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Introdução ao Estudo do Direito Aula de revisão do Cadore Linguagem: 1)Zetética: enfoque na pergunta, baseia-se em evidências testáveis (demonstráveis). Possui função informativa. Coloca em dúvida, incessantemente, os pontos de partida. 2)Dogmática: enfoque na resposta, baseia-se em dogma, lugares comuns (socialmente). Possui função (precipuamente, não exclusivamente) diretiva (cria um sentido a ser seguido pelo jurista; as construções dogmáticas não são vinculantes, porém pretendem guiar a ação humana [decisão jurídica]). Dogmática Pilares da lógica dogmática: Inevitabilidade da decisão Inegabilidade dos pontos de partida -A dogmática jurídica liga-se, com freqüência, à norma positivada (às disposições normativas). Parte de determinados lugares comuns que deixam de ser questionados, independentemente de sua verdade ou falsidade, que é indagada (dogmas). Não necessariamente de normas jurídicas, embora a dogmática do século XX tenha pendido para a noção de legalidade. -A mudança Dogmática pauta-se na Zetética (porque só se criam alterações sensíveis se forem negados os pontos de partida). As investigações zetéticas podem conduzir ao assentamento de novos dogmas. -O objeto da ciência jurídica não importa, o que vale é a decisão de conflitos com a menor perturbação social possível. A idéia é realçar a decidibilidade de conflitos como problema por excelência da dogmática jurídica. Quer se adote uma concepção tendencialmente sociológica quanto ao objeto dos estudos jurídicos, pensando-o como fato social, quer se adote concepção normativa, reputando-o como sistema de normas, o problema da decidibilidade remanesce no horizonte das preocupações. Divisões dogmáticas: 1)Analítica – qual o direito do caso? (identificação das normas jurídicas válidas) 2)Hermenêutica – qual o sentido e o alcance dessas normas? (não basta identificar o direito, é preciso determinar-lhe a significação) 3)Decisão – argumentar (fundamentação das decisões jurídicas, visando ao convencimento do auditório – sobretudo de outros juristas [instâncias julgadoras superiores] e de terceiros interessados na decisão em questão) A articulação das três divisões tem por objetivo, reiterando concepção já vista, a decisão de conflitos, aspecto inafastável do fenômeno jurídico. A dogmática jurídica (estudo do direito) se orienta pela decidibilidade porque em direito (fenômeno jurídico) não é dado deixar de decidir (vide artigo 4º da LICC, no Brasil). Dogmática analítica: teoria da norma -Para Tercio, o enfoque é mais social do que individual [o enfoque é comunicativo – não se trata de uma questão de grau, mas (mais social, menos individual) sim de perceber que o indivíduo em isolamento não possui relevância na perspectiva da teoria da linguagem; interessa percebê- lo como comunicante; ora emissor, ora receptor de mensagens]. A sociedade é pensada como um conjunto de comunicações. Todos os agentes em uma sociedade se comunicam. A noção de comportamento é comunicacional. Comportar-se significa comunicar-se. Mesmo aquele que nada diz, pode estar comunicando sua falta de vontade para falar. Nem sempre, no entanto, juridicamente, o silêncio é interpretado como vontade de calar. Não raro lhe são atribuídos efeitos jurídicos (a exemplo do que ocorre na revelia – artigo 319 CPC) -Tercio expõe três modelos de pensar a norma jurídica, sendo somente um desenvolvido por ele: 1)Norma como proposição Rege a conduta, independente da vontade de quem a criou. (proposição = sentido da sentença) e daquele a quem se endereça. Obs: Na teoria de Hans Kelsen, proposição possui sentido diferente. A doutrina pura pensa proposições como enunciados sobre normas jurídicas. Reconstruções racionais operadas pelos cientistas do direito, suscetíveis de verdade ou falsidade. Não são vinculantes. Não se confundem com o sentido do ato de vontade de uma autoridade compentente (norma jurídica). 2)Prescrição Norma ligada à vontade da fonte que a emanou (seria, no exemplo absolutista, “a vontade do rei”). Adotar o modelo da prescrição tem implicações na teoria hermenêutica (interpretação do direito), por exemplo. Atribui-se relevância à vontade concreta/real da autoridade normativa. 3)Norma como comunicação (fenômeno linguístico) – teoria do professor Tercio -A comunicação humana se realiza em grande complexidade, ou seja, há um número muito maior de coisas que poderiam acontecer do que realmente acontecem. As possibilidades são sempre em maior número do que as alternativas atualizáveis. O mundo possível é mais amplo que o mundo real. Nas interações, os agentes selecionam possibilidades, que, com freqüência, não se concretizam. - O modo de desdobramento das possibilidades selecionadas não é de todo previsível. Tercio chama a possibilidade de desilusão das expectativas, em virtude da não realização das alternativas selecionadas, de contingência: indica a possibilidade de as expectativas serem frustradas pelas experiências. O papel do Direito seria, juntamente com outros mecanismos normativos, o de fazer frente a essa contingência, tornando a realidade mais “previsível”. Sendo assim, a norma, em princípio, é um mecanismo contra a contingência. Procura neutralizá-la tanto quanto possível, na medida em que não pode eliminá-la. A contingência está associada à temporalidade. As expectativas se modificam de dia para outro. Busca-se alguma garantia contra modificações arbitrárias de preferências. Daí, tiramos o seguinte esquema: Direito – normas jurídicas – expectativas contrafáticas – mecanismos que procuram conferir duração estável às expectativas. É preciso notar que o caráter de expectativas contrafáticas não é atributo exclusivo das normas jurídicas, mas sim algo compartilhado por todas normas. É parte da idéia de norma que sejam contrafáticas, isto é, que permaneçam imperando ainda que seus ditames não se vejam realizados. Uma vez que todas as normas podem ser interpretadas como expectativas contrafáticas, surge o problema (zetético) de distinguir as normas jurídicas das demais. No fundo, trata-se de retornar à questão: o que é o direito? Obs: 1)expectativas contrafáticas são aquelas que defendem a realidade antiga, na qual as regras foram propostas. São ditas contrafáticas porque vão contra a realidade vigente, forçando a manutenção das expectativas antigas presentes na época da proposição das normas, diminuindo a contingência na sociedade (tentando controlá-la). O motorista sabe que à noite muitos atravessam com o sinal vermelho, mas não faz daí a ilação de que à noite a norma vale menos que de dia; ele pode pensar que ela é, à noite, menos eficaz, mas não menos válida; se houver um acidente, à noite, ele poderá lastimar-se por não ter sido mais cauteloso, mas exigirá o cumprimento da norma do mesmo modo que de dia. Estabilização contrafática de expectativas significa estabilização sobre o não evidente: por mais que seja evidente que, à noite, semáforos sejam com certa probabilidade desrespeitados, isto é por mais que seja não-evidente a expectativa de respeito, esta é mantida normativamente. Neste sentido, normas garantem expectativas contrafáticas, o direito é expectativa estabilizada sobre o não-evidente (Luhmann, 1972). 2)Essa teoria afirma que o Direito impede a sociedade de ir contra si mesma, tentando manter certo padrão de convívio para a limitação da contingência (afinal, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas para o funcionamento de uma economia capitalista, por exemplo, é necessário, em alguma medida, que os pactos sejam cumpridos) . Apresentada a teoria do prof. Tercio, podemos partir para a definição proposta do que seria a norma jurídica, enquanto mecanismo que tenta impedir o avanço da contingência. Há duasformas de abordar uma norma jurídica. I) Abordagem zetética: o que distingue a norma jurídica das demais normas? O que faz de determinadas normas [que sejam] jurídicas? -Uma norma é uma mensagem que se estabelece em dois níveis: cometimento e relato. -Relato é o conteúdo do que se diz (mensagem emanada pelo emissor). -Já o cometimento normativo estabelece uma diferença entre o emissor (autoridade) e o receptor (sujeito, aquele que se submete) – relação hierárquica. O cometimento das normas jurídicas define uma relação de complementaridade (um manda, outro obedece). -O relato é o que se diz. O cometimento é o contexto no qual se emana o relato. Mensagem emanada do emissor em função de tom de voz, expressão facial, gesticulação etc. -Portanto, conclui-se que o mesmo relato pode obter diferentes significados, dependendo de diferentes cometimentos (ora estabelecendo-se relação de coordenação/igualdade, ora de subordinação/diferença). -A norma para o prof. Tercio envolve sempre o comportamento do emissor e do receptor, apresentando-se como fenômeno linguístico. Relações possíveis entre o emissor (autoridade) e o receptor (sujeito): 1)Confirmação: observância natural da norma, ou seja, os sujeitos conhecem a norma emanada pela autoridade e a aceitam sem muitos problemas, reconhecendo a diferença hierárquica. 2)Rejeição: A norma é desobedecida, mas a autoridade ainda é reconhecida como tal. Nessa relação, é a norma que é desrespeitada, mas a autoridade ainda possui sua imagem de tutela, de superioridade hierárquica. 3)Desconfirmação: atitude de indiferença em relação à norma. Nessa relação, tanto a norma quanto a autoridade são desrespeitados (ainda que a norma seja desdenhosamente obedecida). Nem mesmo a aplicação da sanção faz diferença aqui. O sujeito pode cumprir o que dita a sanção, mas continua efetuando o ato contranormativo, tendo indiferença quanto à tutela ou não da autoridade competente. Uma autoridade não resiste a uma desconfirmação, ela tem que ser capaz de superar essa situação de inobservância de sua força e capacidade. Ela tem de ser capaz de “desconfirmar a desconfirmação”. Caso contrário, ela deixará de ser autoridade. Só se mantém enquanto autoridade na medida em que consegue se blindar contra a desconfirmação, contando com o consenso presumido de terceiros não participantes da relação normativa. Depois de se definir uma norma, deve-se perguntar: o que faz uma norma ser jurídica? (São, em verdade, operações concomitantes; definir uma norma jurídica é demarcar o território da juridicidade) 1)O cometimento da norma jurídica se sobrepõe ao das outras normas, é o que se chama de institucionalização. Isso decorre de um consenso presumido, oriundo de um procedimento que regula a atuação da autoridade competente (ex: judicial, legislativo, administrativo, eleitoral, etc.), gerando uma pré-disposição nas pessoas em aceitar a norma (ainda que não se saiba, de antemão, qual será seu conteúdo). O que distingue as normas jurídicas, do ponto de vista do cometimento, é o grau maior de institucionalização. Eis o que confere às normas jurídicas, aos olhos dos juristas, preponderância com relação a outras normas, em eventual conflito. 2)Relato - será que uma norma jurídica admitiria qualquer conteúdo? Há núcleos significativos, tentativas de filtrar o que pode e o que não pode ser jurídico. Há, pelo menos, quatro núcleos: a)Pessoas: sabendo-se quem emite a norma, tem ideia de como esta será. (servem como mecanismos de generalização de conteúdos em sociedades menos complexas; grupos pequenos) b)Papéis: quanto mais complexa é uma sociedade, mais se distanciam as relações entre os sujeitos e as pessoas que representam as autoridades competentes (impessoalidade). Daí verifica-se que fica cada vez mais difícil imaginar a noção de pessoa como mecanismo de generalização de conteúdos. A contingência torna-se maior. Para evitar esse problema, pensa-se em papéis sociais a serem desempenhados pelas pessoas. Esses papéis possuem caráter reconhecido por todos. Por exemplo, um advogado não pode operar uma pessoa (não se exige que o faça), um jogador de futebol não pode defender uma causa (não se exige que o faça). A presença desses papéis diminuiria a dificuldade criada pelo distanciamento entre as pessoas devido ao nível complexo da sociedade. As normas disciplinam condutas tendo em vista papéis, não pessoas concretas (credor/devedor, por exemplo; não Xaxá e menino fotografado no colo de donzela contratada para fazer show no Acalourados) c)Valores: indicam preferências sociais que deveriam ter lugar no conteúdo das normas jurídicas. d)Ideologias: noções teoricamente aceitas pela grande maioria da sociedade ou pelos diferentes grupos. Na prática, visto a complexidade social moderna, verifica-se que cada grupo acaba criando as suas próprias ideologias, dificultando a presença de uma uniformidade que poderia servir de norte para a criação normativa. Ainda assim, a noção pode servir em contextos menores, como quando da definição de conteúdos de estatutos de associações, por exemplo. II) Abordagem dogmática: partindo de uma definição zetética de norma, como se deve utilizar uma norma jurídica? Como os juristas práticos percebem as normas jurídicas no contexto da resolução de conflitos? A norma, desde perspectiva dogmática, serve ao jurista como critério para decisão de conflitos. Aparece como argumento na defesa de um ponto de vista, partindo-se do pressuposto que essas regras são socialmente aceitas (por serem institucionalizadas, desoneram o interessado de maiores argumentações). A palavra dogmática vem de dogmas: são concepções aceitas (assumidas no discurso) sem necessariamente se verificar sua plena veracidade ou perfeição. O problema dogmático é de decidibilidade, não de verdade. A norma, em perspectiva dogmática, é concebida como imperativo despsicologizado. Trata-se de um diretivo de conduta (quer das autoridades competentes, funcionando como pauta de decisão), quer dos sujeitos de direitos e deveres, que podem se orientar a partir delas nas interações com os demais. O caráter de despiscologizada indica que, do ponto de vista da dogmática analítica, não interessam as vontades concretas da autoridade e dos sujeitos para a definição de norma jurídica. Texto escrito por Caio Mello 183 – 11. Conteúdo revisado por Rodrigo Cadore
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