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63 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação 5 O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA Um tema como o estudo sociológico da escola é quase tão amplo quanto a proposta de se fazer um estudo sociológico da sociedade, no sentido de ser um macrotema básico e clássico desde sempre. Afinal, a educação é o complexo e conflituoso processo de construção do sujeito que envolve os binômios indivíduo e coletividade, objetividade e subjetividade, servidão e liberdade, alienação e autoconsciência – que acabam muitas vezes engessados em grandes impasses pelo fato de se atribuir à Educação “missões” talvez muito maiores do que ela efetivamente seja capaz de realizar: a emancipação do indivíduo, a transformação da sociedade e dos modos de produção, o desenvolvimento dos Estados nacionais, a saída do atraso colonial etc. Ironias à parte, vale nos debruçarmos sobre como chegou ao Brasil a discussão dos teóricos clássicos da Sociologia sobre o papel da Educação e da escola e como os teóricos brasileiros adentraram nessa discussão, juntando‑se a teóricos mais recentes e ajudando a construir a Sociologia da Educação enquanto campo de conhecimento e de investigação científica. Isso porque a preocupação de todo teórico que se debruça sobre os estudos da Educação é, em última instância, com cada criança e jovem que está na escola, e também em relação a como estes podem aprender mais e melhor, serem mais felizes na escola e na vida e contribuir da melhor forma com a sociedade. As questões começam a surgir e a se multiplicar justamente pelo fato de tais preocupações levarem a diferentes respostas e por envolverem diversas visões e concepções teóricas, políticas e filosóficas. Um breve levantamento bibliográfico já nos dá a dimensão da importância que um teórico como Durkheim dava à Educação ao escrever uma obra específica sobre o assunto: Educação e sociedade. Vale lembrar que esse pensador foi o primeiro professor da cátedra de Sociologia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Grosso modo, pode‑se dizer que o papel da escola na visão durkheiminiana é o de fazer com que o indivíduo se socialize, apreendendo os valores sociais passados pela escola, ou seja, o trabalho de socialização dos imaturos pelos maduros. Essa concepção resulta numa postura conservadora da Educação, o que não excluiu a possibilidade de Durkheim ter sido referência teórica para um dos pioneiros dos estudos sociológicos da Educação no Brasil, Fernando Azevedo. Já a visão marxista influencia autores diferentes entre si, como Bourdieu, Althusser, Gramsci, Mannheim, Florestan Fernandes e Paulo Freire, criando duas vertentes de análise, chamadas de otimista e pessimista. Unidade II 64 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II Lembrete Os autores clássicos da Sociologia já foram apresentados em nossa primeira unidade. Alguns deles estão sendo retomados agora a fim de que se perceba como foram incorporados ao pensamento educacional brasileiro. Esse assunto será retomado mais adiante. Sobre Paulo Freire, que é referência mundial, vale a pena falar mais detidamente. É difícil alinhar o seu pensamento a uma única linha. Ele não pode ser considerado um sociólogo da Educação nem apenas um filósofo ou simplesmente pedagogo. É o criador de um método de alfabetização de adultos que abarca Filosofia, Política, Sociologia, Epistemologia e Filosofia das Ciências, constituindo‑se num interlocutor obrigatório para todos os teóricos que se dedicam à reflexão sobre Educação. Paulo Reglus Neves Freire, pernambucano nascido na cidade de Recife, em 19 de setembro de 1921, é um dos educadores mais prestigiados do século XX. Ele tem mais de quarenta livros publicados, diversos deles traduzidos para outros idiomas, e foi indicado ao prêmio Nobel da Paz, em 1993, por sua contribuição ao pensamento e à prática pedagógica que se convencionou chamar de Método Paulo Freire de alfabetização. Tendo sido professor desde os anos 1940, da educação básica até a superior, engajou‑se, na década de 1960, no Movimento de Cultura Popular do Recife e nos projetos de alfabetização de adultos. Por ter uma preocupação com a emancipação do ser humano e com a justiça social, acabou sendo exilado do Brasil durante a Ditadura Militar, retornando ao país na década de 1980. No que consiste o seu método pedagógico? Em primeiro lugar, Paulo Freire acreditava que a educação devia partir do conhecimento do educando, por mais rude que ele parecesse ser, para daí construir um conhecimento mais teórico e abstrato. O ato de ensinar‑aprender para Paulo Freire compreendia o respeito e o acolhimento da cultura originária do educando, por mais simples que ela fosse. Na visão freireana, o professor deveria partir do senso comum, do valor pragmático das coisas, dos fatos da vida cotidiana e de suas situações existenciais, e depois se encaminhar à sua transcendência. Para ele, privilegiar o conhecimento universalmente reconhecido seria uma atitude de opressão aos estudantes de classes sociais menos favorecidas. Além disso, Freire não acreditava em um conhecimento desvinculado da prática e em uma prática que não implica reflexão, postura oriunda do conceito marxista de práxis. 65 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação Saiba mais Aprofunde‑se no conhecimento desse notório educador brasileiro lendo o livro fotobiográfico e as demais publicações disponíveis no site do projeto memória: <http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/ pecas_culturais/index.jsp>. Outro aspecto do pensamento freireano que se baseia em Marx é a superação da alienação, que é justamente superar a consciência ingênua. Para Paulo Freire, a educação era uma via de libertação da condição de oprimido por meio do acesso ao conhecimento, convicção essa que deu origem à sua obra mais conhecida: A pedagogia do oprimido. Portanto, quando falamos na polarização entre as visões otimista e pessimista da Educação, sem dúvida reconhecemos em Paulo Freire um otimista militante e “incorrigível”, visão que vai de encontro à interpretação da Sociologia da Educação mais difundida na segunda metade do século XX, desde que os sociólogos franceses Bourdieu e Passeron escreveram o livro A reprodução, introduzindo no vocabulário do estudo sociológico da escola dois conceitos quase obrigatórios: capital cultural e habitus. A chamada teoria reprodutivista da escola nos apresenta outro grande tema da Educação na sociedade moderna: o fracasso escolar como resultado das relações de classe, ou seja, a ideia de que a escola seria uma instituição burguesa a excluir os filhos das camadas populares, ao contrário das crianças oriundas das classes mais privilegiadas economicamente, que tenderiam a ter maior sucesso por acumularem os saberes e conhecimentos eruditos e livrescos solicitados e difundidos pela escola. Dessa forma, além da disciplinarização, seria exercida uma violência simbólica sobre os alunos que não fizessem parte do mundo e dos valores burgueses, que pode ser entendida pelo fato de cada grupo ter sua cultura e seu conjunto de símbolos, mas existe o conjunto de símbolos que asseguraprestígio, que serve de base para a produção de riquezas, ou seja, que é dominante, enquanto há outros conjuntos de símbolos que são desprestigiados, que não levam ao sucesso e à conquista de espaço exitoso na sociedade. O conjunto de símbolos que confere status e rege a sociedade é de domínio apenas dos grupos mais abastados, os quais não os compartilham com os grupos menos privilegiados. A violência consiste justamente no fato de os menos favorecidos ficarem alijados, isto é, não poderem ter domínio do conjunto de símbolos necessários à aquisição de melhores padrões de vida e, por assim ser, continuarem a sofrer sem acesso aos elementos que poderiam garantir‑lhes uma existência mais digna. É como se houvesse uma riqueza (o conjunto de símbolos dominantes) capaz de se multiplicar e gerar mais riquezas – ou pelo menos de garantir uma vida mais digna – que fica restrita e protegida junto a alguns grupos enquanto a maioria da população não pode dela usufruir. 66 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II Observação Para Bordieu e Passeron, a escola reproduz as desigualdades pela via da exclusão, já que ela não garante aos alunos das classes populares o domínio dos valores e saberes dominantes, ou seja, os que realmente geram valor e poder. À visão reprodutivista da escola se junta a perspectiva de outro teórico francês, Louis Althusser, com a sua teoria dos aparelhos ideológicos de Estado que reforçariam a dominação encabeçada pelos aparelhos repressivos de Estado (sobretudo o exército e a polícia). Nesse momento, é possível lembrar de outro teórico clássico da Sociologia, Max Weber, que parte da ideia de que o Estado é a instância máxima do poder por ter justamente o monopólio do uso legítimo da violência e observa que a escolarização na sociedade urbano‑industrial se restringe a um sistema meritocrático, que leva à concorrência e ao individualismo, transformando a escola numa fábrica de mão de obra para alimentar uma administração que se racionaliza e se sofistica (se especializa) num ritmo cada vez mais veloz. Por ora, cabe a pergunta: as chamadas sociologias reprodutivistas falam de fracasso e sucesso escolar sob quais parâmetros? Observação Para Althusser, a escola reproduz as desigualdades por meio do inculcamento, isto é, colocando na cabeça dos indivíduos o que os grupos dominantes querem, e não simplesmente privando‑os de determinados saberes. Percorrendo os diversos autores, parece que o parâmetro é a produção, o trabalho. Os alunos que têm maior sucesso na escola são aqueles que alcançariam os melhores postos de trabalho, que teriam as profissões de maior prestígio social e reproduziriam a sua condição de classe para que seus filhos acumulassem mais capital cultural e saissem em vantagem na concorrência escolar. Dessa forma, cairíamos numa espécie de círculo vicioso, contra o qual nem adiantaria fazer análises teóricas, já que a realidade estaria previamente dada. É nesse momento que teorias como a de Paulo Freire, chamadas otimistas, têm a sua contribuição decisiva. É importante lembrar que o comportamento humano é tão rico e diverso que escapa a qualquer esquema teórico. A convicção de cada educador deve ser de que o conhecimento é mágico e capaz de operar transformações na vida das pessoas. A entrada no universo da leitura e da escrita é um portal de possibilidades que humaniza e leva a uma possível construção de sujeitos e de mundos melhores. 67 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação Portanto, a função do estudo da Sociologia da Educação deve ir além das rotulações teóricas, significando um esforço efetivo para tornar a vida dos profissionais da educação e dos alunos mais feliz e profícua na escola. Para que isso aconteça, é imprescindível que o olhar sociológico esteja atento aos novos cenários que se configuram diante dos nossos olhos e, assim, proporcione análises significativas. Contudo, o que é ser significativo? Em termos analíticos, é, no mínimo, trilhar caminhos que se voltem para a realidade dos sujeitos das análises, bem como daqueles que estão interessados e podem ser beneficiados com tais ações. Nesse sentido, é fundamental que determinadas temáticas presentes em nossa realidade sejam abordadas pela perspectiva da Sociologia da Educação, e é isso o que será feito a seguir. 6 A IMAGINAÇÃO E OS FUTUROS POSSÍVEIS: TRÊS CENÁRIOS RECORRENTES QUANDO SE DISCUTE SOCIEDADE DO FUTURO, GLOBALIZAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL Quando um jovem estudante se encontra diante do desafio da escolha de uma carreira profissional, muitas perguntas passam pela sua cabeça: • Qual a carreira mais promissora? • O que vai me render mais dinheiro e prestígio social? • Qual carreira me trará maior realização pessoal e felicidade? • De quais profissionais o mercado está precisando? • Quais são as carreiras do futuro? Quando pensamos em educação, fazemos os mesmos tipos de pergunta: • Que tipo de ser humano queremos formar para o futuro? • Como será esse futuro? Portanto, quando falamos em Educação, estamos falando sempre em uma visão de futuro que projetamos – o que, segundo Whitaker (2000), influencia a escolha profissional de um jovem no momento do vestibular. Atualmente, repetem‑se muito na mídia e nas conversas entre pais e professores as seguintes questões: “Que mundo você quer deixar para o seu filho?”, quando a pergunta mais adequada seria: “Que tipo de pessoa você vai deixar para o mundo?” Na verdade, o que estamos querendo dizer é: se o ser humano não for ético, consciente e solidário, de nada adianta a sociedade produzir reservas de riqueza, ciência, tecnologia e recursos naturais, porque eles não serão utilizados para o bem comum. Whitaker (2000) afirma que todas as visões de futuro projetadas pela imaginação humana recaem sobre três visões: caos apocalíptico, utopia tecnológica e utopia verde. Vejamos cada uma delas. 68 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II 6.1 A visão do caos apocalíptico É uma visão de futuro pautada na desesperança e no pessimismo. É a ideia de que o fim está próximo e de que nada adianta. A seguir, modelos muito comuns de comentários nas salas de aula do Brasil: • Os alunos não querem saber de nada! • Não adianta ensinar nada, pois os alunos não aprendem mesmo... • A escola e a educação estão falidas! • O aquecimento global vai acabar com tudo, a água está acabando, não há futuro! Essa postura aterrorizada e aterrorizante é muito conveniente para a manutenção do sistema, pois o medo do caos gera paralisia, e a sensação de que nada pode ser feito para melhorar as condições de vida das pessoas causa conformismo e acomodação, que são péssimas para toda a vida social e, sobretudo, para o cotidiano escolar, que fica numa situação de terra arrasada: indisciplina, depredação do espaço físico e do material pedagógico. Por causa disso, nada de ensino e nem de aprendizagem. Saiba mais A respeito da questão do papel e das repercussões do medo no mundo atual, vale a pena conferir o excelente trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, intitulado Medolíquido. 6.2 A visão da utopia tecnológica Por outro lado, o discurso da utopia tecnológica padece de um otimismo exacerbado e ingênuo em relação à tecnologia, como se todos os problemas da escola fossem desaparecer com o emprego de tecnologias e computadores nas escolas, que de pouco (ou de nada) adianta se não tivermos professores bem formados, remunerados e com a autoestima em dia atuando. Um exemplo dessa visão é o desenho animado Os Jetsons, que mostra um futuro harmônico entre seres humanos e tecnologia, sem alienação, sem desemprego, sem poluição, sem esgotamento dos recursos naturais e catástrofes ambientais, sem problemas de trânsito, contrariando todos os prognósticos e efeitos já observados na realidade. A empregada da família é um robô chamado Rose, que tem sentimentos e jamais requer direitos trabalhistas. Não é o sonho de todo patrão ter um funcionário que não ganha salário, trabalha de domingo a domingo, 24 horas por dia e somente precisa de algumas gotas de óleo para as engrenagens? 69 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação 6.3 A visão da utopia verde A utopia verde, que até pouco tempo atrás era um discurso considerado delírio de hippies e exotéricos, atualmente faz parte do importante processo de conscientização do homem moderno, que consiste na ideia de que temos de nos desenvolver como civilização técnico‑científica, mas em equilíbrio com o meio ambiente. No entanto, essa relação não se resume a plantar árvores com os alunos e admirar o marketing de empresas que se dizem “verdes” ou preocupadas com o meio ambiente, mas questionar o modelo de desenvolvimento adotado pela nossa sociedade urbanocêntrica, pautada na acumulação e exploração desenfreadas da natureza e das pessoas. Saiba mais A esse respeito, vale a pena assistir ao documentário History of Stuff, disponível em: <http://www.storyofstuff.org/movies‑all/story‑of‑stuff/>. Nesse link, o vídeo está em inglês, mas sua versão em português pode ser encontrada facilmente na internet sob o título A história das coisas. Ele trata da obsolescência programada. Resumo Prezado aluno, nesta unidade você pôde perceber que a abordagem adotada concentrou‑se na análise de dois pontos fundamentais. Como ponto de partida, tentou‑se caracterizar a natureza da análise sociológica da escola, isto é, buscou‑se mostrar como o pensamento dos teóricos clássicos da sociologia vem sendo trabalhado no sentido específico de se compreender o funcionamento e a dinâmica das relações que se estabelecem no universo escolar. Uma vez que escrevemos a partir da realidade educacional brasileira, essa abordagem foi feita levando‑se em conta a dimensão da incorporação dos referenciais clássicos da sociologia pelos teóricos brasileiros, em tom introdutório, já que, mais adiante no livro‑texto, é retomado e aprofundado. Depois de explicitada essa questão, partiu‑se para o seu contraponto: o futuro, ou melhor, visões de futuro. Mais precisamente, a análise voltou‑se à caracterização de três formas básicas de se olhar para o porvir: a visão do caos apocalíptico, a utopia tecnológica e a utopia verde. A atenção dedicada a essas três visões de futuro apontadas por Whitaker se justifica não simplesmente por se tratar de uma possível prospecção, mas principalmente porque serve a um duplo propósito. Em primeiro lugar, nos permite enxergar as motivações que podem tornar‑ 70 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II se a base de ações de professores e demais profissionais da educação em suas relações com as escolas e os alunos, afinal, as pessoas agem de acordo com os sentidos que atribuem ao que está ao seu redor. Por outro lado, essa ação permite promover a introdução ao tipo de abordagem tratada na sequência do livro‑texto, a qual tem como foco a exploração de temas atuais de significativa relevância para o estudo sociológico da escola. Em relação à repercussão dos teóricos clássicos da sociologia no Brasil, no que toca à análise sociológica da escola, primeiro ponto focal de preocupação dessa unidade, merecem destaque principalmente Durkheim e Marx. Durkheim serviu de inspiração para um dos pioneiros nos estudos sociológicos da Educação no Brasil, Fernando Azevedo, ainda que este tenha ido além de Durkheim ao considerar que o aluno não age passivamente diante dos comportamentos e saberes que lhe são passados ‑ antes, reage de acordo com sua história e o conjunto de suas experiências de vida. Durkheim, cabe lembrar, defendia que a escola servia apenas para preparar os novos membros da sociedade para viverem de acordo com as regras já internalizadas e seguidas pelos mais velhos. Marx, por sua vez, influenciou uma grande leva de autores de outros cenários como Bordieu, Althusser, Gramsci e Mannheim, os quais também tiveram influência sobre o pensamento sociológico da educação no Brasil. Grande parte dos teóricos brasileiros influenciados por Marx não o foram diretamente, pois herdaram discussões que já vinham sendo feitas com base nas ideias de Marx. Destes, merecem destaque especialmente Paulo Freire e Florestan Fernandes. Em relação a Paulo Freire, é difícil filiar seu pensamento direta ou mesmo indiretamente apenas a Marx, bem como não se pode simplesmente tentar filiá‑lo a algum outro teórico. É preciso entendê‑lo como autor de significado ímpar no Brasil, sem desconsiderar que sua influência foi internacional. Na essência, sua visão da educação foi conectada à de Marx. Freire foi além da análise, pois assumiu a luta em prol de uma educação que enfrentasse e superasse as desigualdades sociais, que fosse libertadora. Por isso a essência de seu pensamento pode ser tranquilamente associada à essência do pensamento de Marx, que pregava justamente a indignação contra a opressão de uns sobre outros. No entanto, Paulo Freire desenvolveu um pensamento autônomo e voltado, por um lado, à compreensão da realidade educacional brasileira, por outro, norteadora das visões e posturas que deveriam ser assumidas. Ele criou, assim, uma visão própria, a concepção freireana, caracterizada pela tentativa de construir uma educação que possibilitasse aos menos favorecidos romper com a dominação e a visão de mundo ingênua que lhes era imposta, partindo de 71 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação um ensino que fosse significativo, isto é, relacionado diretamente a suas vidas e realidades. Mas os próprios teóricos reprodutivistas também influenciaram o pensamento de Freire, embora só o tenham ajudado a reforçar a compreensão de que a educação no Brasil, assim como em outras partes do mundo, estava organizada de modo a eternizar a oposição entre dominantes e dominados e reproduzir (no sentido de dar continuidade) as desigualdades existentes na sociedade. A diferença é que, diante disso, Freire não assumiu uma postura pessimista como muitos fizeram, antes, optou por acreditar na possibilidade de mudanças. Voltando‑se para o segundo ponto fundamental abordado nesta unidade, o das três visões possíveis sobre o futuro (isso no contexto da delineação de temassignificativos para os estudos sociológicos da educação na contemporaneidade), o trabalho de Whitaker foi tomado como referência e inspiração. Com base em sua análise, abordou‑se um assunto bastante recorrente no imaginário popular, que é a proposição dos cenários futuros. Neste sentido, mostrou‑se que as três principais formas de se pensar o futuro giram em torno da visão do caos apocalíptico, da utopia tecnológica e/ou da chamada utopia verde. Destas, a questão ambiental é que ganha cada vez mais aceitação, apesar do caráter utópico e até ingênuo que pode ser vendido junto à defesa da preservação ambiental. Exercícios Questão 1. Na obra Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire afirma: Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos Por isso mesmo, pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem‑ estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? Essa pergunta é considerada em si demagógica e reveladora de má vontade de quem a faz. É pergunta de subversivo, dizem certos defensores da democracia. Fonte: FREIRE (1996). 72 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II Assinale a alternativa correta com base no texto: A) O conhecimento do aluno não pode ser considerado útil para a construção do conhecimento científico, no máximo, pode ser respeitado, pelo princípio cristão de fraternidade. B) Os conhecimentos das comunidades de regiões carentes do país são sempre fruto de misticismo e alegorias e não podem ser utilizados porque não são cientificamente comprovados. C) Nas periferias das grandes cidades brasileiras, existem os jovens que ouvem música funk, o também chamado “batidão”, com letras vulgares e apelativas que evidenciam que não se trata de uma cultura possível de ser aproveitada em sala de aula. D) O preconceito contra os saberes populares e coletivamente construídos pode ser um impeditivo para que a escola aproveite o conhecimento dos alunos para construir conhecimento científico. E) O conhecimento deve ser formal e sistematizado e, por isso, nenhum aluno traz consigo formas de conhecimento quando ingressa no ambiente escolar. Resposta correta: alternativa D. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o respeito a que se refere Paulo Freire não está ancorado na fraternidade cristã. Independente da religião que um professor pratique, é necessário que seja mantido o respeito ao conhecimento que o aluno traz consigo, que é fruto de sua vivência no espaço social em que está inserido. B) Alternativa incorreta. Justificativa: Paulo Freire afirma que não se pode negar que o conhecimento construído na vivência, na cultura, na experiência das comunidades pobres tem utilidade e pode dialogar com o conhecimento científico, ao contrário do que alega a alternativa. C) Alternativa incorreta. Justificativa: as manifestações artísticas são sempre uma representação da vida social, das experiências dos grupos humanos organizados em sociedade. As letras de músicas dos jovens da periferia dos grandes centros urbanos expressam a violência do cotidiano familiar ou social. Muitas dessas letras podem ser analisadas de forma crítica pelo professor e pelos alunos e, com certeza, podem permitir conhecer melhor o cotidiano das comunidades carentes do Brasil. 73 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação D) Alternativa correta. Justificativa: a prática das escolas é quase sempre pautada pelo desprezo aos saberes populares e coletivamente construídos, o que traduz preconceitos contra o que não é fruto do conhecimento científico. A proposta de Paulo Freire é que a escola dialogue com esses saberes sociais e aprenda com eles tanto quanto ensina o conhecimento científico. E) Alternativa incorreta. Justificativa: independente da idade que possui, o aluno carrega consigo o conhecimento que aprendeu em família e nos primeiros espaços de convívio social que teve em sua vida (a igreja, a rua e o clube, entre outros). Esses saberes não podem ser ignorados ou desrespeitados; segundo Paulo Freire, ao contrário, devem conviver e dialogar com os saberes formais e cientificamente construídos. Questão 2. Leia a notícia a seguir: Polêmica sobre infanticídio indígena mistura leis, valores culturais e saúde pública O infanticídio entre indígenas é um tema que já gerou documentários, projetos de leis e muita polêmica em torno de saúde pública, cultura, religião e legislação. Ainda utilizado entre algo em torno de 20 etnias entre as mais de 200 do Brasil, esse princípio tribal leva à morte não apenas gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo. Fonte: UOL (2009). 74 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Unidade II A quantidade de índios mortos por infanticídio no país é uma incógnita. Nos dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) sobre mortalidade infantil indígena, esse número aparece somado a óbitos causados por “lesões, envenenamento e outras consequências de causas externas”. Esse grupo responde por 0,4% do total das mortes de menores de um ano de idade, segundo os últimos dados disponíveis da Funasa, de 2006. Tramitando no Congresso, a Lei Muwaji (em homenagem à índia que enfrentou a tribo para salvar sua filha com paralisia cerebral) estabelece que “qualquer pessoa” que saiba de casos de uma criança em situação de risco e não informe às autoridades responderá por crime de omissão de socorro. A pena vai de um a seis meses de detenção ou multa. Esse projeto se inspirou no caso da indígena Muwaji Suruwahá, que lutou pela sobrevivência de sua filha Iganani, que tem paralisia cerebral ‑ por isso, estava condenada à morte por envenenamento em sua própria comunidade. O caso alcançou repercussão nacional em outubro de 2005. A proposta é polêmica entre índios e não índios. Há quem argumente que o infanticídio é parte da cultura indígena. Outros afirmam que o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição, está acima de qualquer questão. O antropólogo Mércio Pereira Gomes, que foi presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) nos quatro primeiros anos do governo Lula, admitiu que sofreu “um dilema muito grande” no órgão diante da questão do infanticídio. Como cidadão, é contrário à prática, mas como antropólogo e presidente do órgão, discorda de uma política intervencionista ‑ segundo ele, há de cinco a dez mortes por infanticídio no Brasil por ano. Em 2004, o governobrasileiro promulgou, por meio de decreto presidencial, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina que os povos indígenas e tribais “deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. Antes disso, em 1990, o Brasil já havia promulgado a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, que reconhece “que toda criança tem o direito inerente à vida” e que os signatários devem adotar “todas as medidas eficazes e adequadas” para abolir práticas prejudiciais à saúde da criança. O infanticídio voltou a criar polêmica com o lançamento do filme “Hakani”, dirigido David Cunningham, filho do fundador de uma organização missionária norte‑americana. A ONG Survival International, sediada em Londres, divulgou, no começo do ano, uma nota em que acusa os autores do controverso filme de incitar o ódio racial contra os índios brasileiros. A produção mostra cena protagonizada por supostos sobreviventes e parentes encenando pais enterrando viva uma criança deficiente. 75 PE D - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 7- 12 -1 2 // R ed im en si on am en to : A m an da - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 27 /1 1/ 20 13 Sociologia e educação Outra ONG que trabalha na área é a Atini, sediada em Brasília, atuando na defesa do direito das crianças indígenas. Formada por líderes indígenas, antropólogos, linguistas, advogados, religiosos, políticos e educadores, a organização trabalha para erradicar o infanticídio nas comunidades indígenas, promovendo a conscientização. Fonte: POLÊMICA... (2009). Assinale a alternativa correta: A) Com fundamento no respeito à cultura indígena, que é milenar, nenhuma intervenção deve ser adotada em casos de infanticídio. B) As escolas indígenas devem preservar a cultura integralmente, em especial quanto a aspectos relevantes, como o abordado nessa matéria de jornal. C) Impor valores à cultura indígena é parte do trabalho de propagação dos direitos humanos. D) A prática de infanticídio se justifica na cultura indígena por razões econômicas e religiosas e por isso não deve haver nenhuma interferência. E) As práticas culturais de grupos sociais devem ser respeitadas até o limite em que atentem contra a vida, valor supremo protegido pela legislação brasileira e internacional de direitos humanos. Resolução desta questão na plataforma.
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