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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 1 SENTENÇA Processo n. 0000000-55.2012.26.0100 Autor: Empresa A Réu: Empresa Z Vistos, etc. Cuidam os autos de ação ordinária ajuizada pela Empresa A em face da Empresa Z, em que a primeira requereu a rescisão do contrato de fornecimento de insumo químico firmado entre as partes, com a condenação da ré ao pagamento de danos emergentes, lucros cessantes e danos morais. A autora narra na inicial que é uma conhecida empresa fabricante de plástico de policarbonato. Atua em diversos seguimentos do mercado, com destaque para o ramo da construção civil, com a fabricação de chapas de policarbonato, utilizadas principalmente para coberturas e toldos. Em 1999, a autora celebrou contrato com a Empresa Z para o fornecimento de polímero utilizado em seu processo industrial. A Empresa Z sintetiza esse polímero atendendo às especificações da Empresa A, descritas no Anexo I ao instrumento contratual firmado entre as partes. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 2 Segundo a autora, a qualidade do composto químico fornecido nos anos de 2001, 2005 e 2011 pela Empresa Z estava aquém dos padrões de qualidade esperados. Tal defeito, segundo a autora, prejudicou a fabricação do policarbonato, dando ensejo ao recebimento de diversas reclamações por parte de seus parceiros comerciais e consumidores. Alega ainda que teve de substituir vários lotes dos produtos e sofreu a rescisão de 2 contratos de distribuição celebrados com grandes redes varejistas de materiais de construção. Consta da inicial, outrossim, que a autora sofreu o ajuizamento de duas demandas indenizatórias por ex-parceiros comerciais e teve de arcar com o pagamento de honorários de advogado, bem como das condenações arbitradas em cada processo. Quanto ao dano moral, assevera que sua imagem foi prejudicada perante o mercado, tendo perdido o posto de líder na fabricação de policarbonatos para sua principal concorrente. Assim, requer a condenação da ré ao pagamento de danos emergentes no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para cada ano em que o polímero foi fornecido aquém dos padrões de qualidade esperados. Postula ainda o pagamento de lucros cessantes na importância de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e danos morais a serem arbitrados por este juízo. Pede também a condenação da ré a custear as campanhas publicitárias da autora veiculadas na mídia pelo período de 3 meses, como forma de minimizar os danos causados à sua imagem. Por fim, pede a inversão do ônus da prova, ao argumento de que a Empresa Z era sua fornecedora. Atribui à causa o valor de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais). Citada, a Empresa Z contestou o feito. Inicialmente, alegou prescrição da pretensão indenizatória pelos lotes defeituosos de 2001 e 2005. No mérito, negou todos os fatos afirmados na inicial e disse que a má qualidade do plástico de policarbonato decorreu de problemas no processo industrial da Empresa A e não da sintetização do polímero. Ao final, impugnou os valores requeridos a título de TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 3 indenização e a pretensão de custear as campanhas publicitárias da autora. Quanto a este último pedido, asseverou que a despesa não tem relação direta com a alegação de descumprimento do contrato. Oportunizado às partes especificar as provas que pretendiam produzir, a autora reiterou o pedido de inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Pediu também a produção de perícia contábil para apuração do prejuízo decorrente do inadimplemento imputado à ré. A Empresa Z, por seu turno, requereu a realização de perícia técnica nos lotes de composto dos anos de 2001, 2005 e 2011 que possuía em seu estoque e juntou aos autos documentos que atestam que os processos químicos gerenciados repor ela obedecem a rigorosos padrões de qualidade, tendo inclusive obtido a certificação ISO nos anos de 2007, 2008 e 2009. Foi deferida a realização de perícia contábil e nomeado como perito o engenheiro civil Antônio da Silva. Entregue o laudo, as partes apresentaram suas considerações e pareceres de assistentes técnicos. Encerrada a fase probatória, vieram aos autos alegações finais de ambas as partes. A Empresa A, nessa oportunidade, apresentou um laudo extrajudicial, em que foram analisadas amostras das remessas questionadas, concluindo-se pela inobservância dos padrões de qualidade contratualmente determinados. É o relatório. Decido. Inicialmente, passo à análise da alegação de prescrição. Segundo a ré, a pretensão indenizatória referente ao fornecimento do polímero nos anos de 2001 e 2005 estaria prescrita. Entendo que se aplica ao caso em comento o prazo prescricional do art. 205 do Código Civil, de 10 (dez) anos, porquanto a pretensão indenizatória decorrente de TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 4 ilícito contratual não se amolda a nenhum dos parágrafos e incisos do art. 206 do mesmo diploma. Com efeito, o inciso V do §3º do art. 206 do Código Civil só se aplica aos casos de responsabilidade extracontratual, como evidencia uma interpretação sistemática de todo o dispositivo. Não faria sentido o Código Civil estabelecer o prazo de 5 anos para a execução de obrigações contratuais (art. 206, §5º, inciso I) e admitir o prazo trienal para reparação dos prejuízos decorrentes do inadimplemento destas obrigações oriundas de contrato. Outro não é o entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: “O artigo 206, § 3º, V, do Código Civil cuida do prazo prescricional relativo à indenização por responsabilidade civil extracontratual, disciplinada pelos artigos 186, 187 e 927 do mencionado Diploma. A Corte local apurou que a presente execução versa sobre montante relativo a não cumprimento de obrigação contratual, por isso que não é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil” (STJ, 4ª Turma, REsp 1.222.423/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 15.9.2011, DJe 1.2.2012). Como a presente demanda foi ajuizada em 5 de março de 2012, está prescrita apenas a pretensão indenizatória pelo descumprimento do contrato no ano de 2001. Rejeito, portanto, a prejudicial quanto às verbas devidas referentes ao ano de 2005. Superada a prejudicial, passo à análise do mérito. A Empresa A imputa à Empresa Z o descumprimento do contrato de fornecimento de insumo químico celebrado entre as partes e reclama o pagamento de TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 5 danos emergentes, lucros cessantes e dano moral. Escora sua pretensão nas cláusulas 8.1, e 8.4 da avença que assim dispõem: “8. São obrigações da contratada: 8.1. Executar os fornecimentos com integral observância das disposições contratuais, obedecendo rigorosamente aos padrões de qualidade e às especificações fornecidas pela contratante no Anexo I a este instrumento, que é parte integrante da avença para todos os efeitos; (...) 8.4. Responsabilizar-se por quaisquer danos ou prejuízos causados a contratante ou terceiros em razão dos fornecimentos contratados, por ação ou omissão sua ou de seus prepostos, bem como pela inobservância ou infração de disposições legais, regulamentos ou posturas vigentes”. A ré, por sua vez, nega que tenha fornecido o polímero em desconformidade com as especificações técnicas. Desse modo, para solução da presente demanda, faz-se necessário apurar se a EmpresaZ descumpriu ou não o contrato firmado entre as partes, fornecendo polímero sintético em desacordo com os padrões contratados. In casu, deve ser aplicada a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, a Empresa Z pode ser classificada como fornecedora, nos termos do art. 3º do diploma consumerista: “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 6 Além disso, como se discute a qualidade dos insumos fornecidos pela ré, ela tem melhores condições, em comparação com a autora, de comprovar que o processo de sintetização do polímero por ela desenvolvido não apresentou falhas nos anos de 2001, 2005 e 2011. A ré, no entanto, não conseguiu elidir as afirmações feitas na petição inicial e tampouco comprovou que a má-qualidade do policarbonato fabricado pela autora decorra de deficiências no processo industrial desta. Os documentos apresentados concomitantemente à petição de especificação de provas não atestam que os polímeros sintéticos fornecidos nos autos de 2001, 2005 e 2011 estivessem em conformidade com as especificações contratuais. A ré só logrou demonstrar que é empresa conceituada no mercado, mas tal fato não afasta a possibilidade de falhas no processo químico por ela desenvolvido. Assim, conclui-se que a Empresa Z descumpriu o contrato celebrado e deve indenizar a Empresa A por todos os danos decorrentes. Segundo o art. 186 do Código Civil, “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Diante do inadimplemento da Empresa Z, aplicam-se, outrossim, os arts. 389 e 402 do diploma civilista: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 7 “Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Além do inadimplemento contratual, resta configurado também o nexo de causalidade entre o fornecimento do polímero defeituoso e os prejuízos experimentados pela Empresa A, consubstanciados na queda na venda de seus produtos, rescisão dos contratos firmados com representantes varejistas e necessidade de reposição de lotes de policarbonato enviados para a construção civil. A perícia contábil realizada nos autos confirmou todos os danos emergentes indicados na petição inicial. Como as objeções apresentadas pela ré e seu assistente técnico ao impecável trabalho realizado expert se mostram infundadas, acolho por completo as conclusões do laudo pericial. Arbitro, portanto, a indenização pelos danos emergentes no valor de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais). Condeno a ré ainda ao pagamento dos lucros cessantes, que deverão ser apurados em liquidação de sentença. Dispositivo Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela Empresa A para declarar rescindido o contrato de fornecimento de insumos químicos firmado com a Empresa Z. Declaro prescrita a pretensão indenizatória pelo descumprimento do contrato no ano de 2001 e rejeito a prejudicial referente às verbas devidas pelo inadimplemento no ano de 2005. Por conseguinte, condeno a ré ao pagamento das seguintes verbas: a) R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) a título de danos emergentes, que deverão ser corrigidos desde a data informada no laudo pericial contábil e acrescidos de juros de TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 50ª VARA CÍVEL 8 mora de 0,5 % ao mês, desde a citação até o efetivo pagamento; e b) lucros cessantes em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença. Tal valor deverá ser corrigido desde o arbitramento e acrescido de juros de mora desde a citação. Julgo improcedente o pedido de condenação da ré ao pagamento de danos morais, pois não foram comprovados os prejuízos extrapatrimoniais experimentados. Ante a sucumbência mínima da autora deixo de condená-la ao pagamento de verba honorária, nos termos do art. 21, § único, do Código de Processo Civil. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários do advogado do autor, que, devido ao seu excepcional trabalho, arbitro em 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor da causa. São Paulo, 25 de janeiro de 2013. Tício Fulano de Tal Juiz de Direito
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