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Os Povos Bárbaros - Maria Sonsoles Guerras

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Os Povos Bárbaros
	GUERRAS, Maria Sonsoles. Os Povos Bárbaros. São Paulo: Ed. Ática, 1987. (Série Princípios, n. 126)
Introdução
O estudo dos "povos bárbaros" exige certas considerações iniciais. A primeira é definir o conceito e suas implicações, inseridos no contexto histórico.
O termo bárbaro é uma herança grega. Segundo Heródoto, os egípcios chamavam de "bárbaros" todos os que falavam uma língua diferente da sua. É provável que o autor estivesse atribuindo aos egípcios uma prática realmente originária da Grécia. Em grego, "bárbaro" designava inicialmente aquele que possuía uma língua incompreensível, que não compartilhava nem os costumes nem a civilização dos helenos.
Esta concepção foi adotada pelos romanos em relação aos povos estabelecidos fora de suas fronteiras, sejam Estados estruturados na Ásia, como a Pérsia, ou populações menos organizadas na África e Europa, contra as quais era necessário se defender. Portanto, "bárbaros" compreendiam os estrangeiros não-assimilados, os "outros".
A atribuição de novas acepções ao termo, tais como inculto, selvagem, bruto ou grosseiro, liga-se à noção das diferenças fundamentais entre povos distintos. "Bárbaros" e "civilizados" são conceitos complementares: a "civilização", egocêntrica por natureza, não se concebe sem a contraposição da "barbárie". Na oposição "nós-eles", forja-se a autoconsciência de sua unidade e superioridade. Geralmente, não se considera o grupo "estrangeiro", em seu conjunto, como uma entidade coerente. "Bárbaro" equivaleria então à gente de um nível cultural inferior.
Este sentido pejorativo foi difundido no Renascimento para designar os povos que puseram fim ao Império Romano e iniciaram a "Idade das Trevas". Os homens do Renascimento concebiam sua época como uma revalorização do mundo clássico, momento de apogeu da cultura humana. Assim, a Idade Média também se revestiria de um caráter negativo: um período de barbárie no qual a humanidade alcançou o estado mais baixo de cultura. Este mundo obscuro e intermediário entre duas épocas de esplendor foi o produto de "invasões" de populações semi-selvagens que destruíram a antiga civilização clássica. A própria palavra invasão implicava uma idéia de violência, de choque militar. Este tipo de postura foi reafirmado pelo movimento de ilustração no século XVIII.
Com o Romantismo do século XIX, resgatou-se a Idade Média. Os povos "bárbaros" passaram a ser o sopro de vitalidade frente à civilização decadente do Império Romano. Neste quadro, as "invasões" não tiveram conseqüências catastróficas, como se alardeava, e nem se caracterizaram pela irrupção brusca no limes imperial. O deslocamento desses povos resultou de um movimento de maior amplitude e, freqüentemente, pacífico, visando ao assentamento. Daí alguns autores preferirem adotar o termo migrações. A crise romana, de natureza interna, tornou-se o elemento decisivo que pôs fim ao mundo antigo. O Império Romano não fora assassinado, como afirmou Piganiol, mas, sim, morrera de morte natural, como defendeu Lot.
Assim chega-se a uma outra consideração. Os "bárbaros", até recentemente, eram estudados em função de sua relação antagônica com o Império Romano e não vistos em sua individualidade, como portadores de uma cultura própria, que, por ser distinta dos padrões clássicos, não deixa de possuir o seu valor. Em parte, compreende-se esta lacuna ao se considerar a escassez e obscuridade das fontes que impedem um estudo mais aprofundado sobre a civilização "bárbara". Falta ainda ao historiador os instrumentos necessários para tal. Tornou-se imprescindível empreender um esforço no sentido de congregar as contribuições de diversas áreas do conhecimento que possam elucidar esse assunto, tais como: epigrafia, paleografia, arqueologia, literatura, hageografia, toponímia, lingüística e iconografia. Porém, uma das maiores dificuldades encontra-se ainda na atitude mental herdada da Antiguidade.
Um último aspecto liga-se à extensão do termo bárbaro, utilizado, como já vimos, indistintamente para os diversos povos que habitavam além das fronteiras do mundo romano. Lot fixou cinco categorias de povos que, de forma sucessiva, surgiram na pars occidentalis do Império Romano, espaço no qual se desenvolverá a sociedade européia. Esses povos não se restringem apenas ao momento de transição da Antiguidade para a Idade Média, pois, durante o período medieval, o ocidente europeu sofreria movimentos de igual natureza. Os povos seriam: germanos, eslavos, escandinavos, árabes e mouros, mongóis e turcos.
Em vista da amplitude do tema "povos bárbaros", optou-se por privilegiar os germanos devido à sua importância na gênese da sociedade européia. Preocupou-se especialmente com a sua atuação e desenvolvimento nos cinco primeiros séculos da nossa era, quando então ocorreu a penetração dos germanos na parte ocidental do mundo romano e construíram-se os fundamentos dos reinos bárbaros.
Distantemente da maioria das obras em que se destaca o processo de desintegração do Império Romano, presentemente este foi abordado enquanto se relacionava com o mundo germânico, excluindo uma análise da situação interna romana em favor de um maior aprofundamento sobre os germanos. A historiografia, talvez devido à existência de poucas fontes, tende a relegar o estudo dos germanos durante este período. Evidencia-se o interesse em relação à transição da Antiguidade para a idade Média, contudo seguindo a ótica "romana" ou então a partir da consolidação e transformação de alguns reinos "bárbaros", sobretudo o franco e o visigodo. Mesmo estando ciente da importância e complexidade desta última problemática, optou-se por apresentá-la sucintamente, oferecendo uma visão geral que fornecesse subsídios iniciais para um desenvolvimento posterior mais aprofundado, com o espaço que tal assunto merece. Intencionalmente, não houve esta pretensão, mas, sim, a de estimular o começo de uma reflexão sobre o tema. Este livro, por ser considerado como um primeiro contato, direcionou-se para uma análise mais descritiva e didática, objetivando assim desvelar um outro mundo fascinante e diferente, porém freqüentemente menosprezado e desconhecido.
Os "bárbaros germânicos"
Conceituação
Por volta de 320 a.C., Píteas de Marselha empreendeu um périplo de exploração comercial em busca de âmbar e de estanho. Traçou sua rota até o mar Báltico e a embocadura de Ems, entrando, pela primeira vez, em contato com o mundo germânico. Logo estabeleceram-se outros contatos com as vanguardas das primeiras migrações no mar Negro (fins do século III a.C.) e na Gália, Nórica, Espanha e Itália (113 a 101 a.C.).
Os romanos até então desconheciam que, na retaguarda de seus inimigos celtas, encontravam-se os povos germânicos. Celta e galo eram termos utilizados indistintamente para nomear os habitantes do norte e centro da Europa. O mundo celta, efêmero senhor desta região, apenas provisoriamente, impedia a expansão germânica. Os galos gozaram de um tal prestígio que suas instituições foram imitadas pelos germanos até na Escandinávia.
O historiador grego Posidônio publicou, nas vésperas da conquista romana da Gália (século I a.C.), o relato de suas viagens através do Ocidente: dele se originou a teoria segundo a qual a palavra germano designava o conjunto de povos instalados entre os rios Reno e Vístula. Estrabão, geógrafo de origem grega (século I), julgou que o termo era um vocábulo latino advindo de germen. Germani indicaria aqueles que estavam unidos pelo sangue.
Modernamente, Lot considerou germano como um termo céltico empregado pelos remenses em relação a seus vizinhos do leste. Para Mitre, parece que a palavra era estranha à própria língua germânica, sendo aplicada, em princípio, pelos romanos aos galos. Musset também concorda com essa opinião ao assegurar que o termo não era de origem germânica e se referia às tribos semi-celtas da margem esquerda do Reno, os germani cisrhenani, aumentando assim a possibilidade do vocábulo ser céltico. A distinção entre os povos galo e germânicoapresentou-se entre os romanos nas obras de César, Estrabão, Plínio, O Velho, Tácito e Ptolomeu. Os quatro últimos autores tentaram elaborar algumas sínteses, favorecidos após um século de guerras e contatos comerciais.
A origem dos germanos é incerta. Basicamente existem três hipóteses. Alguns estudiosos alemães acreditam que os germanos sejam indo-europeus vindos da Rússia oriental. Outros consideram-nos como nórdicos que ocupavam as regiões escandinavas e bálticas e estavam isolados pela floresta germânica. Na Idade do Bronze, estes povos receberam o aporte de outros povos, dos quais adotaram a língua indo-européia. A civilização germânica estaria influenciada pelos celtas e ilírios, e até pelos povos mediterrâneos. Esta hipótese é a mais aceitável pela historiografia. A última foi formulada por Tácito, que os vê como autóctones.
Assentamentos e agrupamentos
Os autores latinos elaboraram diversas classificações dos germanos: Plínio adotou o critério topográfico - vandili (compreende os burgundiones, os varini, os charini e os gutones), istaeones (povo único de nome modificado, os sicambrios), ingaevones (compreende os cimbri, os teutones e os chauci), hermiones (compreende os suebi, os hermunduri, os chetti e os cherusci) e peucini ou basternae. Por sua vez, Tácito seguiu a genealogia mítica: o progenitor comum, manuus (homem), e seus três filhos, antepassados dos ingaevones, hermiones e istaevones.
A maioria das tentativas de classificação das tribos baseou-se na origem genealógica, efetuadas por historiadores interessados, principalmente, no aspecto etnológico, desde Estrabão até Tácito. Porém, diferem entre si na denominação das tribos e nem coincidem nos grandes grupos. Estas divergências expressam talvez as sucessivas fases do desenvolvimento histórico.
A historiografia moderna utiliza-se de duas categorias: geográfica e lingüística. Riché e Lot, apesar de adotarem a geográfica, diferem nas suas classificações. O primeiro analisa o momento da invasão do século V e divide os povos germânicos em três grupos. No leste, os godos, vindos do Báltico, na Ucrânia, no século III, repartem-se em visigodos (godos "sábios"), a oeste do Dnieper, e em ostrogodos (godos "brilhantes"), a leste do mesmo rio. Há ainda os gépidos, que descem do Báltico e se instalam sobre a Thiza, não longe dos vândalos hasdings. Os vândalos silings, por sua vez, ocupam a Silésia e comprimem os marcomanos na Baviera. Os burgundios, originários talvez da ilha báltica de Bornholm (borghundarholm), empurrados pelos gépidos, encaminham-se do Oder em direção ao Reno. No outro grupo, a oeste, estão os alamanos, congregando diversos povos (all mann), que se estabelecem sobre o Main. Os francos absorvem os sicambrios, chamavos, bructeros, chattos etc. e dividem-se em dois segmentos: ripuários, sobre a margem do Reno, de Bonn a Colônia, e sálios, entre o Reno e o Escalda. O último grupo, localizado ao norte, seria o dos escandinavos, anglos, varnes e jutos. Entre a foz do Elba e do Weser, instalam-se os saxões e frísios, e, mais a leste, entre o Elba e o Oder, os lombardos. Lot opta por uma bipartição: germanos ocidentais e os setentrionais e orientais. Os primeiros se subdividiriam em ingaevones (cimbrios, teutões, anglos, varnes, saxões e frísios), na península da Jutlândia; istaeones (francos: sicambrios, chamavos, sálios...), no sul da Jutlândia e parte das costas do mar do Norte, hermiones (batavos, cheruscos, chattos), ao sul dos istaeones; suevos (marcomanos, quados, turingios e alamanos), no centro da Alemanha e Bohemia. No segundo grupo há lugues, no Báltico (século I), dos quais os vândalos constituem um ramo; borgonheses, na foz do Oder e Vístula; godos e gépidos, no Baixo Vístula, Cárpatos e mar Negro (século II); rugios, na Pomerânia (século II); lombardos, no Baixo Elba; bastarmos e sciros, no Olbia (século II); hérulos, vizinhos dos rugios.
A distinção pela língua desenvolveu-se a partir da gramática comparada, no começo do século XIX. Tradicionalmente, divide-se em três dialetos: nórdico (escandinavo antigo e línguas modernas surgidas a partir dele), ósticos (burgundio, vândalo, rugio, bastarno, todos desaparecidos) e vésticos (francos, alamanos, bávaros, lombardos, anglos, saxões, frísios; alemão, holandês e inglês modernos). Contudo, esta classificação está sofrendo uma revisão, em vista da proximidade relativa do nórdico com o gótico e dialetos afins, originando o seguinte esquema: germânico continental (francos, alamanos, bávaros, lombardos...); germânico do mar do Norte (anglo-saxão, frísio) e talvez um germânico do Elba; por fim, godo-escandinavo (dialetos nórdicos e ósticos na classificação tradicional).
Apesar de tudo, continua ainda em questão quais eram os povos que estavam compreendidos nos diversos grupos existentes. Sobre isto é difícil chegar a um acordo nas circunstâncias atuais, pois as grandes divisões, que da literatura antiga surgiram, fundamentaram-se em princípios distintos e compreendiam somente uma parte de toda a Germânia. De fato, existem muitas possibilidades de classificação segundo a importância que se concedeu, e ainda se concede, ao idioma, origem, tradição tribal, determinadas instituições da vida social e do culto, e, sobretudo também, à própria ordenação dos grupos. Somente quando a transmissão de dados da tradição se realizou sob condições muito favoráveis é que foi possível incorporar com exatidão a um mapa moderno o catálogo de povos da Antiguidade e combiná-los com os estudos de classificação arqueológica.
A civilização dos "bárbaros"
É na obra de Tácito, Germania, que se obtém uma visão mais detalhada dos costumes e da vida dos povos germânicos. O autor nasceu em 55, foi questor e pretor em 88, sob a dinastia Flávia, cônsul nos tempos de Nerva, alcançou seu mais alto posto oficial sob Trajano, com a administração da Ásia. Em Germania, a manifesta simpatia de Tácito pelos germanos e seu conhecimento deste povo fazem crer que fora filho do procurador eqüestre da província dos belgas. É bem possível que Tácito tenha desempenhado um cargo próximo à Germânia, na Bélgica, durante sua ausência de quatro anos de Roma, o que facilitou o relato sobre aquele território e seu povo, adversário temível do Império Romano. Porém, não é como um inimigo que ele o descreve nos seus mais diversos aspectos. Ainda que a Germania tenha se baseado, em parte, nos antigos relatos, Tácito também empregou material contemporâneo, daí a vigência de sua obra. Caso se considerem as fontes arqueológicas, que em muitas ocasiões completam e melhoram o relato de Tácito, tem-se a possibilidade, pouco freqüente para outros povos, de obter um corte transversal dessa região até fins do século I. Este período é um momento considerado fundamental no processo de formação dos diferentes povos, que se constituíram naquele conjunto histórico e cuja organização interna pode se distinguir da dos vizinhos com toda a nitidez. A obra de Tácito torna-se, portanto, imprescindível para a compreensão da "civilização bárbara", que é complexa e variada. Porém, ater-se-á às características mais gerais dos germanos.
Aspecto social
Os germanos desconheciam Estado e cidade. Sua vida social estava centrada na comunidade, na tribo, no clã, enfim, na família, em que o indivíduo encontrava sua razão de ser. A base de toda a estrutura social estava na sippe (comunidade de linhagem que assegurava a proteção ao grupo de pessoas sob sua autoridade). Numa posição superior estava a centena (fundamentada no distrito ou gau), organismo com funções judiciais e de recrutamento militar.
Dentro da família, o pai exercia autoridade absoluta sobre esposa e filhos: a infidelidade feminina era castigada com a morte e repúdio, já que a mulher era a guardiã da pureza; as filhas, sempre tuteladas, passavam da autoridade paterna para a do marido através da venda e em troca de um dote (animais ou armas); os filhos encontravam-se, até os dez ou quinze anos, sob a autoridade do pai e ocupados com tarefas domésticas e o cultivo da terra,quando então eram armados como guerreiros pelo seu progenitor para integrarem a corte do chefe. Mesmo assim, o jovem continuava juridicamente na sua família, que era responsável por suas faltas, dívidas e vingança. A mulher participava intensamente da vida do marido. Quando do casamento, a esposa tornava-se encarregada da transmissão ao filho do seu dote em armas e animais e dava uma arma ao esposo para mostrar que estava pronta a dividir o perigo da ocupação de guerreiro.
A solidariedade familiar era também comprovada pelo pagamento das dívidas, liquidação do wergeld (preço do sangue) ou compensação pecuniária, quando eram criminosos, e vingança, quando eram vítimas, através da guerra privada (falda). O wergeld foi criado para diminuir os excessos da vingança privada e restabelecer a ordem desejada pelos deuses. Para isso, estipulava-se uma quantia proporcional à importância do delito ou à posição social da vítima. Podia inclusive haver transmissão de dívidas, como ocorria com os sálios (chrenecruda).
O elemento social fundamental eram os homens livres, os guerreiros, cuja morte implicava uma indenização elevada. Além de portarem armas, tinham o direito de expor nas assembléias sua opinião. Em um escalão inferior, estavam os semilivres, oriundos de povos vencidos. Eram numerosos, mas talvez não constituíssem maioria em todos os lugares. Por último havia os escravos, domésticos ou dedicados ao cultivo das terras. Eram cativos, prisioneiros de guerra ou devedores insolventes, que estavam ligados à cultura do solo. Podiam ser resgatados, tornando-se semilivres; porém, não faziam parte do povo germânico, pois somente uma família dava ao germano possibilidade de ser livre. Riché acrescenta uma aristocracia de nascimento (linhagem) ou de valor, proprietária da maior parte das terras que dirigiria a tribo (adafingi). Este grupo tinha a prerrogativa de servir nas tropas de cavalaria, influência da vizinhança dos povos iranianos que faziam grande uso do cavalo. O considerável grau de influência da nobreza germânica pelo viver daquele povo de ginetes pode ser evidenciado pela situação que se apresentou na época das grandes "invasões bárbaras". Porém, Musset considera duvidosa a existência, em muitos povos, de uma nobreza estranha às famílias reais.
Aspecto político
O caráter militar é o traço mais típico da sociedade germânica. A guerra era a razão de ser do germano, que devia sempre estar preparado para o ataque. Suas armas eram principalmente ofensivas: lanças, espadas longas com duplo corte e machados. A organização dos exércitos "bárbaros" descansava no serviço de todos os homens livres em estado de combater, equipar-se e alimentar-se, pelo menos, para uma curta expedição. As mulheres também davam sua contribuição, incentivando os guerreiros. Estes, caso fossem vencidos, se matavam no campo de batalha ou se entrincheiravam nas fortalezas da floresta, esperando uma nova ocasião. Os achados arqueológicos confirmaram toda essa belicosidade, pois nos túmulos encontraram-se grandes quantidades de armas.
Uma das principais atividades dos germanos estava ligada à guerra: a metalurgia das armas, arte na qual eram insuperáveis. Esta superioridade técnica proporcionava uma vantagem garantida aos germanos nas guerras que empreendiam. Somada à técnica, havia também a estratégia. Tácito, ao se referir aos chattos, revela que possuíam um autêntico exército profissional provido de um corpo de engenheiros e dotado de perícia para manobrar, fortificar-se sobre o próprio terreno e escolher os chefes mais capazes.
Os objetivos fundamentais eram de ordem militar, e as únicas subdivisões sólidas encontravam-se no exército. A base da hierarquia social caracterizava-se por uma instituição essencialmente guerreira, o séquito (comitatus), formado pelos chefes que congregavam grupos de jovens guerreiros que haviam prestado juramento e cuja fidelidade tinha sido provada. Os chefes e seus jovens companheiros eram organizados para o combate por tribos. Posteriormente, adotaram-se as divisões territoriais. O mando estava nas mãos de chefes hereditários ou dos ricos que se achavam à cabeça de um importante comitatus. Criava-se assim um setor de pessoas dependentes e um grupo de homens livres para o serviço de armas na guerra e nas expedições de botim. O enriquecimento dos chefes favoreceu sua transformação em proprietários. Deste setor, surgiu o grupo dirigente da formação política, seja em uma espécie de principado ou em forma de monarquia. Foi desta nobreza que saíram os chefes do exército da época tardia.
Em tempo de paz, os poderosos somente tinham a autoridade que lhe conferiam sua influência social e número de fiéis. Os reis acrescentavam à sua autoridade o prestígio religioso. Porém, o verdadeiro poder pertencia à assembléia local de homens livres (mallus), que era celebrada periodicamente ao ar livre. Uma vez por ano, os grupos se reuniam em um lugar sagrado, perto de uma árvore ou montanha, para discutir a eleição do chefe, empreender a guerra ou julgar contendas entre as tribos.
Em tempo de guerra, os chefes hereditários ou escolhidos (duces) tinham um poder quase absoluto, exceto no que diz respeito aos direitos elementares, como o botim. A rivalidade entre os clãs originou-se dos esforços em obter influência na direção dos grupos políticos, o que ocasionava duradouras guerras.
Na época das invasões, os povos germânicos apresentavam-se distintamente do que retratou Tácito. Alguns constituíram-se em células elementares muito coerentes, mas pouco numerosas, enquanto outros formavam vastas confederações, constantemente sujeitas à absorção ou dissolução. Havia também graus intermediários. Nessas associações maiores entravam vários elementos aglutinadores: sociológicos (comunidade de antepassados, matrimônios mistos), religiosos (comunidade de culto), geográficos (região habitada), lingüísticos (particularidades dialetais), econômicos (botim) e étnicos. Contudo, na maioria das vezes, o determinante era político. Quase todos os povos que dividiram o saque do Império tiveram como agregador uma realeza dinástica, o que não era um traço primitivo dos germanos segundo Tácito e César. Estes falavam em suas obras de numerosos povos "republicanos". A monarquia era uma instituição que dominava na parte oriental do limes imperial.
A luta com Roma e a divisão dos despojos favoreceram a realeza. Esta tinha um duplo caráter: religioso e militar, cuja intensidade de cada tipo de poder variava de acordo com o povo.
A sobrevivência das confederações, sobretudo as maiores, dependia do sucesso que obtinham. Repetidos fracassos acarretavam a dissolução e o desaparecimento de seu nome. Seus componentes ganhavam sua liberdade ou entravam para outros agrupamentos. Estes podiam ser de dois tipos: um grupo reduzido, que defendia o seu nome e a dinastia, e outro composto de camadas externas supostas. O primeiro, por sua extensão, era mais fácil de ser aniquilado; porém, enquanto subsistia, era dotado de forte "consciência étnica".
Aspecto econômico
Os germanos eram simultaneamente guerreiros e camponeses, situação esta figurada no seu instrumento, a frâncica, que não era apenas uma lança, pois servia igualmente para o arroteamento. As guerras tinham freqüentemente como objetivo a conquista de novas terras e a aquisição de mão-de-obra servil. Na época das colheitas, interrompiam-se as guerras.
A vida econômica era muito diversa segundo a região. Os saxões e frísios, habitantes das planícies úmidas, praticavam a pecuária bovina. Os germanos dos bosques faziam, em áreas queimadas, um cultivo mais ou menos intermitente, organizado pela coletividade; os das estepes concediam grande importância à criação eqüestre. Assim, os germanos viviam da pecuária (bois, cavalos e ovelhas) e agricultura, juntamente com a pesca e a caça.
O rebanho (uma espécie de bem da comuna) pastava na terra em pousio. De acordo com a região, cultivava-se, com uma técnica rudimentar, trigo, aveia ou linho, a cada dois ou três anos. As condiçõesde solo não ajudavam. Os germanos instalavam-se em clareiras por alguns anos, onde arroteavam o terreno com pesadas charruas. Esgotadas as terras, procuravam novas. Riché vê este seminomadismo como uma explicação para o fracasso de os germanos formarem um Estado estável. A existência de ricas terras ultrapassando o limes imperial (Reno e Danúbio) foi uma motivação para as invasões. Para cultivar o solo, empregavam-se os antigos prisioneiros de guerra, transformados em escravos ou semilivres. Nessa atividade, deve-se destacar ainda a participação da mulher, que se ocupava desse afazer enquanto os homens estavam nas guerras. Apenas os homens livres possuíam a terra. Apesar da existência da propriedade individual, a exploração das terras era sempre coletiva, devido às condições da agricultura, que exigiam um acordo de alternância da pecuária com o cultivo. Da terra os germanos tiravam os meios para sua alimentação, habitação (barro ou madeira) e vestimenta.
O artesanato era modesto, principalmente a cerâmica e a tecelagem. Desenvolveu-se a atividade de metalurgia, por ser essencial à guerra para confecção de armas, carros de combate e barcos. Os germanos tinham uma técnica apurada, em que empregavam o endurecimento do aço pelo azoto. Havia inclusive façanhas lendárias envolvendo ferreiros (Mimir e Wieland).
A ourivesaria era outra atividade em que os germanos se destacaram devido ao seu caráter decorativo. Fíbulas, placas de cinturões e outros artefatos possuíam suas superfícies totalmente decoradas com figuras de animais estilizados ou com abstrações geométricas (círculos, cruz gamada etc.). A ilustração zoomórfica era característica da "arte das estepes" transmitida aos godos e, depois, aos outros germanos, pelos sármatas.
As atividades comerciais existiam, há longo tempo, entre os povos nórdicos e mediterrâneos, e, cada vez mais, se voltavam para o Império Romano. Apesar da penetração de moedas romanas em grande quantidade na Germânia e Escandinávia, elas não foram utilizadas para troca, pois o padrão era ainda o gado ou as barras ou argolas de metal precioso. Essa região continuava refratária à vida urbana.
Aspecto religioso
É difícil afirmar se houve uma unidade religiosa entre os germanos. Ignora-se o culto de alguns povos essenciais, como os godos. As fontes escasseiam no período entre Tácito e as missões cristãs. Assim, há informações muito antigas (César e Tácito) ou mais recentes (Edda escandinava). Contudo, os trabalhos arqueológicos ajudam na elucidação deste quadro.
De uma primeira época, César mostra a grande diferença entre os galos e os germanos ao se referir à existência de um corpo sacerdotal entre os primeiros (druidas). Os germanos não tinham uma casta sacerdotal; entretanto, alguns deles podiam ter a função de "padre", o que não durou muito tempo. Estes foram substituídos pelos pais de família ou chefes de tribo quando das assembléias ou libações rituais de vinho. Eram os chefes das famílias que dirigiam os sacrifícios domésticos. As mulheres tinham um papel de destaque como profetisas (por exemplo, Véleda) ou mágicas. Tanto os "padres" como essas mulheres conheciam o caráter secreto das Tunas (escritura germânica). Parece que tinham um valor decorativo e mágico para a proteção dos guerreiros. Esses sinais eram gravados em madeira, armas, jóias ou pedras, resguardando seus portadores.
Não havia templos. Os rituais ocorriam nos bosques sagrados, picos de montanhas ou próximos de fontes ou árvores, em certas datas (solstício, lua nova). Praticavam-se então sacrifícios animais ou humanos, presididos pelos "padres". Havia três reuniões anuais para obter boa colheita, crescimento das plantas e vitórias nas guerras. Estas também podiam ser comemoradas com sacrifícios de armas e prisioneiros. Faziam-se procissões com carros de combate, bem como algumas práticas adivinhatórias.
Os germanos adoravam essencialmente a natureza e suas forças, que atuavam como em um campo de batalha, em que se defrontavam os deuses. O espírito belicista desse povo não poderia estar ausente da sua religião. Encontravam-se no panteão germânico grandes figuras divinas, tais como: Wotan (ou Odin), que preside o comércio, combates e tempestades - deus aristocrático por excelência; Tiwaz, que dirige o céu e protege as assembléias; Donar (ou Thor), senhor dos raios e que é invocado antes de ir à guerra; Nerthus, a deusa da fecundidade, festejada na primavera (sempre presente nas sociedades agrárias); Freya, divindade do amor e do fogo. Alguns desses nomes estão presentes no calendário: terça-feira é o dia de Tiwaz (Tuesday), quinta-feira, de Donar (Thursday) e sexta-feira de Freya (Friday). Igualmente existem numerosos seres invisíveis, espíritos e gigantes, expressos na literatura germânica. Entre os espíritos malignos, sobressai Loki, que, com a ajuda dos deuses, criou o homem, dotando-o assim de uma parte boa e outra má. Tácito revelou a existência de poemas, cantos heróicos e mitológicos, invocando alguns heróis em relação direta com os deuses: Tuisto, Buri, Marin e Ingo.
A religião germânica caracterizava-se por quatro elementos: o caráter escatológico, pois tudo foi criado e, portanto, devia terminar, sejam deuses ou homens; o pensamento fatalista, ao prever que a grande batalha entre os deuses e os espíritos malignos aniquilaria a todos; a crença em uma vida após a morte (Walhalla e Hel), expressa na incineração ou inumação com os utensílios, armas e adornos dos mortos; o espírito bélico, próprio de uma aristocracia guerreira, que privilegia os sentimentos de honra e fidelidade, recompensando-se os guerreiros, quando mortos em batalha, com uma vida entre os deuses no Walhalla, levados pelas valquírias - donzelas guerreiras, filhas de Wotan. O referido fatalismo foi atenuado com a esperança de surgir um mundo de paz, após a guerra final, no qual ressuscitariam os filhos dos deuses e os homens. Contudo, nesta existência predominava a guerra e a morte.
Aspecto cultural
A produção artística e cultural dos germanos estava profundamente interligada ao seu espírito guerreiro. No decorrer dos banquetes, os cantores improvisavam poemas épicos em honra aos heróis germânicos. A epopéia e a lenda dos heróis germânicos vinculavam-se à mitologia germânica acima descrita. Os cantos épicos constituíam uma manifestação das virtudes valorizadas por esse povo. No centro desta epopéia, ressaltava-se o herói, descendente de um personagem divino.
Cada tribo ou clã tinha sua saga, espécie de lenda em que se fazia uma recordação gloriosa dos antepassados. Era a expressão literária mais elementar. Mitre cita a tipologia elaborada por Gonzague Reynold para classificar essas manifestações poéticas centradas nos heróis. Assim, apresentaram-se cinco ciclos: ostrogóticos (Ermanarico e Teodorico); franco (Sigfrido); burgundio (Gunther e seus irmãos e a heroína Kriemhild); lombardo (rei Rothari, Ortmit, Hugdietrich e sua filha Woldfdietrich); aquitânio (Walter ou Gouthier). Estes compõem os ciclos da Germânia do continente. Faltam, contudo, os ciclos da Germânia do mar, com os poemas de Kudrun e Boewulf, os dois de origem danesa. O poema dos nibelungos, expressão significativa da epopéia germânica, foi imortalizado e popularizado pela orquestração do compositor alemão Wagner, no século XIX.
Os caracteres rúnicos, originados na Dinamarca, no século II, e por influência mediterrânea, possuíam muito mais uma função mágica do que de escrita. Sem prestar grandes serviços à vida intelectual, subsistiu no continente até o século VII, na Inglaterra até o IX e na Escandinávia até o XV. Com a conversão dos godos ao arianismo, no século IV, surgiu um tipo de alfabeto inspirado no grego e no rúnico. Este foi criado pelo bispo ariano Ulfilas ou Wulfila (311-383), que traduziu a Bíblia em língua gótica, facilitando assim a sua tarefa religiosa.
A ourivesaria, como exposto anteriormente, teve seu papel de destaque como uma das mais importantes manifestações artísticas dos germanos. A destreza e o gosto germânicosse revelam com grande esplendor nessa arte, na qual foram mestres.
O Império Romano e o mundo germânico
Primeiros contatos
A primeira confrontação entre as legiões romanas e os germanos teve como protagonista Mário, vencedor dos teutões em Aix e dos cimbrios em Vercelli (102 a 101 a.C.). Roma tomava assim consciência do nascente perigo germânico. Porém, alguns historiadores, como Lot, consideram esse movimento como a última mostra da "barbárie celta", baseando-se nos nomes celtas dos seus chefes.
A ocupação das Gálias por César colocou os romanos em contato com os suevos de Ariovisto, em 58 a.C. Este tratava de ganhar terreno na Europa central, em detrimento dos celtas, então em plena decadência. A conquista romana limitou a expansão germânica (bastarmos, cimbrios, teutões), primeiro pelo oeste (campanha da Gália, 58 a 51 a.C.) e logo no sul (organização de novas províncias). A expansão somente pôde continuar algum tempo até o leste através dos espaços mal delimitados no istmo formado entre o Báltico e o Negro. Musset levanta várias hipóteses para esse movimento migratório: péssimas condições climáticas na Escandinávia e região báltica, aventura, pilhagem e obrigação ritual de os jovens de cada geração buscar fortuna no exterior pelas armas. Seja como for, os celtas, sentindo-se ameaçados pelos germanos, pediram auxílio aos romanos, que derrotaram os suevos de Ariovisto nas margens do Reno, junto a Besançon.
As tentativas posteriores de Augusto (27 a.C. a 14) e Tibério (14 a 37) ocuparem a zona entre o Reno e o Elba não tiveram êxito, e algumas campanhas acabaram em completo fracasso. Uma delas foi a de Quintílio Varo, em 9, quando foram aniquiladas três legiões. Segundo o relato de Dion Cassio, Varo assumiu o governo da Germânia e, intervindo em seus assuntos apoiado em sua autoridade, tentou converter os germanos de repente em outros homens, dando-lhes ordens, como se já houvessem sido dominados, e pretendendo inclusive o pagamento de tributos, como se fossem súditos. A sublevação partiu dos territórios já possuídos, como resultado de uma política de ocupação equivocada.
Havia entre os germanos diferentes opiniões sobre a atitude a ser tomada em relação aos romanos: alguns estavam contra o conquistador; outros queriam aproveitar sua posição e boas relações com Roma para fins hegemônicos; por fim, uns eram partidários do levantamento, ainda que antes estivessem a serviço do Império e tivessem sido convertidos em cidadãos romanos. Um exemplo foi o querusco Armínio, antigo aliado das tropas imperiais e que se sublevou do jugo romano, talvez alentando o sonho de criar um Estado germânico rival de Roma. Este ideal também foi perseguido por outros germanos. Armínio sofreu um sério revés pelas legiões de Germânico, sobrinho do imperador Tibério, que empreendeu campanhas vitoriosas até alcançar o vale de Weser. O destino não lhe foi favorável, acabando por ser assassinado pelos próprios germanos.
Com Marbodo, começou-se a formar entre os marcomanos, na Bohemia, um centro de poder que era um foco de perigo para o domínio romano. Os marcomanos eram um ramo dos suevos, instalados inicialmente no curso do Main, que emigraram para Bohemia. Marbodo assumiu de fato o poder real e submeteu todos os seus vizinhos pela força ou vinculou-os por tratados.
A formação de tal unidade foi possível em contraposição à ocupação romana, que, justamente por ser diferente e estrangeira, favoreceu entre os germanos a idéia de irmandade ou, ao menos, o sentimento de ter interesses comuns. Contudo, as rivalidades continuavam a existir. Os romanos souberam aproveitar essas discórdias através da diplomacia e intriga, acabando por ajudar na derrubada de Marbodo. Não permitiram ao seu sucessor manter por inteiro o reino e criaram um novo domínio para outro de seus protegidos, Vannio, que atuou como uma espécie de rei vassalo de Roma.
Se o Império soube explorar as divisões entre os "bárbaros", estes aproveitaram-se igualmente das dissensões romanas advindas com a morte de Nero, em 68. O movimento de insurreição partiu dos batavos, um grupo dos chattos que se havia instalado entre o antigo Reno e o Wall e que tinha várias cortes de tropas auxiliares, cujo mando estava nas mãos da nobreza tribal germânica. Surgiu, neste contexto, Júlio Civil, nascido nas fronteiras setentrionais do Império, Batávia (atual Holanda), e que serviu vários anos no exército de Roma. Consciente da impopularidade dos romanos nas fronteiras do Reno, conseguiu unir em uma sublevação comum os galos, germanos e batavos. No princípio, fingiu tomar partido por um dos grupos que disputavam o poder em Roma. Contudo, Vespasiano, uma vez na direção do Império, empreendeu uma séria campanha para sufocar a rebelião e assinou tratados de paz.
Formação do limes
Percebe-se então que desde Augusto a política romana em relação aos germanos passou por várias estratégias. Apesar da derrota de Varo não ter sido tão catastrófica que impedisse a expansão na Germânia, Augusto não a concluiu. Conseguiu-se chegar até o Elba, organizando-se as novas províncias de Récia e Nórica (16-15 a.C.). Entretanto, a revolta de Armínio inquietou o governo imperial, e apesar das vitórias (14 a 16) de Germânico, decidiu-se abandonar a região da margem direita do Reno. Alguns autores, como Mitre, acham que Roma desdenhou a ocupação da Germânia, mesmo quando tal ocupação era empresa fácil, por considerar essa região tão pobre como a Irlanda e Escócia.
Roma optou por organizar solidamente as suas fronteiras, aproveitando-se das condições geográficas que serviriam como limites naturais. Assim, o Reno e o Danúbio tornaram-se marcos para o estabelecimento do famoso limes, que, partindo de Bonn, terminava sobre o Danúbio, em Ratisbonne. Roma também protegia as regiões dos Campos Decumates ou Decimates (atuais zonas de Baden e Württemberg, no sudoeste da Alemanha). Constituíram-se postos fortificados ocupados pelos soldados acampados nas duas províncias ditas de Germânia.
Processo de romanização
Desde o século I, portanto, abandonou-se uma política ofensiva, preferindo-se ou uma defesa estática (limes) ou uma diplomacia de apoio dos chefes romanizados dos germanos independentes, concomitantemente a demonstrações esporádicas de força. Estas ações integraram-se em uma estratégia maior de penetração pacífica através da romanização dos germanos. Em quatro pontos residiam as bases desse processo: as relações dos chefes germânicos com Roma, como exemplificado anteriormente; a integração dos "bárbaros" nas legiões romanas; os contatos econômicos entre Roma e Germânia através do limes; os tratados de ajuda militar.
Relações príncipes germanos-Roma
O primeiro elemento já evidencia a penetração romana no espírito dos germanos, desde Ariovisto - que mais que romanizado era ceitizado - até Vannio. O contato com o Império havia se intensificado depois do avanço romano até o Reno e o Danúbio e, sobretudo, na época de formação do limes. Os serviços prestados pela nobreza germânica foram muito importantes ao Estado romano. O contato com a civilização romana já havia permitido, em muitas ocasiões no ambiente "bárbaro", o acesso das famílias principais a postos especiais em Roma.
Os "bárbaros" e as legiões romanas
A penetração dos "bárbaros" no exército imperial verificou-se em quatro momentos. Inicialmente, participavam de forma esporádica e, em geral, eram recrutados entre os povos das margens do Reno para os destacamentos de cavalaria durante uma campanha (mercenários). Em outra fase, formavam corpos recrutados por tratados de forma permanente, mas não integrados dentro das legiões, com cada uma de suas unidades constituída por um povo "bárbaro" determinado. O perigo de sublevações nacionais levou ao recrutamento por províncias inteiras, enviando-se os recrutados a lugares afastados de seu lugar de procedência. Com Vespasiano (69 a 79) e seus sucessores, cresceu o número de tropas auxiliares e alguns "bárbaros" chegaram a cargos de chefia (por exemplo, Estilicão).
Importânciaeconômico-militar do limes
O limes não era uma muralha contínua, mas um amplo caminho em que, a intervalos regulares, se construíam torres de madeira, com uma pequena guarnição para vigiar possíveis movimentos inimigos. Atrás delas estabeleciam-se os acampamentos. No princípio, eram essencialmente mercados nos quais os germanos levavam seus produtos, tais como âmbar, trigo, madeira e peles, para trocar por outros, romanos, de baixa qualidade. Portanto, era um mercado compensatório para o Império. Em meados do século II, Roma tinha necessidade de contratar soldados "bárbaros", que custavam dinheiro, o que diminuía as vantagens até então conseguidas pelos romanos. Logo, iniciou-se a colonização das zonas de fronteiras, com o estabelecimento de pequenos arrendatários, seguida da implantação nesses novos territórios da administração provincial e da organização municipal. A colonização civil deveu-se, em grande parte, às necessidades das tropas, pois a distância do limes encarecia os produtos, que necessitavam ser transportados, obrigando a criação de uma indústria própria próximo à fronteira.
A necessidade de soldados e de mão-de-obra agrícola por parte de Roma acarretou, portanto, uma infiltração pacífica dos germanos no limes - região entre o rio Reno e o rio Danúbio, perto do lago de Constança -, que cultivavam os chamados Campos Decumates ocupados em comum acordo com o governo imperial, o qual recebia por isso um dízimo. Assim, os laeti, acantonados com suas famílias perto da fronteira renana, contribuíram para a formação de comunidades rurais. Os estabelecimentos fronteiriços rodearam-se, em certas ocasiões, de muralhas, o que deu ao limes seu duplo caráter militar e econômico.
Tratados de ajuda militar
O último elemento do processo de romanização eram os tratados de ajuda militar entre Roma e os reis das tribos mais próximas às fronteiras. Visava-se formar uma linha defensiva composta pelos próprios germanos, que defenderiam a integridade do Império. Os pactos de fidelidade concluídos com a maioria dos povos germânicos na zona do limes tiveram validade até a segunda metade do século I.
Esta situação se manteve até a época dos Flávios (anos 70 do século I). Com Domiciano (81 a 96), iniciou-se uma campanha contra os quados e marcomanos, que se negaram a facilitar ao imperador o contingente militar a que estavam obrigados. Simultaneamente, travavam-se outras frentes de batalha com os dácios, suevos e sármatas, o que tornava mais difícil a empreitada. A pressão de outros povos "bárbaros", desde o norte, punha em sério risco a fronteira do Danúbio e do Reno, o que tendia a aumentar no transcurso do tempo. Além disso, a existência do Império foi sem dúvida uma das causas das migrações "bárbaras", pela atração que exerciam suas terras e riquezas.
Alterações na política romana
A política defensiva do limes começou a mostrar suas falhas com a chegada de outros povos mais belicosos do interior da Germânia. Assim, Trajano (98 a 117) iniciou uma ofensiva no Danúbio contra os dácios, que haviam conseguido, no governo de Domiciano, uma situação vantajosa. O imperador arrematou suas conquistas com uma série de vitórias contra os partos, fazendo com que o Império alcançasse sua máxima extensão. Porém, seu sucessor, Adriano (117 a 138), devolveu a Mesopotâmia aos partos e adotou como estratégia defensiva do Império a constituição de principados vassalos. A política militar ficou reduzida ao fortalecimento das fronteiras e ao adestramento do exército. No governo de Marco Aurélio (161 a 180), renasceram os problemas fronteiriços com os partos, quados e marcomanos. Estes dois últimos haviam aberto uma brecha no limes e penetrado até o Danúbio. Conseguiu-se rechaçá-los com muito esforço, o que durou de 169 a 174.
Assim, as campanhas de alguns imperadores do século II não tinham um objetivo estritamente expansionista, mas de simples consolidação do limes ou de redução das linhas defensivas. As operações militares de Trajano na Dácia (101 a 107) ou a luta de Marco Aurélio na bacia central danubiana contra os marcomanos e quados respondiam em boa medida a essa pauta.
Alterações no mundo germânico
O mundo germânico do final do século II e, principalmente, do século III já não era o descrito por Tácito. Neste período teve lugar o surgimento daqueles grandes agrupamentos políticos constituídos por distintos subgrupos, cujo destino determinou a história da época das invasões. Alguns deles apareceram sob um novo nome, sobretudo aqueles que, com novas maneiras de organização, sobreviveram em sua forma étnica através dos tempos. Outros apareceram com nomes antigos de tribos, mas que, apesar de conservarem suas próprias tradições, sofreram grandes transformações no seu aspecto étnico devido às múltiplas uniões ocorridas com as migrações.
A partir de Marco Aurélio, outros povos entraram no cenário e foram se escalonando desde a Dinamarca até o delta do Reno: procedentes da península Escandinava, havia os godos, burgundios, lombardos, gépidos, hérulos e lugues, e, a oeste, apoiados sobre o mar do Norte, os saxões, frísios, jutos, francos e alamanos. A calma relativa que reinava até a segunda metade do século II terminou definitivamente. O aumento da densidade da população na Europa central pressionou fortemente o limes - sobretudo na parte oriental do mundo germânico -, com a migração dos godos, que acarretou uma série de reações em cadeia. Um novo quadro de "bárbaros", a partir do século III, vai hostilizar o Império Romano.
A crise do século III e os "bárbaros"
No decorrer do século III, as guerras civis, que confrontaram as diversas facções do exército romano, converteram o limes desguarnecido em uma linha defensiva facilmente vulnerável. As tropas das fronteiras foram freqüentemente retiradas, a fim de obter soldados para as campanhas no leste do Império (partos e sassânidas) e combater os anticésares. Assim, debilitou-se enormemente a capacidade defensiva do Império. Em todas as frentes, sentia-se a ameaça ao poderio romano, desde a região da Mesopotâmia - Síria, com os persas sassânidas, até o Baixo Danúbio, com os godos, e o Ocidente, com os franco-alamanos. Este movimento por parte dos germanos explica-se por três séries de acontecimentos.
Política restritiva do Império
Mediante uma política de intercâmbios de todo tipo, Roma exercia sua influência nas regiões fronteiriças. Havia um duplo jogo político e econômico para incrementar as relações mercantis e militares, como exposto anteriormente, e restrições vexatórias impostas às tribos ribeirinhas renanas e danubianas, tais como: obrigação de manter inculta uma extensão de terra mais além do limes e proibição de navegar pelos rios ou fazê-lo com graves limitações. Além disso, a arbitrariedade romana na fixação do tipo de entrega para o imposto era um outro foco de desordem desde o século I, exemplificado no caso dos frísios (Baixo Reno), que se revoltaram e infligiram perdas aos romanos, em 28. Tudo levou a uma insatisfação dos germanos, que se sentiam atraídos pelas terras mais ricas ao sul, tanto a nível de pilhagem como de cultivo.
Reorganização política dos germanos
Outro fator é de ordem interna: a transformação da organização política das tribos germânicas. Antes, estas constituíam-se em unidades muito numerosas que conservavam uma forte individualidade. A partir de fins do século II e começos do seguinte, ocorreu o agrupamento dessas entidades particularizadas. As confederações, mais culturais que políticas, citadas por Plínio e Tácito se desagregaram e, posteriormente, surgiram novas formações, de caráter mais militar. Estas unidades proporcionaram aos germanos nova força para pressionar com mais êxito as fronteiras do Império.
Os ribeirinhos do mar do Norte renunciaram ao nome de chaucos pelo de saxões e descobriram sua vocação marítima, começando suas incursões. Na Alemanha central do século III, alguns povos agruparam-se sob o nome de alamanos. Logo, as tribos opostas ao limes do curso inferior ao Reno formaramos francos. No século IV, os hermúnduros foram substituídos pelos turíngios. Até o século seguinte nasciam os bávaros. As antigas tribos da Jutlândia (cimbrios, teutões e charudos) desapareceram e os hérulos emigraram, aparecendo em seu lugar os jutos e daneses. Mas foi entre os godos que este processo se destacou. Com a sua chegada à região da desembocadura do Vístula, em princípios do século I e depois da queda do reino dos marcomanos, sob Marbodo, do qual faziam parte também os lugues, segundo Estrabão, se desfez a antiga ordem, começando a ser agrupados às distintas tribos de forma nova. O resultado somente pôde ser sentido no século II, na época das guerras dos marcomanos, quando os vândalos e godos surgiram como dois grandes grupos ante o sistema defensivo do Império Romano.
Movimentos migratórios dos germanos
Aliados a esses dois tipos de acontecimentos, ocorriam movimentos confusos na Europa central, advindos tanto do aumento populacional, em detrimento das possibilidades de subsistência dos germanos, como das pressões de outros povos mais longínquos. Desde começos do século II, os germanos orientais (godos, vândalos, burgundios, lombardos) abandonaram seus assentamentos no litoral báltico e orientaram-se para o sul. Sua migração provocou a retração dos povos instalados desde algum tempo na Germânia. Gradativamente, a pressão se estendia em diversas direções. Por fim, os povos estabelecidos no limes se viram obrigados a marchar, pondo em xeque a política defensiva do Império.
Confronto "bárbaro"-romano
No Ocidente
No Ocidente, desde 213 tiveram-se notícias sobre os alamanos, derrotados por Caracala na Récia e Germânia superior. Entre 233 e 260 atacaram o limes e conseguiram um profundo avanço. Porém, foi a partir da anarquia militar (235 a 285), que se seguiu aos Severos, que se aceleraram as invasões. Em 243 e, sobretudo, em 254, os francos e alamanos rompiam o limes da Germânia superior, cruzando a Gália, Espanha e Itália do norte, saqueando e destruindo. As conseqüências dessas incursões espelharam-se no grande número de cidades desaparecidas no Ocidente, enquanto outras adotaram medidas, como construção de muralhas para se defenderem, que condicionaram sua futura evolução econômica e social. Nas províncias da Gália, a invasão de meados do século III significou uma ruptura mais profunda que a do século V.
A linha defensiva retrocedeu até o Reno, lago de Constança, curso do Iller e Danúbio, sendo consolidada mais tarde por Probo (276 a 282) e Diocleciano (285 a 305).
Por sua vez, os saxões, junto com os francos sálios, também faziam incursões na Inglaterra e costa norte da França e da Espanha, em 286. Os vândalos silings, junto com os borgonheses, invadiram desde a Silésia o vale do Meno, em 278, por onde penetraram na Récia. Porém, foram derrotados por Probo.
No Oriente
Tudo isso foi simultâneo ao momento dos godos nas províncias balcânicas. Até 230, eles tinham concluído seu processo de formação. Pouco depois da metade do século, produziu-se a divisão em dois reinos: visigodos e ostrogodos, sendo que este último gozava de certa primazia.
Um primeiro contato entre os godos e o Império se verificara na Dácia, durante o governo de Gordiano III (238 a 244). Já em 238, tinha-se conhecimento de uma incursão na Trácia. Cedo, os godos descobriram o mar e, igualmente como os hérulos, começaram a saquear as costas do mar Negro e os Bálcãs. Porém, continuaram com as empresas terrestres.
Até 270, a Dácia havia sido ocupada e colonizada em parte pelos visigodos. Ao lado destes, na Dácia, estavam os vândalos hasdings, que em 171 pediram para ser incluídos no Império. Não sendo aceitos, estabeleceram-se no norte da Hungria, como vizinhos dos quados. Permaneceram ali até que se chocaram com os sármatas e visigodos ao tentarem se expandir para os territórios abandonados pelos romanos, em 275.
Os romanos já não podiam manter-se na província depois que os "bárbaros" atravessaram, em rápida sucessão, o Danúbio, saqueando e arrasando as cidades costeiras e as fortalezas fronteiriças, ameaçando Mésia e pondo em perigo a Trácia e Macedônia. A Ásia Menor ficava indefesa e exposta ao botim. Em 271, Aureliano cedeu a Dácia. Durante um século, seus domínios confinaram com os de Roma ao largo de todo o Danúbio, sem que houvesse um incidente notável. Como todos os vizinhos do Império, os godos forneciam soldados e tributos.
Ao mesmo tempo, chegaram novos grupos do norte: os hérulos, que se estabeleceram perto do Don, em 267, e os gépidos, ao norte da Dácia, tornando-se vizinhos dos visigodos, em 269. Esta avalanche pôde ser contida em parte pelo exército e dinheiro pago aos "bárbaros". Em fins do século III, o Danúbio voltava a ser a fronteira do Império, como na época de Augusto. A colonização e a soberania dos germanos haviam alcançado sua maior expansão nessa parte da Europa. Somente com a vitória de Cláudio II em Nisch, em 269, salvou-se o domínio do Império, mas a Dácia, conquistada por Trajano devido à sua riqueza aurífera e melhor defesa do Danúbio, foi abandonada.
Recuperação romana
Com os imperadores Triboniano Galo (251 a 253), Aureliano (270 a 275) e Probo (276 a 282), os invasores foram repelidos. O mundo romano sobrevivera; porém, exigia uma série de reformas que seriam empreendidas por Diocleciano (285 a 305) e Constantino (306 a 337). Reorganizou-se então o sistema defensivo em torno das novas capitais (Milão, Trèves e Constantinopla), já que as legiões dispostas nas fronteiras não haviam conseguido frear as invasões. Instalaram-se igualmente soldados-lavradores nos fortes das fronteiras e modificou-se a estrutura das legiões, introduzindo-se a cavalaria "bárbara", bem como dando a chefia militar a oficiais saídos das fileiras do exército e, nas regiões limítrofes, aos duces. Estas reformas permitiram aos sucessores de Constantino obter respeito dos "bárbaros".
Período de trégua
O século IV começava sob bons auspícios para o Império. Restabelecia-se o equilíbrio entre as forças romanas e "bárbaras". Roma se abria aos elementos germânicos e os acolhia, visando melhor se proteger. Essa aproximação pacífica se dava em quatro níveis: comercial, cultural, religioso e econômico-militar.
Relações comerciais
As relações comerciais entre germanos e romanos foram comprovadas pelas descobertas arqueológicas nas tumbas dos "bárbaros", onde se encontraram solidi (moedas) imperiais e objetos usuais de origem romana. As vias de troca eram o vale do Reno, Mosela, Ródano e Vístula, e o mar Negro. Comerciavam-se âmbar, peles, gado e escravos por metais preciosos, vinho, tecidos, utensílios domésticos ou de enfeite fabricados principalmente nas cidades do Império do Oriente.
Relações culturais
Em termos culturais, destacou-se a influência no alfabeto rúnico e nas artes. Quanto a este último aspecto, Riché posiciona os germanos como intermediários "artísticos" entre a arte decorativa sármata, ela própria inspirada na arte persa, e alguns elementos da arte romana do século IV, no domínio da ourivesaria e da esmaltagem.
Política religiosa
Uma outra via de penetração romana em relação aos godos foi o arianismo. O Império começou a evangelizar os "bárbaros" mais próximos. Desde o século III, prisioneiros capadocianos, levados ao reino dos godos, transmitiram os primeiros fundamentos. Este trabalho prosseguiu com um dos seus descendentes, Ulfila, consagrado bispo dos godos, em 341. O arianismo nessa região conseguiu notável êxito, graças ao trabalho desse bispo, que chegou a criar uma escrita e língua góticas para traduzir o Novo Testamento. Além disso, alguns autores, como Mitre, colocam que a maior simplicidade do dogma ariano, em contraposição à Trindade do catolicismo, foi um fator favorável para sua aceitação. Por outro lado, deve-se destacar que o arianismo serviu como elemento diferenciador em relação ao catolicismo do Império. Apesar de sofrer inicialmente perseguições, a fé ariana foi mantida pela aristocracia "bárbara" até a formação dos reinos.A partir dos godos, difundiu-se entre os gépidos, talvez vândalos, alamanos e lombardos.
Relações militares
Sob o ponto de vista militar, houve duas atividades: a abertura do exército aos "bárbaros" e a instalação de povos germanos sobre seu território. O uso de tropas auxiliares de "bárbaros" e também de elementos na guarda pessoal do imperador eram práticas advindas desde Augusto. Com a profissionalização do exército, recorreu-se cada vez mais aos mercenários, agrupados inicialmente em corpos complementares (nationes). Após o decreto de Caracala, que amplia o direito de cidadania a todos os habitantes do Império, em 212, ocorreu uma reforma militar. O número de oficiais de origem "bárbara" tendia a aumentar. A palavra barbarus tornou-se sinônimo de miles (soldados). No governo de Constantino (306 a 337), os germanos, em especial os francos, dominavam a hierarquia militar; sob Teodósio (379 a 395), eram os godos que exerciam tal domínio. Alguns "bárbaros" chegaram até o consulado e entraram na família imperial, como Estilicão. O Império confiava, assim, sua proteção aos "bárbaros".
Uma outra política mostrou-se mais perigosa para a integridade do Império: a instalação de povos inteiros, organizados e não-assimilados em território romano; era o chamado foedus. Através de um contrato com Roma, os povos "bárbaros" ocupavam as terras romanas e, em troca, forneciam ao governo imperial um certo número de soldados. Porém, esses povos mantinham seus costumes, organização social e política, o que no futuro trouxe conseqüências desastrosas para o Império. Inicialmente, era triplamente vantajosa tal prática: cultivavam-se as terras, criava-se um Estado-tampão entre as nações germânicas e a România e dispunha-se de uma reserva de soldados nos momentos de crise política. Nesse status, encontravam-se os godos, que após uma derrota, em 332, pelo imperador Constantino tornaram-se auxiliares na defesa da fronteira oriental. Anteriormente, o mesmo fora feito com os francos de Gennoband, em 310, sobre o Reno. No decurso do século IV e, depois, do V, os imperadores multiplicaram os acordos com os "bárbaros federados", objetivando assim resolver a questão "bárbara". Era uma solução vantajosa para todos, imprescindível, sem dúvida; a melhor que os responsáveis pelo Império podiam desejar naquela época: de inimigos, os "bárbaros" tornaram-se aliados, mas esta situação sofreria radical transformação no século V.
As grandes invasões germânicas do século V
A pressão dos hunos
Em meados do século IV, os godos ocupavam o espaço compreendido entre o curso do Danúbio e a bacia do Don. O aparecimento, nesses anos, dos hunos na planície russa provocou fortes pressões sobre os povos germânicos.
Mas quem eram os hunos? Pertencentes à raça mongólica, formavam tribos nômades, cujas atividades principais eram a caça, o pastoreio e a rapinagem. Era um povo guerreiro por excelência e sua força estava na cavalaria. As descrições dos hunos, sobretudo a do contemporâneo Amiano Marcelino, não lhes eram favoráveis. Sua maneira de viver, diametralmente oposta à dos romanos, chocou o Império. Eis o retrato realizado por Amiano Marcelino:
Os hunos excedem em ferocidade e barbárie tudo quanto é possível imaginar de bárbaro e feroz. Sob uma forma humana, vivem em estado de animais. Alimentam-se de raízes de plantas silvestres e de carne meio crua, macerada entre suas coxas e o lombo de suas cavalgaduras. Suas vestimentas consistem em uma túnica de linho e jaqueta de peles de ratazana selvagem. A túnica é de cor escura e apodrece no corpo. Cobrem-se com um gorro e envolvem as pernas com peles de bode. Quando cavalgam, acredita-se estarem pregados em suas montarias, pequenas e feias, mas infatigáveis e rápidas como relâmpagos. Passam sua vida a cavalo; a cavalo se reúnem em assembléias, compram, vendem, bebem, comem e até dormem às vezes. Nada se iguala à destreza com que lançam, a distância prodigiosa, suas flechas armadas de ossos afiados, tão duros e mortíferos como o ferro.
(Res gestae, XXXI, 2.)
Ostrogodos e visigodos
O irresistível avanço dos hunos teve como primeira conseqüência o fim do reino dos ostrogodos, em 375. Sobre este episódio há a lenda de Ermanarico, que se suicidou após a derrota infligida pelos hunos. Uma minoria dos ostrogodos se refugiou com os visigodos, enquanto os outros se submetiam aos hunos, como os sármatas e alanos, e poucos rumaram para o oeste, além do Dnieper.
A seguir foi a vez dos visigodos, que, no outono de 376, pediram asilo ao imperador do Oriente, Valente. Riché ressalta a diferença de raça, língua e, principalmente, gênero de vida que existia entre godos e hunos. Os primeiros eram camponeses, sedentários vivendo dos produtos da terra e do comércio. Em oposição, os hunos eram cavaleiros nômades, guiados pelas exigências da tropa e pela paixão da aventura. Daí o pedido de asilo, que foi aceito pelo imperador. Este os recebeu como soldados-lavradores, ou seja, como tropas acantonadas.
A penetração foi pacífica, caracterizando-se mais como uma migração do que como uma invasão. Foram instalados na Trácia, onde os romanos exploraram sua miséria. Era difícil alimentar toda aquela massa. Os funcionários imperiais exigiam, em troca de víveres, elevadas quantidades de ouro e, inclusive, a deposição das armas. Os visigodos se rebelaram em 377 contra as condições impostas na Trácia, atacando as províncias orientais.
O perigo cresceu de tal forma que o próprio imperador Valente comandou as legiões contra os visigodos. Na batalha de Adrianópolis (agosto de 378), o exército imperial amargou uma séria derrota, na qual faleceu o seu chefe. Não era a primeira vez que um imperador morria nas mãos dos "bárbaros" e nem o primeiro triunfo da cavalaria germânica sobre as legiões romanas. A vitória permitiu aos visigodos expandirem-se pelos Bálcãs, além de sitiarem Constantinopla. Não havia um interesse dos godos em empreender uma campanha sistemática para o aniquilamento do Império. Atendia-se a uma necessidade mais elementar: sobreviver.
Teodósio e o pacto de federação
Teodósio, general espanhol, foi associado ao poder pelo imperador do Ocidente, Graciano. Logo, começou a combater os visigodos e fortificou o Danúbio. Concèbeu a idéia de dar nova vida ao Império através da aceitação pacífica desse povo, com o foedus, em 382, concedendo-lhe terras na Mésia, província arruinada pelas invasões. Legalizava-se pois a penetração. Assim, os visigodos foram admitidos em massa no Império como povo, mantendo todas as suas instituições. Teodósio procurava revitalizar as debilitadas forças romanas. Porém, havia o perigo de se formar um corpo obediente somente aos chefes de sua raça, aos seus costumes e direitos. Criava-se um Estado dentro do Estado romano. Diferentemente dos "bárbaros" submissos assentados pacificamente em certas zonas da Gália, os visigodos estavam cientes de sua força militar, principalmente após Adrianópolis. Seria mais prudente admitir somente pequenas unidades e colocá-las militarmente sob o mando de prefeitos romanos.
Temporariamente, a política de amizade de Teodósio com os godos deu bons resultados. O filogoticismo do imperador manifestou-se na abertura dos quadros do exército e dos altos postos da administração aos "bárbaros", o que gerou um ambiente hostil em Constantinopla. Através do apoio dos visigodos, Teodósio conseguira dominar seus competidores do Ocidente (Eugênio) e unificar, pela última vez, o Império. Porém, esta aliança tinha um caráter personalista. A fidelidade dos godos ficava vinculada não ao Império como instituição, mas à pessoa de Teodósio, o que era uma característica tipicamente germânica. Assim, quando faleceu o imperador, a situação tornou a se agravar.
Generais "bárbaros" no governo do Império
Tanto no Oriente como no Ocidente, durante o século V, foi prática comum existirem generais "bárbaros" que constituíam os homens fortes do governo. Pode-se citar: Estilicão, com Honório (395 a 423), Ricimer, com os últimos imperadores do Ocidente(455 a 472) e Odoacro, com Rômulo Augusto (475 a 476). Este estado de coisas fez nascer um sentimento crescente de antigermanismo nos círculos romanos do governo imperial.
Periodicamente, ocorriam reações antigermânicas, sobretudo na parte oriental do Império. Um primeiro exemplo foi no reinado de Arcádio, em Constantinopla, em 400, quando foram assassinados vários auxiliares godos. Assim, rompeu-se o tratado entre visigodos e o Império do Oriente. Os visigodos iniciam suas incursões, chefiados por Alarico. O governo pagou uma elevada quantia para afastá-los de Constantinopla, substituindo-os no exército pelos isaurianos da Ásia Menor. Os visigodos rumaram então para a Ilíria, não antes de assolar a Grécia no transcurso.
Os visigodos na Itália
Estilicão, general "bárbaro" do imperador ocidental Honório, queria anexar a Ilíria à pars occidentalis. Vândalo de origem e amigo pessoal de Teodósio, considerava os visigodos como colaboradores militares do Império, o que lhe angariou desconfiança de certos setores romanos. De qualquer forma, Alarico soube se aproveitar da rivalidade entre Ocidente e Oriente. Estilicão, por sua vez, tentava manter um sentimento de lealdade pessoal para com o chefe dos visigodos e instalá-lo na Ilíria, para assim subtraí-la da influência do Império do Oriente. Como primeira medida, nomeou-o magister militum (chefe do exército). Contudo, estes planos sofriam sérios obstáculos: hostilidade entre romanos e germanos e indisposição dos "bárbaros" permanecerem fiéis a Roma.
Alarico começou a dirigir-se à Itália em 401. Quase sem combates, instalou-se na região de Veneza (inverno de 401-402), marchando depois para Milão, onde residia Honório, que se refugia em Ravena. Esse avanço foi contido por Estilicão, que chamou as legiões que combatiam em outras regiões do Império do Ocidente. Com isso, facilitou a conquista dessas regiões (por exemplo, Inglaterra e Gália) por outros "bárbaros", além de permitir a penetração de vândalos e alanos na Récia e Nórica através do Alto Danúbio, em 402. Esse esforço valeu a vitória de Pollentia, em 402. Porém, apesar de poder aniquilar os visigodos, Estilicão preferiu voltar a instalá-los na sua antiga região (Ilíria), demonstrando que pretendia prosseguir na sua política de aproximação visando usar os visigodos na destruição de outros povos "bárbaros". A benevolência do general vândalo veio fortalecer os sentimentos antigermânicos.
Novas investidas "bárbaras" no Ocidente
Se, por um lado, temporariamente o perigo visigodo estava afastado do Ocidente, logo se manifestou uma ameaça maior com Radagaiso, em 406. Este comandava uma massa heterogênea de suevos, vândalos e burgundios que, partindo das margens do Vístula e Danúbio pela pressão dos hunos, avançava para a Itália. Atravessou os Alpes e devastou a Alta Itália. Novamente, Honório refugiou-se em Ravena, enquanto Estilicão enfrentava vitoriosamente Radagaiso perto de Florença.
Este acontecimento foi apenas um pequeno entreato. A retirada de tropas na defesa da fronteira renana para defender a Itália e a substituição da sede da prefeitura das Gálias de Trèves para Arles constituíram-se em fatores negativos para a manutenção da região. Confiava-se na fidelidade dos federados francos e alamanos instalados na margem direita do Reno. Porém, em 406, suevos, vândalos silings e hasdings (povos germânicos), bem como os alanos (povo de origem iraniana), empurrados pelos hunos, penetraram, na altura de Mayence, pelo Reno, chegando à Gália. Anteriormente, eles haviam tentado cruzar o Danúbio, sendo rechaçados por Estilicão. Visando às fronteiras desguarnecidas do Reno, subiram o Danúbio e depois desceram o Main. Em vão os francos esforçaram-se em pará-los. Devastaram Mayence, Trèves, Reims, Tournai, Amiens e Arras.
Depois de semearem destruição na Gália, cruzaram os Pirineus em 409. Durante dois anos, repetiu-se o mesmo espetáculo nas terras a oeste e ao sul da Espanha. O terror sentido por essas incursões foi expresso por Hidácio. Posteriormente, conseguiu-se um acordo precário com as autoridades romanas, que permitiram repartir o território hispânico entre os invasores, com exceção da rica região de Tarraconense. Esta, porém, sofria com a bagauda dos bascos que desceram pelo vale do Ebro. Mesmo apesar do pacto, alanos, vândalos e suevos depredaram a região. Isto demonstrava a debilidade do Império, que dependia cada vez mais da diplomacia, em detrimento da força militar.
O saque de Roma de 410
Em 408 reapareceu o problema visigodo. Aproveitando-se de uma série de fatores, Alarico foi mais feliz no seu intento. A penetração de outros "bárbaros" na Gália preocupava as autoridades. Estilicão somente tinha forças para defender a Itália. Inicialmente vacilou, projetando contratar Alarico para combater na Gália, o que reavivou o antigermanismo na corte, já descontente com os últimos reveses. A isto somou-se outra intriga palaciana, que levou ao fim de Estilicão: sua oposição a que Honório mandasse, em pessoa, as forças de apoio ao sucessor de Arcádio no Oriente (Teodósio II). Sua maior preocupação com a sucessão oriental o fazia descuidar dos visigodos, o que acabou revoltando as tropas romanas acantonadas em Pávia. O general foi assassinado pelo imperador Honório em Ravena, assim como vários auxiliares "bárbaros". Desta forma, ficava eliminado um sério obstáculo para Alarico conquistar a Itália.
Chegando à Itália, Alarico exigiu a enorme soma de quatro mil libras de ouro. Sitiando Roma, conseguiu parte de seu pagamento em estátuas de ouro e prata dos templos pagãos. Retirou-se então para Toscana, onde prosseguiu as negociações. Desgostoso com a atitude do imperador, assediou novamente Roma e forçou o Senado a eleger um novo imperador, Atalo. Este foi mantido durante pouco tempo no poder devido à sua tentativa de independência para com Alarico. Roma estava em péssimas condições para resistir, principalmente com o corte do fornecimento africano de trigo e azeite, devido à sublevação do conde da África, Heracliano.
Alarico impôs novo resgate a uma lista de reivindicações: armas para seu exército, sua nomeação como magister militum e estabelecimento na Nórica (nordeste italiano). A recusa de Honório levou ao conhecido saque de Roma, de 24 de agosto de 410. A Cidade Eterna caíra, sofrendo pilhagem dos "bárbaros" durante três dias. Livraram-se apenas as basílicas de São Pedro e São Paulo, declaradas como asilo pelo ariano Alarico.
Este trágico acontecimento teve repercussões em todo o mundo romano. São Jerônimo, em Belém, expressou a incredulidade e estarrecimento perante o fato. Procuravam-se as causas que levaram a tamanho desastre, só comparável à invasão gálica no século IV a.C. Os pagãos acusavam o cristianismo, pois enquanto Roma fora pagã, ela não havia sido conquistada. O triunfalismo cristão, advindo desde Constantino, estava seriamente ameaçado pelo revigoramento do paganismo. O choque moral foi pior que os danos materiais e perdas humanas, apesar de estas serem consideráveis. Levantando-se em defesa do cristianismo, destacou-se Santo Agostinho de Hipona com sua obra A cidade de Deus, na qual procurou amenizar esse acontecimento, introduzindo-o no providencialismo divino.
A 27 de agosto, os visigodos partiram para o sul da Itália, levando o botim e reféns, dentre eles a irmã do imperador, Gala Placídia. Alguns historiadores, como Mitre, defendem que o desejo inicial de Alarico sempre fora atravessar o Mediterrâneo e instalar-se no norte da África, onde disporia de ricas terras cerealíferas. Empreendeu uma caminhada até o estreito de Messina, na Sicília, destruindo Cápua e Mola, esta última defendida por seu bispo, Paulino. Porém, uma tempestade, que dispersou a frota, e a morte imprevista de Alarico, selaram esse projeto, em 410.
Visigodos entre as Gálias e a Hispásnia
Assumiu a chefia dos visigodos o cunhado de Alarico, Ataulfo. Este decidiu, no inverno de 411-412, penetrar na Gália, onde acreditava conseguir maior riqueza. Mais político que conquistador, entrouem acordo com Honório, tornando-se federado. Sua primeira tarefa foi combater o novo usurpador Jovino, em 413, que se proclamou imperador com o apoio dos "bárbaros", em Mayence. Como recompensa por seu serviço, Roma permitiu a instalação dos visigodos na antiga província Narbonnaise, em 413: planície de Aquitânia e o Languedoc. No ano seguinte, Ataulfo contraiu casamento com Gala Placídia, respeitando o cerimonial da Corte Imperial.
Para Roma, a aliança com os germanos tornara-se imprescindível à sua sobrevivência. O Império era incapaz de expulsar de seu território os povos "bárbaros" que haviam se instalado como "hóspedes". Concomitantemente, encontrava dificuldade em assegurar-lhes regularmente sua subsistência, como o estabelecido no acordo com os federados. Houve uma mudança radical na maneira como os "bárbaros" foram estabelecidos no Império. Antes, eles deviam pagar um ingresso e um vale em víveres para obter o direito a uma vivenda e à retirada de sua alimentação nos armazéns do exército. Com os novos federados, dividiam-se a terra e seus meios de exploração. Desconhecem-se as bases jurídicas da repartição e o grau em que se aplicou. Porém, estima-se que um ou dois terços das terras, incluindo gado, escravos e colonos, era cedido em regime de hospitalidade aos "bárbaros". Bosques e prados seriam desfrutados igualmente, sem que houvesse necessidade de divisão. Com isso, o domínio romano sobre seu território tendia cada vez mais a se tornar uma mera ficção.
Era ainda cedo para que ocorresse a fusão entre a civilização romana e a força "bárbara", situação esta que se cristalizará nos reinos "bárbaros" do século VI. Por enquanto, Roma ainda se recusava a aceitar a dura realidade. A tentativa do visigodo Ataulfo esbarrou na oposição do imperador Honório e na reação germanista frente ao espírito romanizante de seu chefe. Com o assassinato de Ataulfo, em 415, os planos de uma aliança mais duradoura e completa entre visigodos e romanos se desfizeram, juntamente com seu idealizador. Este pelo menos conseguira estender o domínio godo até a Espanha, talvez não pela pressão militar do general romano Constâncio, mas pela precariedade dos víveres e na esperança de alcançar o norte da África, celeiro do Mediterrâneo ocidental, juntamente com a Sicília.
Algumas autoridades imperiais esperavam ainda reconstruir seu domínio de fato, aproveitando-se das rivalidades entre os "bárbaros", que ocupavam em quase sua totalidade o território romano. Um desses homens era o general Constância, casado já com Gala Placídia, devolvida aos romanos pelo novo rei visigodo, Walia.
Inicialmente, Walia pretendia chegar à África; porém, fracassou no seu intento devido a uma tempestade. Em conseqüência disso, assinou um acordo em 418, comprometendo-se como federado a serviço do Império. Era a última e efêmera tentativa de ressuscitar a política de concórdia pretendida por Ataulfo. Em troca de provisões dadas pelo imperador ao povo visigodo, estes deviam limpar a península Ibérica dos povos "bárbaros", presentes na região desde 409, e que romperam o acordo com Roma. Havia os vândalos hasdings e suevos no norte do Douro, vândalos silings na região de Sevilha, mais tarde chamada de Andaluzia (advém de Vandaluzia), e, por fim, os alanos, espalhados no planalto central. Em dois anos de campanha, os alanos quase desapareceram como povo; os vândalos silings da Bética foram aniquilados; os vândalos hasdings e suevos, confinados na Galícia. Somente no reinado de Leovigildo, na segunda metade do século VI, é que os visigodos controlarão completamente a península Ibérica.
A eficiência de Walia assustou o imperador Honório, que temeroso mandou chamar os visigodos à Gália. Instalou-se a sudoeste (entre Toulouse e o oceano), visando afastá-los do Mediterrâneo e colocá-los como uma defesa contra a pirataria saxônica nas costas. Nesta época, não havia mais condições de instalar os visigodos na fronteira para defendê-la. Eles eram necessários nas províncias do interior. Os romanos esforçavam-se apenas em mantê-los à distância do Mediterrâneo, o Mare Nostrum da antiga Roma.
Assim, o Império conseguiu, aparentemente, recuperar a Gália e a Hispânia. Os "bárbaros", considerados como tropas regulares, ocupavam o território romano, requisitavam legalmente parte das moradias e recebiam víveres, além de terras e escravos. Roma pretendia evitar as incursões e conservar sua administração e sistema fiscal. O usurpador Honório conseguira, portanto, legar ao seu sucessor o estabelecimento legalizado dos "bárbaros", além de acabar com os usurpadores e reerguer a Itália. O Império estava enfraquecido, mas não dividido.
Desmembramento do Ocidente
A guerra civil que se seguiu à sucessão de Honório colocou em oposição o menor Valentiniano III, filho de Constâncio e Gala Placídia, e João, apoiado por Bizâncio. Este último perdeu a disputa, assumindo Valentiniano III (424 a 455).
No governo de Valentiniano III, a figura-chave foi o patrício Aécio. Personagem sui generis, pois, diferentemente de Estilicão, Ricimer ou Odoacro, que eram "bárbaros romanizados", ele era um romano com uma educação "bárbara". Cedo foi dado como refém a Alarico, que o formou militarmente. Posteriormente, passou um tempo na corte do Khan dos hunos, onde travou amizade com o jovem Átila, seu futuro adversário. Esta vivência lhe forneceu conhecimentos sobre os povos "bárbaros", sua força e rivalidades internas, que foram utilizados na sua atuação como autoridade romana.
Apesar do esforço de Aécio e de algumas vitórias, o desmembramento do Ocidente era um processo irreversível. O Império sofria reveses em várias frentes: Gália (visigodos, burgundios, francos, alamanos e hunos), África (vândalos), Inglaterra (saxões, jutos, frísios, anglos) e Armórica (bretões). A isto tudo se somava a relação problemática com Bizâncio.
Perda da Gália
Visigodos
Walia foi um dos últimos reis visigodos que se comportou como um federado de Roma. Seus sucessores empreenderam uma política independente e, algumas vezes, tencionaram substituir o Império Romano. Como federados, ocupavam de fato o território, apesar de continuar subsistindo teoricamente a máquina administrativa romana, seus juízes e funcionários fiscais.
Em 418, Teodorico sucedeu Walia no comando do reino visigótico de Toulouse, na Gália. Descendente de Alarico, sua política oscilou entre a amizade e o afastamento de Roma. Rompeu o foedus com o Império e, em 425, sitiou Ariès; Aécio, à frente de seus mercenários asiáticos, impediu que os visigodos chegassem ao litoral mediterrâneo, repelindo-os de Ariès e Narbonna em 436. O rei de Toulouse foi obrigado a renovar o tratado de foedus e o respeitou, ajudando várias vezes os romanos, principalmente na luta contra Átila, onde morreu.
Com seu filho Teodorico II (453 a 466), educado na cultura clássica, o regime de governo foi conciliador. Renovou o foedus e pôs-se a serviço do Império para combater as bagaudas hispânicas e eliminar o perigo suevo. Tentou, de 455 a 456, colocar no trono imperial seu protegido, Avito, sogro de Sidônio Apolinário. O fracasso de seu intento custou-lhe a devolução de todos os benefícios obtidos na Espanha ao imperador Mayoriano (457 a 461). Com a morte deste imperador, recuperou-se, ocupando a Novempopulânia e Septimânia, em 462. Teodorico II foi assassinado em 466, e seu irmão Eurico (466 a 484) conduziu o reino de Toulouse ao seu apogeu.
Burgundios
Desde meados do século III, juntamente com os alamanos, os burgundios tentaram sem êxito penetrar no limes dos Campos Decumates. Seu território estendia-se do Rhõn à Suábia central, onde se estabilizou, sendo reconhecido pelos romanos. Esse contato levou ao desenvolvimento de certa atividade econômica. Porém, quando das invasões de 406, os burgundios encontravam-se entre os povos "bárbaros" que penetraram no Império. Seguiram pelo oeste do Reno.
Diferentemente dos suevos, vândalos e alanos, os burgundios preferem uma instalação legal, de caráter pacífico, no território imperial.

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