o que demonstrou que essa nova ascensão da política, tinha, em parte, a ver com uma dura crítica ao estruturalismo e ao determinismo preponderantes nos anos 50-60. Diretamente associada à história tradicional, assim como a política, a narrativa também ressurgia em um âmbito de crítica ao estruturalismo determinista. Com a valorização da individualidade humana emergindo dos movimentos de 68, tendência presente em linhas historiográficas ao redor do mundo, o ato de narrar retomava o valor dos acontecimentos frente a uma derrocada das grandes estruturas de longa duração, como elementos constituintes das transformações históricas, e não como seus reflexos. Obras como o Domingo de Bouvines e Guilherme Marechal, ambos de Georges Duby, são exemplos de trabalhos de qualidade vistos sob essa perspectiva.
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