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Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 1 Endocardite infecciosa A endocardite infecciosa é caracterizada como uma infecção microbiana, por bactérias ou fungos, da superfície endocárdica do coração – incluindo valvas cardíacas, estruturas valvares, áreas de defeitos septais, endocárdio mural, dispositivo eletrônico intracardíaco e grandes vasos. É uma doença com alta taxa de letalidade e grandes índices de sequelas, apresentando morbidade de 50 a 60% e mortalidade de 12 a 30%, tendo incidência de 2 a 20 indivíduos para cada 100 mil habitantes. Fatores de risco: valvopatias prévias, uso de próteses valvares, cardiopatias congênitas, uso de drogas injetáveis, história prévia de endocardite, pacientes em diálise (porta de entrada de microrganismos), dentição deficiente ou infecção dentária, infecção pelo HIV, uso de dispositivos intravasculares (cateter). É mais prevalente em homens > 50 anos e a mortalidade está diretamente relacionada com a presença de diabetes mellitus e infecção por Staphylococcus aureus. Etiologia: como principais microrganismos tem-se Streptococcus viridans, pneumoniae ou pyogenes, Staphylococcus aureus ou coagulase negativa, Enterococcus, bacilos Gram negativos, fungos, entre outros. O S. bovis está relacionado com adenocarcinoma de cólon. A endocardite infecciosa se manifesta, geralmente, em valva mitral isoladamente (28-45%), valva aórtica (5-36%), valvas aórtica e mitral (35%), valva tricúspide (6%) e valva pulmonar (rara). Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 2 Fisiopatologia: a lesão característica de endocardite infecciosa é a vegetação, que se caracteriza como um coágulo infectado de plaquetas e fibrina, contendo ainda leucócitos e hemácias. Inicialmente deve-se ter turbulência do fluxo sanguíneo, processo que acontece em decorrência de uma valva defeituosa (reumática, valva aórtica bicúspide ou prótese disfuncionante) ou anomalia congênita (comunicação interventricular, coarctação aórtica, cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva). Essa alteração, geralmente, ocorre próxima à linha de fechamento de uma valva, como na superfície atrial das atrioventriculares ou na superfície ventricular das ventriculoarteriais. Desse modo, a partir da alteração hemodinâmica, tem-se lesão endotelial com posterior deposição de plaquetas e fibrina e ativação da cascata de coagulação, formando trombos na tentativa de reparar o endotélio, processo que facilita a adesão de microrganismos patológicos. Após adesão dos patógenos gera-se mais lesão endotelial, liberação de citocinas, acentuada adesão plaquetária e formação das vegetações, que podem ser observadas em mais de uma valva. Esse processo facilita a formação de êmbolos sistêmicos que percorrem a circulação e causam consequências catastróficas, além de gerar fragmentos que se alojam em pequenos vasos e ocasionam hemorragias, abscessos e infartos. Na permanência das vegetações no endocárdio, pode-se ter evolução com fibrose, calcificação e infiltrado inflamatório crônico. Quadro clínico: é variável, apresentando desde uma febre alta com toxemia até uma febre baixa com sintomas inespecíficos. Como principais sintomas tem-se febre (85%), sopro cardíaco (95%) calafrios (75%), sudorese (25%), mal-estar (40%), dispneia (30%), tosse (25%), mialgia/artralgia (20%), cefaleia (20%), náuseas (20%) – podem variar de acordo com o órgão acometido pelas complicações imunológicas ou embolização. Como elementos que levam à suspeita clínica de endocardite infecciosa tem-se histórico de procedimentos intervencionistas que possam resultar em bacteremia significativa, nova lesão valvar ou novo sopro regurgitante, eventos embólicos de origem desconhecida, sepse de origem desconhecida ou achados como hematúria, glomerulonefrite, suspeita de infarto renal e abscessos periféricos de origem desconhecidas. Além disso, deve-se atentar para febre associada a fatores como uso de próteses intracardíacas, condições cardíacas predisponentes, novas arritmias ventriculares, distúrbios de condução, primeira manifestação de ICC, manifestações cutâneas características, manchas oftalmológicas de Roth ou velamentos pulmonares múltiplos (endocardite de coração direito). Os nódulos de Osler são intradérmicos, dolorosos e nas polpas digitais, sendo correspondentes à presença de disseminação hematogênica. Enquanto isso, as lesões de Janeway se caracterizam como pápulas eritematosas ou hemorrágicas indolores nas regiões palmares e plantares decorrentes da embolização. Também pode-se encontrar lesões hemorrágicas retinianas com palidez central, denominadas manchas de Roth. Além dessas, tem-se hemorragias subungueais ou lesões de Splinter, que são lesões lineares sob as unhas. No coração, evolui para fibrose e calcificação Formação de êmbolos sistêmicos, hemorragias, abscessos e infartos Adesão e colonização por microrganismos com formação e aumento das vegetações Lesão endotelial com deposição de plaquetas e fibrina formando trombos estéreis Turbulência do fluxo sanguíneo gerada por anomalia congênita ou valva defeituosa Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 3 Classificação: a endocardite infecciosa pode ser classificada quanto à evolução da doença em aguda e subaguda, essas que se diferenciam com base na velocidade de evolução dos sintomas. → Endocardite subaguda: início insidioso, febre baixa e arrastada, perda ponderal, sudorese noturna e evolução de mais de seis semanas. → Endocardite aguda: desenvolvimento rápido dos sintomas, febre alta, queda do estado geral e evolução de menos de seis semanas entre o início dos sintomas e o óbito. Causada por Staphylococcus aureus ou Staphylococcus coagulase negativa. Aguda Subaguda Tempo de doença < 6 semanas > 6 semanas Bacteremia transitória Não Sim Foco infeccioso atual ou recente Sim Não Cardiopatia prévia Sim ou não Sim Nódulos de Osler Sim ou não Sim Manchas de Janeway Sim Não Apresentação clínica Toxemia Apresentação insidiosa Diagnóstico: deve-se identificar pacientes com quadro clínico sugestivo e correlacionar com a presença de fatores de risco. Além disso, deve-se solicitar hemograma, hemocultura (2 amostras com intervalo de 30 minutos ou coleta de 10 ml de sangue, em sítios diferentes; caso não haja crescimento bacteriano, nova amostra deverá ser coletada após 24 horas), VHS e proteína C reativa. Os critérios de Duke modificados podem ser utilizados para diagnóstico de endocardite infecciosa, exigindo 2 critérios maiores OU 1 critério maior e 3 menores OU 5 critérios menores. A possibilidade de endocardite infecciosa pode ser levantada pela presença de 1 critério maior e 1 critério menor OU 3 critérios menores. Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 4 Também pode-se realizar ECG, ecocardiograma transtorácico (sensibilidade para detecção de vegetações entre 60 e 70%). O ecocardiograma transesofágico somente deverá ser solicitado nos pacientes nos quais não foi possível se fazer o diagnóstico com os exames citados acima - sensibilidade para detecção de vegetações entre 75 e 95% com especificidade entre 85 e 98%. Tratamento: a endocardite infecciosa deve ser tratada com antibioticoterapia empírica de acordo com o suposto foco infeccioso assim que as hemoculturas forem colhidas. Na endocardite infecciosa subaguda pode-se colher hemoculturas num período de 24 a 72 horas antes da terapia antibiótica, conforme o quadro clínico. Após o isolamento do agente infeccioso, a antibioticoterapia deverá ser ajustada de acordo com o resultado da cultura e do antibiograma. Patógeno Endocardite de valva nativa Endocardite de valva protética Streptococcus viridans e outros estreptococos com MIC para penicilina 0,1 g/ml Penicilina G cristalina ou ceftriaxona por 4 semanas Penicilina G cristalina por 6 semanas e gentamicina por 2 semanas Estreptocococom MIC para penicilina 0,1 e 0,5 g/ml Penicilina G cristalina por 4 semanas e gentamicina por 2 semanas Penicilina G cristalina por 6 semanas e gentamicina por 4 semanas Estreptococos com MIC para penicilina 0,5 g/ml e enterococos Penicilina G cristalina (ou ampicilina) e gentamicina por 4 a 6 semanas Penicilina G cristalina (ou ampicilina) e gentamicina por 6 semanas Estafilococo meticilina- sensível Oxacilina por 4 a 6 semanas (com ou sem gentamicina nos primeiros 3 a 5 dias) Oxacilina com rifampicina por 6 semanas e gentamicina por 2 semanas Estafilococo meticilina- resistente Vancomicina (com ou sem gentamicina nos primeiros 3 a 5 dias da terapia) Vancomicina com rifampicina por 6 semanas e gentamicina por 2 semanas Estafilococo em endocardite do lado direito do coração Oxacilina com gentamicina por 2 semanas - Grupo HACEK Ceftriaxona por 4 semanas Ceftriaxona por 6 semanas Em valva protética com operação recente com < 2 meses deve-se pensar em Staphylococcus aureus ou epidermidis, enterobactérias ou fungos. Se o pós-operatório for > 2 meses deve-se pensar em Staphylococcus aureus ou epidermidis, Streptococcus viridans ou Enterococcus. Tem-se fatores clínicos e ecocardiográficos que indicam necessidade de intervenção cirúrgica para correção das vegetações, como: → Vegetações > 10mm → Persistência da vegetação após embolização sistêmica → Mais de 1 evento embólico durante duas primeiras semanas de terapia antimicrobiana → Aumento da vegetação apesar da terapia antimicrobiana → Disfunção valvar, insuficiência aórtica ou mitral aguda com sinais de insuficiência ventricular → Insuficiência cardíaca não responsiva à terapia → Perfuração ou ruptura valvar – urgência → Extensão da lesão mais para perivalvar → Deiscência, ruptura ou fístula da válvula → Choque cardíaco → Abscesso extenso apesar da terapia antimicrobiana Profilaxia: deve ser feita em qualquer paciente com valva prostética ou dispositivos intracardíacos e pacientes com cardiopatias ou doenças valvares prévias que irão realizar tratamentos dentários com Vegetações Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 5 sangramento da mucosa ou gengiva, cirurgia da mucosa respiratória ou intestinal, dilatação esofágica ou uretral, parto vaginal na presença de infecção, incisão e drenagem de tecido infectado, escleroterapia de varizes esofagianas, tonsilectomia, adenoidectomia, cirurgia de próstata, vias biliares ou histerectomia vaginal. Procedimento Esquema antimicrobiano Primeira escolha Segunda escolha Terceira escolha Dentário, oral ou respiratório Amoxacilina: 3g VO 1h antes 1,5g VO após 6h ou Eritromicina: 1g VO 1h antes 1g VO após 6h Clindamicina: 300mg VO 1h antes 150mg VO após 6h Ampicilina: 2g EV 30min antes 1g EV após 6h ou Clindamicina: 300mg EV 30min antes 150mg EV após 6h Genitourinário ou gastrointestinal Ampicilina: 2g EV 30min antes + Gentamicina: 1,5g/kg/dose EV 30min antes Repetir ambos 8h após Vancomicina: 1g EV 1h antes + Gentamicina: 1,5g/kg EV 30min antes Endocardite infecciosa – profa Francielle Garcia 6
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