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flávia piovesan - direitos humanos

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DIREITOS REPRODUTIVOS COMO DIREITOS 
HUMANOS 
 
 
Flavia Piovesan 
Professora doutora da Faculdade de Direito da PUC/SP de Direitos Humanos e Direito Constitucional 
Membro do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher 
Visiting fellow do Human Rights Programs da Harvard Law School (1995 e 2000) 
Procuradora do Estado de São Paulo 
 
 
 
 
Sumário 
 
1. Introdução. 2. O que são direitos humanos? Qual é a concepção 
contemporânea de direitos humanos. 3. Como relacionar os direitos 
humanos com os direitos reprodutivos? 4. Como compreender os 
direitos reprodutivos sob a perspectiva dos direitos humanos? Quais 
são os principais desafios e perspectivas? 5. Bibliografia. 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O objetivo deste artigo é enfocar os direitos reprodutivos como direitos 
humanos. 
Serão destacadas três indagações centrais a esta reflexão: 1) O que são 
direitos humanos? Qual é a concepção contemporânea de direitos humanos?; 2) Como 
relacionar os direitos humanos com os direitos reprodutivos? e 3) Como compreender os 
direitos reprodutivos sob a perspectiva dos direitos humanos? Quais são os principais 
desafios e perspectivas? 
 
 
2. O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS? QUAL É A CONCEPÇÃO 
CONTEMPORÂNEA DE DIREITOS HUMANOS? 
 
 
No dizer de Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas 
um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e 
reconstrução1. Considerando a historicidade destes direitos, pode-se afirmar que a 
 
1Cf.ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. Trad. de Roberto Raposo, Rio de Janeiro, 1979. A 
respeito, ver também: LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o 
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p.134. No mesmo sentido, afirma 
Ignacy Sachs: “Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de 
lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de 
vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em 
estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos”. (SACHS, Ignacy. Desenvolvimento, 
Direitos Humanos e Cidadania. In: Direitos Humanos no Século XXI, 1998, p.156). Para Allan Rosas: 
“O conceito de direitos humanos é sempre progressivo. (…) O debate a respeito do que são os direitos 
humanos e como devem ser definidos é parte e parcela de nossa história, de nosso passado e de nosso 
presente.” (ROSAS, Allan. So-Called Rights of the Third Generation. In: Asbjorn Eide; Catarina Krause; 
e Allan Rosas. Economic, Social and Cultural Rights, Boston e Londres: Martinus Nijhoff Publishers, 
1995, p. 243). 
definição de direitos humanos aponta a uma pluralidade de significados. Tendo em vista 
tal pluralidade, destaca-se, neste estudo, a chamada concepção contemporânea de 
direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal de 
1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. 
Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos 
humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a 
partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o 
nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era 
Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, 
que resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte 
de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, 
ciganos,… O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a 
condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana. No 
dizer de Ignacy Sachs, o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo 
horror absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial2. 
É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos 
humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional 
contemporânea. Se a 2a Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-
Guerra deveria significar a sua reconstrução. 
Neste sentido, em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos 
direitos humanos. Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, 
caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. 
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos 
humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade 
e titularidade de direitos. 
Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição 
para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um 
deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma 
unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo 
de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. Ao 
examinar a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, leciona Hector 
Gros Espiell: 
 
 “Só o reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar 
a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo 
dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e 
políticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a 
realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade 
entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais 
e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação. Esta 
idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade 
quanto ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos humanos, 
que de certa forma está implícita na Carta das Nações Unidas, se 
compila, se amplia e se sistematiza em 1948, na Declaração Universal 
de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos 
Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembléia Geral 
em 1966, e em vigência desde 1976, na Proclamação de Teerã de 
1968 e na Resolução da Assembléia Geral, adotada em 16 de 
dezembro de 1977, sobre os critérios e meios para melhorar o gozo 
 
2Cf.SACHS, Ignacy. O Desenvolvimento enquanto apropriaçao dos direitos humanos. In: Estudos 
Avançados 12, (33), 1998, p.149. 
efetivo dos direitos e das liberdades fundamentais (Resolução n. 
32/130)”.3 
 
A Declaração Universal de 1948, na qualidade de marco maior do 
movimento de internacionalização dos direitos humanos, fomentou a conversão destes 
direitos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional. Como observa 
Kathryn Sikkink: 
 
“O Direito Internacional dos Direitos Humanos pressupõe como 
legítima e necessária a preocupação de atores estatais e não estatais a 
respeito do modo pelo qual os habitantes de outros Estados são 
tratados. A rede de proteção dos direitos humanos internacionais 
busca redefinir o que é matéria de exclusiva jurisdição doméstica dos 
Estados.”4 
 
Fortalece-se, assim, a idéia de que a proteção dos direitos humanos não 
deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não se deve restringir à 
competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema 
de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção inovadora aponta a duas 
importantes conseqüências: 
 
1a) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que 
passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são 
admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos 
direitos humanos; isto é, permitem-se formasde monitoramento e 
responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem 
violados;5 
 
2a) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos 
na esfera internacional, na condição de sujeito de Direito. 
 
Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o 
Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, 
decorrência de sua soberania. 
O processo de universalização dos direitos humanos permitiu, por sua 
vez, a formação de um sistema normativo internacional de proteção destes direitos. Na 
lição de André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros: 
 
3ESPIELL, Hector Gros. Los derechos económicos, sociales y culturales en el sistema interamericano. 
San José: Libro Libre, 1986, p. 16-17. 
4SIKKINK, Kathryn. Human Rights, Principled issue-networks, and Sovereignty in Latin America. In: 
International Organizations. Massachusetts: IO Foundation e Massachusetts Institute of Technology, 
1993, p.413. Acrescenta a mesma autora: “Os direitos individuais básicos não são do domínio exclusivo 
do Estado, mas constituem uma legítima preocupação da comunidade internacional.” (op. cit. p. 441). 
5Destaque-se a afirmação do Secretário Geral das Nações Unidas, no final de 1992: “Ainda que o respeito 
pela soberania e integridade do Estado seja uma questão central, é inegável que a antiga doutrina da 
soberania exclusiva e absoluta não mais se aplica e que esta soberania jamais foi absoluta, como era então 
concebida teoricamente. Uma das maiores exigências intelectuais de nosso tempo é a de repensar a 
questão da soberania (...). Enfatizar os direitos dos indivíduos e os direitos dos povos é uma dimensão da 
soberania universal, que reside em toda a humanidade e que permite aos povos um envolvimento legítimo 
em questões que afetam o mundo como um todo. É um movimento que, cada vez mais, encontra 
expressão na gradual expansão do Direito Internacional.” (BOUTROS-GHALI. Empowering the United 
Nations. In: Foreign Affairs, vol.89, 1992/1993, p.98-99, apud Henkin [et alii]., International Law – 
Cases and Materials, p.18). 
 
“Em termos de Ciência Política, tratou-se apenas de transpor e 
adaptar ao Direito Internacional a evolução que no Direito Interno já 
se dera, no início do século, do Estado-Polícia para o Estado-
Providência. Mas foi o suficiente para o Direito Internacional 
abandonar a fase clássica, como o Direito da Paz e da Guerra, para 
passar à era nova ou moderna da sua evolução, como Direito 
Internacional da Cooperação e da Solidariedade”.6 
 
A partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e a partir da 
concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa a se 
desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de 
inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais. Como 
leciona Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, 
desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição 
incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização 
como direitos positivos universais7. Em face da crescente consolidação deste 
positivismo universal concernente aos direitos humanos, pode-se afirmar que os tratados 
internacionais de proteção aos direitos humanos refletem, sobretudo, a consciência ética 
contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso 
internacional acerca de temas como os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, 
sociais e culturais, a proibição da tortura, o combate à discriminação racial, a eliminação 
da discriminação contra a mulher e a proteção aos direitos da criança, dentre outros 
temas. Neste sentido, cabe destacar que, até junho de 2000, o Pacto Internacional dos 
Direitos Civis e Políticos contava com 144 Estados-partes; o Pacto Internacional dos 
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais contava com 142 Estados-partes; a Convenção 
contra a Tortura contava com 119 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da 
Discriminação Racial contava com 155 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação 
da Discriminação contra a Mulher contava com 165 Estados-partes e a Convenção sobre 
os Direitos da Criança apresentava a mais ampla adesão, com 191 Estados-partes8. O 
elevado número de Estados-partes destes tratados simboliza o grau de consenso 
internacional a respeito de temas centrais voltados aos direitos humanos. 
A concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se pelos 
processos de universalização e internacionalização destes direitos, compreendidos sob o 
prisma de sua indivisibilidade9. Ressalte-se que a Declaração de Direitos Humanos de 
 
6PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de Direito Internacional Público. 3aed., 
Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p.661. Acrescentam os autores: “As novas matérias que o Direito 
Internacional tem vindo a absorver, nas condições referidas, são de índole variada: política, econômica, 
social, cultural, científica, técnica, etc. Mas dentre elas o livro mostrou que há que se destacar três: a 
proteção e a garantia dos Direitos do Homem, o desenvolvimento e a integração econômica e política". 
(op. cit. p.661). Na visão de Hector Fix-Zamudio: “(...) o estabelecimento de organismos internacionais 
de tutela dos direitos humanos, que o destacado tratadista italiano Mauro Cappelleti tem qualificado como 
jurisdição constitucional transnacional, enquanto controle judicial da constitucionalidade das disposições 
legislativas e de atos concretos de autoridade, tem alcançado o Direito interno, particularmente a esfera 
dos direitos humanos e tem se projetado no âmbito internacional e inclusive comunitário.” (Proteccion 
Juridica de los Derechos Humanos, México, Comision Nacional de Derechos Humanos, 1991, p.184) 
7Cf.BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 
1988, p.30. 
8A respeito, consultar Human Development Report 2000, UNDP, New York/Oxford, Oxford University 
Press, 2000, p.51. 
9Note-se que a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção 
sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança 
contemplam não apenas direitos civis e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais, o 
que vem a endossar a idéia da indivisibilidade dos direitos humanos. 
Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 
5o, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-
relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente 
de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.” 
Logo, a Declaração de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, 
endossa a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, revigorando o lastro 
de legitimidade da chamada concepção contemporânea de direitos humanos, introduzida 
pela Declaração de 1948. Note-se que, enquanto consenso do “pós Guerra”, a 
Declaração de 1948 foi adotada por 48 Estados, com 8 abstenções. Assim, a Declaração 
de Viena de 1993 estende, renova e amplia o consenso sobre a universalidade e 
indivisibilidade dos direitos humanos. 
Acrescente-se ainda que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, 
em seu parágrafo 18, afirma que os direitos humanos das mulheres e das meninas são 
parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esta concepção 
foi reiterada pela Plataforma de Ação de Pequim, de 1995. 
Feitas essas considerações a respeito do alcance da concepção 
contemporânea de direitos humanos, passa-se à reflexão do modo pelo qual se relaciona 
com os direitos reprodutivos.3. COMO RELACIONAR OS DIREITOS HUMANOS COM OS DIREITOS 
REPRODUTIVOS? 
 
 
Para responder a esta questão, é necessário avaliar de que modo a agenda 
de proteção dos direitos humanos foi, gradativamente, ampliando-se e incorporando 
novos direitos, sob a perspectiva de gênero.10 
Como já mencionado, a partir da Declaração Universal de 1948, começa 
a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de 
inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais. 
A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tônica 
da proteção geral, que expressava o temor da diferença (que no nazismo havia sido 
orientada para o extermínio), com base na igualdade formal. A título de exemplo, basta 
avaliar quem é o destinatário da Declaração de 1948, bem como basta atentar para a 
Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também de 1948, que 
pune a lógica da intolerância pautada na destruição do “outro”, em razão de sua 
nacionalidade, etnia, raça ou religião. 
Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, 
geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser 
visto em sua peculiaridade e particularidade. Nesta ótica, determinados sujeitos de 
direitos, ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta específica e 
diferenciada. Transita-se do paradigma do homem, ocidental, adulto, heterossexual e 
dono de um patrimônio para a visibilidade de novos sujeitos de direitos. 
 
10Gênero, aqui, concebido como uma relação entre sujeitos socialmente construídos em determinados 
contextos históricos, atravessando e construindo a identidade de homens e mulheres. O gênero é também 
um dos pilares fundantes das relações sociais, pois regula as relações homem-mulher, homem-homem e 
mulher-mulher. Socialmente construído, o gênero corporifica a sexualidade (não o inverso), que é 
exercida como uma forma de poder. Logo, as relações de gênero são atravessadas pelo poder e a 
sexualidade, portanto, é o ponto de apoio da desigualdade de gênero.(Saffioti e Almeida, 1995). 
Neste cenário as mulheres devem ser vistas nas especificidades e 
peculiaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge, também, 
como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à 
diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial. 
Firma-se, assim, no âmbito do sistema global, a coexistência dos sistemas 
geral e especial de proteção dos direitos humanos, como sistemas de proteção 
complementares. 
O sistema especial de proteção realça o processo da especificação do 
sujeito de direito, no qual o sujeito passa a ser visto em sua especificidade e 
concreticidade (ex: protege-se as mulheres, as crianças, os grupos étnicos minoritários, 
os povos indígenas, os refugiados...). Já o sistema geral de proteção (ex: Pactos da ONU 
de 1966) tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e 
generalidade. 
Os sistemas geral e especial não são dicotômicos, mas complementares. 
Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, compõem o universo 
instrumental de proteção dos direitos humanos, no plano internacional. Ante este 
complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo, que sofreu 
violação de direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que, 
eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance 
global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial. Nesta ótica, os diversos 
sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos 
protegidos. 
É neste cenário que as Nações Unidas aprovam, em 1979, a Convenção 
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. A Convenção 
conta hoje com 165 Estados-partes, o que inclui o Brasil, que a ratificou em 1984. Foi 
resultado de reivindicação do movimento de mulheres, a partir da primeira Conferência 
Mundial sobre a Mulher, realizada no México, em 1975. 
A Convenção se fundamenta na dupla obrigação de eliminar a 
discriminação e de assegurar a igualdade. Logo, a Convenção consagra duas vertentes 
diversas: a) a vertente repressiva-punitiva (proibição da discriminação) e b) a vertente 
positiva-promocional (promoção da igualdade). A Convenção objetiva não só erradicar 
a discriminação contra a mulher e suas causas, como também estimular estratégias de 
promoção da igualdade. Combina a proibição da discriminação com políticas 
compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo, mediante a adoção de 
medidas afirmativas, enquanto medidas especiais e temporárias voltadas a aliviar e 
remediar o padrão discriminatório que alcança as mulheres. Isto é, para garantir a 
igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. São 
essenciais estratégias capazes de incentivar a inserção e inclusão social de grupos 
historicamente vulneráveis. Alia-se à vertente repressiva-punitiva a vertente positiva-
promocional. 
Para a Convenção, a discriminação contra a mulher significa “toda 
distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado 
prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente 
de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos 
e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil 
ou em qualquer outro campo.” (art.1º). Isto é, a discriminação significa toda distinção, 
exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular 
o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, em igualdade de condições, dos 
direitos humanos e liberdades fundamentais. 
Dentre suas previsões, a Convenção consagra a urgência em se erradicar 
todas as formas de discriminação contra as mulheres, a fim de que se garanta o pleno 
exercício de seus direitos civis e políticos, como também de seus direitos sociais, 
econômicos e culturais. Acolhe-se, assim, a tônica da Declaração Universal, com 
relação à indivisibilidade dos direitos humanos. Ao ratificar a Convenção, os Estados-
partes assumem o compromisso de, progressivamente, eliminar todas as formas de 
discriminação, no que tange ao gênero, assegurando efetiva igualdade entre eles. No 
dizer de Andrew Byrnes: 
 
“A Convenção em si mesma contém diferentes perspectivas sobre as 
causas de opressão contra as mulheres e as medidas necessárias para 
enfrentá-las. Ela impõe a obrigação de assegurar que as mulheres 
tenham uma igualdade formal perante a lei e ela reconhece que 
medidas temporárias de ação afirmativa são necessárias em muitos 
casos, se as garantias de igualdade formal devem se transformar em 
realidade. Inúmeras previsões da Convenção também incorporam 
uma preocupação de que os direitos reprodutivos das mulheres devem 
estar sob o controle delas próprias, e que o Estado deve assegurar que 
as escolhas das mulheres não sejam feitas sob coerção e não sejam a 
elas prejudiciais, no que se refere ao acesso às oportunidades sociais e 
econômicas. A Convenção também reconhece que há violações, às 
quais mulheres são submetidas, que necessitam ser eliminadas (como 
estupro, assédio sexual, exploração sexual e outras formas de 
violência contra as mulheres). Em suma, a Convenção reflete a visão 
de que as mulheres são titulares de todos os direitos e oportunidades 
que os homens podem exercer; adicionalmente, as habilidades e 
necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros 
devem também ser reconhecidas e ajustadas, mas sem eliminar da 
titularidade das mulheres a igualdade de direitos e oportunidades.”11 
 
 
Dentre suas previsões, o artigo 12 da Convenção determina que “Os 
Estados-partesadotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação 
contra a mulher nas esfera dos cuidados médicos, a fim de assegurar, em condições de 
igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao 
planejamento familiar”. Para ilustrar, cabe citar, como exemplo da discriminação contra 
a mulher no campo da saúde, estudo de Amartya Sen, “Missing women”, que evidencia 
como a omissão de políticas públicas na área da saúde, endereçadas às mulheres, 
resultou na morte evitável de milhões de mulheres. Isto significa que pertencer ao 
gênero feminino interfere no modo pelo qual os direitos humanos são exercidos, 
respeitados ou violados. A respeito, merece destaque a problemática da mortalidade 
materna como violação aos direitos humanos (direito à maternidade segura), 
considerando que é um dos fatores de mortalidade mais evitáveis e preveníveis – 
estima-se que 98% dos óbitos maternos que ocorrem no Brasil sejam evitáveis12. 
 
11BYRNES, Andrew. The "other" human rights treaty body: the work of the Committee on the 
Elimination of Discrimination against Women. In: Yale Journal of International Law, v. 14, 1989, p. 1. 
12A taxa de mortalidade materna no Brasil é cerca de 110 mortes por 100.000, contra 3,6 no Canadá. 
Conforme conclusões da CPI da Mortalidade Materna, o Brasil apresenta um índice de mortalidade 
materna de cerca de 10 a 20 vezes da considerada aceitável. Observe-se que a distribuição do óbito 
materno não é homogênea no país, sendo mais alta na região Norte, e mais baixa na região Sudeste. O 
aborto é a terceira causa de óbito materno no país como um todo. Estudo realizado em 15 municípios do 
país apontam a eclampsia, as síndromes hemorrágicas e a cardiopatia como as principais causas de óbitos 
maternos nos municípios considerados. 
À luz do disposto no artigo 12 da Convenção, já surgem os 
delineamentos iniciais dos direitos reprodutivos, como direitos que exigem um duplo 
papel do Estado: a) eliminar a discriminação contra a mulher nas esfera da saúde 
(vertente repressiva/punitiva) e b) assegurar o acesso a serviços de saúde, inclusive 
referentes ao planejamento familiar (vertente promocional). Percebe-se aqui a semente 
de todo um desenvolvimento normativo posterior no tocante à construção conceitual dos 
direitos reprodutivos, como direitos que demandam do Estado um duplo papel (de um 
lado negativo, por outro positivo e promocional). Daí a complexidade dos direitos 
reprodutivos, que não pode ser confinada à tradicional dicotomia dos direitos civis x 
direitos sociais, na medida em que apresentam uma dimensão própria dos direitos civis 
(a não discriminação; o espaço da autonomia e da autodeterminação no exercício da 
sexualidade e reprodução) e dos direitos sociais (o direito à saúde, mediante a 
implementação de políticas públicas positivas pelo Estado). 
Observe-se, contudo, que embora esta Convenção signifique um grande 
avanço para a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, ela apenas 
apresenta como mecanismo de implementação a sistemática de relatórios. Vale dizer, 
cabéra aos Estados-partes enviar relatórios sobre as medidas legislativas, 
administrativas e judiciais adotadas para a implementação dos direitos enunciados na 
Convenção. Tais relatórios são encaminhados ao Comitê para Eliminação da 
Discriminação contra a Mulher. Ainda assim, esta foi a Convenção que mais recebeu 
reservas por parte dos Estados signatários.13 
Diversamente da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação Racial ou da Convenção contra a Tortura, a Convenção sobre a 
Eliminação da Discriminação contra a Mulher se restringe a conter a sistemática dos 
relatórios, não prevendo, a exemplo das mencionadas convenções, a sistemática de 
petição individual ou comunicação inter-estatal, nem tampouco sistemática que permita 
a investigação “in loco”. Tais mecanismos permitem um maior e mais eficaz 
monitoramento internacional do modo pelo qual o Estado-parte está implementando os 
direitos internacionais, que se comprometeu a respeitar. 
 
13Trata-se do instrumento internacional que mais fortemente recebeu reservas, dentre as Convenções 
internacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos mais de 100 Estados-partes 
fizeram, no total, 88 reservas substanciais. A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação da Mulher pode enfrentar o paradoxo de ter maximizado sua aplicação universal ao custo 
de ter comprometido sua integridade. Por vezes, a questão legal acerca das reservas feitas à Convenção 
atinge a essência dos valores da universalidade e integridade. A título de exemplo, quando da ratificação 
da Convenção, em 1984, o Estado brasileiro apresentou reservas ao artigo 15, parágrafo 4º e ao artigo 16, 
parágrafo 1º (a), (c), (g), e (h), da Convenção. O artigo 15 assegura a homens e mulheres o direito de, 
livremente, escolher seu domicílio e residência. Já o artigo 16 estabelece a igualdade de direitos entre 
homens e mulheres, no âmbito do casamento e das relações familiares. Em 20 de dezembro de 1994, o 
Governo brasileiro notificou o Secretário Geral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas 
reservas. Cabe acrescentar que a Conferência de Direitos Humanos de Viena, em 1993, reafirmou a 
importância do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa ao gênero, clamando pela 
ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. Nos termos do 
artigo 39 da Declaração de Viena, fica estabelecido que: "A Conferência Mundial de Direitos Humanos 
clama pela erradicação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tanto explícitas como 
implícitas. As Nações Unidas devem encorajar a ratificação universal por todos os Estados da Convenção 
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher até o ano 2000. Ações e 
medidas para reduzir o particularmente amplo número de reservas à Convenção devem ser encorajadas. 
Dentre outras medidas, o Comitê de Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher 
deve continuar a revisão das reservas à Convenção. Estados são convidados a eliminar as reservas que 
sejam contrárias ao objeto e ao propósito da Convenção ou que sejam incompatíveis com os tratados 
internacionais." 
Considerando a frágil sistemática de monitoramento dos relatórios (que 
pode ganhar maior relevância com a adoção dos “relatórios paralelos” ou “relatório 
sombra”, elaborados pela sociedade civil), no sentido de aprimorar os mecanismos de 
monitoramento da Convenção, proclamou o Programa de Ação de Viena de 1993: 
 
“40. Os órgãos de monitoramento dos tratados devem disseminar 
informações necessárias que permitam às mulheres fazerem um uso 
mais efetivo dos procedimentos de implementação existentes, com o 
objetivo do pleno e equânime exercício dos direitos humanos e da 
não-discriminação. Novos procedimentos devem também ser 
adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, 
bem como de seus direitos humanos. A Comissão relativa ao Status 
da Mulher e o Comitê de Eliminação da Discriminação contra a 
Mulher devem rapidamente examinar a possibilidade de introduzir o 
direito de petição, mediante a preparação de um Protocolo Optativo 
à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação contra a Mulher.” 
 
 
Desde 1993, portanto, a comunidade internacional, refletindo 
reivindicação do movimento de mulheres, assumia a importância da criação do 
mecanismo de petição, mediante a elaboração de um Protocolo Facultativo à 
Convenção, na medida em que tal mecanismo constitui o sistema mais eficiente de 
monitoramento dos direitos humanos internacionalmente enunciados.14 
Finalmente, em 1999, no 20o aniversário daConvenção, foi adotado o 
Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação contra a Mulher. O Protocolo institui dois mecanismos de 
monitoramento: a) o mecanismo da petição, que permite o encaminhamento de 
denúncias de violação de direitos enunciados na Convenção à apreciação do Comitê 
sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e b) um procedimento 
investigativo, que habilita o Comitê a investigar a existência de grave e sistemática 
violação aos direitos humanos das mulheres. 
Para acionar estes mecanismos de monitoramento, é necessário que o 
Estado tenha ratificado o Protocolo Facultativo. Note-se que o Protocolo entrou em 
vigor quando do depósito do 10o instrumento de ratificação, o que ocorreu em 22 de 
dezembro de 2000. 
Com o Protocolo Facultativo, potencializam-se as formas de fiscalização 
e monitoramento internacional dos direitos humanos das mulheres. São asseguradas 
garantias para a efetiva proteção a estes direitos, o que permite, ineditamente, a qualquer 
pessoa ou grupos de pessoas submeter casos de violação de direitos ao Comitê sobre a 
Eliminação da Discriminação contra a Mulher, bem como habilita o mesmo Comitê a 
 
14A respeito da introdução da sistemática das petições individuais, afirma Theodor Meron: “Um 
procedimento para a consideração de petições individuais deve ser estabelecido através de um Protocolo 
Facultativo, ao qual os Estados-partes da Convenção poderiam aderir. Esta inovação não seria 
tecnicamente difícil e não haveria a necessidade de se criar órgãos adicionais para sua implementação; o 
Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, já existente, apenas seria autorizado a 
acumular funções adicionais em conformidade com o Protocolo.” (MERON, Theodor. Enhancing the 
effectiveness of the prohibition of discrimination against women. In: American Journal of International 
Law, v. 84, 1990, p.213). Reitera o mesmo autor: "(...) a Convenção deve também prever um 
procedimento que permita o Comitê a considerar comunicações individuais, de forma similar aos 
procedimentos criados pelo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 
pelo artigo 14 da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial." (MERON, 
Theodor. Human rights law-making in the United Nations: a critique of instruments and process. 
Oxford: Claredon Press, 1986, p. 82). 
deflagrar um procedimento investigativo, em situações de grave ou sistemática violação 
aos direitos humanos das mulheres. 
É, assim, revitalizada e revigorada a gramática internacional de proteção 
aos direitos humanos das mulheres, direitos estes que constituem parte inalienável, 
integral e indivisível dos direitos humanos universais.15 
Uma medida fundamental para a efetiva proteção dos direitos humanos 
das mulheres é demandar do Brasil a ratificação do Protocolo e, a partir dele, elaborar 
uma estratégia para a apresentação de casos de violação de direitos reprodutivos, com 
fundamento na violação ao artigo 12 da Convenção. 
O segundo tratado de fundamental importância para a proteção dos 
direitos humanos das mulheres não é de âmbito global, mas de âmbito regional 
interamericano. Trata-se da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar 
a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”). É ela o primeiro 
instrumento internacional voltado à prevenção, erradicação e punição da violência 
contra a mulher. Há que se observar que a Convenção da ONU sobre a Eliminação da 
Discriminação contra a Mulher não enfoca expressamente o tema da violência contra a 
mulher, com esta gramática (embora o padrão discriminatório seja uma forma de 
violência). 
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência 
contra a Mulher foi aprovada, no âmbito da OEA, em 1994 e ratificada pelo Brasil em 
1995. 
A Convenção afirma que a violência contra a mulher, no âmbito público 
ou privado, constitui grave violação aos direitos humanos e limita total ou parcialmente 
o exercício dos demais direitos fundamentais. Observe-se que a violência sexual contra 
as mulheres e meninas, somada à pobreza e ao analfabetismo, implica a precariedade de 
sua vida sexual e reprodutiva, com a violação a direitos sexuais e reprodutivos de 
mulheres e meninas. 
Para a Convenção, a violência contra a mulher é definida como “qualquer 
ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual 
ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, como na privada”. Vale dizer, a 
violência baseada no gênero ocorre quando um ato é dirigido contra uma mulher, 
porque é mulher, ou quando atos afetam as mulheres de forma desproprocional. Este 
padrão específico de violência, que tem as mulheres como alvo preferencial, pode ser 
compreendido a partir de diversos estudos acerca da violência doméstica, dentre os 
quais destacam-se: a) pesquisa feita pela Human Rights Watch (“Injustiça Criminal x 
Violência contra a Mulher no Brasil”, 1993), que aponta que de cada 100 mulheres 
assassinadas 70 o são no âmbito de suas relações domésticas; b) pesquisa realizada pelo 
Movimento Nacional de Direitos Humanos (“Primavera já Partiu”, 1998), que 
demonstra que 66,3% dos acusados em homicídios contra mulheres são seus parceiros; 
c) dados da ONU que demonstram que a violência doméstica é a principal causa de 
lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo. 
A violência baseada no gênero, que reflete relações de poder 
historicamente desiguais e assimétricas entre homens e mulheres, constitui grave 
violação aos direitos humanos e limita o exercício dos demais direitos fundamentais de 
que são titulares as mulheres. Em conformidade com o BID (Banco Interamericano de 
Desenvolvimento), uma em cada cinco mulheres que faltam ao trabalho o fazem por 
terem sofrido agressões físicas. A violência doméstica agrava o processo de feminização 
 
15Neste sentido, ver a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 e a Declaração e Plataforma de 
Ação de Pequim de 1995, ao enfatizarem que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e 
indivisível dos direitos humanos universais. 
da probreza, na medida em que empobrece as mulheres e, por sua vez, a mulher com 
dependência econômica torna-se mais vulnerável à violência doméstica, o que, por seu 
turno, ainda agrava o empobrecimento das mulheres. Deflagra-se, assim, um perverso 
ciclo vicioso, em que a violação de direitos civis leva à violação de direitos sociais e 
vice-versa. 
A Convenção elenca um importante catálogo de direitos a serem 
assegurados às mulheres, para que tenham uma vida livre de violência, tanto na esfera 
pública, como na esfera privada. Consagra ainda, a Convenção, deveres aos Estados-
partes, para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência 
contra a mulher. 
A partir da Convenção de Belém do Pará surgem também valiosas 
estratégias para a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, merecendo 
destaque o mecanismo das petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 
Considerando este cenário, marcado pelo destaque a dois grandes temas 
relativos aos direitos humanos das mulheres – a discriminação e a violência – indaga-se: 
De que modo esta sistemática internacional protege os direitos reprodutivos? 
Reitere-se que a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra 
a Mulher, em seu artigo 12, trouxe os primeiros delineamentos internacionais acerca dos 
direitos reprodutivos. 
Estes delineamentos foram aprimorados e consolidados a partir do Plano 
de Ação da Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo de 1994 e pela 
Declaração e Plataforma de Ação de Pequim de 1995. Embora não sejam tratados 
internacionais,mas declarações, ambos apresentam valor jurídico, na medida em que 
deles extraem-se princípios internacionais, que constituem importante fonte do Direito 
Internacional, a nortear e orientar a interpretação e a aplicação do Direito. 
Em 1994, na Conferência do Cairo, ineditamente 184 Estados 
reconheceram os direitos reprodutivos como direitos humanos. Em 1995, as 
Conferências internacionais de Copenhaguem e Pequim reafirmaram esta concepção. 
Com efeito, a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento 
de 1994 estabeleceu relevantes princípios éticos concernentes aos direitos 
reprodutivos16, afirmando o direito a ter controle sobre as questões relativas à 
sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva, assim como a decisão livre de coerção, 
discriminação e violência, como um direito fundamental. Nesse sentido, merece 
destaque o princípio 4 da Conferência Internacional sobre População e 
Desenvolvimento, do Cairo, de 1994: 
 
“Promover a eqüidade e a igualdade dos sexos e os direitos da 
mulher, eliminar todo tipo de violência contra a mulher e garantir que 
seja ela quem controle sua própria fecundidade são a pedra angular 
dos programas de população e desenvolvimento. Os direitos humanos 
da mulher, das meninas e jovens fazem parte inalienável, integral e 
indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação da 
mulher, em igualdade de condições na vida civil, cultural, econômica, 
política e social em nível nacional, regional e internacional e a 
erradicação de todas as formas de discriminação por razões do sexo 
são objetivos prioritários da comunidade internacional.” 
 
 
16Note-se que o Plano de Ação do Cairo recomenda à comunidade internacional uma série de objetivos e 
metas, tais como: a) o crescimento econômico sustentado como marco do desenvolvimento sustentável; 
b) a educação, em particular das meninas; c) a igualdade entre os sexos; d) a redução da mortalidade neo-
natal, infantil e materna e e) o acesso universal aos serviços de saúde reprodutiva, em particular de 
planificação familiar e de saúde sexual. 
 
A Conferência do Cairo realça ainda que as mulheres têm o direito 
individual e a responsabilidade social de decidir sobre o exercício da maternidade, 
assim como o direito à informação e acesso aos serviços para exercer seus direitos e 
responsabilidades reprodutivas, enquanto que os homens têm uma responsabilidade 
pessoal e social, a partir de seu próprio comportamento sexual e fertilidade, pelos 
efeitos desse comportamento na saúde e bem-estar de suas companheiras e filhos. 
Como explica Leila Linhares: 
 
“No Cairo, em 1994, a Conferência Internacional sobre População e 
Desenvolvimento introduziu um novo paradigma à temática do 
desenvolvimento populacional, deslocando a questão demográfica 
para o âmbito das questões relativas aos direitos reprodutivos e ao 
desenvolvimento. Nessa Conferência, ficou firmado o princípio que 
as políticas relacionadas à população devem ser orientadas pelo 
respeito aos direitos humanos universais e afirmou-se a necessidade 
dos países considerarem as grandes massas como detentoras de 
direitos e merecedoras de políticas públicas de combate à pobreza. A 
ativa participação do movimento internacional de mulheres nas fases 
preparatórias e durante a própria Conferência permitiram a 
legitimação da noção de direitos reprodutivos, apontando para a 
necessidade de amplos programas de saúde reprodutiva e 
reconhecendo o aborto como um grave problema de saúde pública. A 
Conferência do Cairo deu grande ênfase à necessidade de estimular a 
responsabilidade masculina para com a procriação e com a 
contracepção. Em 1995, a Cúpula Mundial de Desenvolvimento 
Social, realizada em Copenhage, deu ênfase à necessidade de 
erradicação da pobreza, incluindo iniciativas destinadas a medir e a 
reduzir os impactos sociais do ajuste econômico, especialmente sobre 
as mulheres e crianças. Ainda em 1995, em Beijing, foi realizada a IV 
Conferência Mundial sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz, que 
incorporou as agendas das Conferências de Direitos Humanos (1993), 
de População e Desenvolvimento (1994) e da Cúpula de 
Desenvolvimento Social (1995), avançando e firmando, de modo 
definitivo, a noção de que os direitos das mulheres são direitos 
humanos; a noção de saúde e direitos reprodutivos, bem como o 
reconhecimento de direitos sexuais, com a recomendação de que 
sejam revistas as legislações punitivas em relação ao aborto, 
considerado, tal como na Conferência Internacional de População e 
Desenvolvimento (1994), um problema de saúde pública.”17 
 
 
Sob a perspectiva de relações equitativas entre os gêneros e na ótica de 
direitos humanos, o conceito de direitos sexuais e reprodutivos aponta a duas vertentes 
diversas e complementares. 
De um lado, aponta a um campo da liberdade e da autodeterminação 
individual, o que compreende o livre exercício da sexualidade e da reprodução humana, 
sem discriminação, coerção e violência. Eis um terreno em que é fundamental o poder 
de decisão no controle da fecundidade. Consagra-se o direito de mulheres e homens 
tomar decisões no campo da reprodução (o que compreende o direito de decidir livre e 
responsavelmente acerca da reprodução, do número de filhos e do intervalo entre seus 
nascimentos). Trata-se de direito de auto-determinação, privacidade, intimidade, 
 
17LINHARES, Leila. As Conferências das Nações Unidas influenciando a mudança legislativa e as 
decisões do Poder Judiciário. In: Seminário “Direitos Humanos: Rumo a uma jurisprudência da 
igualdade”, Belo Horizonte, de 14 a 17 de maio de 1998. 
liberdade e autonomia individual, em que se clama pela não-interferência do Estado, 
pela não-discriminação, pela não-coerção e não-violência (dimensão típica dos direitos 
civis). 
Por outro lado, o efetivo exercício dos direitos reprodutivos demanda 
políticas públicas, que assegurem a saúde sexual e reprodutiva. Nesta ótica, fundamental 
é o direito ao acesso a informações, meios e recursos seguros, disponíveis e acessíveis. 
Fundamental também é o direito ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva e sexual, 
tendo em vista a saúde não como mera ausência de enfermidades e doenças, mas como a 
capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e satisfatória e reproduzir-se com a 
liberdade de fazê-lo ou não, quando e com que frequência. Inclui-se ainda o direito ao 
acesso ao progresso científico e o direito de receber educação sexual. Portanto, aqui é 
essencial a interferência do Estado, no sentido de que implemente políticas públicas 
garantidoras do direito à saúde sexual e reprodutiva (dimensão típica dos direitos 
sociais). 
A Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim de 1995 endossam esta 
concepção, adicionando a idéia da interdependência e indivisibilidade dos direitos 
humanos, ao afirmar: “na maior parte dos países, a violação aos direitos reprodutivos 
das mulheres limita dramaticamente suas oportunidades na vida pública e privada, suas 
oportunidades de acesso à educação e o pleno exercício dos demais direitos”. A 
privação dos direitos reprodutivos tem implicado a morte de milhões de mulheres, além 
de doenças e impedimentos evitáveis. 
Note-se que ambos os instrumentos internacionais afirmam que a 
temática do aborto deve ser considerada sob o prisma da saúde pública, encorajando os 
Estados a revisar as legislações que estabelecem medidas punitivas a tal prática.18 
Há que se observar que a Carta de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 7o, 
está afinada com os parâmetros internacionais, na medida em que afirma o 
planejamento familiar como livre decisão do casal (e dos indivíduos), cabendo ao 
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito 
(prestação estatal positiva,típica dos direitos sociais), vedada qualquer coerção 
(prestação estatal negativa, típica dos direitos civis). A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 
1996, veio a regulamentar o aludido preceito constitucional, tratando do planejamento 
 
18Segundo o Alan Gutmacher Institute, em 1994, teriam ocorrido 1.400.000 abortos clandestinos no país. 
Correa e Freitas (1997), estimam a ocorrência de 728.100 abortos provocados no país para o ano de 1996. 
Oficialmente, o aborto figura como a quinta causa de internação hospitalar de mulheres no Sistema Único 
de Saúde, contribuindo com 9% dos óbitos maternos e com 25% dos casos de esterilidade por causa 
tubária. Outros estudos apontam a ocorrência de 37,5 abortos para cada 1000 mulheres ou 31,0 para 100 
gravidezes (Costa, 1998). Vale ressaltar a implantação pelo país de serviços que realizam abortos nos 
casos previstos por lei. Embora o número ainda reduzido destes serviços (cerca de trinta e cinco em todo 
o território nacional, com estruturas variadas e diferentes graus de implantação), não permita que haja um 
impacto quantitativo na magnitude do problema do aborto inseguro no país, a importância política e 
sanitária destas iniciativas têm sido incontestáveis. A respeito, consultar “Diagnóstico sobre a situação 
dos direitos sexuais e reprodutivos na América Latina”, elaborado pelo CLADEM (Comitê Latino-
Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e Rede Nacional Feminista de Saúde e 
Direitos Reprodutivos, julho de 2001. Ainda em relação ao direito ao aborto, deve ser assinalada a 
importante e bem sucedida articulação entre feministas, sindicalistas e profissionais de saúde que 
conseguiram aprovar na Conferência Nacional de Saúde, instância máxima do Sistema Nacional de 
Saúde, uma moção de apoio à realização do aborto previsto por lei, direito constantemente ameaçado por 
projetos apresentados por parlamentares ligados à CNBB, que pretendem suprimir todo e qualquer direito 
à interrupção da gravidez. (“Diagnóstico sobre a situação dos direitos sexuais e reprodutivos na América 
Latina”, elaborado pelo CLADEM e Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, julho 
de 2001). 
familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde.19 Em seu artigo 2º, a Lei 
define o planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade 
que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, 
pelo homem ou pelo casal. O parágrafo único deste artigo proíbe a utilização de tais 
ações para qualquer tipo de controle demográfico. 
 
 
4. COMO COMPREENDER OS DIREITOS REPRODUTIVOS SOB A 
PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS? QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS 
DESAFIOS E PERSPECTIVAS? 
 
Um primeiro desafio à proteção dos direitos reprodutivos refere-se à 
exigência de transpor e implementar, no plano local, os recentes avanços obtidos na 
esfera internacional, conferindo prevalência aos parâmetros internacionais e 
constitucionais para a efetiva proteção dos direitos reprodutivos, enquanto direitos 
nacional e internacionalmente assegurados. 
No Brasil, vive-se um momento de redefinição e reformulação da agenda 
de direitos humanos, em que são incorporados temas como os direitos econômicos, 
sociais e culturais, ao lado dos tradicionais direitos civis e políticos. Neste cenário, há 
que se incorporar os direitos reprodutivos como direitos humanos, com base nos 
parâmetros internacionais e constitucionais. 
Para tanto, faz-se ainda necessário dar maior visibilidade à construção 
conceitual de direitos reprodutivos, que, em sua complexidade, envolvem a concepção, 
 
19Adicionem-se outras iniciativas relevantes adotadas para se lograr a normatização de temas afetos aos 
direitos sexuais e reprodutivos: a) a recente tipificação do crime de tortura no âmbito nacional, o qual 
pode ter implicações quanto à violência sexual contra as mulheres; b) a busca de se incluir a educação 
sexual nos currículos escolares, inclusive no que se refere a não discriminação de orientação sexual; c) a 
regulamentação do planejamento familiar na legislação infraconstitucional, conforme já mencionado; d) a 
regulamentação, através de lei federal, do dispositivo constitucional que reconhece a união estável como 
entidade familiar; e) o esforço do Executivo federal e, em alguns casos, estadual e municipal, em 
regulamentar procedimentos de atendimento para mulheres que sofrem violência sexual, incluindo-se os 
serviços de aborto legal; f) a proibição, em todo país, de exigência de atestados de gravidez e 
esterilização, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; g) a inserção 
de regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho nas leis trabalhistas, de âmbito federal; h) a 
crescente relevância do tema da paternidade responsável na legislação infraconstitucional, ainda que de 
forma incipiente; i) os projetos de lei federais referentes à reprodução assistida, assim como o Projeto de 
Reforma do Código Civil e o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro; j) a 
tipificação da conduta de submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual, como 
crime; k) as leis federais e estaduais referentes aos portadores de HIV/AIDS; l) a aprovação da Lei 
9099/95, que instaurou os juizados especiais civis e criminais, estes últimos destinados aos delitos de 
menor potencial ofensivo, alcançando – na prática, de forma polêmica e, em nosso entender, também 
inadequada – os crimes de ameaça e lesão corporal praticados contra a mulher no âmbito doméstico-
familiar; m) a instalação dos comitês de morte materna; n) a regulamentação dos direitos das presas a 
estabelecimentos adequados para amamentação de seus filhos; o) a obrigatoriedade de cirurgia plástica 
reparadora da mama pela rede de unidades integrantes do Sistema Único de Saúde (público), nos casos de 
mutilação decorrentes de tratamento de câncer; p) as portarias do Ministério da Saúde sobre tratamento de 
mulheres vítimas de violência sexual e de mulheres com gravidez de alto risco, e a portaria do Ministério 
da Educação acerca dos parâmetros curriculares e, por fim, a regulamentação e busca de implementação 
dos Programas Nacional, Estadual e Municipal de Direitos Humanos, com algum enfoque de gênero. 
Todas as medidas mencionadas revelam – com maior ou menor êxito - os esforços dos Poderes Executivo 
e Legislativo, bem como da sociedade civil organizada, nos últimos anos, em buscar regulamentar, de 
uma forma ou de outra, aspectos relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos no país. A respeito, 
consultar “Diagnóstico sobre a situação dos direitos sexuais e reprodutivos na América Latina”, 
elaborado pelo CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) 
e Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, julho de 2001. 
o parto, a contracepção e o aborto, como elementos interligados “onde a impossibilidade 
de acesso a qualquer um deles remete a mulher para um lugar de submissão”20. Há que 
se enfrentar a cultura que, permeada por elementos de cunho cultural, moral e religioso 
(vide a forte influência da Igreja católica no país), resiste em aceitar os direitos 
reprodutivos como direitos, insistindo na idéia de deveres reprodutivos e não de direitos 
reprodutivos. Faz-se emergencial promover avanços normativos que incluam e 
garantam, efetivamente, o exercício – e não o controle – da sexualidade e reprodução, 
na perspectiva de gênero, em todos os âmbitos da produção legiferante no país. 
Neste contexto, é também fundamental identificar estratégias de proteção 
judicial dos direitos reprodutivos, tendo como referência, por exemplo, os avanços 
judiciais relacionados à proteção do direito à saúde. Cite-se, a respeito, a crescentejurisprudência afirmativa dos direitos das pessoas portadoras do vírus HIV, que 
contempla ganhos judiciais no tocante à não-discriminação, bem como ganhos judiciais 
referentes à saúde, como decisões que exigem o fornencimento de medicamentos. Cite-
se ainda uma ação civil pública, recentemente ajuizada no Rio de Janeiro (agosto de 
2000), que teve por objeto denunciar o alto índice de mortalidade materna em 
determinado hospital da rede pública de saúde, solicitando as medidas cabíveis no 
campo da saúde pública. Propõe-se, assim, à luz da experiência em outras áreas ligadas 
à saúde pública, a “judicialização” dos direitos reprodutivos, a partir de “test cases”, que 
invoquem a prestação jurisdicional para a proteção a estes direitos. 
Além de estratégias no âmbito nacional, são necessárias estratégias no 
plano internacional, como a campanha para ratificar o Protocolo Facultativo à 
Convenção sobre a Eliminação da Discrminação contra a Mulher, que permitirá o 
encaminhamento de casos ao Comitê de Eliminação da Discriminação contra a 
Mulher.21 No âmbito do sistema interamericano, há que se potencializar o uso da 
Convenção de Belém do Pará, mediante casos que denunciem a violação de direitos 
reprodutivos, como forma de violência contra a mulher. Além disso, a partir das 
Plataformas do Cairo, Copenhaguem e Pequim, há que se avaliar a proposta de 
elaboração de uma Convenção Interamericana de Proteção de Direitos Sexuais e 
Reprodutivos. Todas estas estratégias revelam a necessidade de potencializar a via 
internacional, como especial arena para a proteção dos direitos reprodutivos. 
Estas estratégias parecem fundamentais para assegurar o pleno exercício 
dos direitos reprodutivos como efetivos direitos humanos, que, em sua complexidade, 
parafraseando Ronald Dworkin, invocam “assunto de vida e morte, de grande satisfação 
e profundo sofrimento, de paixão e frios cálculos, de intimidade e políticas sociais.” 
Por fim, a efetiva implementação dos direitos sexuais e reprodutivos, sob 
a perspectiva dos direitos humanos, demanda uma ação político-jurídica emancipatória, 
criativa e transformadora que, enfrentando tabus, assegure aos indivíduos o exercício de 
sua sexualidade e de sua capacidade reprodutiva, com plena autonomia e dignidade.22 
 
20ÁVILA, Maria Betânia de Melo. Modernidade e cidadania reprodutiva. In: ÁVILA, Maria Betânia de 
Melo; BERQUÓ, Elza. Direitos reprodutivos: uma questão de cidadania. Brasília: Centro Feminista 
de Estudos e Assessoria - CFEMEA, 1994. p. 9. A respeito, acrescenta a mesma autora: “Por muito 
tempo, as questões referentes às mulheres foram postas como pontos separados de uma agenda que 
privilegiava a luta pela descriminalização do aborto e o acesso à contracepção. A concepção e o exercício 
da maternidade eram possibilidades que, do ponto de vista moral, já estavam dadas, inclusive como 
prerrogativas fundamentais ou essenciais da existência das mulheres”. (op. cit., p. 9). 
21Note-se que, com fundamento no artigo 12 da Convenção, será possível encaminhar casos de violaçåo a 
direitos reprodutivos. 
22Cf.PIMENTEL, Silvia. Direitos Reprodutivos e Ordenamento Jurídico Brasileiro: subsídios a uma 
ação político-jurídica transformadora. In: Cadernos CCR 2, Comissão de Cidadania e Reprodução, São 
Paulo, 1993 (mimeo), p. 94. 
 
 
5. BIBLIOGRAFIA 
 
ÁVILA, Maria Betânia de Melo. Modernidade e cidadania reprodutiva. In: ÁVILA, 
Maria Betânia de Melo; BERQUÓ, Elza. Direitos reprodutivos: uma questão 
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BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho, Rio de 
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MERON, Theodor. Enhancing the effectiveness of the prohibition of discrimination 
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