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A concepção winnicottiana sobre a agressividade

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A concepção winnicottiana sobre a agressividade
Para Winnicott (1939) a agressividade faz parte do ser humano, é inata, ou seja, irremediavelmente inerente à natureza humana, se integra à condição do ser humano de “estar vivo”. Para este autor, ainda que inserida como uma “potencialidade”, a agressividade só virá a se desenvolver, tornando-se parte do indivíduo, se este puder experienciar esta agressividade, expressa no começo da vida enquanto motilidade (competência para se mover; locomoção) e apetite, ou seja, enquanto movimento para vida. 
Aqui novamente destaca-se o papel do ambiente, pois dependendo da forma como os cuidados oferecidos pela “mãe-ambiente” são recebidos pelo bebê, isto é a forma como estes cuidados vão preenchendo as necessidades do lactente, numa íntima sintonia que complementa as expressões livres do bebê, abre-se o caminho à integração destas expressões, tão primitivas de motilidade e apetite, à personalidade, pois estas passam a integrar-se à personalidade total do indivíduo, e simultaneamente, é acionada a capacidade do indivíduo para relacionar-se com os outros e com o mundo. 
Quando esta integração não se torna possível, em função de a mãe não estabelecer a fusão com seu bebê, o caminho desta agressividade será outro, ou seja, a mãe não fusionada não atenderá as necessidades mediatas e imediatas, por não identificá-las, nem complementá-las, e por fim, não permitirá ao bebê a vivência da ilusão, por falta de holding materno (suporte, cuidado). Assim, esta potencialidade – agressividade – não será integrada à personalidade total, tendo para isso os seguintes destinos: ser escondida pela via da timidez e/ou autocontrole; ser cindida do próprio indivíduo; ser expressa como comportamento antissocial (expressos em violência e compulsão à destruição).
Isto significa que o pressuposto básico de Winnicott, que qualquer potencialidade do indivíduo só se efetiva se for vivida, experienciada, também é válido no desenvolvimento da agressividade, por isso para este autor a timidez, o retraimento, a omissão são agressivos tanto quanto as expressões abertas de agressividade. 
Considerando o desenvolvimento, Winnicott divide três formas de manifestação da agressividade:-
Inicial: Pré-integração / Propósito sem piedade
Intermediária: Integração / Propósito com piedade / Culpa
Personalidade Total: Relações interpessoais / Situações triangulares, etc... / Conflitos, conscientes e inconscientes.
 
Inicial ou Pré-concernimento
No início do desenvolvimento, nos estágios iniciais ou fase do pré-concernimento, o lactente existe como pessoa e tem propósitos, mas não tem concernimento daquilo que provoca. Nesta etapa do desenvolvimento o bebê impelido à motilidade de seu corpo, expressos pela necessidade de movimentar-se e alimentar-se, não tem uma intenção de agredir/destruir, mas sim, por em ação sua vitalidade, sua impulsividade, sua espontaneidade, por isso não se pode falar de agressividade nesta fase. 
Winnicott denomina este bebê como “incompadecido”, ou seja, um bebê cuja impossibilidade de reconhecer a noção dos afetos – amor e/ou ódio, já que estes afetos serão conquistados pelo amadurecimento, de forma que tais afetos não estão envolvidos, ainda, na expressão da agressividade. Nesta fase do desenvolvimento agressividade em nada se relaciona com amor ou ódio. 
Intermediária ou Concernimento
Nesta etapa, se tudo correu bem, o indivíduo se constituiu como um EU, ou seja, ocorreu a integração do ego, de forma que o latente já pode perceber a personalidade da figura materna, separado de si mesmo, conferindo-lhe o desenvolvimento do sentimento de concernimento diante dos resultados das experiências instintivas, físicas e ideativas desferidos à mãe, pois este estágio de concernimento traz consigo a capacidade de sentir culpa.
Cabe aqui destacar a raiva que deriva da frustração, impossível de ser evitada nas experiências. 
Crescimento do mundo interno
Neste estágio o desenvolvimento do lactente torna-se mais complicado, pois por um lado a criança preocupa-se com seus impulsos sobre a mãe, bem como vivenciar suas experiências em seu próprio eu, já que por um lado a satisfação do impulso faz o bebê sentir-se bem, sustentando sua confiança em si e esperança na vida, por outro lado terá que reconhecer os seus ataques de cólera, que a faz sentir-se repleta de coisas ruins, malignas ou persecutórias, que podem criar uma ameaça interna à si próprio. Este momento dá início à tarefa de administrar o mundo interno, tarefa que perdurará para toda vida.
Na saúde, a criança dirige seu interesse à realidade externa e ao mundo interno, mas também constrói pontes entre um e outro mundo, pelos sonhos, brincadeiras, etc..., já na doença, a criança realinha o que é bom no mundo interno e projeta no externo o que ruim, passando a viver no mundo interno tornando-se patologicamente introvertida. Quando restabelece-se da introversão patológica, sua relação com o mundo externo permanece cheia de elementos persecutórios, o que a torna agressiva, e a depender da forma inadequada de quem lhe cuida a criança passa a assumir uma postura introvertida. 
Tendência Antissocial 
Winnicott (1956) afirma que a tendência antissocial não é um diagnóstico, pode ser encontrada em indivíduos normais, neuróticos e psicóticos e em todas as idades. 
A criança passa pela perda de algum aspecto essencial da sua vida em família, isto é torna-se de-privada. A criança que manifesta tal tendência pode ser considerada desajustada, seguindo uma escala de delinquência, e na falha dos meios corretivos pode-se chegar a psicopatia.
O autor destaca que tal tendência caracteriza-se por “um elemento que compele o ambiente a tornar-se importante” (WINNICOTT, 1956, p. 409). Os impulsos inconscientes obrigam o ambiente a cuidar do indivíduo antissocial, pois esta tendência implica em esperança do indivíduo. 
Nesta perspectiva, o tratamento de crianças com esta tendência deve ser compreendido como um pedido de socorro da criança de-privada. Assim, o autor explica que o tratamento da tendência antissocial não é a psicanálise, mas o fornecimento de um ambiente que cuida, no qual o tratamento necessita do seu manejo, no qual o analista deve ir de encontro ao momento de esperança da criança de-privada, correspondendo a esta esperança. 
O período de de-privação ocorre entre o final da primeira infância e a época em que a criança começa a andar (entre 1 e 2 anos). A ocorrência da de-privação é proveniente da perda de algo bom, de caráter positivo, da experiência da criança até um dado momento de sua vida. Esta perda se dá num período maior do que a criança consegue manter viva a memória da experiência. 
 
“A definição abrangente de de-privação incluiria tanto a situação tardia quanto a anterior, tanto o trauma específico quanto a situação traumática que se prolonga no tempo, e também simultaneamente a condição quase normal e a claramente anormal.” (WINNICOTT, 1956; p. 410).   
 
Há duas vertentes da tendência antissocial – o roubo e a destrutividade. No roubo, a criança procura algo em algum lugar e, diante do fracasso, busca em outro lugar, movido pela esperança. Na outra vertente, a criança busca a estabilidade ambiental que precisa para suportar a demanda do comportamento impulsivo. O que a criança busca no objeto roubado, não é o objeto em si, mas a mãe sobre a qual a criança sente que tem direitos, isto em decorrência de que a criança, sob sua perspectiva, entende que a mãe foi criada por ela.
A união das duas vertentes – roubar e destruir – representa uma tendência a autocura, a cura da des-fusão dos instintos, pois na época da de-privação havia certo grau de fusão da raiz agressiva (motilidade) com a raiz libidinal. 
A tendência antissocial se manifesta pelo roubo, mentira, incontinência e desordem generalizada, independente do sintoma, e denominador comum é o caráter perturbador do sintoma, que nada tem de casual, parte da motivação é inconsciente, mas não toda ela.

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