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A Transmissão dos valores na Família José Francisco dos Santos Para falar em transmissão de valores na família, precisamos retomaro que entendemos por família e por valores. Há algumas décadas, ninguém precisaria se dar a este trabalho, porque os termos eram perfeitamente entendidos. Família era a união de um homem e uma mulher, através do matrimônio, e os filhos que dessa união adviessem. Num sentido mais amplo, englobaria também os parentes mais próximos. Os valores a serem transmitidos e cultivados também não eram questionados: o respeito e a obediência aos pais, a honestidade, o respeito aos mais velhos, o trabalho e as virtudes morais que eram ensinadas pela religião. Ocorre que tudo isso tem sofrido uma resistência brutal pela cultura dita “laica” e que difunde ideologias contrárias à tradição cristã da família. Os comunistas, desde cedo, entenderam que a instituição familiar seria o principal obstáculo para as suas revoluções. Marx e Engels colocaram sua duvidosíssima ideia de luta de classes no interior da família, declarando que a mulher e os filhos eram os oprimidos e o marido o opressor. Como o comunismo não aceita, em tese, essas diferenças, a destruição da família seria condição necessária para a nova sociedade que eles prometiam. Houve muitas aspirações legítimas das mulheres nesse período, mas a ideologia da igualdade forçada descambou para a pura e simples negação da natureza. A ideologia de gênero, que já denunciamos exaustivamente em ocasiões precedentes, é o suprassumo desse feminismo extremo. Querem impedir que meninas sejam educadas como meninas, desenvolvendo sua feminilidade natural e igualmente no que se refere aos meninos. A igualdade sexual pretende abolir essas diferenças sexuais, que implicam em diferenças de postura e comportamento, escondendo na palavra “gênero” um amontoado de equívocos. Esses ideólogos estão ocupando postos-chave nas instâncias decisórias da educação brasileira, e trabalhando a todo vapor para difundirem seus contra valores. Os reflexos de sua atuação são sentidos por todos e já foram denunciados pelo Gruppia em muitas ocasiões. Joao Realce A arma mais poderosa contra os valores é o chamado relativismo moral. O relativismo é uma ideia que já existia na Grécia Antiga, e ficou famosa na frase do sofista Protágoras, para quem “o homem é a medida de todas as coisas”. Dizer que somos a medida de todas as coisas é declarar que essas medidas, por si mesmas, não existem, ou seja, não são absolutas. Ora, quando falamos de valores, ou princípios, eles devem ser absolutos. Se forem relativos, é como que se não existissem. O filósofo norte-americano Peter Kreeft desenvolveu uma excelente argumentação contra o relativismo moral. Para esse autor, a prática moral sempre foi muito difícil para a humanidade, por conta da nossa natureza decaída, mas não importa quão difícil seja a luta na busca da virtude moral, os princípios funcionam como luz ou como bússola, que indicam o caminho. Assim, alguém pode estar mergulhado em vícios e destemperos morais de toda ordem, mas se reconhecer os princípios morais como absolutos, saberá, pelo menos, perceber que age de maneira equivocada. Se se tornar um relativista, no entanto, perderá toda a referência. Se sou a medida de todas as coisas, então o bom e o mau passam a ser uma questão de gosto e de sentimento individual. Então alguém poderá dizer que a gula é um mal na visão de fulano e beltrano, mas para ela é um bem. Dessa forma, a gula deixa de ser um desequilíbrio no comportamento, com prejuízos para a saúde física, moral e espiritual do indivíduo, e se torna apenas um jeito individual de manifestar a liberdade que todos têm de serem como quiserem ser. O erro fundamental, segundo Kreeft, é confundir a moralidade com os sentimentos, do mesmo modo como a verdade é confundida com mera opinião pessoal. Esse subjetivismo impede qualquer tipo de arrependimento, pois alguém só pode se arrepender do que entende estar errado. Mas se tudo é uma questão de perspectiva pessoal, a ideia de erro desaparece. Essa mentalidade tem contaminado até mesmo a formação intelectual das crianças. Não é raro encontrar estudantes universitários cometendo erros primários no uso da língua portuguesa. Ora, no meu tempo de estudante, um erro seria devidamente identificado pelo professor, eu seria chamado à atenção para não cometê-lo mais e talvez tivesse que escrever a palavra corretamente algumas vezes, para memorizar. Joao Realce Mas nem esse tipo de correção tem sido feita a contento. Banalizou-se na pedagogia a falsa crença de que é preciso deixar a criança se expressar do seu jeito, e os resultados nós vemos no rotundo fracasso da educação brasileira. Ora, a língua portuguesa é um sistema de regras objetivas. Fala re escrever nessa língua é entrar nesse sistema. Quem vai ser alfabetizado nessa língua precisa aprender suas regras. Sempre cometeremos algum erro, mas basta uma observação de alguém e detectaremos o erro e buscaremos corrigi-lo para o próximo texto. Mas se cada um puder se expressar do jeito que quiser, não teremos mais língua portuguesa, ou então teremos que aceitar a ideia de reforma da língua, que simplifica tudo e transforma essa bela “flor do lácio” numa linguagem de botequim. O relativismo nos atrapalha de todas as formas. No caso do relativismo moral, voltando a Peter Kreeft, há quem argumente que os valores morais absolutos produzem sentimento de culpa, e isso gera infelicidade. Mas quem foi que disse que o sentimento de culpa é mau? E quem disse que ser feliz é viver sem culpas ou arrependimentos? Ora, a culpa é um alerta para a alma como a febre é um alerta para o corpo. Ela avisa que algo não vai bem e precisa ser corrigido. Minimizar o efeito da febre sem investigar suas causas pode provocar o agravamento de uma infecção. O mesmo vale para a culpa. Ela é o sinal para que saiamos do erro e mudemos de comportamento. Quem se gaba de nunca se arrepender de nada deve fazer uma revisão muito boa em seus princípios. Talvez esteja entendendo que agir bem é agir de acordo com os próprios gostos, satisfazer os impulsos, aproveitar o momento. Mas para agir com sabedoria é preciso avaliar outros itens e confrontar o momento, o desejo e os interesses pessoais com valores perenes. Um adultério, um aborto ou uma atitude desonesta podem ser considerados bons, se a medida que medimos para avaliar nossos atos é apenas nós mesmos. O fim dessa estrada porém , está longe de ser a felicidade e a liberdade. A liberdade não reside no corpo, argumenta Kreeft, pois o corpo é movido por impulsos irracionais, mas no intelecto e na vontade, ou seja, nas instâncias em que fazemos nossas escolhas morais. Todos os mestre espirituais e os grandes filósofos nos ensinaram que a felicidade, que Sócrates chamava de “eudaimonia”, não reside na satisfação dos impulsos da carne, mas exatamente no domínio deles pelo intelecto e pelo espírito. Ocorre que essa não é tarefa fácil, exige grande sacrifício, e não são muitos os que se dispõem a grandes sacrifícios em nome de valores mais elevados. É muito mais fácil e prazeroso entregar-se aos prazeres da comida, da bebida e do sexo que lutar contra a desordem desses impulsos, colocando-os sobre a ordem da razão. Para os que não têm a energia suficiente para essa tarefa, é melhor declarar que a ideia clássica de virtude é equivocada, que Aristóteles, Jesus ou Buda eram inimigos da felicidade humana, e declarar o fim dos valores absolutos como o reino da liberdade e da felicidade. Mas o contrário da virtude é o vício, não a felicidade, e não existe liberdade no vício. Trata-se da pior prisão a que pode se submeter o indivíduo. Não raro, muitos se submetem a ela porque pensam que éa religião quem quer mantê-los escravos. Justo a religião que, ao pregar a virtude, pretende mantê-los longe da escravidão. A família contemporânea sofre terrivelmente os efeitos dessas ideologias. É muito difícil cultivar valores na família quando os pais cresceram num ambiente relativista e não cultivaram tais valores em si mesmos. Quando a união do homem e da mulher perde o sentido sagrado do matrimônio, no qual a prática sexual adquire os sentidos unitivo e procriativo que lhe são peculiares, então o sexo passa a ser apenas fruição inconsequente do prazer. Muitos filhos são gerados nessas circunstâncias, casamentos são arranjados de modo inadequado como forma de corrigir um erro anterior, no caso de uma gravidez não planejada. Assim, o ambiente familiar dificilmente será uma escola de valores, a menos que haja uma profunda conversão das pessoas envolvidas. Os jovens estão sendo levados por uma onda de diversão exagerada e inconsequente, e pensar em valores, responsabilidades, virtudes, passa longe da pauta. Como dizia me ensinava o Pe. Giorgio Pedemonte na minha adolescência, “ninguém se improvisa”. É preciso, então, preparar hoje o homem e mulher de virtude, que formarão a família equilibrada de amanhã. Não haverá famílias ensinando valores sem uma profunda conversão pessoal, pois o indivíduo que não reconhece que há valores absolutos, que a vida não é mera existência carnal para os prazeres e não faz o esforço sincero de progredir na direção da virtude não poderá, senão, proferir palavras vazias aos filhos sobre valores. Como não são as palavras que ensinam, não haverá nenhum sentido nessa tentativa. Incomodam-me, sobremaneira, os cristãos acomodados e envergonhados de sua fé, como se tivessem que prestar satisfação a uma sociedade materialista e decadente. Os líderes religiosos precisam voltar sua atenção mais para as questões morais. O rebanho está sendo seduzido e corrompido pelos lobos do relativismo, e os pastores precisam estar mais atentos. Nessa crise de valores, outro item que precisa ser recuperado é o sentido positivo da autoridade. Não existe educação familiar sem um exercício sadio da autoridade do pai e da mãe. Nas últimas décadas, tomou corpo um discurso antiautoritário, que confundiu completamente as coisas. Família não é uma democracia, pois só existe democracia entre iguais. Assim, há decisões que apenas os pais podem e devem tomar. Crianças não podem decidir como irão se comportar, do mesmo modo como não podem decidir se vão ter uma alimentação equilibrada ou se desenvolverão hábitos de higiene. Quando os pais abdicam da sua autoridade em nome de uma ideia confusa de liberdade, não haverá mais espaço para a transmissão de valores. Sobre isso, relembro uma ideia de Rousseau, retomada pela escritora norte-americana Pamela Druckerman, no livro “Crianças francesas não fazem manha”. Trata-se da “moldura da liberdade”. Os filhos devem ter seu espaço de liberdade, pois do contrário, nem saberemos se a educação está produzindo efeitos positivos ou não. Essa liberdade, no entanto, deve ser limitada por uma moldura, a partir da qual as coisas não são mais negociáveis. Joao Realce Joao Realce Não se negocia a exigência de sinceridade, o respeito, o cumprimento das tarefas e compromissos, mas questões pontuais podem ser negociadas e concessões podem ser feitas. Quando se consegue um ambiente assim, os valores podem ser ensinados da maneira correta. Se houver uma imposição autoritária, poderemos garantir uma obediência momentânea, mas isso não significa a formação de hábitos duradouros. Essa era uma falha da educação tradicional.Muitas vezes ela exagerava na autoridade e não dava espaço para a liberdade e a individualidade.Ora a educação moral, ou seja, a transmissão dos valores, visa a formar uma disposição de caráter na pessoa a ser educada. Para que isso aconteça a contento, não é suficiente uma autoridade sufocante, que não permita espaços para a manifestação livre do educando. Com isso, só conseguiremos uma obediência medrosa,mas nunca saberemos o que o obediente fará quando não estiver sob a vigilância da autoridade. Quem obedece por medo não desenvolve uma disposição de caráter, ou seja, não estará pronto a agir sempre da maneira correta, em qualquer circunstância. Fá-lo-á,no entanto, na presença da autoridade,por medo do castigo. É o que ocorre, por exemplo, com os indisciplinados motoristas nas nossas estradas. Excedem a velocidade, fazem ultrapassagens proibidas, são descorteses. Mas basta alguém sinalizar a presença de um policial rodoviário e todo mundo se lembra das lições da autoescola. Esse equilíbrio parece ser o que Paulo recomenda na Carta aos Colossenses: “Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porquanto essa atitude é agradável ao Senhor. Pais, não irriteis vossos filhos, para que eles não fiquem desanimados.” Por sua vez, diz o Eclesiástico: “Aquele que ama seu filho, castiga-o com freqüência, para que se alegre com isso mais tarde, e não tenha de bater à porta dos vizinhos.” O equilíbrio se faz com a junção das duas recomendações. A disciplina e o castigo são necessários, mas se isso é feito de modo a apenas causar ira nos filhos, não terá eficácia. A correção eficaz é precedida pela confiança e pela segurança que o filho tem em relação aos seus pais. Se o filho sente a presença segura dos pais desde o início, se percebe a firmeza de suas convicções e a honestidade as sua conduta, então dispor-se-á melhor para aprender os valores que lhe serão transmitidos. Acatará com mais facilidade as correções que lhe forem impostas. É evidente que se pressupõe tais qualidades em quem educa. Joao Realce Vivemos um tempo particularmente sombrio. O relativismo minou muito da nossa capacidade de ser família. Em tempos passados, em meio a dificuldades de toda ordem, as famílias pareciam ter um norte, apesar das condições precárias e da pouca escolaridade da maioria das pessoas. Atualmente, tudo parece mais fácil. Desfrutamos de confortos e facilidades impensáveis para nossos avós. Temos acesso à informação de modo incomparavelmente mais eficiente. Mas em que a tecnologia, a informação e as facilidades nos ajudam a ser pessoas melhores? Não temos a sensação de que as dificuldades e limitações do passado eram uma pedagoga mais eficiente que as facilidades do presente? Vejam os brinquedos das crianças de antigamente e como a atividade física e a fantasia para brincar desenvolviam nossas capacidades físicas, mentais e espirituais. Compare com crianças e adolescentes de hoje, que passam horas nos seus celulares e tablets de tal modo que mal levantam a cabeça para cumprimentar alguém que chega a casa. Não se trata de negar o acesso à tecnologia, mas não podemos deixar que os recursos tecnológicos nos tornem mal educados. É a imposição de limites que vai possibilitar o equilíbrio. Sem limites, o caos será instalado. Reitero que não podemos dar o que não temos, nem transmitir valores que não estão arraigados em nós. Embora não seja impossível, creio ser muito difícil desenvolver esses valores sem o auxílio da religião. A mentalidade antirreligiosa vem de longa data. Os Iluministas cuidaram de espalhar mentiras e ideologias falsas para denegrir a religião, o que professores pouco informados se encarregam de difundir ainda hoje. Os revolucionários da França tentaram destruir a religião, e hoje talvez os maiores inimigos da religião estejam dentro dela, quando mudam o foco dos ensinamentos do Evangelho. A religião deve assumir o seu papel de guia espiritual, e encarar os desafios morais do nosso tempo como sua principal tarefa. Se a pessoa não encontrar fundamentos sólidos na sua crença religiosa para viver e ensinar os valores perenes, onde mais os encontrará?O desafio é imenso, e o aprendizado não é nada fácil, mas o que pode ser fácil em se tratando de família e de virtude? Esse tema poderia se estender em vários outros tópicos. Espero, porém, ter fornecido algumas pistas para que a reflexão possa continuar. Muito Obrigado!
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