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NEUROCIÊNCIA CLÍNICA Epilepsia Epilepsia Condição crônica caracterizada por eventos paroxísticos, involuntários e transitórios nos quais uma descarga excessiva, anormal e sincrônica estimula os neurônios do córtex cerebral, provocando sintomas motores, sensitivos, sensoriais, autonômicos, psíquicos e de alteração da consciência. Atualmente, estima-se que há mais de 50 milhões de pessoas com epilepsia no mundo — a maioria vivendo em países em desenvolvimento, onde a qualidade de vida é pior e a incidência de infecções do SNC é maior. · Crises epilépticas provocadas Relacionadas a uma condição que, de forma transitória, alterou o funcionamento cerebral — como hemorragia, isquemia, infecção, intoxicação aguda, alteração metabólica ou abstinência aguda de drogas sedativas. Não se classifica como epilepsia, uma vez que o fator desencadeante é de natureza transitória. Deve existir relação temporal entre o desencadeante e a crise, geralmente nos últimos 7 dias. · Crises inicialmente classificadas como provocadas podem decorrer de lesões cerebrais que tornarão o indivíduo propenso a apresentar crises não provocadas no futuro. · Crises epilépticas não provocadas Ocorrem na ausência de um fator precipitante imediato, mesmo após investigação clínica, laboratorial e de imagem. Toda a crise convulsiva é uma crise epiléptica, mas nem toda a crise epiléptica é uma crise convulsiva — e isso porque só chamamos de convulsiva a crise epiléptica que se manifesta com agitação motora. Etiologia: 1. Estrutural a. Adquirida b. Herdada/genética 2. Genética 3. Infecciosa — Neurocisticercose, tuberculose, HIV, malária cerebral, panencefalite esclerosante subaguda, toxoplasmose cerebral e infecções congênitas (como pelo Zika vírus e o CMV) 4. Metabólica — Porfiria (defeito na produção de enzimas da hemoglobina), uremia, aminoacidopatias ou crises por dependência de piridoxina (vitamina B6) 5. Desconhecida Conforme International League Against Epilepsy (ILAE), o diagnóstico de epilepsia requer que o paciente apresente pelo menos um dos critérios abaixo: 1. Pelo menos duas crises epilépticas não provocadas ou duas crises reflexas ocorrendo com um intervalo mínimo de 24 horas 2. Uma crise epiléptica ou uma crise reflexa e risco de uma nova crise estimado em pelo menos 60%[footnoteRef:0]; [0: Esse critério é especialmente relevante, pois permite o diagnóstico e a intervenção terapêutica naqueles pacientes que, apesar de não apresentarem duas ou mais crises espaçadas por 24h, muito provavelmente terão outras crises epilépticas ao longo da vida (dado inferido a partir do EEG).] a. Os critérios de risco de 60% de recorrência e o início do tratamento após a segunda crise foram adotados com base em um importante estudo publicado há quase 20 anos que demonstrou que após a primeira crise não provocada o risco máximo de recorrência atingia 40% em cinco anos, que após a segunda crise não provocada este risco atingia 87% e que após a terceira crise o risco de recorrência tornava-se invariável. 3. Diagnóstico de uma síndrome epiléptica. Quanto ao tempo de tratamento, a epilepsia é considerada “resolvida” quando as crises são relacionadas a determinada faixa etária que foi superada ou em todos os pacientes há mais de 10 anos sem recorrência de crise e que estejam há pelo menos 5 anos sem uso contínuo e regular de fármaco anti-epiléptico. Crises epilépticas focais As convulsões focais (anteriormente conhecidas como crises parciais) referem-se às manifestações elétricas e clínicas das crises que surgem de uma parte do cérebro. Um eletroencefalograma geralmente indica uma descarga localizada sobre a área de início, ou regiões além (à medida que a atividade elétrica anormal se propaga). Estas podem se originar de qualquer lóbulo do cérebro, mas as que têm origem no lobo temporal são as mais frequentes. O fármaco de escolha costuma ser a Carbamazepina. Simples: o paciente se mantém consciente durante a crise. As mais frequentes são as motoras, que podem se manifestar como abalos musculares das mãos, pés ou face, podendo progredir para o acometimento de todo um lado do corpo e evoluir para uma crise tônico-clônica. Convulsões focais de percepção comprometida (complexas): caracterizadas por perda de consciência, perda de memória do evento e comprometimento da capacidade de resposta. São precedidas pela aura, uma sensação de sonho, de medo, opressão no estômago que sobe para a garganta, alucinações (ouvir sons, sentir cheiros e gostos estranhos), etc. Em seguida, perde-se o contato com o meio externo e nota-se aumento da salivação, movimentos de mastigação, de marcha e/ou movimentos com as mãos. Essas crises podem ser seguidas de crises tônico-clônicas. Crises epilépticas generalizadas (afetam todo cérebro) Crise Tônico-clônicas: podem iniciar com um grito acompanhado de perda da consciência com queda ao solo, endurecimento do corpo e abalos musculares generalizados. Pode ocorrer perda de saliva com sangue devido à mordedura da língua, coloração arroxeada dos lábios, respiração ruidosa e, por vezes, perda de urina. A duração é de poucos minutos e após a crise há sonolência, podendo o paciente acordar com vômitos, dor de cabeça e dores musculares. Pode ser secundária a uma crise epiléptica focal cujo estímulo elétrico se propagou pelas demais áreas cerebrais. Crise Tônica: ocorre perda da consciência, queda ao solo, o corpo fica endurecido, respiração irregular, aumento da salivação, coloração arroxeada. Crise Mioclônicas: tem breve duração e manifestam-se principalmente no despertar, com movimentos involuntários bruscos de todo o corpo (como um choque ou susto), principalmente dos braços. Crises de ausência: a crise se manifesta como um desligamento — há interrupção da fala e da atividade por alguns segundos, voltando logo a seguir à atividade que estava realizando. Essas crises podem se repetir várias vezes ao dia, ocorrendo perda de consciência. EEG carcaterístico: 3Hz espícula-onda A epilepsia na pediatria · A epilepsia pode estar presente em até 0,5% da população pediátrica, classificando-se como o distúrbio neurológico mais comum nessa população. · Mesmo com a administração de um esquema terapêutico, 6 a 14% das crianças com epilepsia apresentam persistência das crises epilépticas. · Uma parte significativa dos pacientes encaminhados aos serviços de epilepsia apresenta crises não epilépticas (CNEs) (entre 12% e 16%), distúrbio caracterizado por episódios clínicos similares às crises epilépticas (CEs), porém desacompanhados de descargas elétricas anormais no cérebro. Epilepsia mioclônica juvenil (EMJ) · Síndrome epiléptica generalizada de natureza genética mais frequente na adolescência. · Ocorre em indivíduos neurologicamente hígidos e, apesar de comprometer ambos os sexos, tem predomínio no feminino. · As crises se iniciam na faixa dos 14 aos 16 anos. · Mioclonias de duração breve, bilaterais, simétricas, ocorrendo de forma isolada ou em salvas e predominando nos membros superiores. Ocorrem, principalmente, ao despertar e nas primeiras horas da manhã, sendo ativadas pela privação de sono, ingestão de bebidas alcoólicas, fadiga física e distúrbios emocionais. · Podem ser acompanhadas por: crises tônico-clônicas generalizadas (CTCG)(90% dos casos) e crises de ausência (15% dos casos). · O EEG registra atividade de base normal e descargas de espícula, espícula-onda, poliespícula e poliespículaonda generalizadas e com acentuação em córtex anterior. O achado de espículas focais ou multifocais durante o sono é habitual nas epilepsias generalizadas idiopáticas. Prova de fotoestimulação é obrigatória durante o EEG, uma vez que praticamente metade dos pacientes apresenta fotossensibilidade. · Tratamento: valproato de sódio, divalproato de sódio e lamotrigina. · Carbamazepina, oxcarbazepina, fenitoína, vigabatrina e gabapentina são contraindicados, uma vez que podem provocar EME mioclônico e de ausência. Síndrome de Dravet / Epilepsia mioclônica severa da infância · Síndrome epiléptica rara, com discreto predomínio nosexo masculino e etiologia genética. · As crises iniciam no primeiro ano de vida e são classificadas como clônicas, comprometendo metade do corpo e podendo evoluir para CTCG, com ou sem febre. · A epilepsia tem comportamento refratário e é acompanhada por estagnação e regressão do DNPM (desenvolvimento neuropsicomotor), distúrbio do comportamento, hiperatividade, impulsividade e transtorno do espectro autista. · O EEG cursa com alterações progressivas, podendo ser normal nas fases iniciais. Evolutivamente, há desorganização e alentecimento da atividade de base e, em metade dos casos, surgimento de ritmo teta síncrono, com frequência de 4 a 5 Hz, nas regiões central e parietal. · Cerca de de 75% dos pacientes apresentam mutação no gene SCN1A, que codifica a subunidade alfa-1 dos canais de sódio. · O tratamento é desanimador e raramente conduz a um controle satisfatório e duradouro das crises. Por se tratar de uma síndrome epiléptica com crises polimórficas, a escolha dos FAE deve ser dirigida aos tipos de crises predominantes. Fenobarbital, valproato de sódio, divalproato de sódio, benzodiazepínicos, topiramato, etossuximida e zonisamida podem ser utilizados. Síndrome de West · Encefalopatia epiléptica mais frequente do primeiro ano de vida, predominando no sexo masculino. · Definida pela clássica tríade: (1) crises epilépticas de espasmos (o mais comum é que a criança recolha a cabeça e suspenda os braços, seguido de choro ou de sensação de sonolência), (2) atraso do DNPM e (3) padrão de hipsarritmia no EEG. · A etiologia é variada, podendo ser determinada em cerca de 75% dos casos. Destacam-se lesões cerebrais decorrentes de asfixia perinatal, malformações cerebrais, alterações do desenvolvimento cortical e complexo esclerose tuberosa[footnoteRef:1]. [1: Uma das principais causas da Síndrome de West é a Esclerose Tuberosa, doença genética e degenerativa causadora de tumores benignos que podem afetar diversos órgãos (cérebro, coração, olhos, rins e pulmões). A apresentação clínica mais comum consiste de lesões nodulares de cor vermelha na região facial, podendo haver, também, lesões nas camadas superficiais da retina e tumores/calcificações nos ventrículos cerebrais. Nesse quadro, as convulsões se iniciam antes dos 5 anos de idade e acontecem em até 80% dos casos.] · O prognóstico é reservado, tendo a maior parte das crianças (por volta de 95%) importante atraso do DNPM e deterioramento cognitivo. · Uma das principais hipóteses fisiopatogênicas relaciona os espasmos na síndrome de West a um aumento na liberação do neuropeptídeo-CRH (corticotrofina) no sistema límbico e em regiões do tronco encefálico. · O EEG demonstra o clássico padrão interictal de hipsarritmia, caracterizado por atividade de base alentecida e desorganizada, com descargas polimórficas de onda aguda, espícula, poliespícula, espícula-onda e poliespícula-onda mescladas por ondas lentas de elevada amplitude (acima de 200 microvolts), sendo marcante a ausência de concordância de fase nos surtos de descargas e a ativação durante as fases iniciais do sono NREM. · Vigabatrina é considerada FAE de primeira linha, particularmente nos casos secundários à complexo esclerose tuberosa. Embora o risco de perda visual concêntrica limite sua indicação em alguns casos, a vigabatrina é bem tolerada por praticamente todos os pacientes. Ácido valproico e benzodiazepínicos podem ser indicados em casos específicos. Síndrome de Lennox-Gastaut · Síndrome epiléptica generalizada sintomática, mais frequente no sexo masculino. · Definida pela clássica tríade: (1) crises atônicas, (2) crises tônicas e (3) ausência típica. . Em fases mais avançadas é comum a presença de crises parciais complexas, parciais simples e crises tônico-clônica generalizadas (CTCG). · Severo comprometimento do DNPM, cognitivo e intelectual é a regra, além da associação com distúrbios do comportamento, hiperatividade, agitação psicomotora e impulsividade. Comorbidade com transtorno do espectro autista é frequente e o diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com as síndromes de West, Dravet, Doose e epilepsia parcial benigna atípica (síndrome pseudo-Lennox). Epilepsia rolândica · Predomínio no sexo masculino e forte predisposição genética; · Trata-se de uma epilepsia idade-relacionada, com crises iniciando entre os 7 e 10 anos, estereotipadas e semiologicamente caracterizadas por alterações sensitivas (parestesia) em língua e lábios, seguidas por salivação intensa, alteração da fala, clonias faciais, desvio lateral da cabeça e dos olhos, e aumento de tônus muscular em membro superior e inferior ipsilateral ao desvio conjugado do olhar. Pode haver generalização com CTCG. As crises predominam durante o sono, podem iniciar com emissão vocálica, grunhidos ou grito e têm duração inferior a 3 minutos. · O tratamento costuma conduzir ao controle satisfatório das crises e os FAE podem ser descontinuados na adolescência
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