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Maria Eduarda de Alencar – Odontologia 2019.2 Carcinogênese Introdução - A carcinogênese é um processo complexo, multifásico e dependente de fenômenos genéticos e epigenéticos – mudanças na expressão gênica que podem ser herdadas e que não alteram a sequência do DNA, como a metilação do DNA e a modificação de histonas – que culminam no surgimento de clones de células imortalizadas que adquirem a capacidade de se multiplicar autonomamente, e rapidamente, de invadir os tecidos vizinhos – crescimento infiltrativo – e de dar metástases (99,7% dos casos); OBS.: Uma exceção a regra é o carcinoma basocelular – câncer de pele – ele é maligno, mas não produz metástase. OBS.: Metástase não é o mesmo que câncer secundário. - O câncer é considerado uma doença genômica de células somáticas resultante de alterações na expressão de certos genes, especialmente daqueles que regulam a proliferação e a diferenciação celulares; → Tipos Celulares - Células Lábeis: Células que conseguem proliferar sempre e estão em constante renovação. A maioria das neoplasias surgem delas; - Células Estáveis: Células que só se proliferam quando são estimuladas. Elas permanecem no estado de G0 e, quando recrutadas, entram no ciclo celular; - Células Perenes ou Permanentes: Células incapazes de se proliferar/ regenerar; → Fatores Predisponentes !!! Predisposição Genética (26-42%) - Mesmo com a predisposição genética, o indivíduo pode não desenvolver uma neoplasia, necessitando de outros fatores predisponentes. Na boca, esse fator tem sido bem estudado atualmente, pois observou-se que alguns pacientes com câncer de boca não apresentavam histórico de tabagismo, elitismo, nem outros fatores de risco, como a idade avançada – quanto mais velho, maior o tempo de exposição a certos carcinógenos; !!! Fatores Ambientais (65%) - Tabagismo: Associado sobretudo aos cânceres dos pulmões, da boca, laringe, faringe, esôfago e bexiga; - Dieta Rica em Gorduras: Especialmente em relação ao carcinoma colorretal; - Obesidade: Associado aos adenocarcinomas do esôfago, do endométrio, do pâncreas e da mama; - Alimentos Processados: Em 2015, a OMS incluiu carnes processadas entre os produtos sabidamente carcinogênicos; - Alcoolismo: Particularmente quanto aos cânceres da laringe, faringe, esôfago e fígado – neste, também pode-se desenvolver um câncer por causa da associação com cirrose; - Infecções: Em especial por alguns vírus, como o HPV; - Exposição a Carcinógenos Ambientais: Como radiações UV, ionizantes, e alguns compostos químicos, como asbestos – amianto; → Agentes Carcinogênicos - Grupo 1: O agente é carcinogênico a humanos. Há evidências suficientes de que os agentes presentes nesse grupo são carcinogênicos, ou seja, cancerígeno para humanos. Ex.: Tabaco e tabagismo passivo, bebidas alcoólicas, vírus HIV, carnes embutidas e radiação solar; - Grupo 2A: O agente provavelmente é carcinogênico a humanos. Há evidências suficientes de que os agentes presentes nesse grupo são carcinogênicos para animais e evidências limitadas ou insuficientes de que são carcinogênicos para humanos. Ex.: Anabolizantes, carne vermelha, emissões de motores a diesel e inseticida lindano; - Grupo 2B: O agente é possivelmente carcinogênico a humanos. Há evidências limitadas de que os agentes pertencentes a esse grupo são carcinogênicos para humanos e evidências suficientes de que eles são carcinogênicos para animais ou, em outros casos, não há evidências suficientes em ambos os casos, mas há dados relevantes de que eles possam ser carcinogênicos. Ex.: Cafeína, gasolina e alguns herbicidas; - Grupo 3: O agente não é classificado como carcinogênico a humanos. As evidências não são adequadas para afirmar que os agentes pertencentes a esse grupo são carcinogênicos a humanos e animais, ou, em outros casos, os agentes não se encaixam em nenhum outro grupo. Ex.: Ácido acrílico, iluminação fluorescente e mercúrio. Bases Moleculares da Carcinogênese - Em situações de normalidade, a proliferação das células é regulada: 1. De modo inibitório pelas proteínas codificadas pela expressão dos genes supressores de tumores (o P53 é o mais importante a nível de boca) – controle negativo; 2. De modo inibitório por genes que condicionam a morte celular programada ou apoptose – controle negativo; 3. De modo estimulatório pelas proteínas codificadas pela expressão dos proto-oncogenes – controle positivo; 4. De modo estimulatório por genes que regulam a mobilidade celular e a produção de fatores do crescimento – controle positivo; → Genes - Proto-oncogenes: São genes ativos e importantes para as células e, em sua forma nativa e quando regulados, atuam no controle da proliferação celular normal; !!! Produtos dos Proto-oncogenes - Fatores de crescimento: PDGF, por exemplo; - Receptores de fatores de crescimento: erbB – EGF; - Proteínas ligadoras de GTP, como a proteína RAS – mutada, ela perde a capacidade de ser estimulada pela GTPase, como não ocorre hidrólise do GTP a proteína RAS permanece na sua forma ativa estimula continuamente a proliferação celular; - Proteínas citoplasmáticas com atividade cinásica; - Ciclinas, CDKs e seus inibidores: Possuem papel crucial na regulação da proliferação; - Proteínas nucleares (fatores de transcrição): Elas interagem com o DNA e atuam estimulando ou inibindo genes. São as responsáveis pela imortalização e também estão relacionadas a via de apoptose – p53 (proteína) estimula a apoptose; BCL-2 é anti-apoptótica. Ex.: myc, myb, fos; - Em casos de mutações – alteração na estrutura do gene – translocações e rearranjos, resultando na produção anormal de oncoproteínas, ou de aumento da expressão gênica – função exacerbada – os proto-oncogenes se tornam oncogenes; - Oncogenes: Genes superexpressos, cuja expressão é responsável pelo aparecimento das neoplasias – há uma codificação de proteínas superexpressadas que fazem a célula entrar no ciclo celular, mas de maneira desordenada (super produção dos produtos dos proto- oncogenes). Quando a célula produz seu próprio fator de crescimento ela adquire autonomia; OBS.: É preciso haver um acúmulo em mutações de oncogenes para haver transformação celular, normalmente. Além disso, a mutação que provoca a diferenciação de proto-oncogenes em oncogenes não é o suficiente para provocar a formação de uma neoplasia; - Existem genes que impedem a entrada das células no ciclo celular, para geração de uma neoplasia esses genes tem que ser inibidos: - Genes Supressores de Tumor: São “freios” que evitam a reprodução descontrolada da célula. Em conjunto, tais genes atuam como um sistema coordenado e eficaz que impede a proliferação celular desordenada após agressões. Esses genes têm comportamento recessivo, portanto, precisam ter os dois alelos afetados para perder sua função; OBS.: Uma célula com oncogenes ativados, mas com supressores de tumor íntegros não desenvolve processo neoplásico. - Esses genes podem agir inibindo complexos ciclina/CDK ou fatores de crescimento estimulados por eles. Outros atuam em vias de ativação de apoptose ou que estimulam a diferenciação e inibem mitose; - Um gene supressor de tumor muito importante é o P53, que codifica a proteína p53, considerada a guardiã do genoma, pois atua em várias vias – apoptótica, de reparo do DNA (checkpoint da fase S), de crescimento celular e angiogênese (ativação de mediadores que estimulam a angiogênese tecidual); !!! Genes da Apoptose: Estes podem inibir ou favorecer a apoptose. O maior acúmulo de células neoplásicas ocorre por inibição apoptótica – mutação do p53 (guardiã do genoma) pode reduzir a expressão de pró-apoptóticos, como o BAX; !!! Genes de Reparo: São genes que codificam moléculas que participam do reconhecimento e reparo de lesões ao DNA. Quando há erros, lesões ou alterações no DNA, os genes de reparo possuema capacidade de corrigir esses problemas, evitando que eles sejam passados às células-filhas. Caso esses genes não estejam nas condições normais de funcionamento, essas alterações serão passadas adiante favorecendo o surgimento de uma neoplasia; - Genes da Mobilidade Celular: Genes que são normalmente encontrados nas células, mas só são expressados nas células móveis por natureza. Quando expressos nos oncócitos, permite que estes produzam substancias, como a hialuronidase e a TAF – fator de crescimento tumoral – que irão dissolver as barreiras tissulares e permitir invasão de outros tecidos e vasos sanguíneos – invasibilidade. Etapas da Carcinogênese - As fases são: iniciação – mutação da célula – promoção – expansão clonal – e progressão; → Iniciação - O agente carcinogênico produz alterações genéticas permanentes na célula – mutações. Corresponde a fase de transformação celular. As mudanças irreversíveis induzidas por carcinógenos físicos, químicos ou biológicos causam modificações genômicas nas células e alteram suas respostas ao microambiente, tornando-as potencialmente capazes de se multiplicar de modo autônomo; - Uma célula iniciada pode se tornar menos responsiva a fatores que inibem a proliferação celular, a indutores de diferenciação ou a apoptose, tornando-se potencialmente capaz de dar origem a um tumor. No entanto apenas uma célula iniciada não origina tumor; - Exemplos de agentes químicos iniciadores: Benzopirenos – fumaça do cigarro – vírus oncogênicos, hidrocarbonetos policíclicos e heterocíclicos aromáticos; → Promoção - A célula iniciada é estimulada a proliferar, ampliando o clone transformado e há diminuição da morte celular. Não há formação de tumores quando o agente promotor – sozinhos eles não são tumorigênicos – é aplicado antes, ao invés de depois, do agente iniciador; - Ocorre a proliferação ou expansão das células iniciadas. Isso é indispensável na “fixação” da alteração e para o aparecimento da neoplasia – muita proliferação aumenta as chances de novas mutações; - A promoção é um processo demorado e reversível – caso o agente promotor seja removido antes do término desse processo; - Exemplos de Agentes Promotores: Exposição prolongada a certos hormônios, álcool e tabaco; → Progressão - O clone transformado prolifera, o tumor cresce e surgem células com potencial metastatizante. Nesse estágio o câncer já está instalado e já são visualizadas as primeiras manifestações clínicas. Modificações de biológicas tornam o tumor cada vez mais maligno e agressivo; OBS.: Um exemplo de agente que atua nessa etapa é o tabaco. - A partir do clone original da neoplasia vão surgindo outros mais ou menos adaptados, que são diferentes sob os aspectos citogenéticos, de imunogenicidade, de velocidade de crescimento, de exigência de fatores de crescimento, de receptores de superfície, do poder de invasão e metastatização e de resistência a medicamentos. Geralmente, à medida que o tempo passa, vão sendo selecionados clones mais agressivos e malignos; - A metástase – a neoplasia se desenvolve em sítios distantes da sua origem – ocorre por meio dos vasos sanguíneos ou linfáticos. Para tal, é necessária a atuação de genes para metástase – H-RAS, MTA-1 e MTA-2 – e falta de expressão de genes de e-caderinas – faz a adesão entre células; OBS.: Fases da metástase → perda da adesão celular, adesão à membrana basal adjacente, degradação da matriz extracelular a partir da secreção de metabólitos e migração para a matriz extracelular. OBS.: O local para onde as células neoplásicas migrarão não é escolhido ao acaso, mas sim em função de um gradiente quimiotático. Existem receptores na superfície das células neoplásicas que percebem a secreção citocinas pelo órgão alvo da metástase – é como se o órgão estivesse “chamando as células tumorais”. Carcinogênese Química - Os alvos moleculares dos carcinógenos químicos são o RAS e o P53; - As substâncias químicas que podem causar a iniciação da carcinogênese podem ser classificadas em duas categorias: carcinógenos de ação direta e de ação indireta; → Carcinógenos de Ação Direta - Eles não requerem a conversão metabólica para se tornarem carcinogênicos. Ex.: Agentes alquilantes, como a ciclofosfamida; → Carcinógenos de Ação de Indireta - Eles requerem a conversão metabólica para um carcinógeno em sua forma final antes que eles se tornem ativos. Ex.: Benzopirenos, hidrocarbonetos policíclicos, anilina; !!! A maioria dos carcinógenos requer ativação metabólica para a conversão em carcinógenos em sua forma final. Outras vias metabólicas podem levar à inativação – destoxificação dos pró-carcinógenos ou de seus derivados. Assim, a potência carcinogênica de uma substância química é determinada não somente pela atividade inerente de seu derivado eletrolítico, mas também pelo equilíbrio entre ativação metabólica e reações de inativação. Carcinogênese Física - A energia de radiação, quer seja na forma de raios UV da luz solar ou sob a forma de ionização eletromagnética e de radiação particulada, é um carcinógeno bem estabelecido, estando ela associada a câncer de pele – radiação UV – e a outros tipos de câncer, como o câncer de tireóide, de mama, de pulmão e das glândulas salivares – radiações ionizantes; - A porção de UV do espectro solar pode ser dividida em três grandes gamas de comprimento de onda: UVA (320-400 nm), UVB (280-320 nm) e UVC (200 a 280 nm). Acredita-se que entre eles, o UVB seja responsável pela indução dos cânceres de pele. O UVC, apesar de ser um potente mutagênico, não é considerado significativo porque é filtrado pela camada de ozônio ao redor da terra – atualmente isso é discutido, visto que a camada de ozônio está bem destruída. Carcinogênese Biológica !!! Poucos vírus foram associados à carcinogênese humana. Dentre os associados pode-se citar: - Vírus da Leucemia de Células T Humanas Tipo 1: linfomas e leucemias; - Papilomavírus Humano (HPV): Câncer de colo de útero; - Vírus Epstein-Barr (EBV): Linfomas; - Vírus B da hepatite (HBV): Hepatocarcinoma; - Herpes Vírus 8: Sarcoma de Kaposi; → HPV !!! Pelo menos 70 tipos geneticamente distintos de HPV foram identificados, estando alguns deles associados a cânceres e lesões benignas: - 1, 2, 4 e 7: Provocam o papiloma escamoso benigno – verrugas – em humanos; - 16 e 18: Foram envolvidos na gênese de diversos cânceres, principalmente do carcinoma de células escamosas do colo do útero e da região anogenital; - Pelo menos 20% dos cânceres de orofaringe estão associados ao HPV; - O potencial oncogênico do HPV pode estar relacionado ao produto de dois genes virais, E6 e E7. Juntos, eles interagem com uma variedade de proteínas reguladoras do crescimento codificadas por proto-oncogenes e por genes supressores de tumor; - Os tipos de HPV de alto risco expressam proteínas oncogênicas que inativam os supressores de tumor, ativam ciclinas, inibem a apoptose e combatem a senescência celular; → Vírus Epstein-Barr - Membro da família herpes, está envolvido na patogenia de diversos tumores humanos: a forma africana do linfoma de Burkitt, os linfomas de células B em indivíduos imunossuprimidos, linfomas de Hodgkin, carcinoma nasofaríngeo e alguns carcinomas gástricos e formas raras de linfomas de células T e linfomas de células natural killers.
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