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www.arraeseditores.com.br
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em revista
www.arraeseditores.com.br - setembro 2012Arraes Editores
DIREITO 
INTERNACIONAL 
em Expansão
WAGNER 
MENEZES
Ele revolucionou o estudo 
do Direito Internacional 
no Brasil
ARTIGOS:
André de Carvalho Ramos
Augusto Jaeguer
Cláudio Finkelstein
George Galindo
Jorge Fontoura
Sidney Guerra
Umberto Celli
ENTREVISTA
Celso Lafer
Capa.indd 1 14/08/2012 09:57:37
Capa.indd 2 14/08/2012 09:57:46
 2 Entrevista
 8 Artigos
25 Matéria de Capa
Celso Lafer
8 André Ramos 
O Mercosul democrático e a crise no Paraguai
10 Augusto Junior 
O Mercosul frente às mudanças terminológicas da União Europeia
12 Cláudio Finkelstein
Decisão arbitral estrangeira e a exceção de ofensa à ordem pública
14 George Galindo
Cidades Globais e Direito Internacional
17 Jorge Fontoura
Os Dilemas da Diplomacia Climática
20 Sidney Guerra
Onu, Meio Ambiente e o Desafio da Sustentabilidade
20 Umberto Celli Junior
A OMC e os Acordos Preferenciais de Comércio: 
Da coexistência à coerência
Wagner Menezes: 
Ele revolucionou o estudo do 
Direito Internacional no Brasil
editorial
Arraes Editores em Revista
Expediente
Diretor-Executivo: Renato Caram
Diretor Administrativo-Financeiro: Thiago 
Ferrari Costa
Editor: Plácido Arraes
Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho
Marketing: Joana Rodrigues de Souza
Comunicação: Marilia Caram
Projeto Gráfico e 
Diagramação: Usina de Ideia
Revisão: Aline Zanin Lemes 
Arte da contra capa: Vladimir Oliveira Costa
Tiragem: 10 mil exemplares
Contato: Avenida Brasil, 1843/
loja 213 – Savassi, Belo Horizonte/MG 
Telefone: (31) 3031-2330
Email: arraes@arraeseditores.com.br; 
revista@arraeseditores.com.br
A Arraes Editores em Revista é uma publica-
ção da Arraes Editores Ltda. com distribuição 
gratuita e dirigida. Esta é uma edição espe-
cial e exclusiva e as opiniões expressas nos 
artigos desta edição são de responsabilidade 
exclusiva de seus autores.
Écom satisfação e alegria que oferecemos a comunidade acadêmica essa edição es-
pecial da ARRAES EDITORES em REVISTA. O objetivo não podia ser outro senão o de 
marcar o posicionamento e comprometimento da Arraes Editores com eventos de qualidade 
e com publicações que atendam áreas estratégicas para os interesses do país como é o Direito 
Internacional.
Nesta edição com tiragem especial e distribuição gratuita que será entregue em diversas 
instituições de ensino do país, a Arraes Editores faz uma homenagem especial ao tema Direito 
Internacional, tratando-o em diversos artigos em seus mais variados enfoques e, para isso con-
vidou respeitados professores das mais variadas instituições do país para dar sua contribuição. 
A revista traz entrevista com o ilustre professor Celso Lafer, que fala de sua experiência ao 
longo de anos atuando no Direito Internacional, e também com o brilhante professor Wagner 
Menezes que tem sido apontado como responsável por uma verdadeira revolução no estudo 
do Direito Internacional no Brasil. Nas entrevistas, os respeitáveis professores falam de sua 
carreira, seus objetivos e seu comprometimento acadêmico.
A Arraes Editores é uma editora jovem, que surgiu com o objetivo de editar e publicar 
obras de conteúdo técnico-científico, com especial destaque aos trabalhos acadêmicos de 
qualidade.
O nosso Conselho Editorial é integrado por professores cujo trabalho tenha se destaca-
do pela seriedade e contribuição na construção de um marco teórico consistente em sua area 
de pesquisa e atuação e também por editores com grande experiência no mercado editorial.
A Arraes Editores tem como missão o estabelecimento de uma relação ética e transpa-
rente com os autores, com o mercado editorial e, sobretudo, com os leitores, primando pela 
publicação de obras criteriosamente selecionadas, bem como pela excelência e qualidade na 
concepção dos projetos gráficos, com a aplicação da mais moderna técnica de diagramação e 
impressão, zelando pela mais ampla proteção e garantia dos direitos autorais de nossos parcei-
ros e colaboradores.
 Desejamos uma boa leitura a todos !!!
Renato Caram
Arraes Editores em revista - setembro 20122
ENTREVISTA: CELSO LAFER
entrevista
considerações que provêm exclusiva-
mente de um Direito Estatal no qual 
a soberania postula o poder de decla-
rar, em última instância, a positivida-
de da lei. Daí uma relação, dialética, 
como diria Miguel Reale, de mútua 
implicação e complementaridade entre 
Filosofia do Direito e Direito Inter-
nacional Público. Não é por acaso, 
assim, que existe um terreno comum 
entre internacionalistas e jusfilósofos 
que vêm explorando de maneira con-
vergente estes dois campos do conhe-
cimento. Grócio e Kelsen, para citar 
dois nomes ilustres são, ao mesmo 
tempo, grandes pensadores da Teoria 
do Direito e do Direito Internacional 
Público. A obra de Martti Koskennie-
mi e Mireille Delmas-Marty, dois dos 
mais instigantes internacionalistas 
contemporâneos, tem como carac-
terísticas a presença da Filosofia do 
Direito na lida com um direito em 
movimento numa era como a nossa, 
assinalada pela dinâmica contradi-
tória e complementar entre as forças 
centrífugas e as centrípetas que operam 
na sociedade internacional contem-
porânea. Em síntese, na minha ava-
liação e experiência, a Filosofia do 
Direito enriquece-se com o conhe-
cimento do Direito Internacional 
Público e o campo teórico do Direito 
Internacional Público vê-se adensado 
pela reflexão jusfilosófica.
Permito-me fazer um comen-
tário adicional a propósito do Direi-
to Internacional Privado. Um dos 
grandes temas da Teoria Geral do 
Direito diz respeito aos problemas 
que suscitam a reflexão sobre o ordena-
mento jurídico a partir da consagrada 
O professor CELSO LAFER é o homenageado do “10º Congresso Brasileiro de Direito 
Internacional” professor titular da Universidade de São Paulo, ex-ministro das Relações 
Exteriores, teve toda a sua vida dedicada a pesquisa e formação de uma geração de 
juristas e por suas ideias é respeitado nas principais universidades estrangeiras, em 
entrevista para ARRAES Editores adota posições corajosas e de vanguarda que marcam 
a sua trajetória acadêmica.
ARRAES: O senhor foi professor 
titular do departamento de Filosofia 
e Teoria Geral do Direito da 
Faculdade de Direito da USP. Sobre 
essa matéria, qual é a importância 
do seu conhecimento para o 
estudo do Direito e das Relações 
Internacionais?
CL - O Direito Internacional 
Público, mais do que qualquer ou-
tra disciplina jurídica, caracteriza-
-se por uma abertura em relação à 
Filosofia do Direito. Isto se explica 
porque dada a distribuição indivi-
dual, porém desigual do poder entre 
os Estados no plano internacional, a 
relação entre as normas e a realidade 
é sempre mais problemática do que 
dogmática. Daí as tradicionais inda-
gações, por exemplo, sobre a nature-
za das normas do Direito Internacio-
nal Público e as suas funções; sobre o 
fundamento do Direito Internacional 
Público; sobre a juridicidade do Di-
reito internacional Público; sobre o 
papel e a relevância da argumentação 
e das posições baseadas no Direito no 
dia a dia das relações internacionais e 
da condução diplomática de um país; 
sobre as características da sociedade 
internacional que engendra o Direito 
Internacional Público.
Bobbio, analisando um livro 
de Roberto Ago, apontava a relevância 
da contribuição dos internaciona-
listas à Teoria do Direito, pois estu-
dam um direito em movimento. Por 
isso, têm melhores condições para 
repensá-lo sem os hábitos mentais 
e os preconceitos provenientes das 
Arraes Editores em revista - setembro 2012 3
entrevista
compreensão do Direito como uma 
kelseniana pirâmide escalonada das 
normas, subjacente à qual paira a 
pirâmidedo poder, cujo vértice é a 
soberania. O escalonamento da pi-
râmide propicia a unidade do orde-
namento e a função do controle da 
constitucionalidade é a de assegurar 
esta unidade.
No mundo contemporâneo 
verifica-se, no plano jurídico, uma 
erosão do modelo hierárquico e a 
emergência da horizontalidade das 
redes jurídicas, para evocar uma re-
flexão de Mario Losano. Neste con-
texto, pirâmide e rede convivem e 
não é fácil para o jurista, nesta flui-
dez, captar o direito na rede dos 
conceitos e de suas múltiplas fontes 
ou identificá-lo numa pirâmide nor-
mativa em erosão, com dificuldades 
de assegurar a unidade do ordena-
mento. Esta dificuldade é particular-
mente complexa na lida com um dos 
problemas inerentes à teoria do orde-
namento, que são os que provêm do 
inter-relacionamento entre distintos 
ordenamentos. Com efeito, a globali-
zação propicia a internacionalização 
das relações jurídicas e, por via de 
consequência, uma intensificação do 
inter-relacionamento entre uma plu-
ralidade de ordenamentos. Como é 
sabido, os procedimentos básicos na 
teoria do ordenamento para enfren-
tar estes problemas são o reenvio e a 
recepção que requerem, no contexto 
contemporâneo, um aprofundamen-
to adicional e uma atenção especial 
para com princípios mais gerais de 
disciplina como, por exemplo, ordem 
pública, boa-fé, fraude à lei, comitas 
gentium, etc. Em síntese, por obra 
do fato de uma generalizada inter-
normatividade, a abordagem técnica 
não esgota a matéria e beneficia-se 
das contribuições que a Filosofia do 
Direito pode oferecer. Não é por aca-
so, assim, que autores como Battifol 
e Werner Goldschmidt anteciparam 
esta convergência. Para concluir, não 
só existe uma aproximação crescente 
entre Direito Internacional Público e 
Privado - e a dinâmica da arbitragem 
internacional é, neste sentido, eluci-
dativa - como também cabe apontar 
a relevância que tem, neste contex-
to, a Filosofia do Direito concebida 
como um parar para pensar os pro-
blemas jurídicos que não encontram 
solução no âmbito stricto sensu do 
Direito Positivo. 
ARRAES: Na sua opinião, quais os 
rumos do Direito Internacional 
Contemporâneo? Como o senhor 
analisa o debate entre a fragmentação e 
o pluralismo do Direito Internacional 
Contemporâneo?
CL - Vou dar uma só e inte-
grada resposta a estas duas perguntas 
que estão substantivamente correla-
cionadas. Começo lembrando que 
Bobbio distingue as normas de con-
duta, das de organização. As normas 
de conduta têm como função tornar 
possível a convivência de grupos 
ou indivíduos que buscam seus fins 
dos standards aceitáveis de conduta, 
indicando, deste modo, a provável 
conduta aos demais integrantes do 
sistema internacional. 
As normas de organização são 
as que têm como função promover a 
cooperação de grupos ou indivíduos 
dirigindo os seus fins específicos para 
uma finalidade comum. As normas 
de mútua colaboração do Direito 
Internacional Público, para as quais 
Wolfgang Friedmann chamou a aten-
ção ao discutir as mudanças de es-
trutura do Direito Internacional, são 
paradigmas deste tipo. Provêm das 
exigências de cooperação entre os Es-
tados, os quais, por seu turno, consti-
tuem uma consequência da distância 
entre o pressuposto da plenitude ir-
restrita das soberanias jurídicas e as 
possibilidades mais circunscritas da 
“soberania operacional”. Originam-se 
das realidades da interdependência 
dos Estados num mundo unificado 
Daí uma relação, dialética, 
como diria Miguel Reale, de mútua 
implicação e complementaridade 
entre Filosofia do Direito e Direito 
Internacional Público.
“
”particulares. As normas de mútua abstenção do Direito Internacional Clássico são, por excelência, deste tipo. Resultam da lógica de Vestfália e 
da sua concepção do funcionamento 
do sistema internacional e almejam 
salvaguardar, através do recíproco 
reconhecimento no âmbito do siste-
ma internacional, a plenitude jurí-
dica das múltiplas soberanias. Têm 
como função evitar a instabilidade da 
fricção num sistema descentraliza-
do e informar aos Estados a respeito 
pela técnica e pela economia, que 
levaram à diluição das fronteiras e 
amainaram as diferenças entre o “in-
terno” dos Estados e o “externo” da 
dinâmica de funcionamento do siste-
ma internacional.
A travessia do Direito Inter-
nacional de normas de mútua abs-
tenção para as de mútua colaboração 
não é nem linear nem automática. O 
conceito de comunidade internacio-
nal é uma ideia civilizadora, sujeita 
a marchas e contramarchas e não é 
Arraes Editores em revista - setembro 20124
simples a criação, pelos Estados, de 
modelos jurídicos baseados em nor-
mas de mútua colaboração porque 
isto depende, num sistema interna-
cional heterogêneo, da capacidade de 
identificar interesses comuns e com-
partilháveis, de administrar as desi-
gualdades do poder e de saber mediar 
a diversidade cultural e o conflito de 
valores. A isto cabe agregar que hoje 
se verifica, no plano internacional, 
uma disjunção entre ordem e poder. 
Com efeito, a crescente multipolari-
dade econômica e política que subs-
tituiu a “constituição material” do 
período da guerra fria, sob cuja égide 
foram se ampliando ratione materiae 
e ratione personae as normas do Di-
rável relatório de 2006 da Comissão 
de Direito Internacional da ONU. 
Um dos pontos por ele sublinhado 
é o de não serem nítidas as relações 
inter se entre os mais diversos regi-
mes jurídicos. Estes, inclusive criam 
uma cultura jurídica própria, que fre-
quentemente tem dificuldade de dia-
logar. Por exemplo, a cultura jurídica 
da OMC defende uma interpretação 
estrita de suas normas e a cultura ju-
rídica do Direito Internacional dos 
Direitos Humanos advoga o ativismo 
judicial em matéria de interpretação 
jurídica de suas normas.
As dificuldades de precisar ju-
ridicamente as relações inter se entre 
esses diversos regimes jurídicos afe-
cos especiais sem impor uma fusão, 
para construir uma ordem apta a 
dar uma resposta à complexidade 
jurídica do mundo; a encontrar uma 
harmonização que não seja fruto de 
imposição mas sim de hibridação; a 
tratar da relação entre o relativo e o 
universal pelo sábio uso do conceito 
da margem nacional de apreciação. 
Em síntese, na visão de Mireille Del-
mas-Marty, no trato dos impasses da 
fragmentação, convém deixar de lado 
a utopia da unidade e a ilusão da au-
tonomia a fim de explorar os cami-
nhos de um processo de integração 
recíproca entre o uno e o múltiplo 
para engendrar um pluralismo or-
denado. É neste desafiante contexto 
que se situam, no meu entender, os 
rumos do Direito Internacional. 
ARRAES: Adensamento de 
juridicidade e jurisdicionalização 
do Direito Internacional são temas 
que podem dialogar em uma 
análise do Direito Internacional 
Contemporâneo?
CL - Agradeço a pergunta que 
me dá a oportunidade de retomar 
este tema, que considero de grande 
importância na análise do Direito In-
ternacional Contemporâneo. Charles 
de Visscher, no seu grande livro Thé-
ories et Realité en Droit International 
Public, faz uma distinção - uma di-
cotomia ao modo de Bobbio - entre 
tensões e controvérsias.
As tensões são difusas, têm 
objeto menos definido, exacerbam 
conflitos relacionados à distribuição 
de poder relativo dos Estados e, por 
isso mesmo, são menos redutíveis à 
razoabilidade da lógica diplomática e 
jurídica. Na morfologia das tensões, 
de Visscher faz referência às de hege-
monia, que estão presentes na “alta 
política” do sistema internacional, 
e às de equilíbrio. Estas são afetadas 
pela tensão de hegemonia mas sua 
incidência usualmente ocorre no âm-
bito regional, variando de grau à luz 
das especificidades políticas e das ri-
validades próprias de cada região do 
mundo.
entrevista
...é muito significativa a 
presença dolegado do Direito 
Internacional nas minhas duas 
gestões no Itamaraty...
“
”reito Internacional, não foi capaz, até agora, de gerar uma ordem interna-cional mais estável e dotada de visão de futuro. É por essa razão que o Di-
reito Internacional, como um direito 
em movimento continua instaurando 
no plano mundial um “estado de di-
reito” que é apenas provisório e tem 
dificuldades de consolidar-se. É nes-
te horizonte que, no meu entender, 
coloca-se o debate em torno da frag-
mentação e do pluralismo.
O debate sobre a fragmentação 
resulta da emergência, intensificada 
pela globalização, de regimes jurídi-
cos especiais, voltados para a coope-
ração específica no campo do comér-
cio, do meio ambiente, dos direitos 
humanos, das comunicações, da pre-
venção da criminalidade transnacio-
nal, da segurança, do mar, para dar 
alguns exemplos. Da fragmentação 
tratou Martti Koskenniemi em admi-
tam o Direito Internacional Público 
Geral, pois uma normatividade de 
conteúdo variável leva, para voltar 
ao que disse na resposta à primeira 
pergunta, à horizontalidade da rede. 
Daí, para o jurista, os problemas de 
identificar no diálogo das fontes nor-
mativas existentes qual é a unidade 
e coerência do Direito Internacional 
Público, pois não é inequívoca no seu 
âmbito, a hierarquia das normas.
Parar para pensar os proble-
mas de um direito flou é um tema 
recorrente da obra recente de Mi-
reille Delmas-Marty que, com mui-
ta imaginação jurídica e não menor 
precisão, vem se dedicando a explo-
rar as possibilidades de ordenar o 
atual pluralismo jurídico do Direito 
Internacional Contemporâneo. São 
muito instigantes as reflexões por ela 
propostas, voltadas para resguardar 
a existência destes regimes jurídi-
Arraes Editores em revista - setembro 2012 5
As controvérsias, em contras-
te, são específicas e configuram um 
desacordo sobre um assunto suficien-
temente circunscrito que, por isso 
mesmo, presta-se a reivindicações 
mais suscitáveis de encaminhamento 
por via diplomática e jurídica. 
As tensões são mais frequen-
tes quando existem, entre os atores 
do sistema internacional, conflitos 
de concepção sobre como organizar 
e lidar com uma determinada área 
da agenda internacional ou regional. 
Na situação-limite das relações inter-
nacionais e do Direito Internacional 
Público que é a da paz e da guerra, 
são escassas as probabilidades de ju-
risdicionalização porque a questão 
tende a ter a complexidade de uma 
tensão que não se reduz à lógica de 
uma controvérsia.
Em contraste, quando se ve-
rifica maior homogeneidade de vi-
são e perspectiva sobre os modos de 
estruturar a convivência numa deter-
minada área da vida internacional, 
aumenta a possibilidade da redução 
do campo das tensões, abrindo espa-
ço para a solução diplomática e jurí-
dica de controvérsias. Contextos des-
te tipo favorecem o adensamento da 
juridicidade e, por via de consequên-
cia, a jurisdicionalização, ou seja, a 
solução jurídica de contenciosos por 
meio de um tertius supra partes.
Foi no horizonte desta linha 
de reflexão que apontei as razões pe-
las quais se verificou, na passagem do 
GATT para a OMC, um adensamento 
da juridicidade das normas de Direi-
to Internacional Público do comércio 
internacional. Este adensamento de 
juridicidade resultou da diluição, no 
mundo pós-guerra fria, dos conflitos 
de concepção sobre como organizar 
a ordem comercial mundial. Foi isto 
que levou a um sistema multilateral 
de comércio efetivamente regido por 
normas (rules-based) no qual adqui-
riu relevância própria o princípio da 
legalidade que transita pela segurança 
e previsibilidade das expectativas de 
todos os membros da OMC. Preser-
var as normas do sistema multilateral 
de comércio, que são o ativo da OMC, 
exigiu, tanto coibir o unilateralismo de 
ação quanto ir além da jurisprudên-
cia diplomática do GATT. Foi o obje-
tivo comum de fortalecer institucio-
nalmente um sistema multilateral de 
comércio regido por normas que en-
sejou no âmbito da OMC um inédito 
sistema de solução de controvérsias 
tanto por meio da automaticidade de 
jurisdição (a regra do consenso inver-
tido) que permite a criação de panels, 
quanto pelo controle dos reports de 
primeira instância por via do duplo 
grau de jurisdição representado pela 
criação do Órgão de Apelação. Isto 
só foi possível porque os membros 
da OMC aceitaram que os contencio-
sos comerciais que surgem da living 
law de aplicação das suas normas 
são contenciosos de interesses, amol-
dáveis à natureza de controvérsias e 
não tensões políticas provenientes de 
conflitos de concepção.
Em síntese, na minha avalia-
ção, processos de adensamento de 
juridicidade e de jurisdicionalização 
são convergentes, porém só se desen-
volvem no plano internacional com 
a diluição, num determinado cam-
po, de conflitos de concepção que 
ensejam tensões. As dificuldades de 
jurisdicionalizar o Direito Interna-
cional do Meio-Ambiente, por exem-
plo, estão vinculadas à existência não 
apenas de contenciosos ambientais, 
mas de tensões relacionadas ao como 
lidar, de maneira estruturada, com a 
construção de uma ordem interna-
cional do meio ambiente.
ARRAES: Política externa 
pragmática e Direito Internacional 
podem caminhar juntos? Na sua 
gestão à frente do Itamaraty qual foi 
o lugar do Direito Internacional?
CL - A Constituição republi-
cana de 1891 afirmou, no seu art. 88, 
a proibição da guerra de conquista e 
contemplou, no seu art. 34, o estímu-
lo à arbitragem, estabelecendo assim 
uma moldura jurídica para a con-
dução da política externa, aberta a 
princípios importantes do Direito In-
ternacional. A visão da Constituição 
de 1891, nesta matéria, encontrou, 
subsequentemente, guarida no art. 4º 
da Constituição de 1934 e de 1946 e 
no art. 7 da Constituição de 1967 e da 
Emenda Constitucional nº 1 de 1969. 
A Constituição de 1988, a da 
redemocratização do Brasil, foi muito 
além destes dispositivos. Não apenas 
o seu preâmbulo, que é a expressão 
da ideia a realizar da Constituição 
de 1988, aponta o compromisso “na 
ordem interna e internacional com 
a solução pacífica das controvérsias”, 
como também o art. 4 estabelece 
os princípios que regem as relações 
internacionais do Brasil. Estes princí-
pios são representativos de uma aber-
tura ao Direito Internacional, pois a 
sua positivação constitucional indica 
a irradiação de conceitos elaborados 
no âmbito do Direito das Gentes no 
plano do Direito Público Interno. 
Com efeito, os princípios do art. 4º 
estão próximos dos que basicamente 
regem, de acordo com o Direito In-
ternacional Público, ex vi do artigo 
2º da Carta das Nações Unidas, a co-
munidade internacional e são muito 
semelhantes aos codificados na De-
claração sobre as relações de amizade 
e cooperação entre os Estados apro-
vada pela Assembleia Geral da ONU 
em 1970. É por isso que se pode dizer 
que, nos termos da Constituição de 
1988, o respeito ao Direito Interna-
cional é uma das dimensões do nos-
so estado democrático de Direito. 
É por esse motivo, aliás, que tenho 
uma preocupação muito especial em 
relação ao posicionamento do Brasil 
em relação ao Paraguai no recente 
episódio da sua suspensão das 
atividades do Mercosul, que entendo 
não ter sido lastreada no respeito ao 
Direito Internacional, pelas razões 
articuladas abaixo na resposta à per-
gunta sobre esta questão.
O artigo 4º configura a mol-
dura jurídica da ação diplomática 
brasileira. É por esse motivo que, no 
dia a dia da condução da política ex-
terna, cabe ao Ministro das Relações 
Exteriores, como o principal cola-
entrevista
Arraes Editores em revista - setembro 20126
borador do Presidente da Repúbli-
ca neste campo, estar atento a estes 
princípios ao formular juízos diplo-
máticos sobre os modos de atuação 
do Brasilno mundo.
Na formulação destes juízos 
diplomáticos tive, como Ministro das 
Relações Exteriores, a constante pre-
ocupação de lastreá-los nestes princí-
pios, tanto na minha primeira gestão 
em 1992 quanto na segunda em 2001-
2002. Tratei de como foram aplicados 
e interpretados na minha gestão do 
Itamaraty em 1992, no prefácio ao 
livro de 1994 de Pedro B. de Abreu 
Dallari, Constituição e Relações In-
ternacionais. Discuti como foram 
aplicados e interpretados, na minha 
segunda gestão, em 2001-2002, no 
meu livro de 2005, A Internacionali-
zação dos direitos humanos: constitui-
ção, racismo e relações internacionais. 
Retomei e aprofundei a reflexão num 
ensaio de próxima publicação num dos 
volumes de estudos em homenagem 
ao prof. Jorge Miranda.
Neste ensaio, que versa sobre a 
constitucionalização do Direito Interna-
cional, examinei os desafios inerentes à 
tomada de posição da política externa, 
com base em princípios do Direito 
Internacional positivados pela Cons-
tituição de 1988. Observo que Vital 
Moreira e Canotilho, tratando dos 
princípios do Direito Internacional 
positivados pela Constituição Por-
tuguesa - que foi fonte inspiradora 
da nossa - apontam que devem ser 
interpretados levando em conta o 
espaço semântico de onde provêm. 
Por isso o conhecimento do Direi-
to Internacional é muito relevante 
para o exercício do cargo de Minis-
tro das Relações Exteriores. A isto 
agrego que o Direito Internacional 
participa da discussão da maior parte 
das facetas da condução da política 
externa e dos temas de governança 
global, assim como dos debates em 
torno destas questões. Por isso o do-
mínio da substância e da linguagem 
do Direito Internacional, até mesmo 
para a visão “realista” das relações in-
ternacionais - é de grande relevância 
para a condução da política externa. 
É o que apontam James Crawford, 
Martti Koskenniemi e Gerry Simp-
son no recente Cambridge Compa-
nion to International Law.
Os princípios do art. 4º, assim 
como os princípios em geral num 
texto constitucional, tem uma função 
prospectiva. Proporcionam critérios 
para uma tomada de posição diante 
de situações concretas que, no entan-
to, são indeterminadas, só adquirin-
do significado operativo no momento 
de sua aplicação em casos concretos. 
Os princípios do art. 4º contêm um 
potencial de ambiguidades que pro-
piciam antinomias. É o caso, por 
exemplo, do potencial do conflito 
numa dada conjuntura da condução 
da política externa entre o princípio 
da prevalência dos direitos humanos 
(art. 4 - II) e o da não intervenção 
(art. 4 - IV), princípios que guardam 
sintonia com a Carta da ONU. Em 
outras circunstâncias, em função da 
dinâmica de funcionamento do siste-
ma internacional, a realizabilidade de 
um princípio pode ser maior ou me-
nor. Assim, por exemplo, o princípio 
de cooperação entre os povos para o 
progresso da humanidade (art. 4, IX) 
que também está em sintonia com a 
Carta da ONU, depende de distintas 
constelações diplomáticas. Em 1992 
o clima internacional pós-guerra fria 
abriu espaço para o trato multilateral 
dos temas globais, o que permitiu se-
guir, com sucesso, a vis directiva do 
art. 8, IX na condução, pelo Brasil, da 
Rio 92. Já em 2001-2002, a aplicação 
deste princípio se viu limitada por 
uma realidade internacional de con-
flito, fragmentação e unilateralismo. 
Daí as dificuldades de fazer avançar, 
por ocasião da Rio+10 em Johanes-
burgo, em 2002, os temas do desen-
volvimento sustentável. Isto não im-
pediu, mas circunscreveu o alcance 
da realizabilidade do mandato de 
otimização do valor da cooperação 
consagrado no inciso IX do art. 4, na 
condução da política externa brasi-
leira.
Dos desafios inerentes que 
surgem para a formulação de dire-
trizes da política externa com base 
nos princípios do artigo 4, concluí, 
no exercício da função de Chanceler, 
que cabe ao responsável pelo Itama-
raty valer-se, por analogia, do método 
jurídico de ponderação no encami-
nhamento do processo decisório. Em 
outras palavras, levar em conta, nas 
distintas conjunturas diplomáticas, a 
razoabilidade, a adequação e a neces-
sidade para buscar, de boa-fé, o efeito 
razoável e útil dos valores positivados 
nos princípios do art. 4 que são repre-
sentativos da abertura e do respeito ao 
Direito Internacional contemplados 
na Constituição de 1988.
Estabelecer diretrizes da po-
lítica externa com base no marco 
normativo do art. 4º requer um juí-
zo diplomático dentro do escopo de 
standards jurídicos. Este juízo diplo-
mático é um juízo reflexivo ao modo 
de Hannah Arendt. Trata-se de pen-
sar em particular - que é o dado de 
uma situação concreta - para dela ex-
trair o seu alcance geral, que está vin-
culado ao respeito pelas normas do 
Direito Internacional. No exercício 
deste juízo diplomático cabe ao Po-
der Executivo uma margem nacional 
de apreciação para levar apropriada-
mente em conta tanto as caracterís-
ticas próprias das conjunturas que 
suscitam uma tomada de posição, 
quanto a avaliação das transforma-
ções, no plano internacional, dos 
conceitos do Direito Internacional 
Público, que é um direito em mo-
vimento. Esta margem nacional de 
apreciação é indispensável, pois a po-
lítica externa é, como tenho dito em 
várias ocasiões, uma política pública, 
voltada para traduzir necessidades 
internas em possibilidades externas 
à luz das especificidades nacionais, 
partindo de um ponto de vista, no 
caso do Brasil, sobre o funcionamen-
to da “máquina do mundo”, tendo 
como horizonte as normas do Direito 
Internacional.
Em síntese, é muito significa-
tiva a presença do legado do Direito 
Internacional nas minhas duas ges-
tões no Itamaraty e entendo que este 
legado coaduna-se com a condução de 
uma política externa compatível com 
os interesses nacionais e está em con-
sonância com o que contemplam os 
valores e as normas da Constituição 
entrevista
Arraes Editores em revista - setembro 2012 7
de 1988, como expus no correr desta 
longa resposta.
ARRAES: A propósito do contexto 
do Brasil na América do Sul, qual 
a sua análise sobre episódios como 
o posicionamento no Paraguai 
recentemente?
CL - Em artigo publicado na 
Folha de S.Paulo (4 de julho de 2012, 
p. A3), já tive a oportunidade de ma-
nifestar-me sobre uma faceta jurídica 
deste posicionamento. Basicamente 
argumentei, no artigo, que a incorpo-
ração da Venezuela ao Mercosul, pa-
trocinada pelo Brasil, pela Argentina e 
pelo Uruguai, sem a aprovação do Pa-
raguai, suspenso de participar das ati-
vidades do Mercosul pela aplicação do 
Protocolo de Ushuaia é uma ilegalida-
de. Fere frontalmente a explícita exi-
gência desta aprovação contemplada 
no artigo 20 do Tratado de Assunção 
e o art. 23 do Protocolo de Ouro Preto 
sobre o processo decisório no Mer-
cosul, desrespeitando, deste modo, o 
art. 26 da Convenção de Viena sobre 
o Direito dos Tratados em matéria dos 
critérios de observação dos Tratados 
em vigor e o art. 31 da mesma Con-
venção, no que tange à regra geral de 
interpretação de Tratados. 
Vou, assim, explorar na respos-
ta a esta pergunta uma outra faceta ju-
rídica do problema que diz respeito aos 
procedimentos de aplicação do Proto-
colo de Ushuaia que trata da cláusula 
democrática no Mercoul. Estabelece o 
art. 4º deste Protocolo que, “no caso de 
ruptura da ordem democrática em um 
Estado-parte do presente Protocolo, os 
demais Estados-parte promoverão as 
consultas pertinentes entre si e com o 
Estado afetado”.
As consultas com o Paraguai 
não foram realizadas. A ausência des-
tas consultas é um fato grave e confi-
gura uma quebra do devido processo 
legal. Com efeito, no caso específico, 
o argumento da ruptura democrática 
no Paraguai tem como base a celeri-
dade do processo de impeachment do 
Presidente Lugo que não teria tido 
temposuficiente para preparar a sua 
defesa neste processo conduzido pelo 
Legislativo paraguaio. Este processo, 
no entanto, foi considerado válido 
pelo Judiciário do Paraguai e em con-
sonância com as normas constitu-
cionais do Paraguai e sua legislação 
infraconstitucional relacionada a um 
juízo político sobre a destituição do 
cargo de Presidente por mau desem-
penho de sua função.
Neste contexto impunham-se 
substantivamente as consultas com 
o Paraguai como passo prévio para 
a aplicação de uma suspensão de sua 
participação no Mercosul. Explico-
-me. A consulta é um mecanismo 
clássico do Direito Internacional e 
tem como objetivo a troca de opini-
ões, no caso, ex vi do art. 4 do Pro-
tocolo de Ushuaia, entre o Paraguai 
e a Argentina, o Brasil e o Uruguai 
sobre uma controvérsia em torno 
da existência de ruptura da ordem 
democrática. A função da consulta 
em geral, e neste caso específico, tem 
como objetivo embasar uma avalia-
ção jurídica sobre a existência ou não 
de uma ruptura da ordem democrá-
tica através da intelligence gathering 
na dupla acepção que a palavra in-
telligence comporta: a da organização 
e seleção de informação pertinente e 
a da possibilidade de aprender o re-
levante para compreender a situação 
que levou ao impeachment no âmbito 
do ordenamento jurídico paraguaio. 
Neste caso esta função da consulta 
era uma exigência indispensável, pois 
a avaliação da ruptura da ordem de-
mocrática no Paraguai desconside-
rou a avaliação feita pelo Legislativo 
e pelo Judiciário do país que não a 
considerou como tal. Neste contexto 
não foi inequívoca a ruptura da or-
dem democrática e, por isso mesmo, 
a afirmação da sua ocorrência preci-
saria ter sido bem fundamentada, o 
que não se verificou. É por isso que 
o Paraguai tem plenas condições de 
alegar que a sua suspensão do Mer-
cosul não só não obedeceu ao iter do 
devido procedimento legal previsto 
pelo Protocolo de Ushuaia. Também 
a decisão da suspensão precisaria ser 
fundamentada, levando em conta, 
com base nas consultas que não se re-
alizaram, as características de funcio-
namento da divisão dos poderes e das 
normas constitucionais paraguaias 
tal como alegado pelo país. É por esta 
razão que o Paraguai pode arguir que 
a decisão, tal como foi tomada, fere 
o devido processo legal inerente aos 
Direitos Humanos no plano interna-
cional e configura, deste modo, um 
desrespeito específico ao princípio de 
não intervenção.
O princípio de não interven-
ção é um princípio consagrado do 
Direito Internacional Público e foi 
constitucionalizado como um dos 
princípios que regem as relações in-
ternacionais do Brasil (CF, art. 4 - IV). 
No caso do Protocolo de Ushuaia, o 
desrespeito a este princípio cria um 
precedente grave. Com efeito, a ava-
liação das condições democráticas de 
um país é complexa e se não for bem 
elaborada e fundamentada pode dar 
margem ao arbítrio na aplicação de 
uma sanção, arbítrio que não se co-
aduna com a importância que têm as 
normas num processo de integração 
da natureza do Mercosul.
Em síntese, a decisão de sus-
pender o Paraguai das atividades do 
Mercosul, que o Brasil respaldou, foi 
precipitada e poderá ter sérias conse-
quências para o futuro do Mercosul. 
Foi, além do mais, uma decisão que, 
para o Brasil, é imprudente, dada a 
profundidade do nosso relaciona-
mento com o Paraguai, de que são 
exemplos a binacional Itaipu e o tema 
dos brasiguaios. Para retomar o que 
disse em outra resposta, o posiciona-
mento do Brasil tende a transformar 
em uma tensão de equilíbrio regional 
o que poderia ter sido encaminhado 
como uma controvérsia.
entrevista
Arraes Editores em revista - setembro 20128
por André de Carvalho Ramos
mercosul e o paraguai
O processo de impeachment e a destituição do Presidente Lugo, em 
aproximadamente 30 horas no Paraguai, em 22 de junho de 2012, é um epi-
sódio que ficou marcado pela ausência do ‘devido processo legal’. A revela-
ção de que o libelo acusatório sequer apresentou provas do que foi alegado 
para remover um Presidente da República (sob o argumento de que eram 
fatos notórios e não precisariam ser provados...), lançou a suspeita de que a 
decisão foi tomada arbitrariamente, sem que houvesse qualquer espaço para 
ampla defesa e contraditório. 
Se no Paraguai não há expectativa de revisão judicial dessa decisão, 
resta a defesa da democracia (e do necessário devido processo legal que deve 
ser seguido para se romper o mandato de um Presidente eleito), no plano 
internacional.
Nesse sentido, cabe discutir o papel do Mercado Comum do Sul 
na promoção da democracia entre seus membros. A defesa da democra-
cia acompanha o desenvolvimento dos esforços de integração do Mercado 
Comum do Sul (Mercosul), organização internacional composta por Brasil, 
Argentina, Uruguai e Paraguai, cuja construção iniciou-se em 1991 com o 
Tratado de Assunção. Já em 1992, foi adotada a Declaração Presidencial de 
Las Leñas, que explicitou a vontade política dos Estados a favor da plena 
vigência das instituições democráticas como condição indispensável para 
a existência e o desenvolvimento do Mercosul e, em 1996, foi elaborada a 
Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul, 
O MERCOSUL 
DEMOCRÁTICO 
E A CRISE NO 
PARAGUAI ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS
Professor de Direito Interna-
cional e Direitos Humanos da 
Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo (Lar-
go São Francisco). Procurador 
Regional da República. Doutor 
e Livre-Docente em Direito 
Internacional. Autor, entre ou-
tros, do livro Direitos Humanos 
na Integração Econômica. Rio 
de Janeiro: Renovar, 2008 
e Teoria Geral dos Direitos 
Humanos na Ordem Inter-
nacional, São Paulo: Saraiva, 
2012.
Arraes Editores em revista - setembro 2012 9
mercosul e o paraguai
de 25 de junho de 1996, adotada na 
localidade de Potrero de Los Funes, 
Provincia de San Luis (Argentina).
Nessa última Declaração, os 
Estados decidiram que o regime 
democrático era condição indispen-
sável para a continuidade do proces-
so integracionista. Natural, então, 
que dois anos depois, em 1998, te-
nha sido celebrado o Protocolo de 
Ushuaia, que estabelece que a ma-
nutenção da democracia é razão de 
continuidade da existência ou desen-
volvimento do bloco. 
É difícil imaginar a conti-
nuidade de um ambicioso processo 
de integração (que almeja, em úl-
tima analise, a criação de um mer-
cado comum) sem que houvesse a 
construção, em paralelo, de normas 
referentes ao Estado de Direito e De-
mocracia. A confiança mútua que 
advém de compromissos políticos é 
passível de ser utilizada para apro-
fundar a integração. Além desse 
“confidence building” entre os Esta-
dos parceiros, o respeito ao Estado 
de Direito e à democracia incutem 
também nos agentes econômicos a 
confiabilidade necessária para que 
sejam feitas as transações e investi-
mentos esperados. 
No caso de ruptura da ordem 
democrática em um Estado-parte 
do Protocolo de Ushuaia, os demais 
Estados-partes iniciarão consultas 
entre si e com o Estado em crise. 
Quando as consultas resultarem in-
frutíferas, os demais Estados-partes 
do Protocolo, no âmbito específico 
dos acordos de Integração vigen-
tes entre eles, devem decidir sobre 
a natureza e o alcance das medidas 
de coerção – visando o retorno ao 
regime democrático - a serem apli-
cadas, levando em conta a gravidade 
da situação existente. O Protocolo, 
em seu artigo 5º, estabelece que as 
medidas compreenderão desde a 
suspensão do direito de participar 
nos diferentes órgãos dos respec-
tivos processos de integração até a 
suspensão dos direitos e obrigações re-
sultantes destes processos. As medidas 
previstas no mencionado artigo 5º 
deverão ser adotadas por consenso 
pelos Estados-partes do presente 
Protocolo e comunicadas ao Esta-
do afetado,que não participará do 
processo decisório pertinente. Tais 
medidas entrarão em vigor na data 
em que se faça a comunicação res-
pectiva. De acordo com o artigo 7º 
do Protocolo as medidas cessarão 
com o pleno restabelecimento da 
ordem democrática. A falta de von-
tade de explicitar o teor das medidas 
de coerção ao Estado-membro no 
qual ocorreu a ruptura democrática 
ficou evidente. Além disso, a regra 
do consenso (que impera no Merco-
sul) foi também aqui adotada, o que 
pode dificultar a adoção de qualquer 
medida mais gravosa. 
Profeticamente, em dezem-
bro de 2011, foi aprovada pelo Con-
selho do Mercado Comum, a futura 
reforma do mecanismo democráti-
co do Mercosul, por intermédio da 
adoção do Protocolo de Montevidéu 
Sobre Compromisso com a Demo-
cracia no Mercosul (chamado pe-
los próprios redatores de Protocolo 
“Ushuaia II”, para demonstrar suas 
origens). 
O novo Protocolo supre a 
lacuna do anterior e prevê, exempli-
ficadamente, algumas medidas que 
podem ser adotadas para estimular 
o retorno à democracia, como: a) 
suspensão do direito de participar 
nos diferentes órgãos da estrutura 
institucional do MERCOSUL; b) 
fechamento das fronteiras; c) sus-
pensão ou limitação do comércio, 
o tráfego aéreo e marítimo, as co-
municações e o fornecimento de 
energia, serviços e abastecimento; 
d) suspensão da Parte afetada do 
gozo dos direitos e benefícios emer-
gentes do Mercosul; e) ações dos 
demais Estados para incentivar a 
suspensão do Estado infrator em 
outras organizações internacionais 
e também de direitos derivados 
de outros acordos de cooperação; 
e) ação dos Estados para apoiar os 
esforços regionais e internacionais 
(por exemplo, ONU) para o retorno 
à democracia e f) adoção de sanções 
políticas e diplomáticas adicionais. 
O novo Procotolo almeja evi-
tar que o “inocente pague pelo cul-
pado”: as medidas devem respeitar a 
proporcionalidade com a gravidade 
da situação existente e não deverão 
pôr em risco o bem-estar da popula-
ção e o gozo efetivo dos Direitos Hu-
manos e liberdades fundamentais no 
Estado afetado.
O Protocolo Ushuaia II não 
entrou em vigor, mas pode servir 
como norte para a atuação dos Es-
tados envolvidos, uma vez que algu-
mas das medidas de coerção listadas 
acima podem ser adotadas pelos pa-
íses do Mercosul, no interior do blo-
co, ou ainda em suas próprias ações 
diplomáticas e em outras organiza-
ções internacionais.
Arraes Editores em revista - setembro 201210
O MERCOSUL FRENTE 
àS MUDANçAS 
TERMINOLóGICAS 
DA UNIãO EUROPEIA
por Augusto Jaeger Junior 
mercosul e união europeia
Já há muitos séculos a Europa 
transfere a outros continentes co-
nhecimentos e experiências, em um 
constante processo de circulação de 
modelos. No âmbito do Direito, mais 
recentemente, tais modelos vêm sen-
do observados com frequência pelo 
continente americano, sempre que 
ocorre um desenvolvimento no pro-
cesso de integração atualmente cha-
mado de União Europeia.
Em 1957, foi criada a Comu-
nidade Econômica Europeia, um 
bloco econômico que previu, naquele 
momento, como objetivo máximo, o 
alcance de um mercado comum, em 
um período de doze anos. Em função 
da criação de uma Comunidade, com 
vistas a um mercado comum, o Direi-
to que surgiu para regulá-los foi cha-
mado de Direito Comunitário. Com 
o tempo, ele assumiu características 
também supranacionais, e o bloco se 
expandiu qualitativa e quantitativa-
mente. A parte supranacional desse 
Direito foi pelos juristas de lá chama-
da de Direito Privado Comunitário, e 
por vezes, Direito Privado Comunitá-
rio Europeu.
Certo é que o desenvolvimen-
to comunitário emprestou modelos 
jurídicos, e a atual União Europeia 
segue como exemplo para outras re-
giões do mundo que pretendem al-
cançar alguma forma de integração 
entre os seus países, e que, apesar de 
não seguirem um modelo idêntico, 
tomam alguns elementos substan-
ciais para serem aplicados nos pro-
cessos de integração desenvolvidos 
em seus territórios. Cedo, em 1960, 
a ideia de um mercado comum em 
um período de doze anos foi absor-
vida também pela Associação Latino-
-Americana de Livre Comércio (Tra-
tado de Montevidéu, 1960-1980), por 
exemplo.
O primeiro desses modelos é 
a fase de mercado comum e a própria 
expressão mercado comum. O pro-
cesso de integração que se desenvolve 
na região do mundo conhecida como 
Cone Sul, desde 1991, tem o nome 
de Mercosul devido à importação do 
objetivo e da expressão mercado co-
mum do processo europeu (que aqui 
foram acrescidos da partícula - do 
Sul: Mercado Comum do Sul). O ad-
jetivo comum pode ter sido buscado, 
não unicamente na clássica expres-
são da Economia, mas também no 
radical do substantivo comunidade.
Com o Ato Único Europeu, 
de 1987, o termo mercado comum 
passou a ser afrontado por um novo 
termo, mercado interno, que passou 
a constar, em paralelo squele, dos 
tratados fundacionais da hoje União 
Europeia. A entrada em vigor do Tra-
tado de Lisboa, em 2009, aboliu, em 
definitivo, o termo mercado comum 
dos textos normativos.
Um segundo modelo interes-
sante é o nome que foi dado para o 
ramo da Ciência Jurídica que regeria 
as Comunidades, Direito Comunitá-
rio (Europeu). Ocorre que, também 
por força do Tratado de Lisboa, duas 
remanescentes Comunidades Euro-
peias foram incorporadas à União 
Europeia, que as substituiu à luz do 
Direito Internacional Público. Elas 
não mais existindo, o Direito Comu-
nitário, em ambas facetas, intergo-
vernamental e supranacional, passou 
a ser referido criativamente de Di-
reito da União (Europeia). Jornais e 
revistas europeus especializados tra-
taram da questão da manutenção ou 
modificação do nome dado ao direi-
to que rege o processo de integração 
europeu, e aviltou-se uma troca dos 
seus próprios nomes!
Posto isto, cabe, então, discor-
rer sobre como nós, integrantes do 
Mercosul, compreendemos o novo 
Direito da União, e como entende-
mos que devem restar agora, depois 
dessas modificações terminológicas, 
Arraes Editores em revista - setembro 2012 11
mercosul e união europeia
as menções ao Mercado Comum do 
Sul, à fase de integração econômica 
pretendida por esse bloco, a de mer-
cado comum, e ao Direito que rege 
esse processo.
Quase não prestamos atenção 
à distinção entre o Direito suprana-
cional, privado, e o público, intergo-
vernamental, da União. A distinção 
que mais nos interessa é aquela entre 
o Direito da Integração e o Direito 
Comunitário. Esse último deverá 
permanecer conhecido e utilizado 
entre nós, por força da sua popula-
rização no meio acadêmico ou pelo 
fato de ainda ser almejado um mer-
cado comum entre os Estados-partes 
do Mercosul. Contudo, em verdade, 
vemos diferenças entre esses ramos. 
O Direito da União refere-se ao mo-
mento temporal após a desaparição 
das Comunidades Europeias. Já en-
tre Direito da Integração e Direito 
Comunitário, há uma constante con-
fusão. Temos que o Direito Comu-
nitário é aquele que diz respeito aos 
tratados constitutivos e ao direito do 
bloco europeu, não importando se de 
caráter intergovernamental ou supra-
nacional. O Direito Comunitário é 
um Direito de Integração evoluí-
do, aperfeiçoado, hoje presente na 
União Europeia. Trata-se de uma 
disciplina autônoma que não está 
inserida no ramo do Direito Inter-
nacional Público.
Por outro lado, Direito da Inte-
gração é aquele que se refere aos pro-
cessos ainda conduzidos unicamente 
pela intergovernabilidade, como é o 
caso do Mercosul. Embora afins em 
alguns aspectos, essas não são disci-
plinas idênticas, os termos não são 
sinônimos, versam sobre objetos di-
versos, tratam de conceitos próprios 
e abordam normas distintas. Nos blo-
cos econômicos em que a autonomia 
de seus integrantes é mais acentuada, 
e que, em contrapartida, a integraçãoé menor, estar-se á frente ao Direito 
de Integração, posto que fundados 
na intergovernabilidade. As normas 
desse último não possuem efeito di-
reto, as comunitárias têm autonomia 
e estão hierarquicamente acima das 
nacionais.
A diferença essencial entre o 
ordenamento comunitário e o inter-
nacional consiste em que este não se 
impõe à ordem jurídica dos Estados, 
não existindo, como se sabe, uma 
ascendência jurídica do tribunal in-
ternacional sobre as cortes nacionais, 
até porque não existe um órgão insti-
tucionalizado com essa competência. 
Já em relação ao Direito Comunitá-
rio ocorre, fruto de composição sui 
generis, uma subordinação das or-
dens jurídicas internas ao Tribunal 
de Justiça da União Europeia.
Nesse sentido, não há que 
se falar em Direito Comunitário do 
Mercosul, em Direito Comunitário 
da Integração, também não em Di-
reito Comunitário Europeu, pois é 
somente o europeu que existe, e em 
Direito Europeu, também pelo fato 
de que a União Europeia não repre-
senta toda a Europa. Ela é a única 
organização, na atualidade, que 
tem Direito Comunitário ou 
da União. Assim sendo, 
não é necessário referir-
-se a ele como Direito 
Comunitário Europeu 
ou da União Europeu.
O termo Di-
reito da União é sim-
pático, expressivo, e 
deverá ser aceito entre 
nós do Sul como refe-
rente ao processo euro-
AuGuSTO JAEGER JuNiOR 
Professor da Faculdade de Direi-
to da UFRGS, Porto Alegre
peu, público e privado, supranacio-
nal e intergovernamental. Mas, seja 
pela popularização do termo entre 
nós quando referimos à União Eu-
ropeia, ou porque nós seguimos na 
busca de um mercado comum, não 
de um mercado interno, para o Mer-
cosul, vemos com apreço também a 
manutenção do termo Direito Co-
munitário.
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La
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 H
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bu
rg
por Cláudio Finkelstein
arbitragem e ordem pública
Em aulas de Direito Internacional Privado, discor-
remos a nossos alunos sobre o procedimento de homologação 
de sentenças estrangeiras, e o processo inerente a sua incor-
poração ao nosso sistema enquanto pressuposto de validade 
da própria decisão. Como regra, o procedimento de homolo-
gação de laudos arbitrais estrangeiros segue o mesmo rito da 
homologação da sentença estrangeira empreendido pelo STJ.
Iremos analisar brevemente a questão da legalidade 
do procedimento adotado em arbitragem internacional, e a 
consequente homologação do laudo quando houver, em tese, 
ofensa à ordem pública brasileira.
DECISãO ARBITRAL 
ESTRANGEIRA E A EXCEçãO DE
OFENSA à ORDEM PÚBLICA
Pela eleição da lei aplicável, as partes indicam exata-
mente qual ordenamento desejam para reger as obrigações 
contraídas. Essa faculdade atribuída às partes de escolher a lei 
que será aplicável ao contrato celebrado deriva do chamado 
princípio da autonomia da vontade1. Por ser, em tese, admiti-
da na elaboração dos contratos internacionais, a autonomia da 
vontade é princípio de grande relevância no âmbito do comér-
cio internacional. Diz-se em tese, pois a despeito de grande 
discussão doutrinária a respeito de sua validade, os tribunais 
brasileiros até o presente ainda não se pronunciaram quanto 
a sua validade, tendo no mais das vezes o afastado2. Algumas 
arbitragem e ordem pública
Cláudio Finkelstein
Mestre, Doutor e Livre-Do-
cente em Direito. Professor 
e Coordenador de Subárea 
do Curso de Pós-Graduação 
da PUC/SP. Ex-Coordena-
dor do Curso de Contratos 
Internacionais do COGEAE/
PUC e da FGV/SP. Árbitro. 
Advogado.
recentes decisões indicam uma tendên-
cia pró-autonomia nos procedimentos 
arbitrais3.
Cumpre então aprofundar a 
conceituação do instituto da autono-
mia da vontade4 aplicada ao campo dos 
contratos internacionais. Seria assim, 
a faculdade outorgada às partes de 
uma obrigação, para criar, nos estri-
tos limites da lei aplicável, as regras 
oponíveis aos contratantes. Irineu 
Strenger parte da conceituação de 
vontade para formular sua definição 
de autonomia da vontade. Para ele, 
vontade é “uma forma de atividade 
pessoal que comporta, de manei-
ra praticamente completa, a repre-
sentação do ato a produzir, ou uma 
suspensão provisória da tendência 
a praticar esse ato, intervindo nesse 
processo o sentimento do valor das 
razões, que podem determinar ou 
não o seu cumprimento”.5 A partir 
daí, Strenger define a autonomia da 
vontade como um “poder insupri-
mível no homem de criar, por ato de 
vontade, uma situação jurídica, desde 
que esse ato tenha objeto lícito”. 
A autonomia da vontade no 
Direito Internacional Privado im-
plica em autorização para criar para 
as partes do contrato novas formas 
e modelos contratuais, cláusulas e 
NOTAS
1 Para alguns, a questão confunde-se com a autonomia contratual. “Dal punto di vista dell’ordinamento giuriudico, questo 
significa in generale che l’ordinamento stesso rinuncia, entro certi limiti, ad intromettersi in alcune relazioni interindiuvi-
duali com regole proprie e che rende giuridicamente vincolante e tutela i regolamenti di interessi posti in essere dalle parti 
secondo le modalità previste dalla legge.” Di Nella, Lucca. Mercato e autonomia contrattuale nell’ordinamento comunitário. 
Edizioni Scientifiche Italiane. Napoli. 2003. Ainda que autorizado pelo trabalho legislativo na construção de nosso arcabou-
ço jurídico (autonomia privada) e previsto na lei de arbitragem (portanto disponível às partes em virtude de sua autonomia 
de vontade) a eleição de lei estrangeira encontra óbices intransponíveis na imperatividade da nossa lei, ou na reserva legal 
outorgada ao nosso ordenamento para reger determinadas operações.
2 Recurso Extraordinário nº 93.131-MG, 1981.
3 TJSP AI n 0037936-45(19/06/2012); Relator Roberto Mac Cracken “ao árbitro também cabe verificar os pressupostos de exis-
tência, validade e eficácia do direito disponível que será objeto da arbitragem, afastando, assim, via de regra, a competência 
do Estado-juiz em promover tal apreciação.”
 4 Cabe pontificar que autonomia da vontade não se confunde com autonomia privada. Esse último é o poder que os particula-
res recebem, pelo ordenamento jurídico, para criar dispositivos negociais vinculantes. Já a autonomia da vontade, conforme 
a lição de Heleno Tôrres, só é exercida em um segundo momento, quando o particular, valendo-se da autonomia privada, 
seleciona os sujeitos, as condições, os procedimentos que irá adotar no negócio jurídico pretendido. (TÔRRES, Heleno, 
Direito Tributário e Direito Privado, São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2003 p. 116).
5 STRENGER, Irineu, Da Autonomia da Vontade, p. 24.
modalidades de cumprimento, paga-
mentos e garantia, assim como a pos-
sibilidade da escolha da lei aplicável 
a tais contratos, e a escolha do órgão 
jurisdicional competente para diri-
mir eventuais litígios decorrentes do 
mesmo, assim como o procedimento 
para seu curso.
No entanto, essa liberdade de 
ação conferida às partes contratantes 
não é ilimitada, vez que não pode 
afastar a aplicabilidade das chamadas 
normas de ordem pública vigentes 
nos países com os quais o contrato 
internacional esteja relacionado, ou 
seja, aquelas jurisdições nas quais re-
ferido contrato internacional produ-
zirá seus efeitos.
Importante notar, no entanto, 
que pelo atual e arrojado entendi-
mento do STJ, a lei aplicável à forma 
do ato “é a lei a que as partes se sub-
meteram ou, na falta dela, à do país 
onde a sentença arbitral foi proferi-
da.” (SEC 3.709/US; DJe: 29/06/2012). 
Assim, como no caso acima, a 
ausência de assinatura da parte bra-
sileira em contrato contendo cláusula 
compromissória não seria um óbice à 
ordem pública, vez que ao participar 
da arbitrageminternacional, ainda 
que de acordo com as regras proces-
suais alienígenas, a parte brasileira 
participou do Compromisso Arbitral 
para reconvir em arbitragem, sendo 
ofensivo ao Princípio da Boa-Fé ne-
gar a validade do procedimento ho-
mologatório.
Arraes Editores em revista - setembro 201214
por George Rodrigo Bandeira Galindo
direito internacional
CIDADES GLOBAIS 
E DIREITO 
INTERNACIONAL
Durante a recente Conferên-
cia das Nações Unidas sobre Desen-
volvimento Sustentável - Rio +20, 
um dado chamou a atenção de alguns 
observadores e de grande parte da 
imprensa. Paralelamente ao evento, 
o grupo C40 (em inglês, C40 Cities 
Climate Leadership Group) reuniu-
-se na chamada Cúpula dos Prefeitos 
para discutir e comprometer dirigen-
tes municipais de diversas partes do 
mundo a reduzir a emissão de gases 
do efeito estufa em um bilhão de to-
neladas até o ano de 2030.
Mais atenção que o dado, 
declarações de membros do grupo 
mostram explicitamente o fortaleci-
mento de um processo que já há al-
guns anos vem se desenrolando: o da 
concorrência entre cidades e Estados 
como centros de poder na tomada de 
importantes decisões políticas. Na 
ocasião, o atual presidente do grupo, 
o prefeito de Nova Iorque, Michael 
Bloomberg lembrou a liderança das 
cidades no processo de redução dos 
gases: “O encontro de hoje é mais 
uma prova de que as cidades continu-
am liderando ações que apresentam 
resultados tangíveis”.1 Ao ressaltar a 
necessidade de as cidades receberem 
recursos do governo central, Bloom-
berg foi incisivo e direto: “Queremos 
que eles nos deem dinheiro, mas não 
queremos que deem opinião sobre o 
que fazemos”.2 Por sua vez, o prefeito 
do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, fez 
questão de evidenciar o poder políti-
co das cidades: “As ações locais têm 
impacto muito grande no cotidiano 
do planeta. Mobilizados, os muni-
cípios têm um grande poder para 
trazer visibilidade e importância à 
questão ambiental”.3 Paes também fa-
lou criticamente sobre o processo de 
negociação da Rio+20, recorrendo à 
ideia de “agilidade”: “são 200 pessoas 
discutindo cada vírgula de um gran-
de documento. Sinceramente, como 
prefeito, eu não gostaria de participar 
dessa discussão. Quando se governa 
uma cidade com milhões de pessoas, 
é preciso ter agilidade”.4
As cidades têm sido um im-
portante objeto de investigação das 
ciências sociais. A renomada soci-
óloga, Saskia Sassen, por exemplo, 
ganhou notoriedade por cunhar o 
termo “cidades globais”. Para ela, a 
combinação de “dispersão social e 
integração global” abriu um novo 
papel estratégico para as grandes 
cidades. A economia global passa a 
atribuir um papel muito importante 
a algumas cidades não apenas como 
polos de concentração de empresas, 
mas, dentre outros elementos, por 
serem lugares de produção, inclusive 
de inovação.5 Entende-se, assim, por-
que Bloomberg não reconhece nos 
governos centrais uma autoridade 
para dizer às cidades o que fazer, e 
Paes vê na articulação dos prefeitos 
de grandes cidades uma qualidade 
não encontrada na articulação 
realizada entre representantes de 
Estados: a agilidade. Antes esse 
quadro, cabe indagar que resposta 
o Direito Internacional ensaia dar 
para essa mudança significativa de 
estruturação das relações sociais 
globais.
Para um pouco além da pers-
pectiva de Sassen, que se concentra 
no estudo das cidades globais do 
ponto de vista da economia mundial, 
é importante partir de um conceito de 
cidade global com impactos diretos 
também para a esfera jurídica. Nesse 
sentido, o conceito de Jean Bernard 
Auby é suficientemente amplo. Para 
ele, “cidades globais são locais onde 
muito da riqueza e do poder estão 
concentrados, e que estão em posi-
ção de tomar parte em redes globais 
muito influentes e em situação de in-
dependência real, mas limitada, em 
relação aos seus Estados e governos 
nacionais”.6
Certa tradição de pensamen-
to internacionalista nunca deixou de 
atribuir importância a cidades para o 
surgimento e funcionamento de um 
sistema jurídico internacional. Ro-
berto Ago, por exemplo, já na déca-
da de 1970, lembrava que o Direito 
Internacional teria surgido de um 
contexto que poderia ser descrito 
como pluralismo jurídico. As origens 
do sistema estariam propriamente 
não na Paz de Westphalia, mas na 
Arraes Editores em revista - setembro 2012 15
direito internacional
emergência de certas coletividades ter-
ritoriais, como as chamadas cidades-
-Estado italianas.7 Essa tradição, no 
entanto, vê a importância das cidades 
apenas na medida em que elas, ao se-
rem superadas, cederam espaço para 
uma outra entidade disposta a reali-
zar a centralização do poder em um 
território delimitado: o Estado.
Diferentemente da atribuição 
de importância às cidades a partir de 
um modelo evolutivo de sua supera-
ção pelos Estados, o desafio atual é 
compreender como o Direito Inter-
nacional pode (ou deve) regular um 
espaço social em que Estados e cida-
des convivem, muitas vezes conver-
gem em seus interesses, mas também 
competem entre si.
Uma importante estudiosa 
do tema, a jurista holandesa Janne 
Nijman,8 acredita que essa convi-
vência entre Estados e cidades ain-
da durará algum tempo e o Direito 
Internacional necessita oferecer 
canais para ela. Nijman prevê ao 
menos seis tipos de impacto que as 
cidades globais proporcionarão ao 
Direito Internacional.
Serão intensificadas relações 
diretas e institucionalizadas entre Ins-
tituições Internacionais e as cidades. 
Diversos documentos internacionais 
já mencionam a importância das ci-
dades no cenário global. É o caso de 
instrumentos ambientais, como a 
Agenda 21 ou aqueles que lidam com 
problemas cruciais como a ocupação 
urbana – veja-se a Conferência das 
Nações Unidas - Habitat. No futuro, 
cidades poderiam até ocupar o status 
ao menos de observadoras em algu-
mas organizações internacionais.
A implementação e aplica-
ção do Direito Internacional passa-
rá crescentemente pelas cidades. A 
própria decisão do C40 de reduzir a 
emissão de gases poluentes pode ser 
vista como tendência nesse sentido. 
Está-se diante da situação em que, 
dada a relutância ou inépcia dos go-
vernos centrais em se conformarem a 
padrões de proteção ambiental, as ci-
dades passarão a ocupar esse papel, à 
revelia mesmo dos governos centrais. 
Sistemas federativos que pouca ou 
nenhuma importância dão a Estados 
e municípios na conduta das relações 
exteriores – como é o caso do Brasil 
– serão forçados a adaptar a divisão 
de competências para acomodar in-
teresses e mesmo necessidades que 
só podem ser bem identificados e 
supridos na esfera regional ou local.
O Direito Internacional pau-
latinamente se tornará menos for-
mal. A desformalização do Direito 
Internacional, que tem sido objeto 
de inúmeras discussões na discipli-
na atualmente, afeta diretamente as 
cidades. A reunião do C40 ocorreu 
paralelamente à Rio+20 e não impli-
ca um compromisso formal entre as 
cidades. Tais instrumentos se mul-
tiplicam em diversas áreas e a pres-
são para torná-los vinculantes – seja 
direta ou indiretamente – poderá 
crescer quando, por exemplo, cida-
dãos tentarem impor, em tribunais 
internos (ou internacionais) o cum-
primento de tais padrões.
As cidades se tornarão atores 
informais na produção do Direito 
Internacional. De maneira conjunta 
ou isolada, até mesmo instrumentos 
jurídicos formais não ficarão imu-
nes à influência das cidades. Nijman 
dá inclusive o exemplo de iniciati-
vas nesse sentido na Organização 
Mundial da Saúde, que encorajou a 
presença de autoridades locais em 
delegações de Estados para discutir 
temas que dizem 
respeito às cida-
des.
O quinto 
cenário prospectivo 
diz respeito à tendên-
cia do Direito Internacio-
nal de se dirigir diretamente àscidades. Diversas organizações in-
ternacionais vêm delineando pau-
latinamente um conceito de “boa 
governança urbana” que, ao mesmo 
tempo em que ressalta campos de 
atuação para as cidades, estabele-
ce obrigações para elas – ainda que 
não estritamente jurídicas. Isso quer 
dizer que as recentes discussões so-
bre a necessidade de observância de 
princípios como a democracia ou os 
Direitos Humanos como pré-requisi-
to para o reconhecimento de Estados 
não se esgotam nesse locus. Cidades 
também precisam se comprometer 
com certos padrões. Desse desenvol-
vimento, uma nova forma de com-
preender os assuntos internos de um 
Estado (e de uma cidade), com os 
inúmeros conflitos que disso podem 
advir, surgirá.
Por último, Nijman apresenta 
– de maneira um tanto claudicante – 
o cenário da cidade como um sujeito 
de Direito Internacional no futuro. 
Esse seria um coroamento buscado 
pelas cidades diante de seu crescente 
poder em matéria de implementação 
e produção normativa internacional, 
além de participação em instituições 
internacionais. Ainda que tal subjeti-
vidade seja caracterizada como bran-
da (soft), o fato é que o Direito Inter-
nacional do futuro terá de acomodar, 
de algum modo, as cidades.
Além dos cenários apresen-
tados acima, pode-se perceber que a 
emergência das cida-
des porá em destaque 
Arraes Editores em revista - setembro 201216
dois grandes desafios para o Direito 
Internacional.
Primeiramente, o sistema 
jurídico internacional terá de esta-
belecer uma normativa própria de 
responsabilização jurídica para atos 
oriundos do poder local. A correla-
ção existente entre direito e obriga-
ções como elementos para a inserção 
de uma entidade como sujeito de Di-
reito Internacional torna irrelevantes 
uma série de atos que, na prática, são 
de difícil atribuição ao poder central 
– que representa o Estado interna-
cionalmente. O chamado princípio 
da responsabilidade unitária – que 
prescreve que o Estado é um só em 
termos de responsabilidade interna-
cional, independentemente de suas 
divisões internas – produz uma série 
de distorções, pois poucas violações 
em um nível micro são levadas ao 
Direito Internacional para serem re-
solvidas. A visualização das cidades 
no cenário internacional pode per-
mitir que problemas aparentemente 
vistos como meramente locais e de 
pouca importância adquiram uma 
estatura internacional e possam ser 
resolvidos – inclusive juridicamen-
te – pelo Direito Internacional. Para 
isso, é preciso repensar a correlação 
direitos/obrigações, pois ela permite 
às cidades argumentarem que, por 
não possuírem direitos formalmente 
reconhecidos na esfera internacional, 
não podem igualmente ser obrigadas 
nessa esfera.
Em segundo lugar, as normas 
de Direito Internacional deverão le-
var em conta as diferenças materiais 
entre as cidades como uma diferença 
juridicamente relevante. As discre-
pâncias materiais entre as cidades 
talvez sejam mais significativas que 
aquelas existentes entre os Estados. 
O índice “global” concedido a uma 
cidade é passível de numerosas gra-
dações. As alianças ou grupos de ci-
dades são estabelecidas por aquelas 
que possuem uma relevância e poder 
de barganha maiores. Há milhares de 
cidades que não se fazem representar 
em tais entidades mas que sofrem 
consequências concretas por conta 
da urbanização crescente do mundo. 
Em outras palavras, a inserção das 
cidades no Direito Internacional é 
necessária, mas deve acontecer com 
o reconhecimento formal das desi-
gualdades de condições existentes 
entre elas. Ao índice “global”, o índice 
“desigualdade” necessita ser acres-
centado. Tal movimento, inclusive, 
permitirá que o Direito Internacional 
se envolva mais diretamente com te-
mas que tradicionalmente ele tem se 
furtado a tratar, em virtude do recur-
NOTAS
1 Ver http://c40.org/media/press_releases/prefeitos-das-maiores-cidades-do-mundo-anunciam-medidas-para-reduzir-a-
-emissão-de-gases-do-efeito-estufa
2 Ver http://www.valor.com.br/rio20/2720118/questoes-ambientais-devem-ser-discutidas-localmente-dizem-prefeitos
3 Ver http://c40.org/media/press_releases/prefeitos-das-maiores-cidades-do-mundo-anunciam-medidas-para-reduzir-a-
-emissão-de-gases-do-efeito-estufa
4 Ver http://www.valor.com.br/rio20/2720118/questoes-ambientais-devem-ser-discutidas-localmente-dizem-prefeitos
5 SASSEN, Saskia. The Global City. 2nd ed. Princeton: Princeton University Press, 2001, p. 3-13.
6 AUBY, Jean- Bernard. Mega-Cities, Glocalisation and the Law of the Future. In: MULLER, Sam eta al (ed.). The Law of 
the Future and the Future of Law. Oslo: Torkel Opsahl Academic EPublisher, 2011, p. 205.
7 Ver AGO, Roberto. El pluralismo de la comunidad internacional en la época de su nacimiento. In: Estudios de Derecho 
Internacional, Homenaje al profesor Miaja de la Muela. Tomo I. Madrid: Tecnos, 1979, p. 71-97.
8 Ver NIJMAN, Janne. The Future of the City and the International Law of the Future. In: MULLER, Sam eta al (ed.). The 
Law of the Future and the Future of Law. Oslo: Torkel Opsahl Academic EPublisher, 2011, p. 213-229. Este artigo traz 
vários exemplos concretos de atuação das cidades no plano internacional.
direito internacional
George Rodrigo Bandeira 
Galindo
Professor e Vice-Diretor da 
Faculdade de Direito, UnB
so a critérios excessivamente formais 
(como os elementos que compõem o 
Estado ou o domínio reservado).
A realização da Rio+20 e o 
evento paralelo da C-40 mostram 
que um palco novo e cada vez mais 
amplo se abre aos internacionalistas. 
Cabe a estes utilizar esse novo palco 
para montar uma peça mais compro-
metida com valores muito básicos, 
mas que constantemente perdemos 
de vista, como igualdade e justiça.
Arraes Editores em revista - setembro 2012 17
por Jorge Fontoura
OS DILEMAS DA 
DIPLOMACIA 
CLIMÁTICA
A inserção de temas ecologi-
camente corretos e de tutela do meio 
ambiente ganhou espaço definitivo 
na grande agenda internacional. De 
forma curiosa, não foram temores 
procedentes de catástrofes nucle-
ares que precipitaram o advento 
da defesa do meio ambiente como 
tema de primeira grandeza, dentre 
as tendências e prioridades da polí-
tica internacional. Com efeito, o es-
pectro a enfrentar era a certeza da 
mútua destruição assegurada, o in-
sano plano MAD – de mutual assured 
destruction, mas também “mad” em 
seu outro sentido, “louco”, na pers-
pectiva do holocausto nuclear que 
se desenhava com a terceira guer-
ra mundial: devido a possibilidade 
de incontáveis revides atômicos, 
da capacity of second strike, o país 
destruído destruiria seu destruidor. 
Com isso, já no limiar dos anos de 
1950, arsenais nucleares disponí-
veis eram aptos a destruir a terra 
por dezenas de vezes.
Se o desarmamento e a dis-
suasão nuclear foram os apelos ex-
celentes do segundo pós-guerra, a 
grande demanda do pós-guerra fria 
projeta-se para o tratamento e para 
o enfrentamento jurídico do aque-
cimento global e das consequências 
funestas do efeito estufa. Trata-se 
de inconteste zeitgeist daquele mo-
mento histórico, a envolver países 
desenvolvidos e em desenvolvi-
mento, agrícolas e industrializados, 
periféricos e emergentes, hegemô-
nicos ou não. A necessidade da 
governança internacional do meio 
ambiente tornou-se, no giro de 
poucas décadas, em apelo abran-
gente e inadiável, de plena inser-
ção na pauta multilateral. Afinal, o 
meio ambiente não usa passaporte. 
E de fato, quando se pergunta qual 
o futuro do planeta, a indagação pa-
rece abstrair questões como grau de 
desenvolvimento, ideologia, políti-
ca ou economia.
Nesse quadro, o Brasil tem 
sido ator dos mais participativos, e ao 
mesmo tempo polêmico, tanto como 
gerador contumaz de problemas, 
quanto como formulador eficiente 
de soluções. Com isso, a diplomacia 
Arraes Editores em revista- setembro 201218
brasileira tem-se debruçado com re-
novado interesse em relação ao tema, 
em crise de identidade a contemplar 
constantes idas e vindas do banco dos 
réus para o púlpito solene da acusa-
ção. O poder simbológico da escolha 
do Rio de Janeiro, desde os primei-
ros anos de 1990, para substituir 
Kyoto e as capitais nórdicas como 
lócus emblemáticos de negociações 
ambientalistas, em prol de entente 
universal, desde logo demonstra o 
protagonismo e o ativismo exitoso 
das postulações brasileiras. Em de-
zembro de 2009, em Copenhague, 
em uma Dinamarca exultante pelo 
seu então recente ingresso na União 
Europeia, 45 mil pessoas e 125 chefes 
de estados e de governos se debruça-
ram de forma inconcludente sobre o 
A inserção de temas 
ecologicamente corretos e 
de tutela do meio ambiente 
ganhou espaço definitivo na 
grande agenda internacional.
“
”
Copenhague foi desde logo sig-
no de frustração, na impossibilidade 
de permitir a geração de obrigações 
internacionais gerais e abrangen-
tes, as únicas formas satisfatórias de 
fazer-se face aos dilemas ambientais 
de maneira consequente. Desafortu-
nadamente, na fórmula que se vem 
repetindo à exaustão, até os resul-
tados verificados na recente cúpula 
climática denominada Rio+20, os 
países grandes recusaram-se a pa-
gar a conta. Dentre outras razões, 
porque adstritos a rationale do po-
der e do realismo político, renun-
ciaram as suas responsabilidades 
como inveterados países poluidores. 
Já os pequenos, porque pequenos, 
deixaram de fazê-lo por não poder. 
Quando da reunião da Dinamarca, 
Enquanto a Europa vai en-
sinando paulatinamente ao mundo 
que a política não pode ser sempre 
refém da economia, no reposicio-
namento acerca do projeto suicida 
de salvar o euro a qualquer preço, 
ainda que a custa de bem-estar das 
pessoas, as fantasmagorias do aque-
cimento global continuam a pairar, 
agravadas pelos interesses econô-
micos que aprisionam a política e, 
por consequência, a diplomacia. 
Como negociadores e justificadores 
da insensatez inevitável, burocratas 
e diplomatas constroem o discurso 
da postergação, na árdua tarefa de 
elaborar comunicados conjuntos 
que nada dizem. Comunicados no 
mais das vezes versados em lingua-
gem evasiva de soft low, ou de ley 
blanda, apenas exortatória e pouco 
ou nada mandamental. Pelos impe-
rativos da razão e contra a insub-
missão de mandatários mesmerizados 
pelo calendário eleitoral e pelo pejo 
imediatista de manutenção do po-
der a qualquer preço, há urgência 
na reversão de posições de cautela 
e de inação dos principais líderes 
mundiais em face da urgência da 
governança ambiental global. Isso 
para que se possa avançar no inadi-
ável clamor da sociedade civil para a 
construção de regime eficiente, com 
governança, prevenção e precaução. 
Em face do ululante sinal vermelho 
ambiental, não há mais tempo histó-
rico disponível para tergiversações e 
dissimulações mascaradas por dis-
cursos pretensamente favoráveis ao 
meio ambiente, porém desprovidos 
de ações de Estado. Ações condu-
centes a acervo de obrigações jurí-
dicas multilaterais, voluntariamente 
assumidas pelos países. Embora os 
tempos e contratempos da política 
externa tenham sempre seus misté-
rios, a par das diplomacias presiden-
ciais em off, nem sempre alinhadas 
com as posições das chancelarias 
e das delegações negociadoras, a 
uniformização dos discursos, bem 
como a clara definição das responsa-
bilidades por avanços e por eventu-
leito preocupante de um planeta en-
fermo. O desafio era o de definir um 
regime minimamente aceitável para 
o enfrentamento e a prevenção do 
agravamento dos efeitos deletérios do 
efeito estufa, do aquecimento global 
e das inelutáveis mudanças climáticas 
que já se faziam sentir em todos os 
quadrantes. Com menos audiência 
e com menos interesse e compro-
metimento político, as negociações 
conducentes ao Protocolo de Kyoto, 
em 1997, já haviam fracassado, sem a 
adoção de medidas efetivas no senti-
do de diminuir de forma conseqüen-
te a emissão de gases de promotores 
do efeito estufa. 
foi ainda nebuloso acordo em petit 
comitê, celebrado a portas fechadas 
pelos países majoritariamente do 
G20, o que impediu entendimento 
abrangente e suficiente a configurar 
os primeiros passos para o enfrenta-
mento global da maior e mais grave 
das virtuais ameaças climáticas, qual 
seja o efeito estufa e o consectário 
aquecimento do planeta. Como re-
sultado da ausência de decisões con-
cretas a urgentes, todas as esperan-
ças se voltaram para a conferência 
do Rio de Janeiro recém concluída, 
com expectativas que eram despro-
porcionais à efetiva disponibilidade 
e engajamento ambiental dos países.
diplomacia climática
Arraes Editores em revista - setembro 2012 19
diplomacia climática
particular, de mais um fracasso no 
esforço multilateral para a constru-
ção de uma rationale que abstraia os 
limites políticos das fronteiras entre 
Estados soberanos, contra o aqueci-
mento global, a enfrentar as notórias 
e notáveis alterações climáticas que 
já vem golpeando os mais diversos 
continentes. Longe, porém, de ser 
fracasso minimamente atribuível ao 
Brasil, parece cediço afirmar que o 
anfitrião tem responsabilidades li-
mitadas acerca da conduta dos con-
vidados. Ademais, incumbe agora 
à diplomacia brasileira saber lidar 
com os fragmentos de uma intenção 
que se revelou frustrada, na visão 
panglossiana de que seria possível 
avançar na Rio+20, com decisões 
efetivas e que implicasse investi-
mentos internacionais importantes 
no preservacionismo, a despeito do 
momento de crise generalizada que 
ais fracassos devem ficar claramente 
demarcadas. 
Após o término da fastidiosa 
conferência Rio+20, com seu melan-
cólico comunicado final, é inelutável 
a constatação de que a realidade é 
atroz e não comporta otimismo. A 
percepção de ser o documento final 
parcialmente exitoso, apenas por 
fazer referência a compromissos so-
ciais que devem acompanhar o de-
senvolvimento, como o combate à 
pobreza e às desigualdades sociais, 
dando-lhe feição de documento 
internacional pós-neoliberal, não 
pode por si só caracterizar vitória da 
diplomacia climática. Bem ao con-
trário, corresponde a arroubo retóri-
co, com a evasiva suposição servindo 
apenas para acusar o golpe de mais 
um rotundo fracasso na tentativa da 
construção da governa internacio-
nal da tutela do meio ambiente. Em 
atinge mesmo às economias dos pa-
íses desenvolvidos, de forma a não 
contaminar a imagem brasileira com 
o inelutável fracasso da conferência 
global. Foi o mundo que perdeu, e 
não apenas o Brasil. Bem a propósi-
to, vale sempre a afirmação de exor-
tação de François Ewald, para quem 
o direito do meio ambiente deve ser 
de interdependência, de indispen-
sável solidariedade, no qual, para 
evocar uma das definitivas máximas 
sartrianas, colhidas nas falas pun-
gentes de suas memoráveis persona-
gens, “a ninguém é possível salvar-se 
só”. Não só nos meandros angustian-
tes do existencialismo, mas ainda na 
preservação do planeta. 
Arraes Editores em revista - setembro 201220
sustentabilidade
O estudo do ambiente ganhou amplitude mundial passan-
do a ser devidamente reconhecido a partir do momento em 
que a degradação ambiental atingiu índices alarmantes e 
verificou-se que a preservação de um ambiente sadio está 
intimamente ligada à preservação da própria espécie 
humana.
A emergência de múltiplos problemas am-
bientais propicia graves prejuízos para o desenvol-
vimento do indivíduo, devendo ser coordenados 
esforços em prol da criação de uma verdadeira 
cultura de preservação do ambiente. 
Além disso, a necessidade de se estabe-
lecer um sistema protetivo internacional do 
ambiente decorre do fato deste ter natureza 
transnacional, isto é, certos

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