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Rafael Venâncio de Souza ➢ Sepse e Choque Séptico 1. Introdução - a sepse apresentou um avanço significativo no número de casos nos últimos anos, com mortalidade variável entre 28-50% - é a maior causa de óbito em UTIs não-cardiológicas nos EUA - diferentemente dos casos de AVC e de IAM, os quais sofreram redução na mortalidade nos últimos anos, não houve alteração na mortalidade, visto que o reconhecimento precoce ainda é um desafio, uma vez que os sinais iniciais são sutis e inespecíficos, e esse reconhecimento precoce é FUNDAMENTAL para a redução da mortalidade nos casos de sepse e choque séptico 2. Consenso da Definição de Sepse e Choque Séptico – Sepsis-3 - as definições de sepse e choque séptico foram revisadas pela última vez em 2001, porém avanços consideráveis foram feitos na patobiologia (alterações das funções orgânicas, morfologia, biologia celular, bioquímica, imunologia e circulação), manejo e epidemiologia da sepse, levando à necessidade de revisão conceitual - as definições iniciais, de 1991, focaram na visão prevalente de que a sepse resultava de uma síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) do hospedeiro diante da infecção, e o conceito de sepse era infecção com pelo menos 2 dos 4 critérios de SRIS - todavia foi-se verificada uma baixa especificidade e sensibilidade dos critérios de SRIS para sepse, visto que mudanças no leucograma, temperatura e frequência respiratória refletem apenas um estado inflamatório, sendo uma resposta do hospedeiro ao “perigo” em forma de INFECÇÃO e outros insultos - dessa forma, foi-se definido SEPSE como uma “disfunção orgânica ameaçadora de vida, causada pela resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção” – assim, o termo “sepse grave” (sepse complicada com disfunção orgânica) se tornou redundante, uma vez que a sepse por si só requer grandes níveis de monitorização e intervenção, incluindo a possibilidade de admissão em Unidade de Terapia Intensiva - o CHOQUE SÉPTICO é um subtipo de sepse, no qual anormalidades metabólicas e circulatórias adjacentes aumentam a mortalidade do paciente - pacientes com CHOQUE SÉPTICO podem ser identificados clinicamente com “sepse, hipotensão persistente, necessitando de vasopressores para manter PAM ≥ 65mmHg, e com lactato ≥ 18mg/dL, apesar de ressuscitação volêmica adequada” - o que diferencia SEPSE de INFECÇÃO é a resposta desregulada e aberrante do hospedeiro e a presença de disfunção orgânica 3. Fisiopatologia da Sepse e Choque Séptico Rafael Venâncio de Souza 4. Critérios Clínicos para Identificação de Disfunção Orgânica na Sepse → Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) - é o escore predominante em uso para a avaliação da gravidade da disfunção orgânica e, quanto maior o escore, maior é a probabilidade de mortalidade - apesar disso, não é um escore prático, pois envolve parâmetros laboratoriais como plaquetas, creatinina, bilirrubinas e PaO2 - o escore varia de 0 a 4, e uma pontuação igual ou superior a 2 representa disfunção orgânica causada por uma infecção – um escore SOFA ≥ 2 reflete um risco de mortalidade de aproximadamente 10%, maior que o índice de mortalidade de pacientes com IAMCSST (8,1%) OBS: ESSE CRITÉRIO DEVE SER APLICADO EM PACIENTES COM SUSPEITA DE INFECÇÃO → quick SOFA (qSOFA) - escore utilizado em situações de pacientes fora do hospital, no departamento de emergência ou em enfermarias no hospital, considerado um “bedside clinical score” - pacientes com suspeita de infecção e que provavelmente necessitarão de internação prolongada em UTI ou que podem morrer no hospital podem ser identificados na beira do leito a partir da análise de 3 critérios: ① alteração do estado mental – de acordo com o Sepsis-3, essa alteração é representada por ECG < 15 ② PAS ≤ 100mmHg ③ FR ≥ 22/min - apesar do qSOFA ser menos robusto que o SOFA, não necessita de resultados de exames laboratoriais e pode ser avaliado rapidamente e várias vezes - importante ressaltar que a ocorrência de febre, neutrofilia, PCR elevada, alterações radiológicas e no EAS continuam sendo úteis para o diagnóstico de INFECÇÃO Rafael Venâncio de Souza • SURVIVING SEPSIS CAMPAIGN 2021 - uma variedade de ferramentas clínicas são usadas para o rastreamento de sepse, como critérios de SRIS, sinais vitais, sinais de infecção, SOFA, qSOFA, NEWS (National Early Warning Score) e MEWS (Modified Early Warning Escore) - estudos mostraram que o qSOFA é mais específico, porém menos sensível do que o preenchimento dos critérios de SRIS para a identificação de disfunção orgânica induzida por infecção - nem o qSOFA nem os critérios de SRIS são ferramentas de rastreio ideais para sepse e o examinador necessita de entender as limitações de cada Rafael Venâncio de Souza → National Early Warning Score (NEWS) - o Escore para Alerta Precoce (EPAP) é uma ferramenta que vem sendo utilizada para o reconhecimento precoce da deterioração dos pacientes, utilizando parâmetros fisiológicos para obtenção de uma pontuação Rafael Venâncio de Souza - o escore será definido pela soma das pontuações atingidas e, quanto maior a pontuação atingida nos parâmetros fisiológicos, maior será a pontuação alcançada no escore - de acordo com a pontuação encontrada, duas ações são disparadas: ① definição da frequência dos controles dos sinais vitais adequada a criticidade do caso ② comunicação aos profissionais envolvidos no atendimento do paciente para avaliação e definição de conduta Rafael Venâncio de Souza 5. Implementação dos “Bundles” (Pacotes) - tais “bundles” são um conjunto de medidas que, quando implementadas em associação, podem alterar um determinado desfecho - os pacotes têm sido o pilar da melhoria no tratamento da sepse desde 2005 - a mudança mais importante na revisão dos pacotes da SSC é que os pacotes de 3 e de 6 horas foram combinados em um único pacote de 1 hora, com a intenção de começar o manejo e a ressuscitação volêmica IMEDIATAMENTE Rafael Venâncio de Souza 6. Protocolo de Atendimento Rafael Venâncio de Souza - no fluxograma abaixo de 2001 acerca da terapia precoce na sepse e choque séptico, mostra-se a necessidade da medida da pressão venosa central (PVC) para determinar a administração de fluidos - entretanto, uma atualização do SSC evidenciou, a partir de 3 estudos, que não há superioridade no uso de cateter venoso central para monitorar a PVC e a saturação venosa central de oxigênio (ScvO2) nos pacientes com choque séptico que receberam antibióticos e ressuscitação volêmica - o que melhora o desfecho do paciente é RESSUSCITAÇÃO VOLÊMICA, ANTIBIOTICOTERAPIA E ESTABILIZAÇÃO HEMODINÂMICA Rafael Venâncio de Souza Rafael Venâncio de Souza → Suporte Hemodinâmico • CRISTALOIDES - são recomendados como a primeira linha na ressuscitação volêmica - deve ser administrado 30mL/kg IV na fase inicial – irá prescrever 2000mL de cristaloide para o paciente (p.ex. o SF 0,9% é de 1000mL, logo tem que prescrever SF de 1000mL e orientar a fazer duas vezes) - é sugerido o uso de soluções balanceadas (com restrição de cloreto) ao invés da solução salina (NaCl 0,9%), uma vez que esta pode causar acidose metabólica hiperclorêmica, vasoconstrição renal e IRA - são baratos e amplamente disponíveis • ALBUMINA - é sugerido o uso de albumina quando quantidades elevadas de cristaloides são necessárias – 1mL de albumina expande 5mL - apresenta alto custo, um dos motivos que que levou à recomendação de cristaloides como primeira linha na ressuscitação volêmica inicial • VASOPRESSORES - pacientes com choque séptico e que necessitam de uso de vasopressores tem um alvo de PAM de 65mmHg – não tem vantagens buscar por uma PAM maior que isso - a PAM refletea pressão média de enchimento sistêmico, logo, uma PAM baixa (em torno de 60mmHg) está associada com uma diminuição da perfusão orgânica - NORADRENALINA: causa vasoconstrição, com mínimo efeito na frequência cardíaca; é recomendada como o agente de primeira linha no choque séptico - VASOPRESSINA: é um vasopressor não catecolaminérgico (vasoconstrição por ativação dos receptores V1); é utilizada ASSOCIADA a norepinefrina e é iniciada quando a dose de norepinefrina administrada é de 0,25-0,5 μg/kg/min - DOPAMINA: é um fármaco cujas ações são dose-dependente; em altas doses, causa vasoconstrição, além de ser benéfica em pacientes com bradicardia • INOTRÓPICOS - DOBUTAMINA: fármaco inotrópico positivo utilizado em pacientes com disfunção miocárdica (baixo DC), sendo utilizado em pacientes com hipoperfusão persistente, após a ressuscitação volêmica adequada, além de ser vasodilatadora periférica (pode causar hipotensão) → Corticoterapia - é sugerido o uso de corticosteroides IV em pacientes com choque séptico e necessidade de drogas vasoativas - geralmente utiliza-se hidrocortisona IV 200mg/dia (50mg de 6/6h ou em infusão contínua) Rafael Venâncio de Souza → Antibioticoterapia - deve ser realizada em até 1 hora do diagnóstico de sepse e choque séptico – a administração precoce de antibióticos apropriados é uma das intervenções mais eficazes para reduzir a mortalidade nesses pacientes - deve-se utilizar antibióticos que cobrem MRSA naqueles pacientes com alto risco de infecção por essa bactéria (história prévia de infecção por MRSA, uso recente de antibióticos IV, história de infecções de pele recorrentes ou feridas crônicas, presença de dispositivos invasivos, hemodiálise e admissão hospitalar) - deve-se fazer uma reavaliação diária das condições clínicas e resultado de cultura e antibiograma do paciente a fim de investigar a necessidade de descalonamento da medicação - além da antibioticoterapia, deve-se realizar um controle apropriado do foco infeccioso (os principais focos infecciosos são abscessos intra-abdominais, perfuração gastrointestinal, isquemia intestinal, volvo intestinal, colangite, colecistite, pielonefrite associada à obstrução ou abscesso, tecido com necrose infectado, empiema, artrite séptica e dispositivos invasivos infectados), sendo um princípio-chave no manejo da sepse e do choque séptico - no caso de foco fechado, a abordagem desse foco deve ser realizada em até 12 horas, devendo escolher a opção de abordagem menos traumática, se possível (p.ex. por via percutânea) - a duração da terapia é em média de 7-10 dias, exceto em casos de resposta clínica lenta, foco não abordado, bacteremia por S. aureus, infecções fúngicas e virais, e imunodeficiências Rafael Venâncio de Souza → Medidas Terapêuticas Adicionais • TRANSFUSÃO DE HEMÁCIAS - realizada quando Hb < 7,0mg/dL, visando manter Hb entre 7,0-9,0mg/dL - deve ser levada em conta também em situações extenuantes como isquemia miocárdica aguda, hipoxemia severa e sangramento agudo, mesmo esses pacientes apresentando Hb > 7,0mg/dL • TRANSFUSÃO DE PLAQUETAS PROFILÁTICA: se contagem de plaquetas < 10000/mm³ ou se < 20000/mm³ e risco aumentado de sangramento TERAPÊUTICA: manter ≥ 50000/mm³ se sangramento ativo, cirurgias ou procedimentos invasivos • VENTILAÇÃO PROTETORA NOS PACIENTES COM SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO - volume corrente baixo de 6mL/kg - pressão de platô ≤ 30 cmH2O - posição prona por mais de 12h/dia em pacientes com relação PaO2/FiO2 < 200 (no slide do professor está < 100, porém na SSC 2021 está < 200) • HIDRATAÇÃO - hidratação mais cautelosa em pacientes com SDRA e que já não tenham mais hipoperfusão • SEDAÇÃO - pode ser contínua ou intermitente, sendo implementada no tempo mínimo possível - bloqueadores musculares devem ser evitados em pacientes SEM SDRA – nos pacientes com SDRA moderada-grave, é sugerido o uso intermitente de bloqueadores neuromusculares em bólus, ao invés do uso em infusão contínua • CONTROLE GLICÊMICO - deve-se iniciar insulinoterapia nos pacientes com glicemia ≥ 180mg/dL e, após o início da terapia, o alvo glicêmico é de 144-180mg/dL • TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL - as terapias contínuas ou intermitentes são equivalentes, porém a terapia contínua é melhor para o manejo do balanço hídrico em pacientes instáveis • USO DE BICABORNATO - não é utilizado em pacientes com acidose láctica com pH ≥ 7,15 • PROFILAXIA DE TROMBOSE VENOSA PROFUNDA - sempre indicada a profilaxia farmacológica (p.ex. heparina de baixo peso molecular) para pacientes com sepse ou choque séptico, exceto se contraindicação - no caso de contraindicação à profilaxia farmacológica, os pacientes podem se beneficiar da profilaxia mecânica • PROFILAXIA DE ÚLCERA DE ESTRESSE - é indicada para os pacientes com fatores de risco para sangramento gastrointestinal, podendo utilizar os IBPs • NUTRIÇÃO - a nutrição enteral, se possível de ser realizada pelo paciente, deve ser iniciada dentro de 48h após o diagnóstico de sepse (manutenção da nutrição dos enterócitos, a fim de evitar translocação bacteriana, devendo ser uma dieta hipocalórica na primeira semana) OBS: está proscrito uso de imunoglobulinas, de PCR ativada e de selênio Rafael Venâncio de Souza 7. Caso Clínico ID: CMP, 82 anos, aposentada, residente em JF QP: “desorientação” HDA: Familiares a trouxeram para consulta, relatando início há 2 dias de confusão mental e prostração. Negam febre. Vem apresentando tosse seca há 4 dias, automedicada com “xarope”. Hoje não aceitou alimentação. HPP: Hipertensa e com “arritmia” – sic – em uso de losartana e atenolol. Demência inicial, independente em casa, faz suas atividades habituais. Nunca fumou nem fez uso de álcool ou drogas. Hfis: constipação intestinal crônica. Hfam: não sabem referir Ao exame: REG, desidratada +/4+, anictérica, acianótica, febril 38,2°C. RCI, FC de 112, PA 120/70. MV+ com crepitações base D, FR de 20. Abdome flácido e indolor. MMII sem edema panturrilhas livres. ECG 11 (AO 3 RV 3 RM 5) - Analisando a paciente pelos qSOFA, a paciente não atende os critérios, porém deve-se lembrar que não é recomendado o uso sozinho do qSOFA para o rastreamento de sepse e choque séptico Exames: Hb 11, Leuco 21000 com 12% bastões, plaquetas 160000. Creatinina 2,1, Bilirrubinas 0,8, Lactato 3mmol/L Gasometria arterial: pH 7,21 pO2 100 pCO2 35 HCO3 16 BE -6 SatO2 de 97% Rx tórax: com consolidação base pulmão D Rafael Venâncio de Souza
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