Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X GLOBAL HISTORY: A FORMAÇÃO DE UMA CORRENTE HISTORIOGRÁFICA, DESDE SUAS RAÍZES ATÉ SUA CONSOLIDAÇÃO Frederick Gomes Alves frederick_ga@hotmail.com Universidade Federal de Goiás Doutorando Bolsista CAPES Resumo: A história global se consolidou como uma corrente historiográfica nos anos 1990, momento no qual ela se institucionalizou nas principais universidades, sobretudo dos EUA, e se expandiu através de congressos e seminários por todo o globo. Embora sua constituição possua raízes imemoriais, é possível traçar um plano em que as principais obras e autores são considerados. Assim, têm-se os trabalhos de Sima-Qian (100 B.C.E); Ibn Khaldun (1377 C.E); Guicciardini (século XVI); Hegel e Burckhardt (século XIX); Spengler, H.G. Wells e Toynbee (século XX). Além destes precursores há o papel fundamental desempenhado por William McNeill na institucionalização do campo, bem como o de Jerry Bentley na consolidação do mesmo, com a organização do Journal of World History. Trata-se de mapear esta corrente e debater seu lugar na ciência da história. Palavras-chave: culturas; profundidade histórica; abrangência histórica. Abstract: The global history consolidated itself as a historiographical current in 1990’s, at which time it has institutionalized in the main universities, especially in USA, and had expanded through conferences and seminars throughout the globe. Although its constitution has ancient roots it is possible to delineate such a plan in which the major works and authors are considered. Thus, we have the works of Sima-Qian (100 B.C.E); Ibn Khaldun (1377 C.E); Guicciardini (sixteenth century); Hegel and Burckhardt (nineteenth century); Spengler, H.G. Wells and Toynbee (twentieth century). Apart from these forerunners there is the central role played by William McNeill in the institutionalization of the field as well as Jerry Bentley in the consolidation of the same, ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X with the organization of the Journal of World History. I try to map this historiographical current and discuss its place in the science of history. Key-words: cultures; historical depth; historical span. A história global é um campo de pesquisa e ensino, ela é um campo da história enquanto saber especializado. Mas até o reconhecimento desta proposição foi necessário muito trabalho envolvendo investigação e coleta de dados, análise de informações, argumentação, revisão e comprovação de hipóteses. Não obstante, o conjunto de práticas que a constituem já era empregado por historiadores desde as primeiras sociedades, ou, melhor dizendo, desde o momento em que o primeiro historiador passou a desempenhar um papel na sociedade no qual estava inserido. Como argumenta Patrick Manning os historiadores são aqueles que coletam conhecimento sobre sua comunidade. Seu ofício consiste em coletar informação e apresentar conhecimento em histórias especificamente adaptadas às suas audiências 1 (MANNING, 2003). Sempre que o historiador escreveu a história de sua comunidade ele buscou registrar o passado conhecido de modo que abrangesse um todo significativo. Seguindo essa lógica, todo historiador, na medida em que buscava dotar o passado de sentido percebia a necessidade de incluir sua comunidade num contexto mais abrangente, chegando por vezes ao contexto mais abrangente possível, inserindo-a na história do mundo (McNeill, 1998). Esta linha de raciocínio é o princípio básico que possibilita aos historiadores globais afirmarem que, embora não consolidada e constituída como está atualmente, a história global sempre existiu (BALACHANDRAN, 2011). Talvez este seja um dos poucos princípios sobre o qual há consenso entre os historiadores globais. Quando se trata de delimitar fases, processos e momentos da historiografia global a pluralidade de posições, e opiniões, ressurge com força total. 1 Uma das atividades da Teoria da história é justamente refletir sobre essas audiências e as funções que a história desempenha nas mesmas. Trata-se do que Michel De Certeau indaga em seu livro A escrita da história, quando pergunta “O que fabrica o historiador quando ‘faz história’? Para quem trabalha? Que produz?” (DE CERTEAU, 2011, p.45). Esta reflexão sobre o uso público da história também foi tema de um debate entre Hayden White e Dirk Moses na principal revista de teoria da história: History and Theory, número 44, de outubro de 2005. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Para McNeill (1998) as formas básicas de escrita da história foram inauguradas pelos historiadores gregos Heródoto e Tucídides: o primeiro através de uma escrita da história abrangente e discursiva, o segundo focando na densidade e precisão analítica. Eles simbolizam assim dois paradigmas: o da abrangência histórica e o da profundidade histórica. Abrangência seria o modo segundo o qual as conexões, empréstimos e difusões entre distintas comunidades constituiriam os principais fatores da mudança histórica; com isso as articulações e relações entre as diversas culturas deveriam ser priorizadas para compreender como as mesmas se modificam através dos tempos. Profundidade já caracterizaria uma percepção de que as mudanças sociais pelas quais toda cultura passa possuiriam causas endógenas às culturas, devendo-se investigar em profundidade seus acontecimentos internos para se chegar a uma real compreensão dos verdadeiros fatores das mudanças. Como afirma McNeill (1998) a profundidade de Tucídides foi mais fácil de imitar do que a abrangência de Heródoto, assim fizeram os historiadores romanos, Lívio e Políbio. Mas o paradigma da abrangência permaneceu ativo e caracterizou as escritas de muitas histórias mundiais. Este paradigma da abrangência, bem como o da profundidade, não deve ser entendido como um critério normativo que controla a escrita da história, eles são antes modos de percepção dos processos históricos, lentes através das quais se enxerga a realidade histórica e os fatores eficientes da mudança social: seja a relação de troca com outras culturas, seja a inovação interna. Para Manning (2003) a história mundial efetivamente surgiu por volta de 1500, com a inserção das Américas, a última região habitada do planeta, nas redes de contatos que já ligavam entre si as demais regiões. Não obstante, antes deste período, surgiram ensaios de histórias mundiais, ainda que estes mundos fossem o mundo chinês ou o mundo muçulmano, por exemplo. Estes ensaios são as primeiras raízes do que na década de 1990 será caracterizado como história global, sobretudo por serem obras que se pautam fundamentalmente na abrangência histórica, isto é, nas conexões interculturais 2 . 2 A grandeza de tais obras consiste no fato de que, mesmo focalizando a abrangência histórica, seus autores não perderam o vigor de uma investigação com profundidade histórica. Articulando os dois princípios eles obtiveram a fórmula do sucesso perene, inaugurando verdadeiras tradições de pensamento histórico. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junhode 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Na China da dinastia Han também surgiu uma tradição de história global com Sima-Qian (100 A.E.C), em seus Registros Históricos o mesmo compilou documentos antigos para construir a história da China, mas acrescentou a essa história registros de regiões distantes, focando nas relações entre ambas. À medida em que se tornava mais experiente, Sima-Qian passou a produzir histórias biográficas das figuras mais proeminentes da Corte de Han, seguindo o paradigma da profundidade, mas desde sempre seu foco foi a elaboração de narrativas com abrangência histórica. Seus textos formaram a base do pensamento histórico chinês, estando presentes em obras de pensadores como Liu Chih-chi (721 E.C) e Ssu-ma Kuang (1096 E.C) (MANNING, 2003) 3 . O mundo muçulmano também produziu muitas obras histórico-mundiais, de autores que inclusive precederam o mais famoso de todos, para não dizer o único, pelo menos dentre os conhecidos pelo ocidente, refiro-me obviamente a Ibn Khaldun. Esta vertente inaugura-se com a dinastia abássida, que ascendeu ao poder em 750 fazendo de Bagdá sua capital. Dentro desta dinastia ocorreu uma verdadeira campanha de tradução de obras de todas as regiões do império para o árabe 4 . Deste momento, dois autores merecem destaque, al-Tabari (923 E.C) e al-Mas’udi (956 E.C), este último pelo seu História dos profetas e reis, uma história mundial em 39 volumes. Na porção ocidental do império islâmico Ibn Khaldun elaborou sua obra Al Muqaddimah, cuja profundidade da análise e riqueza argumentativa a levou a ser constantemente lembrada e retomada por historiadores e filósofos da história 5 . Passando-se este momento, anterior a uma história mundial propriamente dita, chega-se aos autores do pós-1500. Este período é decisivo por caracterizar uma mudança radical na própria estrutura do pensamento. Praticamente nenhum pensador poderia se furtar às mudanças intelectuais que a entrada em cena de um novo continente – a América, com culturas, populações e ritmos sociais absolutamente distintos aos até então encontrados – acarretaram. Esta mudança radical levou a uma reformulação das formas de se colocar a escrita da história mundial. 3 Sobre a tradição do pensamento histórico chinês, com uma abordagem histórico-mundial, conferir: Witold Rodzinski, A History of China, Oxford, 1979 e também Ralph Croizrer, World history in the People’s Republic of China, Journal of World History, 1 (1990), pp. 151-169. 4 Vindo daí, de iniciativas como esta, um volume considerável de obras de autores gregos clássicos, dos quais o ocidente só voltará a saber de sua existência com a reinserção desta cultura clássica no período das cruzadas. 5 Veja-se a esse respeito Christopher Lloyd, As estruturas da história. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Maquiavel, segundo Manning (2003), ao elaborar sua filosofia humanista seguiu o caminho da profundidade histórica, ao considerar decisivo para a compreensão da condição humana tudo o que permeava o universo clássico. A descoberta do continente americano não poderia fornecer absolutamente nenhum dado novo para a questão humanista, o universo humano seria descoberto através da investigação de sua própria história, nenhuma articulação com culturas estrangeiras poderia afetar o curso de seu desenvolvimento. Um outro humanista italiano, Guicciardini, assumira uma postura bem distinta. Para ele, de acordo com Manning, “a descoberta da América trazia possibilidades para grandes mudanças no futuro, mas também solicitava uma reformulação do passado.” (2003, p. 18). A distinção entre profundidade e abrangência históricas leva a uma formulação de posturas distintas no que tange à possibilidade de mudanças na escrita da história mundial quando da inserção de novidades advindas de outras culturas, assim, Maquiavel foi um pensador paroquialista por buscar a universalidade da condição humana na sua civilização, enquanto que Guicciardini foi um pensador cosmopolita por reconhecer que a universalidade da condição humana pode ser buscada também em outras culturas. Paroquialismo e cosmopolitismo são conceitos que caracterizam posturas de um amplo debate no interior da história global: trata-se do debate entre autores acusados de eurocentrismo – uma vez que a civilização na qual a condição humana está dada não é qualquer civilização, mas sim a europeia – e aqueles partidários do relativismo cultural, que incorpora reflexões de diversas culturas para a compreensão do problemática das sociedades humanas e suas mudanças através do tempo (POMPER, 1998). Avançando um pouco no tempo e chegando ao século XIX, o século da história, para muitos, tem-se o trabalho de Georg Friedrich Wilhelm Hegel, na década de 1820, Hegel se valeu de toda sua experiência filosófica e lecionou suas famosas Lições sobre a filosofia da história, compilada depois por alguns de seus alunos e amplamente divulgada como Filosofia da História, título em que foi publicada como livro. Para Hegel, a história do mundo era corporificada no progresso da consciência da liberdade. Os espíritos nacionais eram apenas estações de passagem no caminho para o desenvolvimento do espírito universal humano (MANNING, 2003). Jacob Burckhardt foi um historiador suíço de meados do século XIX, estando suas principais obras publicadas nas décadas de 1960-70. Entre elas destaca-se suas ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Reflexões sobre a história universal. Para ele, a história universal era um modo de escrita da história que visava ao esclarecimento de temas específicos do universo humano, por exemplo: o indivíduo e a história, sobre a sorte e o infortúnio na história, os grandes homens, as relações entre Estado, Religião e Cultura. Mas a análise de tais temas era sempre levada a cabo mediante uma investigação panorâmica que visava à máxima abrangência possível, resultando em uma escrita da história mundial, pois o foco sempre fora o da abrangência e não o da profundidade histórica em uma única cultura (BURCKHARDT, 1961). Esta visão geral, passando por Heródoto, Sima-Qian, Ibn Khaldun entre outros, foi caracterizada por Patrick Manning como sendo a fase da filosofia histórica, isto é, todos estes autores 6 , elaboraram suas histórias desde um ponto de vista filosófico, centrando a escrita na especulação antes da investigação de fontes históricas. O que situa a história global à margem de institucionalização da história como um saber especializado, operada pelos historicismos em suas diversas matizes nacionais 7 . A história global chegará ao século XX com a mesma postura, seus autores permanecerão com a postura básica do cosmopolitismo e por isso mesmo não terão suas práticas reconhecidas por uma ciência histórica de caráter marcadamente nacionalista e, portanto, paroquialista (McNEILL, 1998; MANNING, 2003). A historiografia nacional cresce com a consolidação dos Estados-nacionais em fins do século XIX e se estabelece no começo do século XX. Seus representantes criaram a técnica da narrativa fundadora que busca no passado eventos, processos e personalidades para reafirmar a identidade nacional. A questão que distingue esta fase da anterior é uma maior preocupação com a investigação das fontes, o que não reduzirá o apreço que os autorestêm pela especulação, sobretudo em tentativas de predizerem os caminhos dos acontecimentos 6 A única exceção a ser feita é no que tange aos comentários feitos a respeito de Jacob Burckhardt. Manning não leu diretamente os trabalhos do historiador suíço, confiando apenas em comentários de um terceiro autor Kenneth R. Barlett em seu artigo Burchkardt’s Humanist Miopia: Machiavelli, Guicciardini and the wider World, no qual o autor tenta construir uma imagem de Burckhardt em que este não percebe a devida riqueza, mas também os limites, da historiografia humanista. Este artigo, ironicamente, faz com que seja Manning o autor míope ao não perceber a profunda riqueza da pesquisa histórica de Burckhardt no que tange aos temas que tocam a história global. A própria teoria da cultura de Burckhardt parte do princípio básico de que toda cultura só existe em relação, em articulação com outras, uma defesa clara da abrangência histórica, portanto. 7 Sobre a história desta institucionalização conferir o excelente manual de pesquisa de Júlio Aróstegui, Pesquisa histórica, teoria e método, sobretudo os capítulos iniciais. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X históricos, fazendo de suas histórias mundiais autênticas histórias ecumênicas, isto é, histórias nas quais toda atividade humana está sob um princípio guia, que não raras vezes é associado ao Deus cristão (MAZLISH, 1998). Os três principais autores aqui são, reconhecidamente, Oswald Spengler, Arnold Toynbee e H. G. Wells. As grandes mudanças na virada do século XIX para o século XX – ampliação das comunicações, ondas de migração, avanços imperialistas sobre os continentes africano e asiático, transformações industriais e comerciais, a teoria da relatividade de Einstein, e especialmente os desastres da Primeira Guerra Mundial – levaram a uma transformação profunda na própria estrutura do pensamento, cobrando dos historiadores, profissionais ou por vocação, um balanço sobre a condição humana e uma releitura, e consequente reescrita, da história mundial. Enquanto que nas universidades os historiadores profissionais se resumiam a publicar compêndios sobre a história universal, reeditados de versões do século XIX, haviam aqueles historiadores por vocação que se colocavam intencionalmente contra a história acadêmica, cujos profundos debates não chegavam a uma camada maior da população. Entre os compêndios, destaque para o de William L. Langer, editor do An Encyclopedia of World History, Ancient, Medieval and Modern, Chronologically Arranged, publicada em Boston em 1940 (MANNING, 2003). Spengler escrevera O declínio do Ocidente no ímpeto da Primeira Guerra Mundial. Apesar de não ter nenhuma afiliação institucional, possuía profundo conhecimento das civilizações greco-romanas e de filosofia. Seu livro é uma obra erudita, abrangente e original de muitos temas em história mundial. Ele não produziu sua interpretação de fontes primárias, mas sim através de compêndios enciclopédicos de autores alemães do final do século XIX. Sua tese da existência de uma civilização árabe, distinta da cristã, nos primeiros quinze séculos E.C prova como ele foi capaz de elaborar novas estruturas interpretativas através de materiais compilados por terceiros (MANNING, 2003). Spengler criticava a divisão da história em Antiga, Medieval e Moderna, por impor uma progressão retilínea e simplificada do passado. A noção tácita de progresso implicava um “sistema ptolomaico” da história no qual todo o passado orbitava a Europa moderna. Com isso, Spengler sublinhou seu desdém pelos historiadores ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X profissionais que tratavam o passado como um verme com seus sucessivos segmentos, enquanto que ele via o passado como um conjunto infindável de transformações. Ademais, a prática da história mundial era um exercício em filosofia (MANNING, 2003; MAZLISH, 1998). Contra o sistema ptolomaico ele propôs um “sistema copernicano”, que não admitia posição privilegiada a nenhuma civilização. Além disso, essa postura antecipa a crítica do eurocentrismo levada a cabo na segunda metade do século XX (POMPER, 1998). Ainda sobre esse aspecto, duas raízes de seu pensamento precisam ser expostas: primeiramente Goethe, cuja teoria científica lhe servira de modelo, sobretudo em sua crítica mordaz do modelo newtoniano, que, a despeito de suas críticas, se tornou o modelo dominante nas ciências; em segundo lugar, e Spengler faz questão de deixar isto claro por todo o livro, está Nietzsche, cujo modo de enxergar a cultura ocidental sem cair no otimismo iluminista da razão emancipadora da humanidade fez eco por toda a análise spengleriana do declínio do Ocidente. Seu foco de análise era a dimensão cultural: arquitetura, escultura, literatura – estes eram os sinais da força e qualidade de uma cultura. Aqui, uma vez mais deve-se retornar a Goethe e Nietzsche, para ambos, os artistas são o mais alto reflexo de uma cultura. Outra das originalidades da história mundial de Goethe é a defesa de que o declínio do Ocidente não se devia às políticas dos governantes, mas sim ao amadurecimento e morte natural da cultura (MANNING, 2003). Em contraste com Spengler, e seu sentido fatalista da história, H.G. Wells surgiu com uma visão voluntarista que oferecia uma esperança de um mundo melhor. Wells começou a estudar história em 1911, mas redobrou e redirecionou seus estudos por causa da Guerra (MANNING, 2003). Wells procurou integrar os desenvolvimentos das ciências físicas e biológicas com os da arqueologia, da linguística e da história antiga e moderna. O livro The Outline of History começa assim: “O mundo no qual vivemos é um globo rodopiante.” (WELLS apud MANNING, 2003, p. 39). Esta declaração é emblemática para o posterior desenvolvimento da história global, na medida em que com ela, H. G. Wells já ensaia uma espécie de consciência global na medida em que percebe que determinados processos históricos afetam, e são afetados, por cada região do planeta, e por suas interconexões. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Wells focaliza os acontecimentos políticos e militares, seguindo a abordagem de seus professores, ele analisou a ascensão e queda dos estados mais do que de civilizações inteiras. A riqueza de seu trabalho está em sua originalidade e acessibilidade através de mapas, diagramas e ilustrações. Os diagramas explicam desenvolvimentos contemporâneos em diversas regiões mundiais, e setas indicam suas conexões no tempo e espaço (MANNING, 2003). Apesar da riqueza da obra, a mesma possui um grave defeito: está carregada de preconceitos de sua época, por exemplo, ele não inclui qualquer referência à África: seja quando discute as migrações, as viagens de descoberta, o comércio de escravos ou a colonização europeia. O que agrava a situação é que esta exclusão se deveu a uma escolha deliberada e não a um descuido, Wells teve como maior consultor Sir H. H. Johnston, que passou anos na África como oficial do Império Inglês e escreveu uma série de livros sobre a África e os africanos – por exemplo: A descoberta e colonização da África pelas raças alienígenas (1900) e O negro no Novo Mundo (1910) (MANNING, 2003). Este embasamentoem fontes secundárias coloca Wells, junto com Spengler, no grupo dos historiadores de gabinete, isto é, sem qualquer vinculação institucional ou ligação com a história acadêmica. A despeito destes problemas, Wells produziu uma abordagem visionária do futuro. Ele acreditava que a solução para os problemas que ocasionaram a Primeira Guerra Mundial estava no estabelecimento formal de uma ordem global. Seguindo esta lógica é significativo, no capítulo final de sua obra, de 1920, a presença de um mapa do mundo com o título, nada sugestivo, de “Estados Unidos do Mundo” (MANNING, 2003). Estes dados sugerem que Wells sustenta posturas que estão sendo criticadas por Spengler na mesma época, tais como o otimismo do progresso e o eurocentrismo, embora seja um eurocentrismo reposicionado nos EUA, sendo mais uma espécie de ocidentalismo. Os primeiros 3 volumes de Toynbee saíram em 1933, outros 3 em 1939, mais 4 em 1948 e suplementos em 1961. O título da obra era igualmente simples e abrangente: A Study of History. Toynbee apresentou as sociedades como o campo último dos estudos históricos. Como Spengler, ele rejeitou os limites nacionais por serem relativamente rígidos limites que orientaram os estudos históricos no século XIX. Sua análise centra-se na explicação do nascimento, ascensão e queda das civilizações, elas ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X são tratadas como organismos. (MANNING, 2003; MAZLISH, 1998). Ele concluiu que os padrões de colapso são similares entre todas as civilizações, mas a ascensão é única em cada uma, a ascensão significaria uma resposta bem sucedida aos desafios que ela enfrenta. Toynbee imitou Spengler de muitas formas, mas sua filosofia da história era bem diferente. Enquanto que este rejeitou uma análise positivista, Toynbee se esforçou por fazer uma sociologia da história mundial. Ele focou na fora política das sociedades enquanto que seu predecessor focou as realizações culturais (MANNING, 2003). Sua sociologia da história mundial seria nos moldes da física social de Comte: o objetivo era compreender as relações entre os átomos sociais, isto é, as civilizações. Ele considerou as interações entre civilizações, mas o fez de um modo muito elementar, pois buscou perceber apenas o impacto de uma civilização mais forte numa mais fraca: sobretudo o impacto do Ocidente nas outras civilizações. Deixou assim de teorizar sobre padrões mais complexos de interação. Entretanto, ele introduziu o conceito de oikumene – ecúmeno – significando uma extensa região de contato ligando várias civilizações (MANNING, 2003). Um último aspecto digno de nota foi o que Toynbee caracterizou por ‘contemporaneidade filosófica das civilizações’. Uma ideia relativista portanto. Algo sobre o qual ele passa a refletir sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. A obra de William McNeill intitulada The Rise of the West, de 1963, marcou a culminação das obras de história mundial caracterizadas por grandes sínteses. Ela também serviu para inaugurar uma nova fase dos estudos histórico-mundiais. A partir de William McNeill a história mundial foi formalmente reconhecida como um campo de estudo. O enorme sucesso de sua obra foi o primeiro passo na institucionalização da história mundial (McNEILL, 1998; POMPER, 1998; MAZLISH, 1998; MANNING, 2003). Não obstante, a partir da década de 1960, ao se institucionalizar, a história mundial cessou de produzir grandes sínteses, e a passou a investigar temas específicos. The Rise of the West traduz-se na síntese das outras obras historiográficas mundiais, sobretudo de Spengler – cuja obra A decadência do Ocidente foi contraposta pela Ascenção do Ocidente –, mas também de H. G. Wells e por fim de Toynbee, em especial o desenvolvimento do conceito de ecúmeno. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Os autores deste período, 1960-1990, ocuparam-se antes em pesquisar temas e aspectos específicos do que em elaborar visões gerais do todo da história mundial. Muitos destes autores não são historiadores mas suas pesquisas tocam no campo da história mundial (MANNING, 2003; POMPER, 19980. Esta tendência interdisciplinar vai se intensificar de tal modo que se transformará num imperativo holista com a consolidação do campo a partir de 1990. Para isso basta ver a exigência de interdisciplinaridade de Patrick Manning (2003), de David Christian (2006) e de Bruce Mazlish (1998). Entre as obras temáticas de McNeill as mais significativas foram: 1978 Plagues and Peoples, neste livro o autor buscou explorar a interação entre doenças e civilizações, isto é, a concentração de doenças em regiões densamente povoadas e a vantagem que eles tinham ao encontrar populações menos densas e consequentemente menos resistentes a infestações de doenças. Em 1982 surgiu The Pursuit of Power, que explora a dominação no segundo milênio E.C, trançando as mudanças na tecnologia militar primeiro na China e depois na Europa. Em 1990 surgiu The Age of Gunpowder Empires tratando de uma tecnologia militar mais específica mas numa área geográfica mais abrangente (MANNING, 2003). As promessas e os dilemas da história mundial foram sendo clarificados à medida que o século XX chegava ao fim. Junto a isso, a convulsão global dos movimentos de democratização começou em 1989 e levou milhões a novos níveis de consciência global. A queda do Muro de Berlim simbolizou o fim do Segundo Mundo, a partir daí, falar de Primeiro e Terceiro Mundos perdeu, progressivamente, significado (IGGERS, 2010). Esta quebra de sentido inaugurou um novo estágio da consciência global, esboçada lá atrás por H. G. Wells, por exemplo. Além disso, este é o momento em que, segundo minha hipótese, há uma bifurcação entre história global e história mundial. Antes desse período era difícil determinar os limites de cada uma, a partir de 1990 elas vão passar a caminhar cada vez mais para uma constante diferenciação e autonomização. Ambas, ainda a partir de 1990, tornaram-se objeto social e academicamente significantes. Com a institucionalização do campo, através do sucesso e do alcance das obras de autores que elaboraram investigações temáticas, tratou-se a partir da década de 1990, de organizar e consolidar o campo. Além do aumento de estudos histórico-globais, ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X outro importante dado é que os autores passaram a reconhecer sua identidade de grupo, além de estabelecer instituições que propiciam um suporte mais sólido para a pesquisa e o ensino neste campo (MANNING, 2003). Outro marco da institucionalização e consolidação do campo é a criação do Journal of World History editada por Jerry Bentley na Universidade do Havaí, desde 1990. Somente em 2006, todavia, é que surgiu a Jounal of Global History, editada por William Clarence-Smith, de Londres, Kenneth Pomeranz, de Chicago e Peer Vries, de Viena. Entre as obras desta nova fase estão: 1688: a Global History, 2001, de John E. Wills Jr. Em que o autor retrata o ano de 1688 região por região, sublinhando as conexões, contrastes e similaridades de cada região. O mesmo autor publicou em 2009 outra obra de igual importância, The World from 1450 to 1700, com o mesmo foco mas com um recorte cronológico maior. Jerry Bentley publicou em 1993seu famoso Old World Encounters: Cross- Cultural Contacts in Pre-Modern Times, no qual ofereceu uma interpretação ds conexões transculturais no espaço de tempo entre o primeiro milênio A.E.C até o meio do segundo milênio E.C. Nesta investigação Bentley caracterizou os tipos de trocas entre as sociedades e traçou as transformações nas conexões transculturais ao longo do tempo (MANNING, 2003). Este é um esboço inicial de uma pesquisa de doutoramento. Tal esboço buscou traçar, superficialmente, as linhas gerais de um campo historiográfico, desde suas raízes, passando pelo seu fortalecimento, institucionalização e consolidação, valendo-se fundamentalmente da revisão bibliográfica elaborada por Patrick Manning para auxiliar no mapeamento do campo. O próximo passo é desenvolver uma melhor fundamentação do campo, aprofundar na análise de suas teorias e elaborar hipóteses que lidem com os principais problemas que tangenciam as questões atuais da escrita da história global no começo do século XXI. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X Referências Bibliográficas ARÓSTEGUI, Júlio. A pesquisa histórica, teoria e método. Bauru: Edusc, 2006. BALACHANDRAN, Gopalan. Writing Global History: Claiming Histories beyond Nations. Working Papers in International History and Politics. No. 07/ April 2011. Disponível em << http://www.graduateinstitute.ch/history‐politics>> BARLETT, Kenneth R. Burchkardt’s Humanist Miopia: Machiavelli, Guicciardini and the wider World. Scripta Mediterranea (1995-6), pp: 16-7. BURCKHARDT, Jacob. Reflexões sobre a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. CHRISTIAN, David; et al. Mapping World History. Report on the World History Research Agenda Symposium. Boston, November 10-12, 2006. Disponível em: <<http://www.worldhistorynetwork.org/conference/Mapping_Report.pdf>> DE CERTEAU, Michel. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 2011. IGGERS, Georg. Desafios do século XXI à historiografia. História da historiografia, número 04, 2010. pp. 105-124. MANNING, Patrick. Navigating world history: a guide for researches and teachers. New York: Palgrave Macmillan, 2003. McNEILL, William H. The changing shape of world history. In: POMPER, Philip; ELPHICK, Richard H; VANN, Richard T (orgs.). World history, ideologies, structures and identities. Massachusetts: Blackwell Publishers, 1998. pp: 21-40. ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia ISSN 2238-071X MAZLISH, Bruce. Crossing Boundaries: ecumenical, world and global history. In: POMPER, Philip; ELPHICK, Richard H; VANN, Richard T (orgs.). World history, ideologies, structures and identities. Massachusetts: Blackwell Publishers, 1998. pp: 41- 52. POMPER, Philip. Introduction: the theory and practice of world history. In: POMPER, Philip; ELPHICK, Richard H; VANN, Richard T. World history, ideologies, structures and identities. Blackwell Publishers: Massachusetts, 1998. pp: 1-17.
Compartilhar