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DPM0111 - Teoria Geral do Direito Penal I - Pierpaolo Bottini

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1	
	
TEORIA	GERAL	DO	DIREITO	PENAL	I	
DPM0111	Teoria	Geral	do	Direito	Penal	I	
Prof.	Doutor	Pierpaolo	Cruz	Bottini	
1º	Semestre	de	2013	–	Sala	22	–	Turma	186	
Anotações:	Isac	Silveira	da	Costa	(isac.costa@gmail.com)	
Versão:	2.0	(10/6/2013)	
Conteúdo	
1.  Introdução	e	Metodologia	Dogmática.	...........................................................................................................................................	3 
1.1.  Perspectivas	do	Direito	Penal	..................................................................................................................................................	3 
1.2.  Código	Penal	....................................................................................................................................................................................	3 
1.3.  Antecedentes	Históricos	............................................................................................................................................................	3 
1.4.  Precursores	da	Escola	Clássica	................................................................................................................................................	4 
2.  Escolas	do	Direito	Penal.......................................................................................................................................................................	5 
2.1.  A	Escola	Clássica:	Contratualistas	..........................................................................................................................................	5 
2.2.  A	Escola	Clássica:	Racionalismo	Categórico	.......................................................................................................................	6 
2.3.  Crítica	ao	Direito	Penal	Categórico	........................................................................................................................................	7 
2.4.  A	Sociedade	no	Início	do	Século	XX	e	o	Positivismo	Naturalista	...............................................................................	7 
2.5.  Crítica	ao	Positivismo	Naturalista	(Prevenção	Especial)	.............................................................................................	8 
2.6.  Sistema	Liszt‐Beling	.....................................................................................................................................................................	9 
2.7.  Neokantismo	...................................................................................................................................................................................	9 
2.7.1.  Teoria	psicológico‐normativa	da	culpabilidade	..................................................................................................	10 
2.8.  Finalismo	.......................................................................................................................................................................................	10 
2.9.  Crítica	ao	Sistema	Finalista	....................................................................................................................................................	12 
2.10.  Direito	Penal	Contemporâneo	.........................................................................................................................................	12 
2.10.1.  Sociedade	de	Risco	...........................................................................................................................................................	12 
2.10.2.  Politização	do	Judiciário	................................................................................................................................................	13 
2.10.3.  Características	do	Direito	Penal	Contemporâneo	...............................................................................................	14 
2.10.4.  Escola	de	Frankfurt	(Garantismo)	.............................................................................................................................	14 
2.10.5.  Abolicionismo	....................................................................................................................................................................	14 
2.10.6.  Funcionalismo	...................................................................................................................................................................	15 
3.  Teoria	do	Bem	Jurídico	Penal.	........................................................................................................................................................	17 
4.  Limites	do	Direito	Penal.	..................................................................................................................................................................	18 
4.1.  Critérios	para	definir	a	tolerância	a	ataques	a	bens	jurídicos.	................................................................................	18 
4.1.1.  Ofensividade	.......................................................................................................................................................................	18 
4.1.2.  Fragmentariedade	............................................................................................................................................................	18 
4.1.3.  Culpabilidade	.....................................................................................................................................................................	18 
4.1.4.  Utilidade	...............................................................................................................................................................................	18 
4.1.5.  Subsidiariedade	.................................................................................................................................................................	19 
4.2.  Formas	de	proteção:	proporcionalidade	e	legalidade.	...............................................................................................	19 
2	
	
4.2.1.  Proporcionalidade	...........................................................................................................................................................	19 
4.2.2.  Legalidade	...........................................................................................................................................................................	20 
5.  Legalidade	...............................................................................................................................................................................................	20 
5.1  Taxatividade	............................................................................................................................................................................	20 
5.2.  Irretroatividade	e	lei	penal	no	tempo	...........................................................................................................................	21 
5.3.  Territorialidade	e	lei	penal	no	espaço	..........................................................................................................................	23 
5.4.  Interpretação	da	Lei	Penal	.....................................................................................................................................................	24 
6.  Teoria	do	Delito:	Tipicidade	............................................................................................................................................................	25 
6.1.  Comportamento	..........................................................................................................................................................................	25 
6.2.  Resultado	.......................................................................................................................................................................................	26 
6.3.  Nexode	Imputação	....................................................................................................................................................................	27 
6.4.  Pensamento	clássico:	teoria	da	equivalência	de	condições	......................................................................................	27 
6.5.  Neokantismo:	causalidade	adequada.	...............................................................................................................................	28 
6.6.  Finalismo:	Dolo	ou	Culpa	........................................................................................................................................................	29 
6.7.  Funcionalismo:	a	Teoria	da	Imputação	Objetiva	...........................................................................................................	29 
6.7.1.  Criação	de	risco	de	resultado	......................................................................................................................................	30 
6.7.2.  Risco	não	permitido	........................................................................................................................................................	30 
6.7.3.  Reflexão	do	risco	não	permitido	criado	no	resultado	.......................................................................................	31 
6.7.4.  Inclusão	do	Resultado	no	Âmbito	de	Abrangência	da	Norma	de	Cuidado	...............................................	31 
6.8.  Adequação	típica	........................................................................................................................................................................	31 
6.9.  Elementos	subjetivos	da	tipicidade:	dolo	e	culpa	.........................................................................................................	33 
6.9.1.  Dolo	........................................................................................................................................................................................	33 
6.9.2.  Culpa	......................................................................................................................................................................................	34 
	
	
	
	 	
3	
	
1. Introdução	e	Metodologia	Dogmática.	
Definições:	 crime	e	pena.	Perspectivas	do	Direito	Penal:	 legislação,	dogmática,	 criminologia	e	política	 criminal.	
Código	Penal:	estrutura.	Evolução	histórica	do	pensamento	dogmático.	
Faz‐se	mister	no	estudo	do	direito	a	percepção	dos	interesses,	da	ideologia	e	da	estrutura	social	que	geram	a	
regra	 jurídica.	Os	 institutos	 jurídicos	são	um	produto	da	evolução	 (ou	 involução)	histórica.	Alguns	 livros	são	
fundamentais	 para	 o	 auxílio	 do	 desenvolvimento	 da	 própria	 ideologia,	 que	 será	 relevante	 no	 estudo	 dos	
diversos	ramos	do	direito	e	na	aplicação	da	lei:	
 Raízes	do	Brasil	e	Casa	Grande	e	Senzala,	de	Sérgio	Buarque	de	Holanda.	
 Os	Donos	do	Poder,	de	Raymundo	Faoro.	
 Formação	do	Brasil	Contemporâneo,	de	Caio	Prado	Júnior.	
Afinal,	 o	 que	 é	 o	 direito	 penal?	 Trata‐se	 do	 direito	 do	 crime	 e	 da	 pena.	 Para	 a	melhor	 compreensão	 destes	
conceitos	(crime	e	pena),	recorremos	ao	sociólogo	alemão	Niklas	Luhmann,	para	o	qual	as	expectativas	sobre	o	
comportamento	 dos	 demais	 indivíduos	 em	 uma	 sociedade	 é	 imprescindível	 para	 o	 seu	 adequado	
funcionamento.	 Estas	 expectativas	 precisam	 ser	 preservadas	 –	 diante	 de	 sua	 frustração	 diante	 da	
demonstração	de	anormalidade,	deve	haver	reação.	Neste	sentido,	o	crime	é	todo	comportamento	considerado	
intolerável,	segundo	um	critério	estabelecido	pela	sociedade.	A	reação	à	frustração	das	expectativas	é	a	pena,	a	
qual	 deve	 ser	 proporcional	 à	 relevância	 da	 expectativa.	 Assim,	 a	 definição	 de	 crimes	 e	 penas	 depende	 dos	
valores	 da	 sociedade,	 que	 possuam	 relevância	 para	 a	 manutenção	 das	 expectativas	 e	 assegurem	 seu	
funcionamento.				
1.1. Perspectivas	do	Direito	Penal	
Conforme	o	objeto	em	foco,	podemos	ter	as	seguintes	perspectivas	no	estudo	do	direito	penal:	
 Legislação:	o	foco	é	a	lei.	
 Dogmática:	 o	 foco	 é	 a	 interpretação	 da	 lei;	 por	 dogmática	 entende‐se	 a	 sistematização	 de	 conceitos,	
princípios,	 ideologias.	Objetiva	 preencher	 lacunas	 e	 determinar	 conceitos,	 consiste	 em	um	 estudo	do	
direito	positivo.	Nesta	perspectiva,	 temos	diversas	correntes	de	pensamento:	causalista,	 finalista	e	da	
imputação	objetiva.		
 Criminologia:	o	foco	é	a	realidade	empírica;	realiza‐se	a	observação	empírica	do	impacto	do	crime	e	do	
criminoso	da	sociedade,	com,	por	exemplo,	coleta	de	dados	sobre	a	incidência	de	determinados	crimes	
após	a	vigência	de	determinada	lei	que	criminalizou	dada	conduta	ou	tornou‐a	mais	gravosa.	
 Política	 Criminal:	 o	 foco	 é	 obter	 uma	 proposta	 de	 aprimoramento	 do	 sistema,	 trata‐se	 de	 uma	
perspectiva	 propositiva.	 Ocupa‐se	 de	 valorar	 a	 legislação	 a	 partir	 dos	 fins	 a	 que	 ela	 se	 pretende,	
propondo	leis	alternativas.		
1.2. Código	Penal	
O	Código	Penal	é	o	Decreto	2.848/1940,	constituído	de	uma	Parte	Geral	(arts.	1	a	120)	e	de	uma	Parte	Especial.	
Além	disso,	há	a	Legislação	Penal	Especial,	com	leis	esparsas	tratando	de	matéria	penal,	como,	por	exemplo,	a	
Lei	Maria	da	Penha	 (Lei	11.340/2006),	a	Lei	de	Crimes	Ambientais	 (Lei	9.605/1998)	e	a	Lei	de	Lavagem	de	
Dinheiro	(Lei	9.613/1998).	No	site	do	Planalto,	é	possível	visualizar	a	legislação	de	matéria	criminal	através	do	
link:		
http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao‐por‐assunto/crimes‐e‐seguranca‐publica‐teste#content	
1.3. Antecedentes	Históricos	
Arbitrariedade	e	desproporcionalidade	das	penas.	Aspectos	históricos.	Legitimação	 teórica	para	a	aplicação	de	
penas.	Contrato	social	versus	direito	natural.		
4	
	
Na	pré‐história	do	direito	penal,	antes	da	Idade	Média	(até	o	século	V),	não	havia	uma	abordagem	sistematizada	
ou	 uma	 preocupação	 com	 uma	 legitimação	 teórica	 para	 a	 aplicação	 de	 penas,	 que	 eram	 arbitrárias	 e	
desproporcionais,	com	caráter	de	vingança	e	não	como	instrumento	de	manutenção	da	sociedade.	Houve	lapsos	
de	 racionalidade,	 como	o	Código	de	Hamurabi	 (século	XIX	a.C.)	 com	a	 lei	de	talião	 (olho	por	olho,	dente	por	
dente),	através	da	qual	se	estabelecia	um	limite	para	a	punição	aplicável	ao	indivíduo.	Por	mais	bárbara	que	tal	
lei	possa	parecer,	representou	a	primeira	manifestação	do	princípio	da	proporcionalidade.		
Um	dos	 aspectos	 que	 caracteriza	 a	 evolução	 de	 um	povo	 é	 a	 separação	 entre	 os	 poderes	 político,	 jurídico	 e	
religioso.	Com	a	evolução	dos	povos,	temos	novos	desenvolvimentos	em	momentos	históricos	subsequentes.	Na	
Idade	Média	ocorreu	a	 fragmentação	das	 fontes	 jurídicas	pela	pulverização	do	poder,	o	que	deixaria	de	ser	a	
regra	apenas	com	a	ascensão	da	burguesia	na	época	moderna,	com	sua	busca	por	uniformidade	jurídica	para	
viabilizar	 a	 concretização	 de	 seus	 negócios.	 No	 período	 medieval	 também	 tivemos	 lapsos	 de	 racionalidade	
como	o	Corpus	Iuris	Civilis	(século	VI)	e	o	Código	Visigodo	(Século	VII).		
Com	o	Absolutismo,	ainda	não	havia	grande	legitimação	teórica.	Com	a	unificação	do	poder,	há	o	início	de	uma	
sistematização	legal,	ainda	incipiente,	dentre	as	quais	podemos	citar	as	Ordenações	Afonsinas	(século	XV),	as	
Ordenações	Manuelinas	 (século	 XVI)	 e	 as	 Ordenações	 Filipinas	 durante	 o	 domínio	 espanhol	 sobre	 Portugal.	
Nestas	legislações,	a	pena	ainda	era	demasiadamente	desproporcional	à	conduta	criminosa.	
No	final	do	século	XVIII,	surgem	teorias	políticas	sobre	a	 legitimidade	do	exercício	do	poder,	agora	em	bases	
distintas	 do	 direito	 divino	 da	 época	 absolutista.	 Neste	 sentido,	 destaca‐se	 a	 teoria	 do	 contrato	 social	 de	
Rousseau.	 Os	 homens	 se	 reúnem,	 cansados	 da	 guerra	 de	 todos	 contra	 todos.	O	Poder	Legislativo	passa	a	ter	
prevalência	sobre	os	demais,	dedicando‐se	a	um	detalhamento	preciso	das	regras	jurídicas,	dada	a	desconfiança	
dainterpretação	pelos	juízes	(“o	juiz	é	a	boca	da	lei”).	Por	exemplo,	a	Lei	da	Boa	Razão	de	1769	proíbe	o	juiz	de	
interpretar	a	lei	em	Portugal.		
Os	 crescentes	 interesses	 econômicos	 da	 burguesia	 demandavam	maior	 estabilidade	e	segurança	jurídica.	 Um	
cenário	 de	 instabilidade	 jurídico‐política	 poderia	 representar	 um	 controle	 arbitrário	 pela	 maioria.	 Em	
contraponto	 ao	 contrato	 social,	 surgem	 as	 teorias	 do	 direito	natural,	 preconizando	 a	 existência	 de	 direitos	
assegurados	a	todo	ser	humano,	independentes	de	vontade	de	poder,	transcendendo	a	vontade	humana.	Tais	
direitos	não	poderiam	ser	objeto	de	limitação	pela	maioria.	Neste	sentido,	o	principal	direito	defendido	era	o	de	
propriedade,	 o	 que	 representava	 a	 essência	 dos	 interesses	 burgueses.	 Surge	 a	 divergência	 entre	 os	
contratualistas	e	os	naturalistas.		
1.4. Precursores	da	Escola	Clássica	
Surgimento	 de	 leis	 penais	 mais	 humanas.	 Busca	 pela	 legitimidade	 teórica	 do	 estabelecimento	 de	 crimes	 e	
cominação	de	penas.	A	contribuição	de	Beccaria.	
No	 tocante	 ao	 direito	 penal,	 há	 rechaço	 às	 práticas	 absolutistas	 através	 de	 um	movimento	 político	 por	 leis	
penais	mais	humanas.	Em	1786	é	abolida	a	pena	de	morte	na	Toscana.	Surgem	códigos	penais	mais	racionais,	
como	o	Código	da	Baviera	(1813)	e	o	Código	Criminal	do	Império	no	Brasil	(1830).		
Para	os	contratualistas,	a	legitimidade	teórica	do	estabelecimento	de	crimes	e	cominação	de	penas	estava	
no	contrato	social	(fala‐se	pela	primeira	vez	na	legitimidade	do	direito	penal).	A	obra	Dos	Delitos	e	Das	Penas	
(1764),	de	Cesare	Beccaria,	representa	não	uma	doutrina	do	direito	penal,	mas	um	manifesto	político	que,	de	
forma	 pioneira,	 enuncia	 o	 princípio	 da	 legalidade:	 “não	 há	 crime	 sem	 lei	 anterior	 que	 o	 defina”.	 Ainda,	 o	
princípio	da	proporcionalidade	 torna‐se	essencial,	uma	vez	que	um	sistema	penal	 só	 seria	 eficaz	 se	 as	penas	
fossem	proporcionais	aos	crimes.	O	contrato	social	precisa	ser	racional.		Na	mesma	linha	de	pensamento,	há	a	
obra	 de	 Mello	 Freire,	 Instituições	do	Direito	Criminal	Português	 (1794).	 É	 a	 manifestação	 do	 Iluminismo	 no	
direito	penal.		
Até	 aquele	momento,	 a	 legislação	penal	 tinha	 raízes	 no	pensamento	medieval	 e	 respondia	 a	uma	 concepção	
teocrática	de	poder.	A	crise	política	do	século	XVIII	ocasionara	um	notável	endurecimento	da	 justiça	penal,	o	
que	representava	uma	contradição	com	respeito	às	 ideias	 filosóficas	vigentes,	que	defendiam	uma	sociedade	
cujo	 ponto	 de	 partida	 era	 o	 indivíduo	 e	 sua	 liberdade.	 A	 obra	 de	Beccaria	 é	 um	 livro	 crítico,	 que	 hoje	 seria	
incluído	no	contexto	da	Política	Criminal.	Seu	ponto	de	partida	é	o	contrato	social.	Suas	críticas	têm	como	base	
5	
	
o	 controle	 da	 arbitrariedade	 (pelo	 princípio	 da	 legalidade),	 a	 desvinculação	 entre	 delito	 e	 pecado	 e	 a	
consagração	da	 humanização	das	 penas.	 Estes	 princípios	 inspiraram	o	direito	 penal	 liberal:	 penas	 humanas,	
abolição	da	tortura,	igualdade	perante	a	lei	e	proporcionalidade	entre	delito	e	pena.		
2. Escolas	do	Direito	Penal.	
No	século	XIX	há	um	embate	filosófico.	Para	os	contratualistas,	o	direito	tem	legitimidade	no	contrato	social.	Os	
categóricos	têm	receio	de	que	tudo	seja	decidido	pela	maioria,	há	valores	que	são	imanentes	ao	ser	humano,	a	
despeito	da	vontade	da	maioria:	os	direitos	naturais.	Este	embate	filosófico	ocorre	também	no	âmbito	do	direito	
penal.	 Recordando	 a	 teoria	 da	 prevenção	 geral	 negativa:	 “todos	 somos	 potenciais	 delinquentes,	 por	 isso	
vamos	estabelecer	penas	que	nos	inibam	no	que	diz	respeito	a	cometer	crimes”.		
2.1. A	Escola	Clássica:	Contratualistas	
Feuerbach:	pena	como	coação	psicológica.	Prevenção	geral	negativa.		
Como	 vimos	 anteriormente,	 para	 os	 contratualistas,	 a	 legitimidade	 teórica	 do	 estabelecimento	 de	 crimes	 e	
cominação	 de	 penas	 estava	 no	 contrato	 social.	 Aquele	 que	 rompe	 com	 o	 contrato	 social	 dá	 ao	 soberano	 a	
possibilidade	de	puni‐lo	da	 forma	como	bem	entender.	O	pensamento	de	Beccaria	 inspirou	a	Escola	Clássica,	
essencialmente	vinculada	a	Carmignani,	Rossi	e	Carrara	na	Itália.	Outros	de	seus	expoentes	foram	Feuerbach	e	
Bentham	 na	 Alemanha	 e	 Inglaterra,	 respectivamente.	 Na	 Escola	 Clássica	 encontramos	 contratualistas	 e	
jusnaturalistas.		
O	método	empregado	pelos	autores	clássicos	foi	racionalista,	abstrato	e	dedutivo.	Buscam	critérios	válidos	para	
qualquer	tempo	e	qualquer	lugar.	Carrara	considerava	que	o	delito	era	a	infração	da	lei	do	Estado,	que	deveria	
se	 pautar	 pela	 lei	 natural.	 Assim,	 não	 se	 trata	 de	 um	direito	 positivo,	mas	 de	 um	direito	 ideal	 que	 deve	 ser	
elaborado	com	a	ajuda	da	razão,	do	qual	as	leis	estatais	devem	extrair	seu	conteúdo.	As	construções	da	Escola	
Clássica	 estão	 vinculadas	 à	 legalidade	 e	 a	 humanização	 da	 sanção	 penal,	 esta	 última	 consequência	 da	
valorização	 do	 homem	 perante	 o	 poder	 estatal,	 postulado	 fundamental	 do	 pensamento	 liberal.	 Havia	
divergência	entre	os	clássicos	quanto	à	finalidade	da	pena:	Rossi	defendia	a	pena	como	retribuição,	enquanto	
Carmignani	aspira	a	um	fim	claramente	preventivo.		
Paul	Johann	Anselm	Ritter	von	Feuerbach	foi	o	autor	do	Código	da	Baviera	de	1813	e	desenvolveu	a	teoria	da	
pena,	 estabelecendo	 uma	 fundamentação,	 uma	 justificativa	 para	 as	 ações	 do	 estado.	 Conforme	 a	 teoria	 da	
prevenção	geral	negativa,	 as	penas	servem	para	 fazer	com	que	as	pessoas	não	cometam	crimes	–	 são	uma	
ameaça,	uma	intimidação	ao	indivíduo.	A	pena,	desta	forma,	tem	função	social	e	motivação	política.	É	prevenção	
geral	 porque	 é	 endereçada	 à	 sociedade	 e	 não	 ao	 indivíduo	 (prevenção	 especial).	 Justapondo‐se	 à	 prevenção	
geral	 negativa	 (intimidação,	 coação	 psicológica),	 há	 a	 prevenção	 geral	 positiva,	 afirmando	 os	 valores	 da	
sociedade,	tranquilizando	seus	membros	no	sentido	de	que	há	meios	de	prevenir	o	crime.		
Resumo	do	pensamento	de	Feuerbach:	
 O	 fundamento	 da	 sociedade	 civil	 para	 garantir	 a	 todos	 a	 liberdade	 recíproca	 é	 a	 união	 da	 vontade	 e	 da	
energia	dos	indivíduos.	
 O	Estado	é	organizado	por	uma	vontade	conjunta	e	visa	criar	uma	“condição	jurídica”,	 isto	é,	a	existência	
conjunta	dos	homens	conforme	a	lei	e	o	direito.		
 Toda	 forma	 de	 lesão	 jurídica	 contradiz	 o	 objetivo	 do	 Estado,	 que	possui	o	direito	e	o	dever	de	 criar	
institutos	que	possam	impedir	as	lesões	jurídicas.	
 O	Estado	 pode	 ter	 institutos	 de	 coação	 física	 com	 anterioridade	 ou	 posterioridade	 a	 uma	 lesão	 jurídica.	
Porém,	 a	 coação	 física	 é	 insuficiente	para	proteger	direitos	 irreparáveis.	 Assim,	 deve	 existir	 outra	
forma	de	coação,	que	não	pressuponha	o	pré‐conhecimento	da	lesão.	Esta	coação	deve	ser	psicológica.	
 As	contravenções	têm	sua	causa	psicológica	na	sensualidade.	O	impulso	sensual	pode	ser	cancelado	se	o	
indivíduo	souber	que	receberá	um	mal	maior	que	a	frustração	de	não	satisfazer	seu	impulso.	
 Para	obter	este	efeito,	deve	haver	uma	lei	que	estabeleça	a	consequência	para	a	conduta	e	a	demonstração	
da	sua	relação	com	a	realidade	(aplicação	efetiva	da	lei).		
6	
	
 A	razão	pela	qual	existe	a	norma	penal	é	a	preservação	da	liberdade	recíproca	de	todos	mediante	o	
cancelamento	do	impulso	sensual	dirigido	às	lesões	jurídicas.		
 O	objetivo	da	 cominação	da	pena	 é	 a	 intimidação	de	 todos,	 enquanto	potenciais	 protagonistas	 de	 lesões	
jurídicas.	Objetivo	de	sua	aplicação	é	dar	fundamento	efetivo	à	cominação	legal.		
 O	fundamento	jurídico	da	cominação	da	pena	é	sua	conformidade	com	a	liberdade	jurídica	do	condenado.	A	
razão	 que	 permite	 ao	 Estado	 cominar	 penalmente	 é	 a	 necessidade	 de	 assegurar	 o	 direito	 de	 todos.	 O	
fundamento	jurídico	da	aplicação	da	pena	é	a	prévia	cominação	legal.	
 O	 mal,	 como	 consequência	 jurídica	 necessária,	 se	 vinculará	 a	 uma	 lesão	 jurídica	 determinada	
mediante	uma	lei.	
Kant	viria	a	criticar	o	uso	da	pena	como	formade	coação	psicológica,	apresenta	o	problema	ético	do	utilitarismo	
penal.	 Sua	 visão	 foi	 ratificada	 pela	 história,	 em	 situações	 em	 que	 a	 ameaça	 de	 atrocidades	 cometidas	 pela	
maioria	se	concretizou	e	gerou	situações	de	totalitarismo	pela	atuação	do	legislativo.		
2.2. A	Escola	Clássica:	Racionalismo	Categórico	
Pena:	intimidação	ou	retribuição?	Contexto	histórico:	necessidade	de	segurança	pela	burguesia	e	desconfiança	do	
Judiciário.	O	problema	ético	da	função	social	da	pena.	A	proposta	de	um	cálculo	racional	para	a	retribuição	justa	
pela	prática	de	um	crime.	A	busca	racional	do	imperativo	categórico	e	a	elitização	da	produção	jurídica.	
O	 racionalista	 categórico	 não	 vê	 segurança	 no	 contrato	 social.	 O	 direito	 penal	 pode	 virar	 injusto	 e	
desproporcional.	É	preciso	encontrar	outro	fundamento	para	a	idéia	de	crime	e	de	pena.	A	sistemática	do	direito	
penal	é	desenvolvida	através	da	filosofia	kantiana.	Kant	desenvolve	a	noção	de	imperativo	categórico:	existem	
princípios	e	valores	que	têm	eficácia	e	validade	independente	de	sua	utilidade	concreta.	Estes	valores	decorrem	
da	ideia	de	justiça,	os	quais	podem	ou	não	ter	alguma	repercussão	social.	Em	algum	lugar	fora	do	mundo	físico,	
há	 o	 mundo	 metafísico.	 Neste	 mundo	 ideal,	 são	 inscritos	 todos	 os	 valores	 absolutos:	 os	 imperativos	
categóricos,	tudo	o	que	é	bom,	tudo	o	que	é	ruim,	tudo	o	que	é	certo,	tudo	o	que	é	errado.	O	conceito	de	justiça	
está	inscrito	neste	plano	ideal,	onde	também	estão	inscritas	as	consequências	para	quem	pratica	o	mal.	Estas	
noções	sempre	existiram	e	sempre	existirão.		
Para	Kant,	o	que	vemos	é	mera	sombra	do	conceito	de	justiça	inscrito	no	mundo	metafísico.	Por	isso,	devemos	
sempre	 evoluir	 para	 nos	 aproximarmos	 cada	 vez	mais	 destes	 valores	 absolutos.	 A	 legislação	perfeita	 pode	
atravessar	séculos	e	ser	aplicada	em	todas	as	sociedades	sem	necessitar	de	mudanças.	Como	conhecer	o	que	é	
justo?	 Através	 do	 método	 lógico‐racional.	 Como	 calcular	 a	 pena?	 Conforme	 um	 cálculo	 racional	 para	 a	
retribuição	justa	pela	prática	do	crime.		
Esta	determinação	da	pena	não	guarda	relação	com	a	vontade	da	maioria,	apenas	com	uma	discussão	jurídica.	O	
processo	 lógico‐racional	 é	 suficiente	 para	 se	 aproximar	 da	 legislação	 perfeita,	 buscando	 uma	 racionalidade	
cada	 vez	maior	 que	 independe	 da	 sociedade	 e	 do	momento	 histórico.	 Carrara,	 Rossi	 e	 Joaquim	 Augusto	 de	
Camargo	foram	defensores	desta	idéia.		É	a	busca	racional	do	imperativo	categórico.		
No	 início	 do	 século	 XIX,	 havia	 dificuldade	 na	 definição	 das	 instituições,	 bem	 como	 traumas	 decorrentes	 do	
Terror.	 Formava‐se	 o	 império	 napoleônico.	 Estas	 circunstâncias,	 aliadas	 à	 oferta	 ideológica	 de	 estabilidade,	
estavam	alinhadas	com	os	interesses	da	burguesia,	a	maior	interessada	na	estabilidade	política	e	jurídica.		
Enquanto	para	os	contratualistas	a	pena	tinha	caráter	de	 intimidação,	para	os	categóricos	a	pena	era	
vista	como	uma	retribuição.	O	uso	do	corpo	e	da	liberdade	da	pessoa	para	uma	função	social	não	era	ético.	
Uma	 pena	 ética	 seria	 apenas	 uma	 retribuição	 exata,	 justa,	 proporcional.	 A	 pena,	 assim,	 não	 teria	 finalidade	
alguma,	não	serve	de	ameaça	ou	de	ressocialização.	Era	um	mero	castigo	proporcional	ao	mal	praticado	–	uma	
retribuição	justa.	Para	que	existe	a	pena?	Porque	não	é	possível	abrir	mão	do	direito	penal,	a	um	mal	se	aplica	
outro	mal,	mantendo	 o	 racionalismo	 categórico.	 A	 não	 retribuição	 a	 uma	prática	 de	 injustiça	 é	 injusta.	 Para	
Kant,	 enfim,	o	direito	penal	não	 se	presta	a	nenhum	 fim	político.	 	Esta	noção	oferece	um	direito	penal	estável,	
seguro.		
A	alegoria	da	ilha:	se	todos	os	habitantes	de	uma	ilha	tomassem	conhecimento	de	que	viria	uma	onda	dentro	
de	alguns	dias	capaz	de	matar	a	todos	ali	viventes,	ainda	assim	deveriam	ser	executados	aqueles	que	tivessem	
7	
	
sido	condenados	à	morte.	Mesmo	que	todos	fossem	morrer	dali	a	alguns	dias,	a	execução	da	pena	de	morte	dos	
condenados	seria	justa	e	necessária.			
A	 realização	 desta	 ideia	 resulta	 em	 uma	 aristocratização	 (quem	 define	 o	 que	 é	 justo?),	 uma	 elitização	 da	
produção	 jurídica.	 Os	 estudos	 acadêmicos	 acabam	 por	 ser	 responsáveis	 pela	 elaboração	 das	 leis	 penas,	 que	
virão	a	ser	ratificadas	pelo	parlamento.	Foge‐se,	assim,	da	decisão	da	maioria.	A	recepção	das	ideias	kantianas	
pode	ser	explicada	fundamentalmente	pelo	momento	histórico	em	que	foram	desenvolvidas:	a	necessidade	de	
segurança	pela	burguesia	e	a	desconfiança	do	Judiciário.		
O	castigo	só	é	aplicável	a	alguém	que	teve	a	opção	de	fazer	o	bem	ou	o	mal,	e	escolheu	livremente	fazer	o	mal.	A	
teoria	da	pena	como	retribuição	tem	que	necessariamente	pressupor	a	existência	do	livre	arbítrio.			
Os	imperativos	categóricos	pautaram	o	direito	penal	em	todo	o	século	XIX,	superando	o	contratualismo.		
2.3. Crítica	ao	Direito	Penal	Categórico	
O	cálculo	racional	como	instrumento	da	elite.	Impossibilidade	de	demonstrar	a	existência	dos	valores	absolutos.	A	
questão	do	livre	arbítrio.	
Em	1830,	no	meio	deste	embate	jusfilosófico,	o	Brasil	passa	a	ter	o	primeiro	diploma	penal,	o	Código	Criminal	
do	Império,	escrito	por	Bernardo	Pereira	de	Vasconcelos.	Trata‐se	de	um	código	penal	humano,	abrandando	a	
legislação	penal,	praticamente	abolindo	a	pena	de	morte	e	reduzindo	as	punições	corporais.	Ainda,	é	um	código	
bastante	 categórico	 e	 racionalista,	 apresentando	uma	peculiaridade	no	que	diz	 respeito	 à	 fixação	das	penas:	
para	cada	crime	são	cominadas	três	penas	(uma	mínima,	uma	média	e	uma	máxima)	–	a	possibilidade	de	o	juiz	
fazer	política	com	a	pena	é	reduzida.		
O	racionalismo	categórico	pode	servir	de	instrumento	pela	elite	–	única	habilitada	a	definir	o	que	é	justo	–	que	
pode	utilizar	 o	 cálculo	 racional	 para	 definir	 como	bom	 aquilo	 que	 lhe	 seja	 favorável	 e	 como	mau	 o	 que	 seja	
desfavorável.	 Ainda,	 os	 valores	 absolutos	 podem	 não	 existir,	 podem	 ser	 artificialmente	 criados	 conforme	 os	
interesses	de	quem	está	apto	a	produzir	o	direito.	É	o	problema	da	 impossibilidade	de	demonstrar	a	existência	
dos	valores	absolutos.		
No	começo	do	século	XX,	o	caráter	absoluto	de	vários	valores	passa	a	ser	questionado.	O	desenvolvimento	da	
ciência	sugere	que	o	método	empírico	pode	ser	mais	eficaz	que	a	mera	presunção	da	existência	de	um	valor	
absoluto	e	imutável.	As	crises	sociais	desafiam	a	capacidade	de	organização	decorrente	da	pretensa	segurança	
dos	imperativos	categóricos.		
É	possível	demonstrar	que	o	ser	humano	efetivamente	possui	livre	arbítrio?	Sua	presunção	é	fundamental	para	
as	ideias	de	Kant.	É	pouco	provável	que	exista	um	mundo	pré‐determinado	com	base	em	elementos	estruturais	
de	 caráter	 totalmente	 aleatório:	 a	 Física	Quântica	 pode	 algum	dia	 demonstrar	 a	 existência	 do	 livre	 arbítrio.	
Porém,	a	ideia	da	pena	como	retribuição	deixa	de	ter	utilidade	em	função	da	incapacidade	de	demonstração	do	
livre	arbítrio.		
2.4. A	Sociedade	no	Início	do	Século	XX	e	o	Positivismo	Naturalista	
Elementos	das	 sociedades	no	 início	do	 século	XX:	urbanização,	 aumento	da	 criminalidade,	 intensificação	das	
reivindicações	sociais,	desenvolvimento	científico	(em	especial	as	ciências	naturais).	É	a	crise	do	Estado	liberal,	
incapaz	de	tratar	de	problemas	concretos.	Na	filosofia,	surge	o	positivismo	naturalista.	August	Comte	aponta	a	
ineficácia	dos	imperativos	categóricos	para	resolver	problemas,	louva	o	método	empírico	(com	observações	da	
realidade	e	catalogação	sistemática	dos	fatos,	nos	brindando	com	uma	ciência	muito	mais	útil	e	eficaz)	e	sugere	
a	adoção	da	abordagem	das	ciências	naturais	para	a	construção	das	ciências	sociais.	Leis	permanentes,	seguras	
e	estáveis	não	seriam	encontradas	na	metafísica,	mas	sim	na	realidade,	observada,	medida,	catalogada.		
Os	 pensadores	 do	 direito	 penal	 começam	 a	 abandonar	 o	 racionalismo	 categórico	 e	 passam	 a	 adotar	 o	
positivismo	 naturalista	 penal.	 Lombroso,	 Ferri	 e	 Garofalo	 percebem	 que	 o	 contratosocial	 não	 pode	
fundamentar	o	direito	penal	porque	suas	bases	são	muito	inseguras	e	constatam	que	os	valores	absolutos	não	
existem.	 Se	 a	 função	 do	 direito	 penal	 é	 combater	 a	 criminalidade,	 muda‐se	 o	 foco	 de	 estudo:	 Quem	 é	 o	
8	
	
criminoso?	 Como	 ele	 se	 comporta?	 Qual	 a	 razão	 da	 prática	 do	 crime?	 A	 que	 classe	 social	 pertence?	 Tais	
questões	serviram	de	base	para	a	coleta	de	 informações	que	viabilizariam	a	criação	de	um	direito	penal	que	
seja	 eficaz.	 É	 com	o	positivismo	naturalista,	 principalmente	 o	 italiano,	 que	 surge	 a	 ciência	 da	Criminologia.	
Lombroso	é	o	primeiro	a	falar	sobre	as	condições	da	prisão	e	a	possibilidade	de	reabilitação,	que	para	ele	reside	
num	 tratamento	 médico,	 já	 que	 o	 problema	 é	 biológico	 e	 a	 criminalidade,	 uma	 patologia.	 A	 abordagem	 da	
criminologia	clássica,	porém,	permitia	generalizações	racistas	ou	voltadas	para	fins	políticos	distorcidos.	Teve	
duração	efêmera,	sendo	substituída	logo	após	a	Primeira	Guerra	Mundial.		
A	 conclusão	 é	 a	 de	 que	 o	 criminoso	 é	 um	 doente	 e	 a	 pena	 tem	 que	 ter	 um	 sentido	 de	 cura,	 de	
ressocialização.	Cria‐se	uma	nova	teoria	da	pena.	Os	criminosos	são	levados	a	cometer	o	crime	por	uma	série	
de	 fatores	biológicos	e	sociais	que	podem	ser	avaliados	até	antes	de	os	crimes	serem	cometidos.	A	noção	de	
crime	 e	 castigo	 pressupunha	 livre	 arbítrio.	 Diante	 da	 observação	 empírica,	 existe,	 na	 verdade,	 um	
determinismo:	ninguém	escolhe	cometer	um	crime.	O	criminoso	é	um	produto	das	circunstâncias,	por	 isso	a	
pena	não	pode	ser	um	castigo,	uma	retribuição,	deve	ser	um	tratamento,	uma	medida	de	segurança.	Temos	a	
teoria	da	prevenção	especial	negativa	(se	 irrecuperável,	o	 indivíduo	é	retirado	da	sociedade)	e	a	teoria	da	
prevenção	 especial	 positiva	 (se	 recuperável,	 o	 indivíduo	 recebe	 tratamento)	 [NOTA:	 VERIFICAR	 AS	
ANOTAÇÕES	SOBRE	ESTAS	TEORIAS	NA	BIBLIOGRAFIA].	A	condenação	é	análoga	à	prescrição	de	um	remédio.	
A	dimensão	da	pena	é	dada	pela	ciência.	O	irrecuperável	deve	ser	excluído	da	sociedade.	Ainda,	é	possível	ter	
uma	medida	pré‐delitiva	com	atuação	preventiva	em	grupos	que	possuem	propensão	ao	delito.	
Na	 Itália,	 desenvolveu‐se	 o	 Positivismo	 Criminológico,	 voltado	 ao	 estudo	 do	 delito	 e	 do	 delinquente	 como	
realidades	naturais,	caracterizado	essencialmente	pelo	uso	de	um	método	experimental.	Na	Alemanha	tivemos	
o	 Positivismo	 Jurídico,	 cujo	 centro	 de	 suas	 análises	 foi	 a	 norma	 jurídica,	 subdividindo‐se	 em	 Jurídico‐Penal,	
Jurídico‐Normativista	e	Jurídico‐Sociológico	(Von	Liszt).		
2.5. Crítica	ao	Positivismo	Naturalista	(Prevenção	Especial)	
A	medida	da	pena.	Determinação	da	 ressocialização	pela	ciência.	Problema	ético:	exigência	de	comportamento	
versus	imposição	de	valores.	Contradição:	ressocialização	através	do	isolamento.	Reincidência.		
A	ideia	da	pena	como	tratamento	tem	influência	na	nossa	legislação	até	hoje.	A	noção	de	progressão	de	regime,	
embora	muito	 criticada,	 é	que	o	preso,	 após	 ser	 retirado	da	 sociedade,	possa	 ser	 reintegrado	socialmente.	A	
pena	vista	 como	possibilidade	de	 ressocialização	 foi	 um	 legado	direto	do	positivismo	naturalista.	 Se	 a	 única	
função	da	pena	é	ressocializar,	quais	problemas	isto	pode	representar?	
A	 segurança	 decorrente	 do	 racionalismo	 pode	 ser	 perdida	 quando	 a	 medida	 da	 pena	 deixa	 de	 ser	 a	
proporcionalidade,	 de	 ser	 calcada	 na	 gravidade	 da	 conduta	 e	 passa	 a	 ser	 determinada	 pela	 ciência	 como	 o	
tempo	 necessário	 para	 a	 ressocialização.	 Haveria	 capacidade	 científica,	 liberdade	 de	 ingerência	 e	
imparcialidade	no	estabelecimento	da	medida	destas	penas?	A	decisão	de	retorno	à	sociedade	é	jurídica,	se	a	
pena	foi	a	merecida	e	não	se	houve	cura	ou	não	(resposta	que	a	ciência	não	tem,	inclusive	reconhecendo	sua	
incapacidade).	Também	há	um	problema	na	impossibilidade	de	demonstrar	o	determinismo	positivista.	
Neste	caso	seria	possível	uma	pena	perpétua	para	um	cleptomaníaco.	Outro	problema	é	o	de	crimes	políticos.	
Uma	vez	passado	o	contexto	político	no	qual	os	atos	de	criminosos	políticos,	tiranos	e	torturadores,	a	pena	não	
pode	ser	aplicada	a	eles,	pois	senão	teria	a	função	de	intimidar	os	demais,	para	que	não	voltassem	a	cometer	o	
crime.	Neste	caso,	teríamos	não	a	prevenção	especial,	mas	sim	a	prevenção	geral	(pena	como	ameaça).		
Há	também	um	problema	ético	na	prevenção	especial.	Consideremos	um	anarquista,	dissociado,	desagregado	
dos	valores	sociais,	que	não	acredita	na	propriedade	privada	ou	no	Estado.	Após	ser	preso,	quando	poderá	ser	
ressocializado?	 Se,	 ao	 final	 da	pena,	 ele	 ainda	não	 crê	na	propriedade	privada,	 não	 estaria	 curado,	 não	 teria	
introjetado	 os	 valores,	 não	 há	 como	 saber	 se	 ele	manifestará	 sua	 crença	 a	 não	 ser	 se	 ele	 for	 reintegrado	 à	
sociedade.	 Não	 é	 possível	 impor	 o	 pensamento	 da	 sociedade	 a	 uma	 pessoa.	 É	 possível	 apenas	 exigir	 um	
comportamento.		
Observando‐se	 o	 índice	 de	 reincidência,	 constata‐se	 que	 a	 pena	 como	 tratamento	 é	 ineficaz.	 Há	 uma	
contradição	em	termos	ao	procurarmos	ressocializar	alguém	isolando‐o	da	sociedade.	A	questão	principal	é	a	
privação	da	liberdade.		
9	
	
2.6. Sistema	Liszt‐Beling	
Limites	 à	 ciência	 pelo	 juiz	 e	 pelo	 legislador.	 Lei	 como	 garantia	 do	 criminoso.	 Teoria	 do	 delito:	 tipicidade,	
antijuridicidade	(causa	de	justificação	na	lei)	e	culpabilidade	(dolo,	culpa,	imputabilidade).	
O	Código	de	1890	de	Batista	Pereira	foi	duramente	criticado,	pois	seu	ideário	não	era	positivista	naturalista.		
Entre	o	final	do	século	XIX	e	início	do	século	XX,		von	Liszt	desenvolve	uma	forma	de	pensar	bastante	original	e	
importante	para	o	sistema	penal.	Tratava‐se	de	um	crítico	do	sistema	penal	racionalista,	que	se	fundamentava	
em	valores	absolutos.	Identificou	que	faltava	alguma	coisa	no	positivismo.	Não	era	possível	abrir	mão	da	ciência	
penal	 em	 prol	 dos	 cientistas.	 O	 estabelecimento	 do	 limite	 da	 atuação	 das	 ciências	 naturais	 deveria	 ser	
estabelecido	pelo	juiz	e	pelo	legislador.	A	criminologia	e	a	realidade	social	são	fundamentais	para	a	análise	da	
criminalidade	e	a	prescrição	de	remédios.	Tudo	o	que	a	ciência	tem	a	dizer	sobre	o	combate	à	criminalidade	
deve	 ser	 colocado	na	 lei,	 que	pode	 ser	 aplicada	 e	 interpretada	 sobre	 o	 réu,	 o	 criminoso,	 o	doente.	O	juiz	e	o	
legislador	podem	evitar	o	abuso	da	ciência	sobre	a	integridade	física	do	criminoso.	A	 lei	é	o	 limite	 infranqueável	
entre	a	política	criminal	e	o	réu.	O	código	penal	é	a	Carta	Magna	do	Delinquente,	sua	garantia.		
Beling	e	Liszt	 formulam	a	teoria	do	delito.	Até	aquele	momento	o	 foco	do	estudo	dos	penalistas	era	a	pena:	
diante	 de	 um	 delito	 temos	 uma	 consequência	 jurídica.	 Para	 eles,	 a	 função	 da	 pena	 é	 a	 ressocialização,	 mas	
procura	 responder	 uma	 pergunta	 anterior	 –	 o	 que	 é	 o	 delito?	 Procuram	 um	 conceito	de	 crime	aplicável	 a	
qualquer	país,	qualquer	legislação.	Quais	as	características	de	um	comportamento	que	permitem	chamá‐lo	de	
crime?	
 Tipicidade.	 O	 primeiro	 critério	 de	 análise	 é	 determinar	 se	 o	 comportamento	 está	 necessariamente	
descrito	na	lei,	a	despeito	da	motivação	do	legislador	para	incluí‐lo	na	lei.	Para	von	Liszt,	a	tipicidade	é	
algo	neutro,	isento	de	valoração	(certo/errado,	justo/injusto).	
 Antijuridicidade.	O	segundo	critério	é	se	o	ato	pode	ser	considerado	 justo	ou	 injusto	(antijurídico),	se	
existe	ou	não	uma	causa	de	justificação	para	aquele	comportamento	típico.	Qual	o	critério	de	valoração	
do	 que	 é	 justo	 ou	 injusto?	 A	 causa	 de	 justificação	 deve	 ser	 encontrada	 na	 lei,	 tornando	 este	 critério	
eminentemente	formal.		
 Culpabilidade.	O	 foco	passa	para	o	 agente	que	praticou	o	 ato	 jurídico	e	 temos	 a	 teoria	psicológica	da	
culpabilidade	 –	 só	 há	 uma	hipótese	 de	 escusar	 o	 sujeito	 da	 culpa:	 não	haver	 dolo	 (intenção)	 e	 culpa	
(imprudência,	negligência,	imperícia).		Não	há	nenhuma	relação	psicológicacom	aquele	resultado.	Resta	
avaliar	as	consequências	para	o	inimputável	(criança,	louco)	–	para	o	sistema	não	há	culpabilidade,	pois	
não	têm	desenvolvimento	mental	incompleto	ou	retardado,	não	possuem	capacidade	de	agir	com	dolo	
ou	com	culpa.	A	imputabilidade	é	um	pressuposto	do	dolo	ou	da	culpa.		
2.7. Neokantismo	
Limitações	 da	 ciência.	 Necessidade	 de	 valoração	 para	 a	 compreensão	 da	 sociedade.	 Valores	 culturais	 como	
parâmetro	 de	 valoração:	 normatização	 do	 sistema	 penal.	 Dogmática:	 orientação	 para	 o	 intérprete	 da	 lei.	
Contribuições	do	neokantismo	para	a	 teoria	do	delito.	Tipicidade	como	 indício	de	antijuridicidade.	Ausência	de	
ofensividade	social	e	o	conceito	de	antijuridicidade	material.		
O	deslumbramento	com	a	ciência	que	antecedeu	a	Primeira	Guerra	Mundial	é	substituído	pelo	ceticismo.	Nota‐
se	que	o	método	científico	é	incapaz	de	fundamentar	o	que	é	bom	ou	ruim.	A	aparente	neutralidade	da	ciência	e	
de	suas	constatações	não	passa	de	uma	análise	ideologizada	disfarçada.	A	ciência	sem	um	sistema	de	valoração	
é	incapaz	de	modelar	a	sociedade.	[Recomendação	de	leitura:	Zvevo	–	A	Incosnciência	de	Zeno]	
Toda	ciência	tem	uma	carga	de	subjetividade.	O	cientista	(o	ser	que	estuda)	coloca	sua	carga	de	valor,	de	ideias	
no	 objeto	 que	 estuda.	 Ocorre	 um	 resgate	 da	 autonomia	 das	 ciências	 humanas	 em	 termos	 de	 direito	 penal.	
Autores	como	Mezger	sugerem	que	a	fundamentação	de	um	sistema	penal	provém	de	um	sistema	metafísico	de	
imperativos	categóricos	ou	de	uma	análise	científica	da	realidade.		
Até	então,	a	única	forma	de	caracterização	de	algo	como	bom	ou	ruim	era	o	sistema	de	Kant,	no	qual	os	valores	
provinham	da	metafísica	(que	vimos	ser	 indemonstrável).	O	 legislador	utilizará	os	valores	culturais	de	uma	
10	
	
sociedade	para	efetuar	a	valoração:	normatização	do	sistema	penal.	A	lei	não	é	perfeita,	tem	lacunas.	Portanto,	é	
necessário	criar	uma	ciência	que	orientará	o	 intérprete	da	 lei	–	a	dogmática.	Os	valores	mais	 intoleráveis	de	
uma	sociedade	são	trazidos	para	a	lei	e	identificados	como	crime.	A	solução	de	dúvidas	que	venham	a	surgir	na	
interpretação	da	lei	residirá	nos	mesmos	valores	utilizados	na	criação	da	lei.		
Esta	abordagem	ajuda	a	enriquecer	a	teoria	do	delito,	embora	sua	aplicação	sem	nenhum	tipo	de	filtro	tenha	
justificado	as	atrocidades	cometidas	pelo	nazismo.	Na	tipicidade,	há	um	indício	de	antijuricidade.	A	tipicidade	
é	a	ratio	cognoscendi.	Esta	distinção	tem	implicações	no	processo	penal:	o	ônus	da	prova	é	do	réu	para	provar	
que	o	ato	que	cometeu	tem	justificação,	uma	vez	que	a	tipicidade	traz	em	si	o	 indício	de	antijuridicidade.	No	
sistema	 Liszt‐Beling	 o	 réu	 é	 absolvido	 mesmo	 se	 não	 comprovar	 a	 causa	 de	 justificação,	 mas	 no	 sistema	
neokantista	não.	A	presunção	de	inocência	existe	para	a	caracterização	da	tipicidade,	mas	na	caracterização	da	
antijuridicidade,	há	presunção	de	culpa.		
Antijuridicidade:	ausência	de	causa	de	justificação.	A	ausência	de	ofensividade	social	(ofensa	aos	valores	sociais	
vigentes)	 também	 pode	 ser	 uma	 causa	 de	 justificação	 –	 esta	 pode	 ser	 supralegal.	 Temos	 a	 antijuridicidade	
formal	(previsão	legal	da	causa	de	jusitifcação,	já	prevista	por	von	Liszt	e	Beling)	e	a	antijuridicidade	material	
(contribuição	do	neokantismo).	Cada	juiz	entenderá	da	sua	forma	os	valores	sociais	vigentes.		
2.7.1. Teoria	psicológico‐normativa	da	culpabilidade	
Imputabilidade,	dolo	normativo	e	inexigibilidade	de	conduta	diversa.	
Por	 fim,	analisemos	a	contribuição	do	neokantismo	à	discussão	da	culpabilidade	(ponto	de	partida	é	a	teoria	
psicológica	 da	 culpabilidade).	 Recordamos	 que	 o	 inimputável	 não	 tinha	 capacidade	 de	 ter	 dolo	 ou	 culpa.	 A	
interpretação	pelo	neokantismo	modifica	o	conceito,	indicando	que	há	culpa	ou	dolo,	mas	não	há	capacidade	de	
compreender	a	norma	ou	capacidade	de	ter	autocontrole	–	não	há	desenvolvimento	mental	completo.		
Assim,	o	primeiro	elemento	da	culpabilidade	é	a	imputabilidade.	Distinta	é	a	situação	do	sujeito	que	não	tem	
culpa	e	não	tem	dolo.	O	segundo	elemento	é	o	dolo	normativo:	só	posso	ter	intenção	se	eu	tiver	ciência	de	que	
aquela	conduta	é	ilícita	–	consciência	e	vontade	da	ilicitude.	Aqui	se	inicia	a	discussão	sobre	o	conhecimento	ou	
não	 do	 direito	 (erro	 de	 direito).	 Exemplo:	 argentino	 que	 vende	 lança	 perfume,	 caçador	 que	 mata	
acidentalmente	 um	 amigo	durante	 caçada	 à	 noite.	 A	 terceira	 hipótese	 de	 exclusão	da	 culpabilidade	para	 os	
neokantistas	 é	 a	 inexigibilidade	de	conduta	diversa.	 Não	haveria	 causa	de	 justificação	 com	base	 no	 estado	de	
necessidade,	pois,	quando	o	perigo	é	uma	agressão	humana,	a	reação	deve	ser	contra	o	agressor	não	contra	um	
terceiro.		
Em	 suma,	 os	 neokantistas	 transformam	 culpabilidade	 em	 reprovação	 do	 comportamento.	 Trata‐se	 de	 um	
conceito	normativo,	que	 só	pode	 ser	 concretizado	 como	conhecimento	dos	valores	 culturais	da	 sociedade.	A	
agregação	de	valores	normatiza	a	teoria	do	delito.		
A	 principal	 dificuldade	 do	 neokantismo	 é	 a	 constatação	 de	 quais	 são	 os	 valores	 culturais	 vigentes.	 O	
problema	 é	 agravado	 em	 sociedades	 pouco	 homogêneas	 e	 surge	 o	 risco	 de	 fundamentação	 com	 lógica	
inabalável	 que	 viabiliza	 sistemas	 de	 totalitarismo.	 A	 História	 comprovou	 que	 o	 neokantismo	 serviu	
oportunamente	para	fundamentar	o	nazismo.	Com	a	indemonstrabilidade	dos	imperativos	categóricos	de	Kant	
e	 a	 impossibilidade	 de	 constatação	 dos	 valores	 culturais	 no	 neokantismo,	 vê‐se	 que	 ambos	 os	 sistemas	 têm	
como	falhas	fundamentais	o	caráter	etéreo	das	suas	bases	de	valoração.		
2.8. Finalismo	
Contexto	histórico.	Pensamento	estruturalista.	O	papel	do	constitucionalismo	e	dos	tratados	universais	de	direitos	
humanos.	A	perspectiva	ontológica	de	Welzel.		
Após	 a	 Segunda	 Guerra	 Mundial,	 surge	 a	 próxima	 escola	 penal,	 que	 perduraria	 até	 meados	 dos	 anos	 60.	
Naquele	momento,	aumenta	a	desconfiança	no	Poder	Legislativo,	que	perde	legitimidade	pela	conivência	com	
os	 horrores	 da	 guerra.	 O	 direito	 constitucional	 ganha	 enorme	 força,	 estabelecendo	 matérias	 que	 não	 são	
passíveis	 de	 legislação	 pelo	 Legislativo:	 regras	 que	 são	 hierarquicamente	 superiores	 às	 leis.	 Concretiza‐se	 a	
hierarquia	das	normas,	com	a	Constituição	em	posição	suprema	e	também	surgem	as	cláusulas	pétreas.	Ainda,	
11	
	
os	Estados	se	esforçam	para	assinar	tratados	internacionais,	universais	sobre	direitos	humanos.	É	o	resgate	de	
direitos	 imutáveis,	 transcendentais	 e	 universais,	 assemelhando‐se	 com	 os	 imperativos	 categóricos	 de	 Kant	
quando	 refutou	o	 contrato	 social.	As	bases	 são	 as	mesmas:	 a	busca	por	 segurança	e	 estabilidade,	 agora	 com	
base	no	constitucionalismo	e	nos	tratados	universais	de	direitos	humanos.	
Ganha	 força	 na	 filosofia	 o	pensamento	estruturalista.	 A	 base	 do	 raciocínio	humano	 é	 a	mesma	 em	 todo	 e	
qualquer	povo.	O	mesmo	aplica‐se	à	base	das	relações	sociais	e	à	base	das	 linguagens.	Lacan	também	oferece	
uma	base	psicológica	de	todo	o	ser	humano	que	é	a	mesma.	Há	um	esforço	coletivo	na	tentativa	de	descoberta	
de	elementos	comuns	em	todas	as	sociedades.	Estes	elementos	seriam,	efetivamente,	 imperativos	categóricos	
ancorados	 na	 realidade,	 na	 natureza	 das	 coisas	 e	 não	 na	 metafísica.	 O	 estruturalismo	 contribuiu	 para	 o	
surgimento	da	escola	penal	do	finalismo,	cujo	principal	expoente	foi	Welzel.		
No	que	consiste	o	finalismo?	É	preciso	ancorar	o	direito	penal	em	algo	estável.	Os	imperativos	categóricos	não	
existem.	Os	valores	culturais	são	muito	instáveis.	Welzel	decidiu	ancorar	o	direito	penal	na	natureza	das	coisas,	
procurando	 achar	 o	 que	 há	 em	 comum	 em	 todos	 os	 seres	 humanos.	 Sua	 construção	 é	 a	 partir	 de	 uma	
perspectiva	 ontológica,	 na	 visão	 do	 homem	 como	 ele	 é	 e	 não	 em	 um	 homem	 idealizado.	 É	 o	 foco	 nas	
estruturas	 lógico‐objetivas	 do	 homem,	 de	 todas	 as	 épocas,	 de	 todos	 os	 povos.	 Esta	 natureza	 deveservir	 de	
parâmetro	e	referência	para	o	legislador.	É	a	estrutura	comum	a	todos	os	ordenamentos	jurídicos.	
Este	pensamento	revoluciona	a	teoria	do	delito.	A	quem	se	dirige	a	norma	penal?	Ao	ser	humano	em	geral,	pela	
voluntariedade	do	seu	comportamento,	capacidade	de	dirigir	a	sua	ação.	Conclui	que	a	norma	penal	só	pode	se	
dirigir	 a	 comportamentos	 humanos	 voluntários	 e	 direcionados	 a	 uma	 finalidade	 (não	 pode	 se	 dirigir	 a	
comportamentos	sem	dolo	e	sem	culpa).	Assim	como	a	norma	não	pode	se	dirigir	a	elementos	da	natureza,	não	
pode	determinar	que	não	se	pode	causar	a	morte	de	alguém	sem	dolo	ou	sem	culpa,	pois	seria	igualmente	inútil	
–	o	comportamento	não	pode	ser	direcionado,	uma	tragédia	não	é	passível	de	proibição.	O	legislador	só	pode	
proibir	ações	finais,	com	finalidade	de	causar	resultado	danoso	ou	então	fruto	de	imprudência.		
Impacto	do	pensamento	de	Welzel	na	Teoria	do	Delito.	Inclusão	de	dolo	e	culpa	na	tipicidade:	aspecto	objetivo	e	
subjetivo.	Dolo	natural.	
Tipicidade	 é	 comportamento	 descrito	 na	 lei	 como	 crime.	 Um	 homicídio	 sem	 dolo	 e	 sem	 culpa	 não	 é	 um	
comportamento	descrito	na	 lei	 como	crime	da	mesma	 forma	 como	se	 subentende	que	o	 “não	matar”	não	 se	
aplica	a	um	leão.	A	não	previsão	legal	explícita	de	dolo	ou	culpa	não	contradiz	a	natureza	das	coisas:	não	faria	
sentido	existir	esta	previsão	explícita,	pois	só	é	possível	proibir	o	que	é	proibível.	É	necessário	que	seja	uma	
ação	 final,	 intencional	 ou,	 ao	menos,	 imprudente.	O	dolo	 e	 a	 culpa	 são	 retirados	da	 culpabilidade	 e	
passam	a	fazer	parte	do	tipo	penal.	A	ação	humana	que	não	é	dolosa	nem	culposa	não	é	proibível	pela	norma.		
Assim	 a	 tipicidade	 tem	 dois	 aspectos:	 objetivo	 e	 subjetivo.	 O	 observador	 externo	 faz	 a	 análise	 objetiva,	
verificando	a	norma	penal.	Na	análise	subjetiva,	busca‐se	determinar	se	o	sujeito	teve	dolo	ou	culpa.	Se	não	há	
dolo	ou	culpa,	não	há	crime.	O	dolo	é	a	vontade	do	resultado,	é	a	intenção	de	praticar	aquele	fato,	a	despeito	do	
conhecimento	do	 indivíduo	acerca	da	 licitude	ou	não	da	conduta.	 	Para	o	 finalismo,	o	dolo	é	diverso	do	dolo	
normativo	 do	 neokantismo	 (vontade	 e	 consciência	 da	 ilicitude),	 consistindo	 apenas	 na	 vontade	 –	 é	 o	 dolo	
natural.		
Culpabilidade.	Quais	as	hipóteses	pelas	quais	alguém	que	praticou	um	injusto	penal	(ato	típico	e	antijurídico)	é	
desculpado?	A	imputabillidade	permanece,	assim	como	no	neokantismo.	Dolo	e	culpa	não	são	mais	causas	de	
desculpa,	 passando	 a	 excluir	 a	 tipicidade.	 Resta	 a	potencial	consciência	do	 ilícito.	 A	 potencial	 consciência	
difere	do	conhecimento	da	lei	–	desconhecer	a	lei	não	exonera	o	sujeito	da	responsabilidade	–	pois,	além	de	não	
conhecer	a	lei,	o	sujeito	não	possui	nenhum	motivo	para	suspeitar	de	que	está	praticando	algo	errado,	por	mais	
diligente	que	seja.	Tais	hipóteses	são	raras,	mas	existem.	Por	exemplo,	no	Direito	Empresarial,	uma	empresa	
que	contrata	um	parecer	de	um	departamento	jurídico	que	acaba	por	aprovar	uma	atividade	ilícita.	Neste	caso,	
exclui‐se	a	culpabilidade	(erro	de	proibição1).		
																																																													
1		CP	–	Erro	sobre	a	ilicitude	do	fato:	
	
Art.	21	 ‐	O	desconhecimento	da	 lei	é	 inescusável.	O	erro	 sobre	a	 ilicitude	do	 fato,	 se	 inevitável,	 isenta	de	pena;	 se	evitável,	
poderá	diminuí‐la	de	um	sexto	a	um	terço.	
12	
	
Por	fim,	a	terceira	e	última	hipótese	de	exclusão	da	culpabilidade	é	a	inexigibilidade	de	conduta	diversa.	Há	
aqui	 uma	pequena	 diferença,	mas	 fundamental.	 No	 juízo	 neokantista,	 buscavam‐se	 os	 valores	 culturais	 para	
decidir.	Welzel	não	se	baseia	nos	valores	culturais	e	propõe	que	a	decisão	sobre	se	havia	inexigibilidade	ou	não	
deve	ser	fundado	em	algo	estável	em	todas	as	culturas	e	em	todos	os	tempos	–	define‐se	como	critério	o	poder	
de	 atuar	 de	 outro	 modo.	 Diante	 do	 caso	 concreto,	 pondera‐se	 sobre	 se	 o	 indivíduo	 poderia,	 de	 fato,	 se	
comportar	de	maneira	diversa.	É	preciso	presumir	uma	liberdade	de	opção	de	ação,	com	uma	alternativa	que	
não	violaria	a	norma.	Tornamos	ao	problema	de	provar	a	existência	do	livre	arbítrio.	É	possível	encontrar	uma	
justificativa	determinística	e	causal	para	qualquer	comportamento.			
	A	 parte	 geral	 do	 Código	 Penal,	 que	 trata	 da	 teoria	 do	 delito	 e	 que	 reformada	 em	 1984,	 é	 essencialmente	
finalista.		
2.9. Crítica	ao	Sistema	Finalista	
A	fundamentação	da	culpabilidade	em	um	livre	arbítrio	indemonstrável	é	uma	falha	significativa.	Ainda,	todo	
o	pensamento	de	Welzel	baseia‐se	no	 fato	de	que	a	norma	penal	 só	pode	proibir	 comportamentos	humanos	
finais.	 Há	 um	 tipo	 de	 imprudência	 que	 não	 é	 comportamento	 final,	 mas	 é	 criminalizada	 pela	 norma	 penal	
finalista.	Exemplo:	alguém	que	acelera	um	carro	sem	perceber	que	excedeu	o	 limite	de	velocidade	e	atropela	
alguém	–	 pela	 norma	brasileira	 é	 um	homicídio	 culposo,	mas	 não	 houve	 intenção	 de	 ser	 imprudente.	 Outro	
exemplo	é	o	de	alguém	que	dirige	um	carro	emprestado	e	desconhece	se	há	algum	problema	no	 freio,	e,	por	
conta	 disso,	 acaba	 por	 ser	 responsável	 por	 um	 acidente.	 Nestes	 casos	 não	 há	 uma	 ação	 final	 na	 acepção	 de	
Welzel,	e	é	necessário	recorrer	a	um	pensamento	diferente	a	fim	de	justificar	a	imprudência	inconsciente.	
2.10. Direito	Penal	Contemporâneo	
2.10.1. Sociedade	de	Risco	
Teoria	da	Sociedade	de	Risco.	Características	dos	riscos	contemporâneos.	Procedência	humana.	Potencial	 lesivo,	
ação	preventiva	 e	 crimes	de	perigo.	Democratização	do	 risco.	 Sensação	da	proximidade	do	 risco.	Paradoxo	do	
risco.	Legislador	como	gestor	de	riscos.	Politização	do	Judiciário.	
A	compreensão	da	sociedade	contemporânea	recorre	à	Sociologia.	A	Teoria	da	Sociedade	de	Risco,	de	Ulrich	
Beck	 e	Giddens,	 oferece	 as	bases	que	nos	permitem	entender	 as	 transformações	pelas	quais	passa	o	Direito	
Penal.	A	sociedade	em	que	vivemos	hoje	é	caracterizada	como	uma	sociedade	de	risco	(cf.	Balman).	Temos	uma	
sociedade	 com	 alto	 avanço	 tecnológico	 e	 um	 sistema	 econômico	 de	 livre	 concorrência	 –	 os	 agentes,	 para	 se	
manterem	no	mercado,	precisam	inovar	incessantemente	produzindo	produtos	mais	baratos	com	menor	custo	
e	 maior	 qualidade,	 utilizando‐se	 para	 isto	 de	 uma	 extrema	 evolução	 da	 ciência.	 Paradoxalmente,	 a	 mesma	
ciência	não	é	capaz	de	desenvolver	instrumentos	que	permitam	medir	a	periculosidade	destes	novos	produtos.	
Vivemos	 uma	 sensação	 de	 proximidade	 de	 risco	 muito	 grande.	 Por	 conta	 da	 heterogeneidade	 do	
desenvolvimento	científico,	oferecendo	produtos	sem	oferecer	uma	métrica	de	periculosidade,	há	a	sensação	de	
que	vivemos	um	risco	muito	maior	ao	qual	estamos	efetivamente	submetidos.	Este	é	o	pano	de	fundo	para	o	
desenvolvimento	do	direito	penal	contemporâneo.		
Quais	 as	 características	dos	 riscos	 contemporâneos?	 Os	 principais	 riscos	 aos	 quais	 nossos	 avós	 estavam	
submetidos	e	que	difere	dos	riscos	atuais	eram,	por	exemplo,	as	doenças	(menor	expectativa	de	vida)	e	guerras.	
Atualmente,	um	dos	maiores	riscos	que	corremos	é	o	de	sermos	atropelados.	Hodiernamente,	a	fonte	do	risco	é	
o	 próprio	 ser	 humano,	 produzido	 na	 própria	 sociedade.	 A	 procedência	 humana	 é	 a	 primeira	 grande	
característica	dos	riscos	contemporâneos:	agressão,	acidentes	de	trânsito,	dano	ambiental,	etc.		
O	direito	penal	não	era	capaz	de	gerenciar	um	risco	do	passado.	Porém,	pela	procedência	humana	dos	riscos	
contemporâneos,	é	possível	produzir	normas	penais	que	possam	mitigá‐los.	O	direito	penal,	assim,	passa	a	ser	
visto	como	um	instrumento	de	gestão	de	risco,	sendo	expandido	para	âmbitos	nos	quais	não	era	considerado	
anteriormente.	Surge	a	tendência	de	ampliação	do	direito	penal.	
																																																																																																																																																																																																																												
	
Parágrafo	único	‐	Considera‐se	evitável	o	erro	se	o	agenteatua	ou	se	omite	sem	a	consciência	da	ilicitude	do	fato,	quando	lhe	
era	possível,	nas	circunstâncias,	ter	ou	atingir	essa	consciência.	
13	
	
Há	 outra	 característica	 dos	 riscos	 de	 procedência	 humana	 contemporâneos	 que	 diferem	 dos	 riscos	 de	 igual	
natureza	em	épocas	remotas	–	furto,	roubo,	agressão,	homicídio,	entre	outros	–,	todos	com	poder	de	destruição	
muito	pequenos	quando	comparados	aos	riscos	de	hoje	como,	por	exemplo,	a	possibilidade	de	destruição	de	
regiões	inteiras	por	acidentes	nucleares	ou	outras	formas	de	dano	ambiental.	Assim,	esta	segunda	característica	
é	a	magnitude	do	potencial	lesivo.		
A	partir	do	momento	em	que	o	resultado	 lesivo	passa	a	ser	altamente	destrutivo,	 insuportável,	 intolerável,	o	
direito	penal	passa	a	tentar	agir	preventivamente.	Busca‐se	a	antecipação	da	punição	do	comportamento,	sem	
esperar	 o	 resultado.	 Surgem	 os	 crimes	de	perigo.	 	 Simples	 comportamentos,	 independentemente	 de	 terem	
gerado	resultados,	passam	a	ser	criminalizados.	O	direito	penal	não	se	 limita	mais	aos	crimes	de	resultado.	
Porte	ilegal	de	arma,	condução	de	veículo	estando	embriagado...	crimes	de	resultado	passam	a	ser	substituídos	
por	crimes	de	perigo,	pois	a	sociedade	está	cada	vez	menos	tolerantes	a	resultados	lesivos.	
A	terceira	característica	dos	riscos	contemporâneos	tem	nautreza	política:	os	novos	riscos	são	democráticos	
em	relação	aos	riscos	anteriores.	Por	exemplo,	num	cenário	de	risco	ambiental,	quem	produzia	e	se	beneficia	do	
risco	 conseguia	 se	distanciar	deste	no	caso	de	 instalação	de	uma	 indústria	altamente	poluidora.	Atualmente,	
ocorreu	 uma	 democratização	 relativa	 destes	 riscos,	 impossibilitando	 este	 distanciamento	 –	 é	 efeito	
bumerangue	de	Beck.	A	classe	econômica	dominante,	produtora	de	um	discurso	político	mais	forte,	se	sente	
incomodada	 com	 os	 novos	 riscos,	 passando	 a	 desenvolver	 um	 discurso	 pela	 redução	 destes	 riscos.	
Democratiza‐se	com	o	risco,	o	discurso	pela	sua	redução.	O	efeito	imediato	deste	discurso	é	o	reforço	do	direito	
penal,	com	sua	expansão.	Surgem	as	leis	de	crimes	ambientais.	O	Poder	Legislativo	é	atingido	de	forma	muito	
mais	forte,	passando	a	responder	de	forma	mais	rápida	a	esta	demanda.		
A	 quarta	 característica	 mais	 importante	 é	 o	 efeito	 de	 intensificação	do	 risco	produzida	pelos	meios	de	
comunicação	de	massa	(midiáticos).	Passa	a	ser	possível	vivenciar	o	risco	sem	estar	fisicamente	próximo	dele.			
Surge,	ainda,	o	paradoxo	do	risco:	ao	mesmo	tempo	em	que	a	sociedade	clama	pela	redução	do	risco,	não	é	
capaz	de	abrir	mão	do	conforto	produzido	por	este	mesmo	risco.	O	conforto	provém	de	uma	atividade	cujos	
resultados	 representam	um	 risco	 obscuro.	 Vivemos	uma	 espécie	 de	 esquizofrenia	 social,	 não	 sabendo	o	 que	
fazer	com	os	novos	riscos.	Há	uma	brutal	dificuldade	em	limitar	a	tolerância	ao	risco	e	o	grau	de	descarte	do	
conforto	que	possuímos.		
O	 paradoxo	 do	 risco	 traz	 uma	 série	 de	 consequências	 para	 a	 organização	 política	 e	 jurídica	 da	 sociedade.	
Alguém	 deve	 estabelecer	 a	 linha	 entre	 o	 risco	 permitido	 e	 o	 não	 permitido:	 o	 gestor	de	 riscos.	 Há	 vários	
gestores	de	riscos,	públicos	e	privados,	na	sociedade,	sendo	que	o	gestor	primário	de	riscos	no	modelo	político	
é	o	legislador,	através	da	criação	da	lei.		
2.10.2. Politização	do	Judiciário	
Em	uma	sociedade	plural	e	heterogênea,	há	grande	dificuldade	em	se	chegar	a	um	consenso.	A	dificuldade	de	
obtenção	de	quorum	para	a	aprovação	de	um	texto	legal	requer	concessões,	resultando	em	um	texto	cada	vez	
mais	abrangente	e	de	ampla	 interpretação.	Assim,	passa	a	ser	mais	comum	a	existência	de	textos	 legais	mais	
imprecisos	 e	 abrangentes.	 	 Um	 exemplo	 não	 ligado	 ao	 direito	 penal:	 discussão	 do	 descanso	 semanal	
remunerado	do	trabalhador	–	partidos	de	esquerda	queriam	o	descanso	aos	domingos,	partidos	mais	 ligados	
aos	sindicatos	patronais	queriam	que	o	dia	fosse	deliberação	de	assembleias	coletivas.	O	consenso	obtido	foi	“o	
descanso	 será	 preferencialmente	 aos	 domingos”.	 Assim,	 o	 texto	 comporta	 as	 duas	 interpretações.	 Este	
resultado	 (possibilidade	de	múltiplas	 interpretações)	 tem	um	efeito	 colateral	 importante:	 o	 ônus	político	de	
uma	decisão	final	é	transferido	ao	Judiciário,	que	passa	a	ficar	cada	vez	mais	politizado.		
Outro	exemplo:	o	legislativo	abriu	mão	de	definir	o	que	é	gerir	de	forma	temerária	uma	instituição	financeira.	A	
edição	 de	 normas	 em	 branco,	 carentes	 de	 conteúdo,	 transfere	 ao	 Executivo	 o	 encargo	 de	 definir	 o	 sentido	
destas	normas.	A	função	política	de	preencher	o	conteúdo	da	norma,	assim,	é	transferida	do	Legislativo	para	o	
Executivo	 e	 o	 Judiciário.	 Em	 particular,	 este	 último	 passa	 a	 estar	 mais	 envolvido	 nas	 decisões	 políticas	
fundamentais	 da	 sociedade,	 que	 deveriam	 estar	 sendo	 tratadas	 pelo	 Legislativo.	 O	 problema	 central	 da	
politização	do	Judiciário	é	a	sua	 falta	de	 legitimidade,	pois	seus	membros	não	são	eleitos.	 [Recomendação	de	
Leitura:	Luís	Moreira	–	A	Politização	do	Judiciário]	
14	
	
O	 Judiciário	 tenta	 suprir	 este	 déficit	 de	 legitimidade	 pelo	 que	 Haberle	 chama	 de	 sociedade	 aberta	 dos	
intérpretes	da	 constituição	–	as	decisões	políticas	 se	disfarçam	como	 interpretações	da	 constituição.	A	Corte	
Constitucional	 convoca	 a	 sociedade	 civil	 para	 a	 discussão.	 Isto	 é	 feito,	 por	 exemplo,	 através	 de	 audiências	
públicas.	 Outro	 instituto,	 talvez	 ainda	 mais	 usado,	 é	 o	 amicus	 curiae	 –	 entidades	 da	 sociedade	 civil	 com	
capacidade	intelectual,	conteúdo	para	contribuir	com	a	discussão	em	pauta.		
2.10.3. Características	do	Direito	Penal	Contemporâneo	
Neste	contexto,	o	Legislador	começa	a	produzir	uma	legislação	penal	diferente	da	que	existia	até	então.	Os	tipos	
penais	definidos	a	partir	dos	anos	80	são	peculiares,	sendo	caracterizados	por	aspectos	como:		
 Prevenção:	a	maior	parte	dos	crimes	passa	a	ser	crimes	de	perigo.	Os	crimes	de	resultado	lesivo	perdem	
espaço.		
 Imprecisão:	 as	 normas	 penais	 deixam	 de	 ser	 taxativas,	 passam	 a	 ser	 mais	 imprecisas	 –	 em	 termos	
técnicos,	isto	significa	a	produção	cada	vez	maior	de	tipos	penais	abertos	ou	normas	penais	em	branco,	
usando	expressões	como	probidade,	honra	–	delegam	a	outras	pessoas	a	definição	do	crime.		
 Proteção	 de	 bens	 jurídicos	 coletivos	 em	 detrimento	 dos	 individuais:	 os	 novos	 tipos	 penais	 passam	 a	
proteger	o	meio	ambiente,	o	trânsito,	a	ordem	econômica,	a	livre	concorrência	–	cada	vez	menos	há	uma	
vítima	identificável.		
 Direito	 penal	 expansivo:	 a	 partir	 do	 momento	 em	 que	 se	 constata	 que	 os	 principais	 riscos	 são	
produzidos	pelo	homem,	o	direito	penal	passa	a	ser	gestor	de	riscos,	embora,	em	alguns	momentos,	o	
legislador	tenha	uma	postura	de	despenalização.		
Diante	deste	novo	direito	penal,	o	que	 irá	 fazer	a	ciência	 jurídica	–	as	escolas	penais?	No	estudo	das	escolas	
penais,	 a	partir	do	modelo	de	sociedade,	procuramos	entender	como	a	escola	penal	 tenta	se	adequar	aquela	
sociedade.		
Quais	as	propostas	de	construção	de	um	sistema	penal	para	a	sociedade	de	risco?	O	direito	penal	deve	ou	não	
deve	se	tornar	um	gestor	de	riscos	da	sociedade?	Está	é	a	questão	que	as	escolas	penais	a	partir	dos	anos	70	
procura	responder.		
2.10.4. Escola	de	Frankfurt	(Garantismo)	
É	 um	 apanhado	 de	 vários	 professores	 alemães,	 não	 se	 confunde	 com	 a	 escola	 filosófica	 de	 Frankfurt	
(desdobramento	do	marxismo).	Estes	professores	não	se	reconhecem	enquanto	Escola	de	Frankfurt,	alegando	
diferenças	no	seu	pensamento,	mas,	para	fins	didáticos,	são	agrupados	sob	um	mesmo	rótulo.		
Destacam‐se:	 Hassemer	 e	 Naucke.	 O	 direito	 penal	 não	 é	 um	 instrumento	 idôneo	 para	 gerir	 os	 riscos	 da	
sociedade.	Só	se	destina	a	resolver	coisas	muito	claras:	roubo,	estupro,	homicídio.	Não	adianta	tipificar	crimes	
de	perigo,	normas	imprecisas,	proteger	direitos	coletivos.	São	se	trata	de	inadmissibilidade	deste	caráter,	mas	
sim	de	 inadequaçãoda	expansão	do	direito	penal	para	 fazer	 frente	a	 todos	os	 riscos	da	 sociedade.	A	 função	
ideal	do	direito	penal	é	o	seu	“núcleo	duro”	–	os	crimes	de	resultado	descritos	com	precisão.	O	direito	penal	
deve	ser	mínimo.		
É	necessário	um	novo	ramo	do	direito	–	direito	de	intervenção	–,	capaz	de	 fixar,	de	uma	maneira	mais	 fluida,	
mais	 imprecisa	e	dinâmica	deve	tratar	os	riscos.	Reparação	de	dano,	multa,	 impedimentos.	É	uma	espécie	de	
direito	administrativo,	pois	não	tem	pena	de	prisão	–	a	agressividade	do	direito	penal	se	restringe	aos	crimes	
tradicionais.		
A	principal	crítica	a	esta	abordagem	está	relacionada	ao	seu	corte	social,	pois,	partindo	do	pressuposto	de	que	
os	 crimes	 tradicionais	 são	 realizados	 por	 sujeitos	 de	 classes	 sociais	 mais	 baixas,	 afasta‐se	 a	 agressividade	
inerente	ao	direito	penal	das	pessoas	de	classes	mais	altas,	mais	propensas	a	cometerem	crimes	de	perigo.		
Gracia	 Martin	 (Prolegômenos	 Para	 a	 Luta	 da	 Modernização	 do	 Direito	 Penal)	 enfatiza	 este	 corte	 social,	
criticando	o	pensamento	da	Escola	de	Frankfurt.		
2.10.5. Abolicionismo	
15	
	
Sua	proposta	é	abolir	o	direito	penal.	Seus	maiores	representantes	são	Hulsman	e	Nils	Christie.	A	discussão	do	
direito	penal	é	reducionista	(não	consegue	conhecer	o	que	é	crime),	porque	não	traduz	as	condições	sociais	que	
resultaram	naquela	situação.	É	extremamente	maniqueísta	e	superficial,	não	resolve	a	raiz	do	conflito.	A	função	
do	direito	penal	é	proteger	um	bem	jurídico,	por	isso,	é	inútil	e	contraproducente,	pois	contribui	para	lesionar	
outros	bens	jurídicos	na	sua	aplicação.	Os	efeitos	colaterais	podem	ser	mais	graves	que	o	benefício	trazido	pelo	
remédio.	 Por	 último,	 o	 direito	 penal	 não	 cumpre	 nenhuma	 das	 funcionalidades	 da	 pena	 –	 ameaçar	 (não	 é	
possível	provar	que	ameaça),	ressocializar	(é	possível	provar	que	não	ressocializa).	
Este	instrumento	reducionista	e	contraproducente	só	existe	para	estigmatizar	uma	parte	da	população	e	deixá‐
la	 à	 margem	 da	 sociedade	 com	 alguma	 justificativa.	 Até	 que	 ponto	 não	 é	 o	 direito	 penal	 que	 produz	 o	
criminoso?	O	crime	é	algo	ontológico,	pertence	ao	mundo	do	dever‐ser	e	não	do	ser.		
O	problema	do	abolicionismo	é	propositivo:	não	apresenta	uma	solução.	Ainda,	o	direito	penal	tem	uma	função	
de	satisfação	da	 ira	popular	–	 institucionaliza	o	sentimento	de	vingança.	Abolir	o	direito	penal	seria	eliminar	
uma	garantia	do	criminoso.		
2.10.6. Funcionalismo	
É	 uma	 tentativa	 original	 de	 construção	 de	 um	 sistema	 penal.	 Todas	 as	 escolas	 penais	 tentam	 construir	 um	
sistema,	definir	as	fontes	do	legislador	e	do	intérprete.	Fontes	vistas	até	aqui:	
 Direito	clássico:	valores	absolutos	e	metafísicos.		
 Neokantismo:	valores	culturais.		
 Finalismo:	natureza	das	coisas	–	identificação	da	estrutura	igual	em	todos	os	direitos	penais	de	todo	o	
mundo	–	ações	finais	do	ser	humano.		
O	 funcionalismo	parte	de	uma	negação:	os	valores	absolutos	(direito	penal	clássico,	metafísico)	e	o	 finalismo	
não	 funcionam.	Nada	que	é	 absoluto	e	 imutável	 é	humano	–	não	existem	valores	 absolutos	nem	no	 reino	da	
metafísica	 nem	 na	 natureza	 das	 coisas.	 Ainda,	 crimes	 culposos	 não	 são	 crimes	 finais.	 Pessoas	 jurídicas,	
desprovidas	de	intenção,	passam	a	ser	punidas.	O	finalismo	é	falacioso.		
O	fundamento	para	a	construção	do	sistema	penal	é	a	sociedade	–	valores	relativos,	como	os	culturais.	Assim,	a	
base	do	funcionalismo	é	o	neokantismo.		Os	valores	sociais	são	de	difícil	apreensão,	são	intangíveis	–	por	isso	a	
fundamentação	do	sistema	deve	ser	os	valores	 funcionais	 –	 tudo	aquilo	que	é	 importante	para	a	 sociedade	
continuar	funcionando.	Hoje,	a	constituição	é	o	ponto	de	partida	para	examinar	como	a	sociedade	funciona.	O	
direito	penal	não	muda	a	sociedade,	ele	a	acompanha	–	o	que	a	muda	é	a	política.	Tem	a	função	única	de	manter	
o	status	quo.	Usualmente,	os	fatores	de	mudança	de	uma	sociedade	são	crimes,	são	valores	desfuncionais.	Uma	
vez	transformada	a	sociedade,	são	descriminalizados.		
Valores	 como	 liberdade	 de	 expressão,	 pluralismo,	 proibição	 do	 racismo,	 são	 valores	 necessários	 para	 o	
funcionamento	 da	 sociedade.	 Os	 valores	 sociais	 são	 o	 ponto	 de	 partida	 para	 a	 elaboração	 da	 lei	 e	 sua	
interpretação.	São	a	base	da	dogmática	penal.		
Há	dois	tipos	de	funcionalismo:	o	radical	(Jakobs)	e	o	moderado	(ou	teleológico,	Roxin).		
Funcionalismo	radical	 (Jakobs).	Os	principais	pontos	de	funcionamento	da	sociedade	devem	ser	 identificados,	
para	que	possa	ser	construída	a	legislação	e	a	dogmática.	Recorre	ao	pensamento	do	sociólogo	Niklas	Luhmann,	
onde	a	sociedade	é	conhecida	pelas	expectativas	de	comportamento	dos	agentes	sociais.	Há	expectativas	que,	se	
forem	reiteradamente	frustradas,	trazem	uma	perturbação	social,	que	pode	comprometer	o	funcionamento	da	
sociedade.	 Neste	 sentido,	o	direito	penal	 tem	 função	de	proteger	expectativas	de	 comportamento	 cuja	
frustração	gere	uma	disfuncionalidade.	Apesar	de	sua	frustração,	as	expectativas	devem	continuar	válidas.	A	
ideia	não	é	ameaçar,	mas	reforçar	a	validade	de	expectativas.		
Crítica:	 os	 valores	 funcionais	 são	 tão	 imprecisos	 quanto	 os	 valores	 culturais.	 Não	 há	 garantia	 de	 que	 sejam	
democráticos,	 racionais,	 não	 impedem	 um	 regime	 totalitário.	 A	 perspectiva	 funcional	 não	 está	 dada	 a	 um	
modelo	funcional	determinado	–	falar	que	o	direito	penal	é	funcional	não	diz	nada	sobre	seu	conteúdo.	Não	há	
compromisso	com	uma	sociedade	adequada	–	esta	é	definida	pela	política.	Qualquer	tipo	de	direito	penal	pode	
16	
	
ser	legitimado.	Exemplo:	direito	penal	do	inimigo	–	poucas	garantias	para	as	pessoas	que	não	querem	pertencer	
à	sociedade,	que	querem	disfuncionalizá‐la	–	por	conta	da	ameaça	do	terrorismo.		
Funcionalismo	teleológico.	Roxin	vai	além	do	pensamento	de	Jakobs,	não	se	conforma	com	o	direito	penal	para	
qualquer	tipo	de	sociedade.	Concretiza	sua	opção	política	pelo	Estado	Democrático	de	Direito.	O	único	direito	
penal	legítimo	é	o	deste	tipo	de	sociedade.	Inicia‐se	a	busca	pelos	valores	funcionais	do	Estado	Democrático	de	
Direito,	 caracterizado	 essencialmente	 pela	 proteção	 à	 dignidade	 da	 pessoa	 humana	 –	 liberdade	 de	
autodeterminação	(o	espaço	de	um	indivíduo	vai	até	onde	começa	o	espaço	do	outro).		
Assim,	a	função	do	direito	penal	não	é	a	proteção	de	expectativas,	mas	sim	do	espaço	de	dignidade.	A	função	do	
direito	penal	é	a	proteção	de	todos	os	bens	jurídicos	relevantes	para	garantir	a	dignidade	da	pessoa	humana.	
Exemplos:	 vida,	 propriedade,	 honra,	 liberdade	de	 religião,	 liberdade	de	 expressão,	 integridade	 física.	Não	 se	
admite	 um	 direito	 penal	 simbólico,	 pois	 a	 necessidade	 de	 segurança	 pode	 ser	 imensa	 a	 ponto	 de	 entrar	 na	
esfera	de	dignidade	dos	indivíduos.		
Quando	 colocado	 em	 funcionamento,	 o	 direito	 penal	 é	 acompanhado	 do	 cerceamento	 da	 liberdade.	 Há	 um	
paradoxo:	o	principal	instrumento	para	garantir	a	dignidade	das	pessoas	é	excludente	de	dignidade.	Inicia‐se	
um	 processo	 dialético,	 uma	 contraposição/tensão/conflito	 constante,	 buscando	 a	 máxima	 proteção	 da	
dignidade	humana	e	uma	mínima	restrição	à	dignidade	humana	(efeito	colateral	do	direito	penal).	É	o	máximo	
de	 proteção	 com	 o	 mínimo	 de	 custo.	 É	 a	 política	 criminal,	 o	 pensamento	 constante	 do	 legislador	 e	 do	
intérprete	para	alcançar	o	equilíbrio	na	referida	tensão	dialética.		
Surge	uma	teoria	da	pena	baseada	nas	anteriores	–	a	aplicação	da	pena	tem	três	fases	(uma	ideia	fragmentada,	
com	limitações	internas):	
 A	previsão	legal	da	pena	pelo	legislador	(função	de	prevenção	geral	–	ameaça	e	tranquilização),	sendo	
que	tem	que	ser	proporcional	à	gravidade	do	crime	(teoria	da	retribuição	como	limite	da	pena).	
 A	determinação	da	pena	pelo	juglador,	aplicada	ao	criminoso	no	caso	concreto	é	a	retribuição.	
 A	execução	da	pena	tem	a	prevalência	da	prevenção	especial,	com	a	tentativa	de	ressocialização	dentro	
do	tempo	estipulado	para	a	pena.A	retribuição	limita	a	prevenção	especial.		
Matéria	para	a	prova	bimestral:	Capítulos	1,	3,	4,	5,	12	e	13	do	Tratado	de	Direito	Penal	do	Cezar	Roberto	
Bittencourt.		
	 	
17	
	
3. Teoria	do	Bem	Jurídico	Penal.	
Função	do	direito	penal.	A	proteção	de	bens	jurídicos	que	mantenham	a	sociedade	em	funcionamento	(Jakobs)	e	
que	sejam	relevantes	para	a	autodeterminação	das	pessoas,	excluindo	comportamentos	que	não	tenham	impacto	
para	a	dignidade	da	pessoa	humana.	Bens	 jurídicos	 individuais	e	coletivos.	Natureza	 jurídica	dos	bens	coletivos:	
autonomia	ou	referencial	antropológico?	A	questão	da	criminalização	dos	maus	tratos	aos	animais	e	do	incesto.	
Relevância	 da	 teoria	 do	 bem	 jurídico:	 referencial	 crítico,	 sistematização	 da	 legislação	 penal	 e	 análise	 de	
proporcionalidade.	Distinção	entre	bem	jurídico	e	objeto	jurídico.	
Qual	 a	 função	 do	 direito	 penal?	 Esta	 é	 a	 primeira	 pergunta	 da	 dogmática	 penal.	 Partimos	 da	 premissa	
funcionalista:	a	função	do	direito	penal	é	manter	o	funcionamento	da	sociedade	(ideia	de	Jakobs)2.	A	sociedade	
brasileira	 é	 um	 Estado	 Democrático	 de	 Direito,	 que	 protege	 a	 dignidade	 humana	 (liberdade	 de	
autodeterminação	 das	 pessoas)	 e	 o	 pluralismo.	 É	 preciso	 proteger	 bens	 jurídicos	 fundamentais	 que	
mantenham	esta	sociedade	funcionando	e	que	sejam	relevantes	para	a	autodeterminação	das	pessoas.	Um	bem	
jurídico	sempre	terá	um	referente	antropológico.		
A	Constituição	é	o	ponto	de	partida	para	informar	valores	importantes	para	a	dignidade	da	pessoa	humana.	
Porém	é	um	rol	exemplificativo	destes	valores.	Será	um	conceito	material	de	bem	jurídico,	mesmo	estando	fora	
da	Constituição,	seja,	pelo	ponto	de	vista	do	legislador,	fundamental	para	a	dignidade	da	pessoa	humana,	desde	
que	esta	relevância	possa	ser	demonstrada.	Embora	abrangente,	a	noção	de	bem	 jurídico	permite	que	sejam	
excluídos	do	direito	penal	(critério	negativo)	uma	série	de	comportamentos	que	não	tenham	nenhum	impacto	
para	 a	 dignidade	 da	 pessoa	 humana.	Moral,	 religião	 e	política	não	 são	passíveis	de	 tutela	pelo	direito	
penal.	A	ética	é	intersubjetiva,	 compartilhada	pelos	 indivíduos.	A	moral	é	individual,	 são	valores	que	não	
precisam	 ser	 compartilhados	para	 ter	 vigência.	Qualquer	 comportamento	do	outro	 que	 esteja	dentro	de	 sua	
esfera	de	privacidade	não	afeta	o	direito	penal.		
Existem	dois	tipos	de	bens	jurídicos:	individuais	(um	titular	perfeitamente	identificado)	e	coletivos	(não	têm	
um	 titular	 claramente	 identificado,	 pode	 ser	 um	 grupo	 ou	 comunidade	 ou	 a	 sociedade	 inteira).	 Há	 duas	
propostas	sobre	a	natureza	jurídica	dos	bens	coletivos:	há	os	que	pregam	a	sua	completa	autonomia	e	os	
que	defendem	o	bem	jurídico	com	referente	antropológico.	Os	primeiros	afirmam	que	o	bem	jurídico	coletivo	
existe	por	si,	é	protegido	por	ele	mesmo,	independentemente	de	outra	consideração,	não	por	sua	importância	
para	 o	 ser	 humano.	 Não	 há	 necessidade	 de	 identificar	 qualquer	 interesse	 humano	 por	 trás,	 ainda	 que	
indiretamente.	A	outra	 corrente	defende	que	o	bem	 jurídico	é	protegido	porque,	mediata	ou	 imediatamente,	
está	 relacionado	 a	 um	 interesse	 humano.	 	 Essa	 diferenciação,	 aparentemente	 de	 natureza	 acadêmica,	 é	
fundamental	 na	 prática.	Se	não	é	adotado	um	referencial	antropológico,	é	possível	ocorrer	a	espiritualização	do	
bem	jurídico	(mais	amplo,	etéreo,	vago).	Caso	contrário,	a	mensagem	para	o	legislador	é	mais	clara:	é	necessário	
justificar	por	que	o	bem	jurídico	é	relevante	para	o	ser	humano	para	que	seja	protegido.		
A	 criminalização	 dos	 maus	 tratos	 aos	 animais:	 caso	 fosse	 adotado	 o	 referencial	 antropológico,	 seria	
necessário	utilizar	o	direito	penal	para	punir	quem	tem	clandestinamente	um	casal	de	micos‐leões	dourados	e	
os	maltrata?	Tal	conduta	seria	lesiva	à	dignidade	da	pessoa	humana?	Esta	questão	suscita	a	discussão	quanto	à	
crise	que	atravessamos	hoje	no	que	diz	respeito	ao	conceito	de	bem	jurídico.		Em	diversos	países	há	discussão	
quanto	 à	 proteção	 de	 bens	 jurídicos	 que	 não	 afetam	 a	 dignidade	 da	 pessoa	 humana.	 Em	 especial,	 a	
criminalização	de	maus	tratos	aos	animais	e	do	incesto	são	pontos	relevantes	nesta	discussão.	Roxin	tentou	por	
muito	tempo	justificar	o	interesse	humano	na	proteção	dos	animais:	a	punição	parte	da	base	de	que	o	legislador	
criou	uma	espécie	de	solidariedade	entre	as	criaturas,	elevando	os	animais	a	outro	patamar.	Posteriormente,	
Roxin	 admitiu	 que	 existem	 crimes	 que	 não	 têm	um	bem	 jurídico	 com	 referente	 antropológico.	 A	 sua	 teoria,	
então,	 é	 colocada	 em	 xeque.	 Na	 Alemanha	 o	 incesto	 é	 considerado	 crime	 e,	 após	 longa	 discussão	 na	 corte	
constitucional	alemã,	teve	o	bem	jurídico	fundamentado	no	interesse	de	gerações	vindouras	 (possibilidade	
de	doença	dos	descendentes).		
A	 teoria	 do	 bem	 jurídico	 é	 relevante	 porque	 fornece	 um	 referencial	 crítico	 para	 a	 legislação.	 Ainda,	 é	
importante	para	realizar	uma	sistematização	da	legislação	penal.	A	partir	da	ideia	de	bem	jurídico,	é	possível	
fazer	uma	análise	de	proporcionalidade	das	penas	(ex.	o	bem	jurídico	“vida”	é,	em	princípio,	mais	relevante	
que	o	“patrimônio”,	com	respeito	à	dignidade	da	pessoa	humana).	
																																																													
2	Para	Welzel,	a	função	do	direito	penal	é	introjetar	valores	nas	pessoas,	sendo,	portanto,	uma	função	pedagógica.	
18	
	
Questão	terminológica:	bem	jurídico	(geral)	x	objeto	jurídico	(concreto,	materialização	do	bem	jurídico).	
4. Limites	do	Direito	Penal.	
4.1. Critérios	para	definir	a	tolerância	a	ataques	a	bens	jurídicos.		
Tolerância	a	ataques	a	bens	 jurídicos.	A	tensão	dialética	entre	o	máximo	de	proteção	e	o	mínimo	de	restrição	à	
dignidade	da	pessoa	humana.	Ofensividade	(sem	prevenção	excessiva).	Fragmentariedade	(proteção	fragmentada	
e	não	absoluta,	comportamentos	humanos	e	dissensuais).	Culpabilidade	(dolo	ou	imprudência).	Utilidade	(eficácia	
na	 proteção	 do	 bem	 jurídico).	 Subsidiariedade	 (ultima	 ratio).	 Princípios	 como	 mensagem	 ao	 legislador	 sobre	
conteúdo	a	ser	tratado	pelo	direito	penal.		
Excessos	no	direito	penal	podem	ser	lesivos	à	dignidade	da	pessoa	humana,	exatamente	aquilo	que	ele	deveria	
proteger.	 Nesta	 linha	dialética	 (máximo	 de	 proteção	 com	 o	mínimo	 de	 restrição),	 é	 preciso	 estabelecer	 os	
limites	do	direito	penal.		
A	 proteção	 de	bens	 jurídicos	 fundamentais	à	dignidade	da	pessoa	humana	 é	 o	 ponto	 de	 partida	 para	 a	
definição	 dos	 limites	 do	 direito	 penal.	 Um	 indivíduo	 que	 deixa	 de	 pagar	 uma	 dívida	 comete	 um	 crime?	 Há	
alguns	ataques	a	bens	jurídicos	que	são	toleráveis,	enquanto	outros	são	intoleráveis.	Assim,	a	questão	passa	a	
ser:	quais	são	os	ataques	a	bens	jurídicos	que	chamam	a	atenção	do	direito	penal?	Em	segundo	lugar,	quais	as	
formas	 de	 proteção	 aplicáveis?	 Neste	 contexto,	 discutiremos	 os	 seguintes	 princípios:	 ofensividade,	
fragmentariedade,	culpabilidade,	utilidade	e	subsidiariedade.	Com	respeito	às	formas	de	proteção	discutiremos	
os	princípios	da	proporcionalidade	e	legalidade.	Estes	princípios	são	mensagens	ao	legislador	com	respeito	a	
quais	condutas	deverão	ser	foco	do	direito	penal.		
4.1.1. Ofensividade	
Só	são	passíveis	de	criminalização	condutas	que	lesionem	ou	coloquem	em	perigo	um	bem	jurídico.	A	ideia	é	
evitar	 um	 direito	 penal	 que	 faça	 futurologia,	 que	 adote	 medidas	 excessivamente	 preventivas,	 antecipando	
demais	 a	 punição.	 Quão	 próximo	 o	 comportamento	 está	 de	 lesionar	 um	 bem	 jurídico?	 É	 um	 critério	 de	
ponderação.	
4.1.2. Fragmentariedade	
Será	que	todo	comportamento	que	lesiona	um	bem	jurídico	é	objeto	do	direito	penal?	O	direito	penal	só	deve	
ser	utilizado	para	evitar	comportamentos	humanos	e	dissensuais	(sem	a	vontade	do	titular	do	bem	jurídico),	
isto	 é,	 intoleráveis.	 O	 bem	 jurídico	 não	 é	 protegido	 de	 maneira	 absoluta,	 mas	 sim	 de	 maneira	
fragmentada	 –	 apenas	 ataques	 intoleráveis.	 	No	 caso	do	bem	 jurídico

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