Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
OS TÍTULOS DE CRÉDITO E CONTRATOS EMPRESARIAIS Prof. Pedro Pinto TÍTULOS DE CRÉDITO Os títulos de crédito surgiram na Idade Média, como instrumentos destinados à facilitação da circulação do crédito comercial, mas foi em pleno Século XIX, que o jurista italiano Cesare Vivante foi quem melhor os definiu e que até hoje é lembrado quando se estuda esta matéria de Direito Empresarial. Dizia que os títulos de crédito são “documentos necessários para o exercício de um direito literal e autônomo, nele mencionado”. Pela afirmação de Vivante verifica-se que o título de crédito corresponde a um documento. Mas não é qualquer documento que estamos diariamente a despachar determinando uma providência, a encaminhar para um amigo solicitando uma colaboração. Diz respeito a um documento representativo de um crédito, ato de fé, confiança do credor de que irá receber uma prestação futura a ele devida. Por se destinar a exercitar um direito, segundo as palavras de Vivante, este documento serve apenas para transferir riqueza de uma pessoa a outra (do devedor ao credor). Dessa forma, considerando que os títulos de crédito podem ser transferidos a mais de um credor, isto é, do credor originário a um credor seu, e deste a outro, e assim sucessivamente, conclui-se que tais títulos nada mais são do que instrumentos de circulação de riqueza na sociedade. São dotados de características que lhes são peculiares e intrínsecas, que constituem verdadeiros requisitos para que atinjam sua função, que é, primacialmente, da circulação de riqueza. O conjunto das normas que regem os títulos de crédito recebe o nome de Direito Cambiário ou Cambial, ramo inserido dentro do Direito Empresarial (antigo Direito Comercial), para os quais foram conferidas características especiais, justamente para que os títulos pudessem ter maior segurança e certeza em sua circulação, sendo, assim, meio ágil e fácil para o giro da riqueza – o crédito passa de um sujeito a outro facilmente, não estando vinculado a determinado negócio ou a exceções pessoais que um dos pólos possa ter contra o outro. Nos títulos, o direito materializa-se em um documento, ou seja, no próprio título, também chamado de cártula. Tal documento passa a representar, assim, o direito ao crédito em si, sendo autônomo da relação jurídica que a ele deu origem e, por essa razão, pode ser transferido de um credor a outro, livremente, seja por simples entrega (tradição), seja por assinatura de um possuidor em favor de outro (endosso). Verifica-se que os títulos de crédito gozam de duas características primaciais, quais sejam, a negociabilidade e a executividade. A negociabilidade diz respeito à facilidade com que o crédito pode circular, ou seja, à mobilização imediata de seu valor.Assim, o possuidor de um título, enquanto não se opera o protesto, pode dele livremente dispor, transferindo-o a seus próprios credores ou dando-o em garantia de alguma relação jurídica que integre. Quando alguém emite um título de crédito, não está fazendo promessa de pagamento dirigida exclusivamente ao beneficiário original, mas para pessoa indeterminada, que, nada data do vencimento, esteja com a posse do título. Isso porque sua função é circular, não servindo apenas para valer entre as partes originárias. Quando alguém emite ou cria um título de crédito, está assumindo nesse documento uma dívida, está declarando nesse instrumento que deve a alguém, comprometendo-se a pagar àquele que o apresentar e que pode ser qualquer pessoa. No que tange à executividade, os títulos de crédito gozam de maior eficiência em sua cobrança, já que, nos termos do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, são títulos executivos extrajudiciais, apresentando maior liquidez e certeza. Basta, pois, sua apresentação em Juízo para que se dê início ao processo de execução, ficando dispensada a prévia ação de conhecimento. Os títulos de crédito estão definidos em lei, de modo que deve ser observada a tipicidade (ou legalidade) desses títulos. O rol de títulos de crédito seria, portanto, taxativo (numerus clausus). O novo Código Civil, todavia, assegurou a liberdade de criação de novos títulos de crédito (inominados ou atípicos), estabelecendo, porém, que somente terão valor se preenchidos os requisitos legais elencados na própria legislação civil, e desde que não se trate de título ao portdor. Princípios fundamentais dos títulos de crédito Da definição de Vivante, descrita no início deste trabalho, extraem-se os três requisitos ou princípios fundamentais dos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia. Quando Vivante declara que título de crédito é o “documento necessário” é que só pode ser considerado título de crédito a partir de uma existência física de um documento. É a materialização ou incorporação do direito no título, documento, papel ou cártula (daí o nome do princípio). Serve, ainda, para distinguir a obrigação cartular, que é aquela constante do título, de outra estranha ao documento, que é, assim, extracartular. Dessa forma, quando determinada obrigação gera a emissão de um título, verifica-se que, enquanto o documento ou cártula corporifica o direito a um crédito, a obrigação que a ele deu origem torna-se uma relação extracartular. A partir do momento em que o documento corporifica o direito, torna-se a cártula, então, documento necessário e indispensável à satisfação desse direito por aquele que o detém, pouco importando o negócio que a ele deu origem. Portanto, quem detém o título tem legitimidade par exigir o cumprimento do crédito nele incorporado. Sem ele, por conseqüência, o devedor não está obrigado, em princípio, a cumprir com a obrigação, ainda que aquele que a esteja exigindo seja seu legítimo credor. O direito não existe sem o documento, não se transmite sem a sua respectiva transferência e não pode ser exigido sem a sua exibição. Na atualidade, porém, em razão da informalidade dos negócios comerciais e a evolução, cada vez mais rápida, da informatização nas transações comerciais, estão surgindo títulos não cartularizados, criando-se, assim, exceções a esse princípio, admitindo-se, por exemplo, a execução do crédito representado pelo título sem a apresentação da cártula pelo credor (Lei das Duplicatas – Lei nº 5.474/68, art. 15, § 2º). O princípio da literalidade é também extraído do conceito de Vivante quando o mestre faz referência a um “direito literal”, pois o título de crédito é um documento escrito e em sua análise somente se levará em consideração aquilo que estiver nele expressamente consignado. Ainda que exista uma obrigação expressa em documento apartado que guarde relação com o título, caso nele não esteja mencionada, não estará integrada. Ademais, a quitação da obrigação constante do título deve estar expressa na cártula, sob pena de não produzir seus efeitos jurídicos. Esse princípio atua tanto em favor do credor (de exigir o que consta do título), como ressaltado acima, como também em favor do devedor (que não está vinculado a nada além daquilo que estiver nele expresso). O princípio da autonomia tem importância para a circulação do título na medida em que torna o portador da cártula titular de um direito autônomo em relação ao direito que tinham seus predecessores. O que efetivamente circula é o título e não o direito abstrato que nele se contém, ou seja, o possuidor exerce direito próprio que não se vincula às relações entre os possuidores anteriores e o devedor. Isto é, cada relação é autônoma em relação às suas antecessoras. Como conseqüência, não poderão ser opostas ao portador de boa fé as exceções pessoais referentesao credor originário, no que tange à obrigação extracartular entre ele e o devedor, emitente do título. Considerando, assim, que as obrigações representadas pelos títulos de crédito são independentes entre si, sendo uma delas nula ou anulável, porque, por exemplo, eivada de vício, tal defeito não poderá influir na validade e eficácia das obrigações a ela subseqüentes. O princípio da autonomia desdobra-se nos subprincípios da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa fé. Todo título de crédito nasce em razão de uma relação jurídica, de modo que quando essa relação inicial não for mencionada no título este se torna abstrato em relação ao negócio original, passando a circular sem qualquer ligação com a causa que lhe deu origem. O princípio da abstração, mais do que proteger o possuidor de boa-fé, serve para garantir a segurança na circulação do título. Em outras palavras, o negócio jurídico que dá causa ao título de crédito pode ser ilícito ou ilegítimo, mas isso não retirará sua validade, visto que a abstração servirá para acobertá-lo. Ao emitir o título, o devedor, em relação ao seu credor, obriga-se por uma relação contratual que os une, razão pela qual pode contra ele opor as exceções pessoais que o direito lhe confere. Por outro lado, em relação aos terceiros possuidores de boa-fé do título, que se sucederam ao credor originário, pela corrente de endossos, o fundamento da obrigação está na sua assinatura constante do título, que o vincula indissoluvelmente ao pagamento daquele crédito, ao portador. Contra tais terceiros não pode, assim, opor eventuais exceções pessoais que teria contra o credor originário, caso contrário não se estaria conferindo a esses portadores de boa-fé plena garantia e confiança na aquisição de um título de crédito, característica a esta que embasa as cambiais. O portador exerce direito próprio e não derivado das relações anteriores. Assim, o devedor, emissor do título, a todo tempo pode opor as exceções pessoais que eventualmente possua contra o credor originário, isto é, àquele com quem manteve determinada relação jurídica, que deu origem ao título, como pagamento, compensação, novação ou causa de extinção da obrigação originária. O subscritor do título somente poderá opor contra o possuidor de boa-fé os vícios formais da cártula ou de conteúdo literal, como, por exemplo, eventual falsidade de sua assinatura, vício de capacidade ou falta de requisito necessário ao exercício da ação. Atos cambiários Os títulos de crédito dão ensejo a diversos atos cambiários, quais sejam: a) Saque: configura o ato de lançamento do título de crédito; b) Aceite: caracteriza-se por ser o ato cambiário em que o sacado de um título de crédito concorda em cumprir a ordem que lhe é dada e se vincula ao pagamento do título de crédito. O aceite poderá ser efetivado em sua integralidade ou parcialmente. O aceite parcial pode ocorrer em duas modalidades: i) limitativa é quando o sacado concorda em pagar parte do valor, e ii) quando o sacado altera as condições de pagamento do título de crédito; c) Endosso: configura o ato pelo qual o credor de um título de crédito à ordem transfere o seu direito de crédito para uma outra pessoa e torna-se coobrigado pela satisfação do crédito. O endosso, portanto, não transfere apenas o crédito, mas também a efetiva garantia do seu pagamento. O endosso pode ser feito em branco ou em preto. O endosso em branco é aquele que não identifica o seu beneficiário (endossatário), tendo o endossante apenas assinando no verso do título. O endosso em preto, por sua vez, é aquele que identifica expressamente a quem está sendo transferida a titularidade do crédito, ou seja, o endossatário. d) Aval: caracteriza-se por ser uma garantia fidejussória de pagamento. O aval também pode ser feito em branco, hipótese em que não identifica o avalizado, ou em preto, caso em que o avalizado é expressamente indicado. Quando o aval é em branco, presume-se que foi dado em favor de alguém, que no caso da letra de câmbio, presume-se em favor do sacador e, nos demais títulos, em favor do emitente ou subscritor. e) Pagamento: configura o cumprimento da obrigação cambiária assumida. f) Protesto: é o ato formal extrajudicial que objetiva conservar e ressalvar direitos e demonstrar que não foi efetuado o pagamento de um título de crédito. No que toca estritamente à relação cambiária, o protesto, em regra, ao contrário do que muitos pensam, só é indispensável se o credor deseja executar os codevedores (ou devedores indiretos), como é o caso, por exemplo, do endossante. Daí porque ser comum a afirmativa genérica de que o protesto garante o direito de regresso em face dos devedores indiretos do título. Em contrapartida, se a execução é dirigida contra o devedor principal do título, o protesto é desnecessário. No entanto, muitas vezes o protesto é necessário para o atendimento de outras finalidades, que não dizem respeito diretamente à relação cambiária, como (i) do protesto exigido para a propositura de pedido de falência por impontualidade injustificada (art. 94 da Lei nº 11.101/2005) e (ii) do protesto que constitui em mora o devedor do contrato de alienação fiduciária em garantia (art. 2º, § 2º, do Decreto nº 911/1969). Letra de Câmbio A letra de câmbio tem sua origem na Idade Média italiana, tendo sido criada para evitar que grandes somas em dinheiro fossem roubadas em viagens inseguras, passando a moeda ser trocada pela letra de câmbio e entregue na praça de destino. Foi mais tarde, na França, por volta do século XVII, que surgiram o endosso e o aceite da letra de câmbio, e somente na Alemanha, no século XIX que a letra de câmbio adquiriu o contorno que lhe é hoje reconhecido, sendo alçada à categoria de título de crédito. No Brasil, a letra de câmbio iniciou a ser disciplinada no Código Comercial de 1850 como sendo letras da terra, que também disciplinava as notas promissórias e os créditos mercantis. As letras da terra eram definidas no art. 425 como sendo “em tudo iguais às letras de câmbio, com a única diferença de serem passadas e aceitas na mesma província”. Vigoraram os preceitos cambiários do Código Comercial até 1908, quando foi sancionado o Decreto nº 2.044. Com o desenvolvimento do comércio internacional, sobretudo após a primeira guerra mundial, desenvolveram negociações internacionais visando a criação de uma Lei Uniforme Internacional dos títulos de crédito, o que culminou, em 1930, com a assinatura da Convenção de Genebra, por diversos países, inclusive o Brasil, os quais assumiram compromisso de elaborarem leis que integrassem as disposições da convenção em seus ordenamentos jurídicos. O Decreto nº 57.663, de 24.01.1966 integrou a Lei Uniforme de Genebra em nosso direito cambiário, convivendo juntamente com o Decreto nº 2.044/1908 que passou a ser considerado como reserva da LU. A letra de câmbio constitui uma ordem de pagamento por meio da qual o sacador dirige ao sacado uma ordem para que este pague a importância consignada na letra a um terceiro denominado tomador. São figuras intervenientes na letra de câmbio: a) Sacador: é o emissor do título e aquele que manda o outro pagar b) Sacado: é aquele que paga o título; c) Tomador ou beneficiário é aquele em favor de quem a ordem foi dada, ou seja, é o credor do título de crédito. A constituição do crédito cambiário ocorre com o saque, que se caracteriza por ser o ato unilateral de lançamento da letra de câmbio. Apenas após o saque é que o tomador estará autorizado a procurar o sacado parareceber a quantia referida no título. Outro efeito do saque é tornar o sacador vinculado ao pagamento da letra de câmbio, pois no caso do sacado não efetuar o pagamento, o tomador poderá cobrar a obrigação consignada na letra de câmbio do sacador. Por ser um documento formal, para produzir efeitos a letra de câmbio deverá preencher os seguintes requisitos: i) conter a denominação “Letra de Câmbio”; ii) ser ordem de pagamento de determinada quantia em dinheiro, especificando a espécie da moeda; iii) designar o nome da pessoa que deve pagar (sacado), bem como sua identificação, o nome do beneficiário e a assinatura do sacador; iv) especificar o local do pagamento; e v) especificar a data e o local do saque. O que chama atenção na letra de câmbio é o aceite, ato cambiário pelo qual o sacado de um título de crédito concorda em cumprir a ordem que lhe é dada e se vincula ao pagamento do título de crédito. Na letra de câmbio o aceite não é obrigatório, ou seja, nada obriga o sacado a aceitar, nem mesmo uma obrigação preexistente para com o sacador. O sacado estará vinculado cambiariamente apenas se concordar em aceitar a ordem que lhe for dirigida. A recusa do sacado em aceitar a letra de câmbio, porém, provoca o vencimento antecipado do título de crédito, podendo o tomador cobrar a letra de câmbio de imediato do sacador. Ao aceitar a letra, o sacado torna-se aceitante e passa a ser o devedor principal do título. Ação cambial corresponde à cobrança do direito creditício mencionado no título de crédito, o que corresponde por ação de execução, uma vez que é definido no Código de Processo Civil como título executivo extrajudicial. A ação cambial poderá ser proposta contra os devedores principais e todos os coobrigados da letra e poderá ser intentada em duas modalidades: i) ação dieta, quando proposta contra os devedores diretos, quais sejam, o aceitante e seus avalistas, e ii) ação regressiva, quando intentada contra os obrigados subsidiários. Dependendo da ação proposta, o prazo prescricional varia. Para a propositura das ações cambiais contra o aceitante e seus avalistas (ação direta), o prazo é de três anos, a contar do vencimento do título. As ações contra os endossantes e sacador prescrevem em um ano, a contar da data do protesto. As ações dos endossantes uns contra os outros ou contra o sacador prescrevem em seis meses, a contar do dia em que o endossante efetuou o pagamento do título. Nota promissória A nota promissória surgiu concomitantemente com a letra de câmbio. Sua origem remonta às atividades dos banqueiros italianos, que recebiam dos mercadores certas importâncias em depósito e emitiam documentos em que prometiam pagar a soma depositada ao depositante ou a um representante. No Brasil, a nota promissória ganhou regulamentação em 1908, quando o Decreto nº 2.044/1908 regulou as cambiais e caracterizou a nota promissória como um título próprio, distinto da letra de câmbio. Aplica-se também a Lei Uniforme, razão pela qual as notas promissórias estão sujeitas às mesmas regras aplicadas às letras de câmbio, desde que sejam compatíveis com a sua natureza. Os requisitos essenciais da nota promissória são: i) a denominação “Nota Promissória”; ii) a promessa de pagamento de soma em dinheiro; iii) o nome do beneficiário; iv) a assinatura do emitente; v) a data do saque e vi) o local do saque, ou menção de um lugar ao lado do nome do subscritor. Apesar de não haver obrigatoriedade legal, recomenda-se que constem da nota promissória a época e o local do pagamento, pois, se a época do pagamento não for estipulada por escrito, o vencimento da nota promissória será a vista. Se, por outro lado, faltar o local do pagamento, considera-se pagável a nota no local do saque ou no local mencionado ao lado do nome do subscritor. Não se aplicam à nota promissória as disposições concernentes ao aceite. A ação cambial referente à falta de pagamento de nota promissória deverá seguir as disposições tratadas para a letra de câmbio, considerando a sua natureza como promessa de pagamento. Cheque O cheque é uma ordem de pagamento a vista, em favor próprio ou de terceiros, contra fundos disponíveis em poder de instituição financeira (sacado). O cheque é um título de crédito de modelo vinculado, cuja forma é fixada pelo Banco Central do Brasil. É um título causal, sendo que sua causa é a existência de um contrato de depósito de fundos existente entre o sacador e a instituição financeira. A origem dos cheques remonta à segunda metade da Idade Média, período em que eram comuns na Europa as ordens de pagamento contra bancos, com características muito semelhantes às dos cheques utilizados hoje. No Brasil, a primeira referência ao cheques é de 1845, com a promulgação do Decreto nº 438/45, que determinava que as instituições financeiras poderiam receber dinheiro de qualquer pessoa e verificariam os pagamentos e as transferências por meio de cautelas destacadas dos talões. Hoje, os cheques são disciplinados pela Lei nº 7.357/1985. Intervém no cheque: i) beneficiário, aquele que recebe (credor); ii) sacador, aquele que emite o cheque (correntista), e iii) sacado, aquele que paga (instituição financeira). O cheque deve apresentar os seguintes requisitos, legalmente estabelecidos: i) denominação “Cheque” deve estar inscrita no título, ii) ordem incondicional de pagar quantia determinada, iii) indicação do valor a ser sacado, que deverá estar escrito por extenso e em algarismos, iv) nome do banco ou da instituição financeira que deve fazer o pagamento; v) indicação do lugar do pagamento, vi) indicação da data e do local da emissão, e vii) assinatura do sacador. É importante esclarecer que, indicada a quantia mais de uma vez, quer por extenso, quer por algarismo, prevalecerá, no caso de divergência, a indicação de menor quantia. Não se aplicam ao cheque as disposições concernentes ao aceite. O cheque constitui uma ordem de pagamento a vista e, portanto, seu pagamento pode ser exigido a partir do momento em que o cheque é emitido até o prazo de apresentação. Assim sendo, o cheque pré-datado (ou pós- datado) é importante instrumento de concessão de crédito ao consumidor, mas não produz efeitos legais perante o banco sacado, razão pela qual só deve ser dado quando houver certeza de que o credor irá depositá-lo nas datas combinadas. O beneficiário de um cheque tem um prazo para apresentá-lo ao sacado para o respectivo pagamento. Assim, o prazo será de 30 dias para os cheques emitidos no local no qual devem ser pagos, ou da mesma praça; e de 60 dias para aqueles cujo local de pagamento for diferente do local da emissão, ou de praças diferentes. Se o portador não apresentar o cheque dentro do prazo, perderá o direito de execução contra os seus endossantes e seus avalistas. A perda do direito contra o emitente apenas se justifica quando este dispunha de fundos durante o prazo de apresentação e deixou de dispor após o referido prazo. Apresentado o cheque ao sacado no prazo, este verificará se o emitente dispõe de fundos e promoverá a compensação do cheque, extinguindo-se, assim, a obrigação. Em concordando as partes em conferir efeito pro soluto ao cheque, a simples entrega do título já extinguirá a obrigação antes mesmo de sua compensação. A emissão de cheques sem fundos gera efeitos nos âmbitos civil e penal. No âmbito civil, o cheque deverá ser levado a protesto no prazo de apresentação. No âmbito penal, a emissão de cheques sem fundo caracteriza crime de estelionato, nos termos do inciso VI do § 2º do artigo 171 do Código Penal. Para o cheque, o prazo prescricionalpara que seja proposta a ação executiva de título extrajudicial é de seis meses a contar da data da apresentação do cheque. Para a ação contra emitente e seu avalista, o prazo começa a contar da data da apresentação do cheque ao mesmo. Para a ação de um dos coobrigados contra os demais, o prazo começa a contar da data em que o coobrigado tinha que pagar o cheque ou do dia em que foi acionado. A execução do cheque em face dos coobrigados deverá comprovar que o cheque foi apresentado em tempo hábil e que houve recusa do pagamento nos termos de declaração do sacado, com indicação do dia da apresentação. Vale ressalta que é admitida para o cheque a ação cognitiva de enriquecimento indevido, que deverá ser proposta no prazo máximo de dois anos, nos termos do art. 61 da Lei nº 7.357/1985. Há duas hipóteses descritas na Lei nº 7.357/1985 em que é possível a sustação da ordem de pagamento. A primeira é a revogação, conforme aponta o art. 35, e a segunda é a oposição, descrita no art. 36 do mesmo diploma legal. A revogação só poderá ser solicitada pelo emitente após expirado o prazo de apresentação do cheque, enquanto a oposição pode ser feita mesmo durante o prazo de apresentação. Ademais a revogação é ato exclusivo do emitente, enquanto a oposição pode ser efetivada pelo portador legitimado. Cabe ressaltar que não cabe à instituição financeira apreciar as razões do ato. Ela deverá apenas acatar o pedido. A validade da sustação só deve ser questionada judicialmente, sendo que a conseqüência do pedido de sustação indevido é equivalente à emissão do cheque sem fundos, ou seja, configura o crime de estelionato, conforme o § 2º do artigo 171 do Código Penal. Para identificar o título destinado ao serviço de compensação, utiliza-se o cheque cruzado, caracterizado por duas linhas paralelas cortando o cheque, indicando que o mesmo só pode ser pago de banco para banco ou a um cliente do banco sacado. Tanto o emitente quanto o sacador poderão fazer o cruzamento. O cruzamento pode ser em branco ou em preto. No cruzamento em preto deve ser indicado entre as linhas o nome de uma instituição financeira. O cheque visado é aquele no qual é atestada, pelo sacado, a suficiente provisão de fundos do emitente. Os fundos são separados para permanecerem à disposição do portador legitimado. Duplicata A duplicata é um título de origem brasileira. Surgiu como uma forma de garantir o cumprimento da obrigação de pagamento do comprador, decorrente da entrega da coisa vendida, a prazo, A idéia da duplicata foi primeiramente regulamentada em 1922, através da Lei nº 4.625, e, finalmente, regulada pela Lei nº 187, de 1936. Atualmente, a duplicata é regulada pela Lei nº 5.474/1968 e pelo Decreto-lei nº 434/1969. Duplicata é um título de crédito de emissão em vendas mercantis a prazo e prestações de serviços, realizadas entre partes domiciliadas no Brasil. É, portanto, um título causal. Convém ressaltar que esta causalidade da duplicata não agride o princípio da abstração porque o título é considerado causal apenas na origem, visto que, após ser colado em circulação, torna-se independente do negócio originário. A emissão de duplicata sem causa constitui crime, nos termos do art. 172 do Código Penal (duplicata fria). A duplicata mereceu este nome por ser uma cópia da fatura. A fatura é uma relação de vendas, podendo ser definida como sendo uma nota do vendedor detalhando ou descrevendo a mercadoria, preço, qualidade e quantidade. É prova do conteúdo comercializado e contém a discriminação da mercadoria, o número e o valor da nota fiscal obrigatória pra a venda a prazo com mais de 30 dias. A partir dos anos de 1970, porém, foram firmados diversos convênios estaduais no sentido de que as notas fiscais, documentos de cunho eminentemente fiscal, poderiam substituir as faturas, documentos de cunho eminentemente comercial. Por esse motivo, as faturas não mais são emitidas. Intervém na duplicata: i) sacador, ou credor-emissor, é o vendedor ou empresa prestadora de serviços; ii) sacado , é o comprador ou tomador dos serviços contratados. Para que seja válida, a duplicata deve conter os seguintes elementos: i) denominação “Duplicata”, ii) data de sua emissão, iii) número da fatura, iv) importância a ser paga em algarismos e por extenso, v) data certa do vencimento ou declaração de ser a duplicata a vista, vi) nome e domicílio do comprador e do vendedor, vii) cláusula à ordem, viii) declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador como aceite cambial, ix) assinatura do emitente e x) praça do pagamento. Constitui o aceite da duplicata a assinatura do comprador/tomador do serviço, reconhecendo a exatidão do título e comprometendo-se a efetuar o pagamento. O aceite da duplicata desvincula-a de sua causalidade. É obrigatório, salvo nas causas mencionadas no art. 8º da Lei nº 5.474/1968, quais sejam: i) não recebimento das mercadorias; ii) vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou quantidade das mercadorias, e iii) divergências nos prazos ou preços ajustados. Havendo recusa em aceitar, o comprador/tomador do serviço deverá devolver a duplicata acompanhada de justificativa escrita pela sua recusa em aceitá-la em até dez dias. A duplicata será emitida para ser paga em data certa ou a vista, sendo que, neste último caso, o vencimento se dará quando o título for apresentado ao sacado. Nos termos do art. 13 da Lei nº 5.474/1968, existem três tipos de protesto na duplicata: i) protesto por falta de pagamento, ii) protesto por falta de aceite, e iii) protesto por falta de devolução. Quando a duplicata não é devolvida no prazo regulamentar pelo sacado, sem que haja motivo justificado, o vendedor ou prestador dos serviços deverá tirar o protesto. O protesto por falta de pagamento é necessário em relação aos coobrigados anteriores e facultativo em relação ao aceitante e seu avalista. Vale dizer que se o protesto não for tirado em 30 dias, o portador perderá o direito de regresso contra os coobrigados. Vale ressaltar que os protestos por falta de aceite e por falta de devolução constituem uma faculdade oferecida ao titular do crédito e, caso esta não seja exercida, não será excluída a possibilidade de o portador protestar o título por flta de pagamento. Não existe na duplicata a figura do protesto obrigatório, pois ele sempre será facultativo. O protesto por falta de aceite deverá ser feito no prazo de dez dias, contados do vencimento da duplicata, sob pena de o seu portador perder o direito de regresso contra endossantes e eventuais avalistas, conforme preceitua o § 2º do art. 7º da Lei nº 5.474/1968. Para fins de protesto, a duplicata necessariamente precisará ser emitida e o local para o protesto será aquele estipulado para o pagamento. Não sendo paga a duplicata em seu vencimento, o portador terá direito de cobrar o sacado, caso este tenha aceito o título, pela propositura de ação executivo. Esta ação independe de protesto, uma vez que a duplicata foi expressamente aceita. Nos casos em que a duplicata não foi aceita, o procedimento executivo pressupõe o protesto prévio do título, mediante a apresentação do comprovante de recebimento da mercadoria/serviço devidamente assinado. O prazo prescricional da ação executivo contra o sacado e seus avalistas é de três anos contados da data de vencimento da duplicata. O prazo prescricional da ação executiva contra endossantes e seus avalistas é de um ano contado da data de vencimento da duplicata. O prazo prescricional da ação executiva de qualquer coobrigado contra os demais é de um ano contado da data em quehaja sido feito o pagamento da duplicata por coobrigado anterior. Títulos de crédito impróprios Fábio Ulhoa Coelho vai denominar a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e a duplicata como títulos de crédito próprio porque neles estão muito bem representados os princípios característicos do direito cambiário, quais sejam a cartularidade, literalidade e autonomia, ainda o desenvolvimento da informática nos nossos dias provoquem nesses títulos um processo de revisão. Mas é certo, enfoca o jurista, que outros papéis aproveitam destes princípios e normas para serem considerados como títulos de crédito, sendo então considerados como “títulos de crédito impróprios”1. Esses “títulos de crédito impróprios” são então agrupados em quatro categorias: i) títulos de legitimação, ii) títulos de investimento, iii) títulos de financiamento e iv) títulos representativos. Os títulos de legitimação asseguram ao seu portador a prestação de um serviço ou acesso a prêmios em certame promocional ou oficial, como por exemplo o passe de ônibus, o ingresso de cinema, volante de loterias, etc. A esses instrumentos se aplicam os princípios da cartularidade (só podem reclamar o serviço ou o prêmio aquele que estiver na posse do título de legitimação), da literalidade (o serviço ou prêmio assegurados pelo título são os previstos no documento e nenhum outro) e da autonomia (se houver vícios na negociação desses títulos, eles não se transmitem aos novos possuidores). Porém, não são documentos suficientes para o exercício do direito nele mencionado, de forma que não podem ser considerados como títulos de crédito próprios. Os títulos de investimento se destinam à captação de recursos pelo emitente, ou seja, emprego de capital no desenvolvimento de certa atividade econômica com intuito lucrativo. São títulos de investimento: as letras imobiliárias (Lei nº 4.380/1964), emitidas pelos agentes do Sistema Financeiro da Habitação, com vistas à obtenção de recursos para o financiamento da aquisição da casa própria; a letra de câmbio financeira ou cambial financeira (Lei nº 4.728/1965), emitida ou aceita por sociedades de fins econômicos, inclusive instituições financeiras; os certificados de depósito bancário – CDB (Lei nº 4.728/1965), emitidos pelos bancos de investimento de natureza privada, para depósitos com prazo superior a 18 meses; o certificado de recebíveis imobiliários – CRI, emitidos pelas companhias securitizadoras de créditos imobiliários (Lei nº 9.514/1997); a letra de crédito imobiliário – LCI, emitida pelos bancos, com lastro em créditos imobiliários (Lei nº 10.931/2004). São títulos de financiamento quando representativos de crédito decorrente de financiamento aberto por uma instituição financeira, podendo 1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Volume 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.481. ainda ser atrelada uma garantia de direito real pelo pagamento do valor financiado. Costumam chamar-se “cédulas de crédito”, quando o pagamento do financiamento a que se referem é garantido por hipoteca ou penhor. Inexistindo garantia de direito real, o título é, comumente, denominado de “nota de crédito”. Os títulos de financiamento não se enquadram, completamente, no regime jurídico-cambial por força de algumas peculiaridades, como a possibilidade de endosso parcial, mas, principalmente, em razão do princípio da cedularidade, estranho ao direito cambiário. Por esse princípio, a constituição dos direitos reais de garantia se faz no próprio instrumento de crédito, na própria cédula. Podem ser destinados ao financiamento da aquisição da casa própria ou de atividade econômica. No primeiro caso encontra-se a cédula hipotecária (Decreto Lei nº 70/1966), que os adquirentes da casa pelo SFH outorgam ao agente financeiro. No segundo caso tem-se a cédula de crédito rural (Decreto Lei nº 167/1967), cédula de crédito industrial (Decreto Lei nº413/1969), cédula de crédito à exportação (Lei nº 6.313/1975) e cédula de crédito comercial (Lei nº 6.840/1980) Os títulos representativos são instrumentos jurídicos que representam titularidade de mercadorias custodiadas, ou seja, bens que se encontram sob os cuidados de terceiros (não proprietários). Podem tais instrumentos exercer, além dessa função meramente documental, a de título de crédito, na medida em que possibilitam ao proprietário da mercadoria custodiada a negociação dela, sem prejuízo da custódia. Os títulos representativos não se encontram inteiramente sujeitos ao regime jurídico cambial, porque possuem finalidade originária diversa da dos títulos de crédito. Estes se destinam a representar obrigação pecuniária; já os títulos representativos têm por objeto mercadorias custodiadas. Somente em caráter secundário é que os títulos representativos podem referir-se a obrigações pecuniárias. Exemplo típico desse título de crédito impróprio é o conhecimento de frete (Decreto nº 19.473/1930), cuja finalidade originária é a prova do recebimento de mercadoria, pela empresa transportadora, e da obrigação que ela assume de entregá-la incólume em certo destino. O conhecimento de frete tem, no entanto, função subsidiária, na medida em que possibilita ao depositante, proprietário da mercadoria despachada, negociá-la mediante endosso do título, de modo que o endossatário ou portador legitimado do título poderá receber a mercadoria transportada. Outros importantes exemplos de título representativo são o warrant e o conhecimento de depósito, de emissão dos armazéns-gerais (Decreto nº 1.102/1903). CONTRATOS EMPRESARIAIS Inicialmente, o contrato pode ser definido como um acordo de vontades que cria, modifica ou extingue relações jurídicas de conteúdo patrimonial. O contrato estabelece um vínculo entre as pessoas em virtude do qual são exigíveis prestações. É, portanto, fonte de obrigações. É lei entre as partes. Quando empresários individuais ou sociedades empresárias exploram sua atividade, são celebrados vários contratos. Maria Eugenia Finkelstein lembra que, simplificadamente, o empresário gerencia quatro setores relativos a sua atividade: capital (contratos bancários de financiamento); insumos (contratos de aquisição de matéria prima e insumos); trabalho (contratos de trabalho) e tecnologia (contratos de transferência de tecnologia, know how, assistência técnica). Esses contratos podem estar sujeitos a regimes jurídicos distintos, como o administrativo (contratação com o Poder Público), trabalhista (contratação com empregados), de consumo (quando o último pólo da relação contratual for destinatário final) e cível (demais situações)2. Com a promulgação do Código Civil de 2002, os contratos mercantis passaram a ser considerados aqueles relativos aos dois últimos regimes, classificando-se em cíveis e de consumo. Serão regidos pelo Código Civil quando os contratantes forem iguais sob a ótica econômica e não estiverem ocorrendo uma relação de consumo, mas uma relação entre empresários. Por outro lado, quando houver a utilização de produto ou serviço como destinatário final, esses contratos passarão a ser analisados sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8. 078/1990). Vale ressaltar que os contratos mercantis (com exceção dos que envolviam as relações de consumo) eram regulados pelo Código Comercial. Com a promulgação do Código Civil de 2002 e a conseqüente unificação do Direito Privado, deixaram de existir diferentes diplomas legislativos para regulamentar contratos civis e contratos mercantis, passando todos, indistintamente, a ser regulados pelo Código Civil atual. Nessa nova ótica,serão contratos empresários aqueles que apresentarem nos dois pólos da relação contratual empresários, ou seja, as duas partes do contrato devem exercer profissionalmente atividade empresarial. Podem-se apresentar, de forma resumida, as seguintes características de contratos empresariais: i) via de regra, não são solenes, isto é, não exigem a emissão de um documento ou uma forma específica para serem celebrados, uma vez que as relações mercantis são extremamente ágeis; ii) podem ser consensuais, sendo que o simples consenso das partes é suficiente para o aperfeiçoamento do vínculo contratual, ou reais, em que se faz necessária a entrega de determinado bem para formação do contrato; iii) são onerosos; e iv) precisam da participação de empresários nos pólos da relação contratual. 2 FINKELSTEIN, Maria Eugenia. Direito empresarial. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.162. Regem os contratos mercantis os princípios tradicionais do Direito Contratual, dentre os quais é preciso destacar o princípio da autonomia das vontades, sendo a conhecida expressão pacta sunt servanda dele decorrente. Por meio desse princípio, as partes de um contrato não podem se liberar por sua própria e exclusiva vontade de uma obrigação assumida contratualmente. Dessa forma, o contrato faz lei entre as partes e só pode ser alterado ou revogado mediante acordo de todos os envolvidos. Caso contrário, a parte lesada com a liberação obrigacional tem o direito de pleitear reparação por perdas e danos. Uma das únicas limitações que existiam para o princípio da força vinculante dos contratos no ordenamento anterior era a ocorrência de evento gerado por caso fortuito e/ou força maior. O Código Civil de 2002 manteve essa limitação em seu artigo 393 e inovou com uma outra limitação prevista no artigo 478. Trata-se da cláusula rebus sic stantibus, também conhecida por teoria da imprevisão. Essa teoria já era muito defendida na doutrina nacional e mesmo os tribunais já se manifestavam no sentido de adotá-la em casos concretos. O Código Civil de 2002 consolidou esse posicionamento ao prever expressamente a possibilidade de resolução contratual quando houve a oneração excessiva de prestações contratuais para uma das partes, em decorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários, que ocasionem vantagem extrema para a outra parte. Assim sendo, para a aplicação da teoria da imprevisão é necessário que as condições econômicas de uma das partes, ao tempo do cumprimento do contrato, seja, substancialmente diversas daquelas existentes quando da sua celebração. Contrato de compra e venda mercantil O Código Civil de 2002. Ao unificar o Direito Comercial e o Direito Civil, passou a regular as relações travadas entre os empresários, de forma que o Código Comercial de 1850 ficou quase que totalmente revogado, sendo que somente o Livro II, parte dedicada ao comércio marítimo, continua em vigor. Em sendo assim, o artigo 481 do Código Civil vai caracterizar o contrato de compra e venda a partir da transferência do domínio de certa coisa feita por um contratante, enquanto que o outro ficando obrigado em pagar-lhe certo preço em dinheiro. Para nós, o único requisito do contrato de compra e venda mercantil é que ambas as partes contratantes sejam empresárias na persecução de sua atividade, de forma que o objeto contratado deve ser uma mercadoria e que a finalidade da contratação seja a circulação de mercadorias. O contrato de compra e venda mercantil não pode ter por objeto um produto que vá ser utilizado pelo empresário como destinatário final. A circulação de riquezas é fundamental para a caracterização do contrato. Os elementos formadores do contrato de compra e venda mercantil não fogem às características tradicionais dos contratos. Devem ter, portanto, o consentimento das partes destituído dos defeitos da manifestação de vontade, quais sejam, os vícios do consentimento (erro, dolo e coação) e os vícios sociais (simulação e fraude). Ainda, as partes devem ser capazes e a possibilidade de consentimento poderá se dar tanto entre ausentes, quanto entre presentes. O objeto do contrato de compra e venda não pode ser legalmente inalienável e não pode estar fora do comércio. A contratação pode girar em torno de objetos próprios, atuais ou futuros, certos ou incertos, corpóreos ou incorpóreos. Além disso, esses bens precisam possuir um valor intrínseco ou estimativo capaz de possibilitar uma contraprestação em dinheiro. O Código Civil traz três regras especiais, uma exclusivamente para a compra e venda de coisas móveis e outras duas para operação com imóveis. A primeira regula a compra e venda de coisa móvel à vista de amostras (art. 484 do Código Civil) e as duas outras, a venda de imóvel ad mensuram e ad corpus (arts. 500-501 do Código Civil). Dispõe o art. 484 do Código Civil: “Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem”. Temos assim, amostra como a própria coisa em pequena quantidade, protótipo como o primeiro exemplar de uma coisa que se quer produzir em série e modelo como a reprodução gráfica de coisa objeto do contrato de compra e venda, contendo sua descrição integral. Assim, na compra e venda concluída à vista de amostras, protótipos e modelos, o vendedor garante que as coisas objeto do contrato possuem as qualidades desses exemplares apresentados ao comprador, os quais prevalecem sobre outros elementos descritivos, mesmo se constatada contradição com eventual descrição constante do contrato. Venda ad mensuram, ou venda por metragem, é aquela em que o preço é implícita ou explicitamente determinado pela área do imóvel, o que ocorre em duas situações descritas no art. 500 do Código Civil: i) se o preço é estipulado por medida de extensão, como por exemplo, o contrato em que se estipula a venda de um terreno de 1.230 metros quadrados a R$ 500,00 por metro quadrado; ii) se no contrato a determinação da área é precisa e essencial à fixação do preço, como ocorre na venda de 2 alqueires de terra pelo preço de R$ 2.000.000,00. Nessas situações o comprador tem direito ao complemento da área e, se isso não for possível, o direito de resolver o contrato ou pedir o abatimento proporcional ao preço, salvo se a diferença encontrada não exceder a um vigésimo da área enunciada, isto é, a 5% de sua extensão. Se a área encontrada é superior à da área vendida e o vendedor ignorava a medida exata, o comprador pode, a sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso. Considera-se, contudo, meramente enunciativa a menção à extensão do imóvel quando vendido como coisa certa (sítio Tal) e discriminada (limitando com A e B), isto é, indicando suas confrontações e limites. Aqui o que o comprador busca é o Sítio Tal, sua extensão não é essencial na fixação do preço, mas meramente enunciativa. Neste caso se diz que a venda é feita ad corpus e a falta de correspondência com as dimensões indicadas não acarreta direito de resolução, complementação ou abatimento de preço ao comprador. Além dessas modalidades, o Código Civil regula cinco pactos adjetos, cláusulas especiais à compra e venda, a saber: retrovenda, venda sujeita a contento e venda sujeita a prova, preempção ou preferência, venda com reserva de domínio e venda sobre documentos. O atual Código Civil silenciou acerca do pacto de melhor comprador e o pacto comissório, entretanto não desapareceram da ordem jurídica uma vez que não na nova legislação qualquer proibição. No pacto de melhor comprador oscontratantes acordam o desfazimento de contrato de compra e venda de imóveis se, em certo prazo, aparecer quem ofereça melhor preço. O pacto comissório é a cláusula que prevê a resolução do contrato no caso de não pagamento do preço até determinada data. Retrovenda é a modalidade de cláusula especial, permitida nos contratos de compra e venda de coisa imóvel, mediante a qual o vendedor reserva para si o direito de recobrá-la no prazo decadencial máximo de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador. A venda a contento é aquela sujeita a condição (suspensiva) de o adquirente manifestar seu agrado (art. 509 do Código Civil), considerando-se perfeita a venda somente depois da exteriorização favorável do comprador. Venda sujeita a prova é a contratada sob condição suspensiva de o comprador experimentá-la para o fim de comprovar que a coisa tem as qualidades asseguradas pelo vendedor e é idônea para o fim ao qual se destina (art. 510 do Código Civil). Preempção é modalidade de cláusula especial, permitida em contrato de compra e venda de coisa móvel ou imóvel, mediante a qual o comprador, na eventualidade de venda ou dação em pagamento da coisa, obriga-se, por certo prazo, a notificar o vendedor a exercer direito de prelação (ou preferência) na aquisição do bem, em igualdade de condições com terceiro. Venda com reserva de domínio é aquela em que o vendedor, por cláusula contratual escrita, reserva para si a propriedade de coisa móvel infungível objeto da alienação, até que o preço esteja inteiramente pago. O comprador detém a posse direta, respondendo pelos riscos desde que a coisa lhe foi entregue. O vendedor, na qualidade de proprietário e possuidor indireto, pode cobrar o preço das prestações vencidas e vincendas ou recuperar a própria coisa, por meio de ação de reintegração de posse. Venda sobre documentos é aquela em que a tradição da coisa vendida é substituída pela entrega de seu título representativo e de outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos (art. 529 do Código Civil). Trata-se de modalidade simbólica da coisa que dá ao vendedor o direito de cobrar o preço da venda, na data e no local da entrega dos documentos, salvo se outro momento e lugar forem pactuados. Contrato estimatório ou venda em consignação é aquele em que alguém (consignatário) recebe bem móvel de terceiro (consignante) para efetuar sua venda, obrigando-se a pagar o preço previamente ajustado se deixar de restituir a coisa consignada em sua integridade, no prazo contratado. A expressão estimatório decorre do ajuste prévio de preço (valor estimado). É implícita, também, a temporária suspensão, por parte do consignante, do poder de disposição da coisa, agora exercido em nome próprio pelo consignatário. Contudo, o consignante conserva a propriedade do bem consignado que, assim, não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço. Contratos de colaboração empresarial O contrato de compra e venda mercantil se traduz na principal modalidade contratual para exploração do comércio, ou seja, para a intermediação de bens entre o mercado popular e o mercado consumidor. Entretanto este não é único contrato que interessa ao comércio, ainda mais com a complexidade cada vez maior das relações econômicas. Assim é que seguindo uma terminologia adotada por Fábio Ulhoa Coelho, vamos dividí-lo em contratos de colaboração e contratos bancários. Os contratos de colaboração comercial tem como característica a subordinação empresarial entre o colaborador e o colaborado. Destaque-se que essa subordinação é empresarial, e não pessoal, uma vez que esta, se presente, poderia configurar a existência de relação empregatícia, o que não é o caso. Essa subordinação empresarial, em síntese, representa a obrigatoriedade de o colaborador manter uma organização de sua atividade seguindo padrões fixados pelo colaborado. São espécies do contrato de colaboração comercial: comissão mercantil, representação comercial, concessão mercantil e distribuição e franquia. Comissão mercantil No contrato de comissão mercantil, o comissário atua por conta do comitente, em favor do comitente, mas em nome próprio. A conseqüência disso é o fato de ser o comissário responsável direto pela contratação com o terceiro e não o comitente. É o que dispõe o artigo 694 do Código Civil de 2002. Na maioria ds vezes, inclusive, o comprador não conhece o comitente, mas só o comissário, que é o sujeito de direito da negociação celebrada com o terceiro. A contratação por comissão diferencia-se do mandato mercantil devido ao fato de que o comissário atua em nome próprio, ao passado que o mandatário atua em nome de outrem. Os atos praticados pelo comissário correm por conta e risco do comitente, de forma que se os terceiros buscarem a responsabilização do comissário, ele responderá pelos danos, mas terá direito de regresso em face do comitente. E, via de regra, o comitente deverá arcar com o eventual inadimplemento ou insolvência do terceiro. A comissão mercantil, no entanto, admite a cláusula del credere nos termos do artigo 698 do Código Civil. Por meio dessa cláusula contratual, o comitente divide a sua responsabilidade com o comissário no que se refere ao risco de inadimplemento daquele terceiro com quem negociou, A contramedida para essa oneração do comissário é o aumento obrigatório da remuneração que lhe é devida. Representação comercial O Código Civil de 2002 tratou do contrato de agência ou representação comercial nos artigos 710 e seguinte, sendo complementado pela legislação extravagante no que não for contrária (Lei nº 4.886/1965, alterada pela Lei nº 8.420/1992). É importante destacar que uma das modalidades de representação comercial foi denominada pelo Código Civil como distribuição que difere do contrato de distribuição que está sendo apresentado logo em seguida, visto que na distribuição prevista no Código Civil há uma aproximação entre os dois pólos da relação, na forma de uma representação comercial do distribuidor que angaria negócios para comercializar o produto do distribuído, sem que haja a compra antecedente da mercadoria pelo distribuidor. O contrato de representação comercial é aquele em que uma das partes obriga-se, contra retribuição, a promover habitualmente a realização por conta da outra, em determinada zona de operações mercantis, agenciando pedidos para esta. As partes do contrato de representação comercial podem ser tanto pessoas físicas quanto jurídicas, pois o seu objeto já é, por si, uma relação interempresarial, em que um – o representante – se compromete a criar ou consolidar o mercado para as mercadorias do outro – o representado. Trata-se de uma atividade empresarial propriamente dita, na qual o representante se obriga a agenciar propostas ou pedidos em favor do representado. Os representantes comerciais não são empregados dos representados, uma vez que exercem atividade autônoma. Em alguns casos, porém, a Justiça do Trabalho entende que o representante comercial possui vínculo empregatício com a representada. O contrato de representação tem as seguintes características: a) Profissionalidade do representante, pois ele deve ter como profissão (ou objeto social, no caso de pessoas jurídicas), o agenciamento de negócios; b) Autonomia do representante, ou seja, não subordinação hierárquica em relação ao representado; c) Exclusividade de zonas geográficas dos representantes, uma vez que a região deve ser delimitada para a atuação de cada representante comercial,de forma que o representado não pode eleger mais de um representante de determinado produto para um mesmo local. Essa regra era implícita aos contratos de representação comercial segundo a Lei nº 4.886/1965, e está atualmente expressa no artigo 711 do Código Civil; d) Exclusividade de representação, que significa que um representante não pode representar duas ou mais empresas que atuem na mesma atividade empresarial. O artigo 711 dispõe que o agente não pode agenciar outros proponentes na mesma zona territorial e realizar negócios iguais, ao contrário do disposto no parágrafo único do artigo 31 da Lei nº 4.886/1965, que não fixou essa exclusividade de representação. Concessão mercantil e distribuição Os contratos de concessão e distribuição mercantil não foram regulamentados pelo Código Civil de 2002. São contratos atípicos e apenas a concessão mercantil de veículos automotores possui legislação específica (Lei nº 6.729/1979 – Lei Ferrari), posteriormente modificada pela Lei nº 8.132/1990. Juntamente com o contrato de representação comercial são chamados de contratos de colaboração. Alguns autores distinguem a concessão da distribuição mercantil. Nesse sentido, a distribuição seria meramente uma venda seguida de uma revenda e a concessão seria um contrato mais complexo, no qual o concedente exerceria um controle maior sobre as atividades do concessionário. Nos contratos de concessão mercantil ou distribuição, uma das partes se compromete a vender, de forma contínua, mercadorias da outra parte contratante em área determinada.São contratos de colaboração, pois há nos pólos contratuais dois empresários, sendo que um se compromete a comercializar produtos do outro e construir um mercado de consumo destas mercadorias. O concessionário ou o distribuidor concordam em vender os produtos do concedente ou do distribuído, bem como assumir riscos de desenvolvimento do mercado. Para isso eles investem tanto em divulgação e publicidade da mercadoria, como em formação de estoque de produtos que possam suprir a demanda dos consumidores. A remuneração do concessionário ou distribuidor corresponde à diferença entre o preço de compra da mercadoria e o preço de revenda da mesma. Algumas cláusulas contratuais não podem deixar de ser observadas, pois são específicas para este tipo de contratação, como por exemplo: a) A exclusividade de distribuição é aquela disposição que prevê ser o distribuidor/concessionário obrigado a comercializar apenas produtos do distribuído/concedente, não podendo revenda mercadorias concorrentes. É uma cláusula que beneficia o distribuído/concedente e faz com que o distribuidor/concessionário não o prejudique revendendo produtos dos concorrentes; b) A exclusividade de território, quando prevista contratualmente, protege o distribuidor/concessionário, uma vez que impede o concedente de negociar concessões com outros empresários, o distribuidor/concessionário fica responsável por uma região com exclusividade; c) A cláusula relativa à quota de fornecimento e aquisição de mercadorias fixa quanto deverá ser entregue ao distribuidor/concessionário e também quanto este deverá adquirir no decorrer de determinado período. Essa cláusula é importante, pois nem sempre é possível avaliar a real demanda das mercadorias; e d) A cláusula que dispuser sobre o aparelhamento do distribuidor/concessionário estipulará como será feito o treinamento do pessoal que trabalhará para ele, quais serão as técnicas a serem desenvolvidas, quais aparelhos deverão ser comprados, como será feita a publicidade do produto distribuído, entre outras etc. Essas obrigações cabem ao distribuidor/concessionário, sendo que o distribuído/concedente deverá fiscalizá-las. Franquia (franchising) Os contratos de franquia são regulados pela Lei nº 8.955/1994, que estabelece em seu artigo 2º que a franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusive ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. O franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do franqueador constante assistência técnica e comercial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos. O contrato de franquia é caracterizado pelos seguintes aspectos: a) É um contrato bilateral, consensual, oneroso e de duração continuada; b) É um contrato realizado entre empresas; c) Tem como objeto a cessão do uso da marca ou o título do estabelecimento ou nome empresarial, com assistência técnica, mediante o pagamento de um preço (geralmente uma porcentagem sobre o volume dos negócios), designado royalty; e d) Apresenta, normalmente, exclusividade territorial. Para que exista um contrato de franquia é necessária a presença de um franqueado e de um franqueador, ambos empresários. O franqueado é uma empresa individual ou coletiva que muitas vezes se forma com a finalidade de fazer a distribuição do produto, enquanto que o franqueador é, necessariamente, uma sociedade empresária. Franqueado e franqueador são pessoas distintas e, portanto, cada qual é responsável pelos atos que praticarem. No entanto, as relações que ligam o franqueador ao franqueado são muito íntimas. Neste sentido, muitas regras são impostas pelo franqueador ao franqueado no que diz respeito ao campo de ação deste último. Assim, existem contratos de franquia que fazem com que o franqueado só pratique determinados atos com autorização expressa do franqueador (como, por exemplo, apresentação de produtos, disposição dos mesmos no estabelecimento, freqüência do fornecimento de informes sobre o movimento financeiro do franqueado). Uma importante característica do contrato de franquia é o fato de o mesmo constituir uma rede de distribuição de produtos ou serviços em condições pouco onerosas para o franqueador. Através do contrato, o franqueador evita a abertura de filiais por todo o país. Por outro lado, o franqueado se beneficia da venda de certos produtos com qualidade reconhecida. O contrato de franquia é como um contrato de adesão. Pode ser o contrato de franquia caracterizado em franchising de marca e produto e franchising de indústria. O franchising de marca e produto é aquele cuja base de relação entre franqueador e franqueado se dá no direito de explorar uma marca ou revender produtos em exclusividade. Há nesta modalidade pouco apoio prestado pelo franqueador aos seus franqueados. Já no franchising de indústria, a relação entre franqueador e franqueado não se limita ao direito de vender produtos ou utilizar a marca, mas à transferência de todo o conceito de negócio. Contratos bancários A importância da atividade bancária para o desenvolvimento das atividades empresariais decorre do fato de permitirem aos empreendedores a obtenção de recursos para fazer frente aos seus investimentos. No Brasil, a atividade bancária está regulada pela Lei nº 4.595/1964 que em seu art. 17 “consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor depropriedade de terceiros”. A atividade bancária é exercida pelas instituições financeiras (bancos), as quais, segundo o art. 18 da Lei nº 4.595/1964, “somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras”. Ademais, devem essas instituições, quando privadas, constituir-se sob a forma de sociedade anônima, com exceção das chamadas cooperativas de crédito. Então os contratos bancários são aquelas modalidades contratuais formalizadas pelos bancos no exercício de atividade bancária, ou seja, com a finalidade de coletar, intermediar ou aplicar recursos junto aos agentes econômicos. Perceba-se que nos contratos bancários sempre estará presente um banco, mas isso não significa que todo contrato firmado por um banco mereça a qualificação de contrato bancário. Só receberão essa qualificação aqueles contratados firmados por bancos e que se insiram no conceito de atividade bancária. Os contratos bancários estão divididos em típicos ou atípicos. Típicos são os que têm por objeto a atividade bancária propriamente dita e se subdividem em próprios (depósito, mútuo, desconto, etc.) e impróprios (alienação fiduciária em garantia, arrendamento mercantil, faturização e cartão de crédito). Atípicos, por sua vez, são os que têm por objeto operações correlatas ou acessórias à atividade bancária, como por exemplo, o aluguel de cofre para a guarda de valores. Também se divide as operações bancárias em passivas ou ativas, dependendo se a instituição financeira torna-se devedora ou credora do particular. Assim, as operações passivas têm como fulcro fazer com que o numerário circule, dinamizando o crédito, ou seja, as instituições financeiras tornam-se devedoras de seus clientes, dos quais recebem um numerário pelo qual ficam responsáveis. São exemplos de operações passivas: depósito bancário, emissão de notas bancárias e redesconto. Constituem operações ativas aquelas em que as instituições financeiras encontram-se na qualidade de credores, como empréstimos, desconto, antecipações e abertura de crédito. Depósito bancário No depósito bancário, uma pessoa (depositante) entrega ao banco (depositário) uma determinada quantia em dinheiro, cabendo ao banco restituí- la, na mesma espécie, em data predeterminada ou quando o depositante solicitar. É contrato real, isto é, somente se aperfeiçoa com a entrega do dinheiro à instituição financeira depositária. Existem três espécies de depósito bancário: i) depósito à vista, no qual o banco deve restituir imediatamente a quantia solicitada pelo depositante, ii) depósito a pré-aviso, no qual a restituição, quando solicitada, deve ser feita pelo banco em um prazo contratualmente estipulado; iii) depósito a prazo fixo, no qual a restituição só pode ser solicitada após uma determinada data fixada no contrato (poupança). Mútuo bancário O mútuo consiste de um empréstimo, ou seja, é o contrato bancário por meio do qual o banco disponibiliza para o cliente uma determinada quantia, cabendo a este pagar ao banco o valor correspondente, com os acréscimos legais, no prazo contratualmente estipulado. Também se trata de contrato real, uma vez que somente se aperfeiçoa com a efetiva entrega da quantia emprestada ao cliente. Ademais, é contrato unilateral, já que o banco não assume nenhuma obrigação perante o mutuário. A este é que cabem as obrigações do contrato: restituir o valor corrigido monetariamente, arcar com os juros de demais encargos etc. Desconto bancário Consiste, basicamente, na antecipação de pagamento ao cliente, que em troca cede ao banco um determinado crédito, ainda que não vencido, contra ele mesmo ou contra terceiro. Esse crédito cedido geralmente é documentado por meio de um título de crédito e o cliente assume perante o banco a responsabilidade pelo seu pagamento. É claro que o banco, ao realizar essa operação, não antecipa ao cliente o valor total do crédito cedido, deduzindo um valor (deságio) que representará, justamente, o ganho econômico. Importante observar o direito de regresso do banco contra o cliente, no caso de o crédito cedido por este não ser honrado pelo devedor. Em razão de o desconto bancário ser feito com títulos de crédito, estes são cedidos ao banco mediante endosso o que possibilita voltar contra o cliente, protegendo-se contra eventuais exceções pessoais que não lhe digam respeito. Abertura de crédito Por meio desse contrato o banco põe à disposição do cliente uma quantia determinada de dinheiro, que ele poderá utilizar, caso necessite. No linguajar comum tem sido chamado de cheque especial. O ganho econômico do banco nessa operação está, basicamente, nos juros cobrados do cliente caso ele use a quantia disponibilizada. Na verdade, os bancos também podem cobrar do cliente uma comissão pela simples disponibilização do crédito, mas não costumam fazê-lo, por mera liberalidade que, na verdade, traduz-se em política negocial para atrair clientes, Alienação fiduciária em garantia Trata-se de um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, móvel ou imóvel, ficando esta parte (uma instituição financeira) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato. A alienação fiduciária foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 4.728/1965, que tratava da alienação fiduciária em seu artigo 66-B, alterada posteriormente pelo Decreto Lei nº 911/1969. Atualmente, a propriedade fiduciária de bens móveis também é regulada pelo Código Civil de 2002, em seus artigos 1.361 a 1.368, e a propriedade fiduciária de bens imóveis é tratada pela Lei nº 9.514/1997. Participam do contrato o fiduciante, que é o devedor que aliena o bem, detém sua posse direta e a expectativa de, após cumprida determinada obrigação, recuperar a propriedade do bem, e fiduciário, que é o credor que adquire o bem, detém a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem. Além de ser um contrato bilateral, oneroso, caracteriza-se a alienação fiduciária o fato de ser um contrato acessório e formal. É acessório uma vez que sua existência jurídica sujeita-se a uma obrigação principal, geralmente um mútuo bancário. É formal porque deve ser elaborado por meio de instrumento escrito, seja público, seja particular, levado a registro perante o Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos , perante repartição competente para o seu licenciamento. Arrendamento mercantil (leasing) O contrato de leasing começou a ser utilizado no Brasil por volta de 1967 e, na época, era uma espécie contratual atípica, sem previsão legal, O aumento da utilização do contrato de arrendamento mercantil fez com que fosse criada a Associação Brasileira de Empresas de leasing e, em 1974, a Lei nº 6.099 acabou por ser promulgada. Essa lei sofreu uma alteração pela Lei nº 7.132/1983, sendo que o contrato de arrendamento mercantil passou a ser um contrato típico. O contrato de leasing é aquele segundo o qual uma pessoa jurídica (arrendante) arrenda a uma pessoa física ou jurídica (arrendatário), por tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações da segunda, tendo o arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado no fim do prazo contratual, mediante um preço residual previamente fixado. Caracteriza- se, dessa forma, como uma modalidade diferenciada de financiamento. Este contrato deve ter prazo determinado, de forma que, ao término do período do arrendamento,o arrendatário possui três opções: i) comprar o bem que lhe foi arrendado, ii) prorrogar o arrendamento, ou iii) resilir o contrato, devolvendo o bem ao arrendante. A primeira etapa para a celebração de um contrato de arrendamento mercantil é a indicação pelo arrendatário do bem que lhe interessa adquirir sob a forma de um arrendamento mercantil. Note-se que a indicação deve ser detalhada e minuciosa, pois quem utilizará o bem será o arrendatário e o arrendante atua apenas como intermediário, realizando a sua compra. Uma vez adquirido o bem, a segunda fase do contrato é o arrendamento propriamente dito pela proprietária (arrendante) à pessoa que solicitou a aquisição (arrendatário). O arrendatário passa, então, a pagar uma prestação periódica pelo uso do bem para o arrendante, fixando um prazo determinado para fim do contrato. No contrato de compra e venda celebrado entre o futuro arrendante e o vendedor do bem, não há qualquer interferência por parte do arrendatário. Este último indica o bem de seu interesse ao arrendante, mas é este quem efetua a compra e a negociação do bem. A efetivação do contrato ocorre quando o arrendante, já proprietário do bem, concede os direitos de uso e transfere a posse do bem ao arrendatário, mediante o pagamento de uma prestação a ser paga periodicamente. Caso a arrendatário do bem resolva rescindir o contrato antes do prazo, estará incorrendo em grande prejuízo, pois deverá pagar ao arrendante todas as parcelas prefixadas no contrato de arrendamento, independentemente do abandono do uso do bem. Existem, atualmente, várias modalidades de contrato de leasing, todas com a mesma estrutura básica, mas com algumas peculiaridades que os diferenciam. São os principais tipos: a) Leasing financeiro é aquele em que um empresário se dedica habitual e profissionalmente a adquirir bens produzidos por outros para arrendá-los, mediante uma retribuição estabelecida, a uma pessoa que deles necessite; b) Lease-back ou leasing de retorno ocorre quando uma empresa é proprietária de um bem, móvel ou imóvel, e o vende a uma outra empresa. Esta, adquirindo-o, imediatamente o arrenda à vendedora do bem arrendado. Não há aquisição de um bem de terceiro. c) Leasing operacional é o contrato de arrendamento mercantil que possui prazo exíguo de duração, em que os bens arrendados geralmente são maquinários utilizados em construções, de forma que o arrendante realiza vários arrendamentos com o mesmo bem. Outra peculiaridade é que estes contratos podem ser rescindidos a qualquer tempo, sem que o arrendatário tenha de pagar todas as prestações vincendas. Observa Maria Eugenia Finkelstein que os contratos de leasing são muito úteis para empresários que estão iniciando uma atividade e para aqueles empresários que não possuem capital de giro disponível para investir, “Isso porque, por meio do arrendamento, eles conseguem adquirir infraestrutura sem o dispêndio de capital e, ainda, pagar o valor dos bens arrendados com o produto do trabalho deles mesmos. Isso, sem dúvida, explica o crescimento desta modalidade contratual”3. 3 FINKELSTEIN, idem, p.200. Faturização (fomento mercantil ou factoring) Segundo definição de Maria Helena Diniz, “o contrato de faturização de fomento mercantil ou factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos”4. Na verdade, trata-se de vendas mercantis que se destina ao incremento de uma atividade econômica (fomento), de forma a permitir ao empresário uma melhor organização do seu negócio que têm dificuldade de acesso ao crédito pelas vias normais do sistema financeiro nacional. Existem duas espécies de factoring: i) conventional factoring e ii) maturity factoring. No conventional factorign há a antecipação dos valores referentes aos créditos do faturizado, mas o mesmo não ocorre no maturity factoring, em que há apenas a prestação de serviços de administração do crédito. Claro que no conventional factoring a remuneração da instituição financeira faturizadora costuma ser mais elevada, em razão do fato de ela antecipar ao cliente faturizado os valores dos seus créditos. “O factoring envolve, portanto, uma técnica de gestão comercial, caracterizada pela participação do faturizador nos negócios do faturizado; o faturizador passa a orientar o faturizado na escolha dos seus clientes, na concessão de crédito a esses clientes etc. Isso, em última análise, é importante para o próprio faturizador, uma vez que irá minimizar os seus riscos. Afinal, se os clientes do faturizado forem escolhidos de forma mais criteriosa, menores serão as chances de que não honrem os títulos de crédito objeto da faturização”.5 Não há, no Brasil, uma legislação específica referente ao factoring, havendo, no entanto, uma diversidade de diplomas legais atinentes à matéria, tais como Lei nº 5.474/1968, Lei Uniforme, Lei nº 8.981/1995, Lei nº 9.249/1995 e Resolução nº 2.144/1995 do Conselho Monetário Nacional. Da análise dos diplomas legais mencionados, pode-se afirmar que o contrato de factoring envolve, além das operações de aquisição de créditos, operações de gestão de crédito, serviços de seleção de riscos, administração de contas a receber e a pagar, cobrança, proteção contra risco de crédito e fornecimento de recursos. Estão presentes no contrato de factoring os seguintes elementos: i) aquisição de créditos ou prestação de serviço discriminado; ii) transferência de riscos para o faturizador de receber os valores cedidos pelo faturizado-cliente; 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Volume 3. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.739. 5 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. São Paulo: Método, 2010, p.482. iii) cláusula expressa de não regresso contra o cedente dos créditos; iv) liberdade de escolha por parte do faturizador das faturas ou títulos cedidos; e v) cobrança de comissão ou taxa de remuneração. Cartão de crédito Trata-se de contrato por meio do qual uma instituição financeira, a operadora do cartão, permite aos seus clientes a compra de bens e serviços em estabelecimentos comerciais cadastrados, que receberão os valores das compras diretamente da operadora. Esta, por sua vez, cobra dos clientes, mensalmente, o valor de todas as suas compras realizadas num determinado período. Distingue-se três relações jurídicas distintas numa operação com cartão de crédito: i) a da operadora com o seu cliente; ii) a do cliente com o estabelecimento comercial; iii) a do estabelecimento comercial com a operadora. Só há relação de consumo nas duas primeiras relações jurídicas. Em contrapartida, não há relação de consumo na relação entre a operadora e o estabelecimento comercial credenciado, porque utiliza o sistema de cartões de crédito para facilitar as vendas, ou seja, somente o usa com intuito de obter lucro, como atividade comercial. Seguro O contrato de seguro é o contrato por meio do qual uma empresa assume a obrigação de ressarcir prejuízo sofrido por outrem, em virtude de evento incerto, mediante o pagamento de determinada importância. O verdadeiro objeto do contrato de seguro é o risco, ou seja, o fato incerto e imprevisto que pode acontecer a qualquer momento, ou nunca. O segurado transfere a preocupação com o risco para a seguradora, que passará
Compartilhar