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Guerra Cultural – História e Estratégias 
 
OLAVO DE CARVALHO 
 
Aula 4 
11 de outubro de 2016 
 
[versão provisória] 
Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia. 
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor. 
Por favor, não cite nem divulgue este material. 
 
Então vamos lá. Boa noite a todos, sejam bem-vindos! 
A minha ideia hoje era dar um esquema da evolução da guerra cultural. Mas, antes disso teremos 
que voltar ao tema da última aula pela seguinte razão: quando se fala em guerra cultural é óbvio que 
qualquer empreendimento nesse sentido é impossível se não tivermos uma visão global do que é 
uma cultura e do que é a cultura que se pretende atacar ou modificar de algum modo. Então, surge o 
seguinte problema: pensem se vocês têm alguma representação integral de alguma cultura no 
mundo? A resposta é obviamente não, pois nunca se teve isso. Só se conhece um fragmento aqui, 
um fragmento ali, portanto é impossível representar uma sociedade no seu todo, não há uma 
maneira científica de fazer isso. A única maneira possível de se fazer isso é através da imaginação, 
ou seja, através de um aglomerado de símbolos que, de algum modo, represente os vários 
componentes da sociedade na sua ação, na sua interação, no seu conjunto. 
Se procurarmos ao longo da história humana, quantas representações integrais de uma sociedade 
nós podemos encontrar documentadamente? Eu acho que a primeira que apareceu no mundo foi a 
Comédia Humana de Balzac. Na verdade, a obra inteira de Karl Marx não passa de uma 
transposição da Comédia Humana em termos de economia e sociologia. Isso é um dado 
absolutamente fundamental: sem Balzac não existiria Karl Marx. E qual é o segredo de Balzac? 
Como Balzac conseguiu conceber um panorama que demonstrava a sociedade francesa inteira em 
ação? Ele teve, é claro, que escolher personagens representativos. Que pela sua tipicidade 
representassem grupos e padrões inteiros de conduta, mais ou menos uniformes, dentro daquele 
grupo, e isso sem forçar. Ou seja, mantendo naturalmente o padrão de verossimilhança ficcional, 
sem o qual uma narrativa romanesca não é viável, posto que a mesma se torna chata, inacreditável e 
idiota no fim das contas. 
Essa capacidade de apreender a tipicidade sem reduzir os personagens a um esquema, é 
característica da imaginação do romancista, isso é exatamente o que o romancista faz – ele tem de 
mostrar os personagens agindo de tal modo que se perceba claramente individualidades concretas 
reais e que ao mesmo tempo, nessas imagens dessas pessoas, se condensem comportamentos 
coletivos similares. 
Por exemplo, quando ele pega o personagem do jovem intelectual carreirista Lucien de Rubempré, 
no livro Ilusões Perdidas. Ali podemos ver aquele rapaz que vem do interior e chega em Paris 
disposto a conquistar a cidade com seus dons literários. Bom, podemos perceber que isso aconteceu 
a muita gente no Brasil. Nos anos trinta muita gente veio do interior da Bahia, ou de Minas, e ia 
para o Rio de Janeiro com essa ideia de obter ali um sucesso literário. Do mesmo modo, quando 
aparece a figura de um banqueiro, de um agiota, de um alto comandante militar, ou de uma dona de 
bordel, todos esses personagens têm uma individualidade muito marcada, mas ao mesmo tempo se 
vê que eles representam certos esquemas de comportamentos. E Balzac conseguiu, nesse panorama, 
pegar todas as faixas da população e, portanto, todos os tipos humanos componentes – já que não 
faltou nenhum – e colocá-los todos em interação, graças ao fato de que um personagem, que em um 
dos livros é o protagonista, aparecer como figurante em outro livro, de maneira que os personagens 
retornem e assim possamos ver as inter-relações. 
Por exemplo, em um livro aparece tal personagem num determinado meio social, no outro vai 
aparecer como esse personagem é visto ou como ele interage num outro meio social completamente 
diferente. Então, eu acredito que essa foi a primeira tentativa de se fazer um painel sociológico. 
Outra tentativa, um pouco menor, é o livro I promessi sposi (Os noivos), de Alessandro Manzoni. 
Que embora seja apenas um livro, e não uma coleção como a Comédia Humana, também, de certo 
modo, condensa a sociedade italiana da época descrita. 
Se não fosse por esses grandes painéis imaginativos, toda e qualquer descrição científica da 
sociedade seria impossível. E, Balzac tinha o seguinte problema: como é que eu vou distinguir os 
vários grupos possíveis? Qual é o critério de diferenciação? E ele optou pelo critério econômico. Ou 
seja, de onde sai o dinheiro das pessoas, do quê que elas vivem. Pois isto fornece imediatamente um 
critério distintivo dos vários grupos. Mas, poderia ser feito por outro critério, por exemplo, pelo 
critério racial, por estilo de linguagem ou diferentes gírias de diferentes meios. 
Por exemplo, como se vê no My Fair Lady (Pigmalião), de George Bernard Shaw. As classes são 
distinguidas, não pelos seus meios de subsistências, mas pela sua linguagem – o que na Inglaterra é 
uma coisa muito fácil de se fazer, mas em outros países não. No Brasil se pegarmos a linguagem 
das pessoas que andam na praia, desde o banqueiro até o mendigo todos falam o mesmo 
“carioquês”, logo, isso não funcionaria para o Brasil. 
Existem muitos meios de se distinguir, porém Balzac pegou realmente o mais fácil, uma vez que se 
as pessoas precisam comer, para isso elas precisam de alguma riqueza e o dinheiro delas não saem 
das mesmas fontes, não veem pelos mesmos meios. E, através desses critérios nós podemos 
facilmente distinguir e articular as várias classes sociais. Por quê? Porque o dinheiro medeia a 
relação de todas elas. Então, aparece ali realmente uma sociedade capitalista em formação, no qual 
se tem todo aquele sistema que Marx depois chamará de acumulação primitiva do capital, feita de 
uma maneira bastante forçada. O próprio Balzac viveu isso em pessoa, na medida em que os 
editores os escravizavam obrigando-o a produzir um livro atrás do outro. Ele poderia ser 
representado com uma corrente no pé, o prendendo na mesa para que ele não saísse dali. Mas enfim, 
ele se pega a si mesmo como personagem de algum modo. 
Foi com base nisso que Karl Marx desenvolveu toda sua teoria da luta de classes. Porque de fato a 
convivência entre as classes na obra de Balzac aparece como um conflito, porém um conflito em 
função da riqueza, da apropriação da riqueza. Karl Marx vai ampliar isso de modo a transformar 
essa imagem concreta numa generalização e criar então um processo descritivo que pode se aplicar 
a qualquer momento, a qualquer sociedade humana. Esse critério descritivo parte das distinções 
entre as classes sociais e daí vai obtendo outras modalidades de distinção, como por exemplo, 
linguística, psicológica, relações familiares, etc., mas tudo vinculado a diferenciação inicial entre as 
classes. 
Eu devo dizer a vocês: essa é a única técnica que ainda existe para a descrição integral de uma 
sociedade. Não existe nenhuma outra. Isso é uma vantagem imensa que o marxismo tem a seu 
favor. Porque nós não sabemos se as sociedades funcionam exatamente assim. Nós sabemos apenas 
que este é um sistema descritivo que funciona e que é fácil de guardar na memória, pois com os 
nomes das classes sociais, já temos todo um padrão de relacionamento, pelo qual se pode 
diferenciar, por exemplo, distintas modalidades de relacionamento entre as pessoas nesta classe, ou 
naquela classe, ou entre pessoas de classes diversas. Há muitas maneiras de pessoas de classes 
diferentes se articularem, como se fossem vários buraquinhos ou vários canos por onde as classes se 
intercomunicam. 
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=7&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwirjPf_18zRAhXQPpAKHZY3DcsQFggrMAY&url=http%3A%2F%2Findiqueumlivro.literatortura.com%2F2013%2F05%2F31%2Fbernard-shaw-e-pigmaleao%2F&usg=AFQjCNGraYuOPiZmsho2s-fu1WgAlIsRDw&sig2=ySvMzTzoItrgCzL5Y1Pfmw&bvm=bv.144224172,d.Y2I
Por exemplo, num bordel podemos encontrardesde governantes até aquelas moças que não sabem 
de onde vinheram, podem ter vindo do fundo da sociedade, mas eles estão bem próximos um dos 
outros numa cama. Também, através desse meio, terceiros elementos podem estar agindo. 
Por exemplo, na Alemanha Nazista, o serviço secreto chefiado por Reinhard Heydrich criou o 
bordel mais chique da Europa para visitantes, governantes, grandes empresários, etc., e tudo que 
eles faziam lá dentro era filmado – evidentemente, [os frequentadores] não sabiam. Desse modo, 
inúmeros visitantes ilustres foram pegos ali. E, aquelas mocinhas que poderiam ter vindo do fundo 
da sociedade serviram como agentes do governo. Não que elas tivessem plena consciência do 
processo inteiro, mas vemos que existe uma promiscuidade entre as classes nesse ponto. Pode haver 
muitos outros. 
Por exemplo, um sujeito milionário que fica bêbado e encontra outro bêbado na rua, e daí saem 
conversando e se metem em aventuras juntos – bom, duas classes sociais se intercomunicaram é 
comum. Isso no Brasil, essa proximidade entre as classes sociais, se observa na praia. Isso no Rio 
de Janeiro é característico. Houve uma época em que eu tinha dois alunos que eram amicíssimos, 
uma era socialite carioca, e o outro era um negão que era trombonista de uma boate e que morava 
na favela. Minha própria aula era um momento, um lugar onde as várias classes sociais se 
encontravam de algum modo, e ali era criado vários padrões de interação. 
Esses padrões de interação, por sua vez, favorecem o surgimento de determinadas personalidades 
típicas, certas condutas que são típicas e certas constelações psíquicas que também são típicas. De 
modo que, partindo da diferenciação das classes sociais no sentido econômico da coisa, o sujeito 
pode ir detalhando a coisa até chegar nos últimos detalhes do subconsciente dos personagens 
envolvidos. Essa relação entre a alma do indivíduo e sua estrutura social como um todo, é um dos 
elementos absolutamente fundamentais da arte do romance. E, um sujeito que estudou isso com 
particular atenção foi Georg Lukács. E quem é Georg Lukács? É o criador da Escola de Frankfurt. 
O nome dele geralmente não é associado à Escola de Frankfurt, mas ele é quem foi pioneiro, foi ele 
quem teve a ideia. 
Qual é exatamente a estrutura fundamental do gênero narrativo? O Georg Lukács e seu discípulo 
francês Lucien Goldmann, definem assim: “a estrutura do romance é sempre uma revolta, 
degradada, contra um mundo degradado.” 
Então, o herói tem, de algum modo, de estar contra a sociedade. Mas, ele não está, nem por motivos 
nobres, nem com uma visão correta da situação. Ele no fundo é tão corrompido quanto à sociedade. 
Se vocês observarem, vocês vão ver que a estrutura de todos os romances é mais ou menos essa. Por 
exemplo, eu me lembro de um romance do Jacob Wassermann chamado Ulrike Woytich, que é uma 
moça que vem do interior, uma moça muito inteligente, muito ambiciosa e que entra dentro de uma 
família muito próspera, no intuito de destruir a família. E a estrutura dessa família é baseada no 
quê? Numa falsa moral, na hipocrisia etc. Mas, Ulrike não é melhor que a família. Na verdade, ela é 
pior. Então, através dessa pessoa maligna, o mal que existe na sociedade aparece. 
Se tomarmos, por exemplo, o romance do Graciliano Ramos, Angústia. Que é sobre um escritor de 
interior, um homem muito solitário, muito complexado. E, ele deseja uma certa moça. Mas, existe 
um homem rico e próspero da cidade que conquista essa moça. Então ele planeja matar esse cara. 
Ele está revoltado contra a injustiça social, mas ele é pior ainda do que a injustiça social. Ele é um 
assassino no fim das contas. De algum modo, esse elemento está presente em todos os romances. 
Vejam, O Vermelho e Negro, do Stendhal, é a história de um rapaz que quer subir na vida e ele tem 
que vencer a sociedade de algum modo, e ele vence através de quê? Da trapaça, do engodo, do 
adultério etc. É assim que ele vai subindo. Então vejam, a revolta dele é legítima, até certo ponto. 
Quem não é legítimo é ele. 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Reinhard_Heydrich
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lucien_Goldmann
Eu acho que essa é uma compreensão muito profunda da estrutura do romance, como uma espécie 
de imagem em miniatura da estrutura da sociedade. É importante ver que não existe até hoje, 
nenhum outro critério de descrição de sociedade como um todo. 
Eu expliquei a vocês, na última aula, a questão dos quatros discursos de Aristóteles. Que todo 
conhecimento começa da percepção sensível. Da percepção sensível vai para a memória, onde se 
estrutura em imagens. Essas imagens condensam conceitos gerais em figuras particulares, por 
exemplo, uma vaca que representa todas as vacas. Se não fosse isso, nós não conseguiríamos 
pensar, ou seja, nós não teríamos como pular direto da individualidade dos objetos percebidos pela 
mente para o conceito geral. Quando vemos um gato, nós estamos vendo apenas aquele gato, mas 
na nossa imaginação esse gato se transforma numa espécie de gato em geral, ele simboliza, ele 
condensa – condensa, é claro, analogicamente. Isto quer dizer que, ele tem semelhanças e diferenças 
com os outros gatos, mas essas diferenças e semelhanças estão condensadas na própria figura dele. 
Isto aqui é uma sutileza: por exemplo, quando vemos a cor de um gato: o primeiro gato que vemos, 
vamos supor que ele fosse branco, o branco dele é perfeito? É branco como em um papel? Não, não 
é. É um branco mais matizado. Portanto, na própria figura do gato branco já vemos que há variações 
de cores possíveis. Só de ver um gato branco já entendemos que o gato poderia ser marrom, 
malhado, cinzento, tarjado etc. Tem uma série de variações possíveis, mas essas variações tem um 
limite. Não pode ser um gato verde, por exemplo. Do mesmo modo, todo objeto que vemos, já tem, 
nesse objeto único, um símbolo de uma espécie inteira. Esse símbolo nós conhecemos através do 
quê? Através de variações possíveis. Então, essas variações possíveis, que não aparecem no gato em 
geral, mas neste gato em particular, são insinuadas por ele. E, são o conjunto de semelhança e 
diferença que formam então o símbolo da espécie. Tal como condensado num único indivíduo. 
Do mesmo modo o personagem do romance, ele age de certas maneiras. Nós entendemos as 
maneiras que ele agiu, porque nas mesmas escolhas que ele faz estão implícitas outras escolhas 
possíveis. Ele agiu assim, mas ele poderia ter agido de outra forma. 
Quando vemos, por exemplo, no Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski. Raskólnikóv é um 
sujeito, um estudante, que se acha um gênio, ele acha que ele é um segundo Napoleão Bonaparte. E 
ele diz: “não é justo que um sujeito tão talentoso, tão inteligente como eu fique jogado no fundo da 
sociedade, enquanto outras pessoas sem talento nenhum, sem capacidade nenhuma, estão cheias de 
dinheiro”. Então, ele decide matar uma velha agiota que mora no mesmo prédio dele, para que ele 
possa pegar o dinheiro e investir na sua carreira. Ou seja, é novamente a revolta contra a estrutura 
social, motivada por um instinto maligno, no fim das contas. O mal se torna o denunciador do mal, 
e isto é a estrutura de todo romance, no fim das contas. 
Na obra de Dostoiévski vemos também uma descrição da sociedade inteira, mas espalhada entre os 
vários livros dele. Em todos os romances de Dostoiévski está presente toda sociedade russa. Mas, 
não tem um que condense tudo. Também, entre os vários livros dele, não existe essa relação 
orgânica que existe entre os da Comédia Humana. 
Então, a principal vantagem, o principal instrumento de guerra cultural que os comunistas dispõem 
é isto: eles sabem conceber uma sociedade como um todo. E concebê-la, por assim dizer, numa 
visão única. Eles têm a imaginação da estrutura social, os outros não têm. Ninguém mais tem. E por 
isso mesmo, se o sujeito vai empreender uma guerra cultural, ele está atacando uma sociedade 
inteira, uma cultura inteira, e ele tem de conseguir vê-la como um todo. 
Quando vocêsquiserem estudar a questão da guerra cultural, a primeira pergunta que vocês têm que 
colocar para si mesmos é esta: “eu sou capaz de vislumbrar uma cultura como um todo?” Por 
exemplo, a cultura na qual estou, que está sendo atacada, e também a cultura do adversário. Porém, 
quando nós perguntamos a cultura do adversário, aí o negócio complicou, porque quem é esse 
adversário? Podemos falar, por exemplo, da cultura russa, da cultura chinesa? Isto é, temos uma 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rodion_Rom%C3%A2novitch_Rask%C3%B3lnikov
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fi%C3%B3dor_Mikh%C3%A1ilovitch_Dostoi%C3%A9vski
sociedade que está sendo atacada, mas não conseguimos dizer qual é a sociedade atacante. Ou seja, 
não podemos identificar o inimigo como sendo um país, como sendo uma sociedade particular. 
O inimigo chama-se o movimento comunista internacional. Que é uma coisa que tem 150 anos de 
existência, e que envolve mais gente do que a população de muitos países. Aí nós temos um 
problema: nós não conseguimos conceber como esse meio está localizado geograficamente, ele está 
espalhado por tudo quanto é lado, e nós não conseguimos apreendê-lo como um todo. Como 
apreenderíamos uma sociedade nacional, sociedade francesa, brasileira, americana etc.? Quer dizer, 
temos sociedades definidas, que são imaginativamente concebíveis e apreensíveis, sendo atacadas 
por um inimigo que não constitui uma sociedade e que, por assim dizer, não tem uma estrutura 
identificável, que não tem uma personalidade identificável. 
Esta aqui é a grande arma da guerra cultural comunista contra o ocidente: ela só ataca sociedades 
das quais ela tem uma visão bastante apurada (isso não quer dizer que a descrição baseada na 
distinção econômica seja cientificamente válida, ou que ela corresponda à realidade, mas 
esquematicamente ela é um instrumento que permite imaginativamente apreender o todo, e isso é o 
que interessa). Isso quer dizer que, até hoje não existe uma sociologia do movimento comunista. Ela 
tem 150 anos, já fez um monte de desgraça, já matou mais de 100 milhões de pessoas, tomou e 
perdeu o poder em vários países, e até hoje nós não sabemos quem é esse personagem. Então, não 
conseguimos imaginá-lo como um todo. 
Primeiro problema, a regra nº 1 do Sun Tzu, “conheça o seu inimigo”, já falhou. Nós não sabemos 
quem está nos atacando. Segundo problema, como a descrição marxista da sociedade é a única que 
existe – bom, existem outras, mas não são totais e nem têm essa organicidade do marxismo, e nem 
tem essa imensa tradição literária por trás –, é natural que um membro da sociedade atacada, que 
deseja entender o que está acontecendo, projete sobre a figura do atacante o mesmo padrão de 
descrição que se usa para se descrever a sociedade dele. 
Isto se vê, por exemplo, em todo o setor de conhecimento, que nos EUA chamou de sovietologia, 
ou seja, são especialistas em assuntos soviéticos. E vocês verão que ao longo de mais de 60 anos, 
praticamente toda a elite americana – os políticos, os cientistas sociais, os analistas estratégicos etc. 
– olhava o movimento comunista como um braço da União Soviética, tanto que ao investigar fulano 
ou fulana, eles queriam saber se o sujeito era comunista apenas por convicção pessoal ou se ele 
trabalhava para a URSS – no primeiro caso era considerado inofensivo. Ou seja, o conflito entre o 
movimento comunista e um país em particular, foi visto como um conflito entre dois países, entre 
duas potências – o que falseia completamente o panorama. Por quê? O movimento comunista 
existia 60 anos antes da URSS, ou seja, ele a criou, e continuou existindo independentemente dela 
por muito tempo – embora ela fosse, durante algum tempo, o centro de comando. Esse é um dos 
motivos pelos quais, todo mundo no ocidente acreditou que quando caísse a URSS, cairia o 
movimento comunista. Isso foi um erro de descrição desde o início, eles nunca entenderam o 
seguinte: não é a URSS o agente. Se tivessem pensado um pouco sobre a teoria do agente da 
história, como eu expliquei para vocês, então eles entenderiam imediatamente que nenhum Estado é 
um agente. Nenhum Estado é um sujeito da história. O Estado enquanto tal, não tem o poder de 
auto-reprodução, como tem, por exemplo, um movimento político. 
Nós sabemos que em todo e qualquer regime comunista, o governo nominal, o governo oficial, está 
submetido ao partido. Então, acima do governo existe o partido. O partido antecede o regime 
criado, antecede a ascensão e queda de cada governo. E ele continua, os governos passam e o 
partido continua. O próprio Estado pode cair e o partido continuar. O partido por sua vez, não pode 
ser identificado com um nome, ele pode ter milhares de nomes, pouco interessa. Ele pode atuar 
também através de dezenas de organizações de fachada, sem que se saiba exatamente quem é o 
comando por trás de tudo isso – que é exatamente o que acontece no Brasil de hoje. 
Então, quando eu falo “o partido”, eu estou querendo dizer o centro de unidade do movimento 
comunista. Esteja ele onde estiver, seja ele visível ou invisível. Ele pode coincidir com, por 
exemplo, o nome Partido Comunista do Afeganistão, ou pode ter outro nome qualquer. No EUA, o 
movimento comunista começa com um negócio que se chamava Workers Party (Partido dos 
Trabalhadores), foi só mais tarde que virou o American Communist Party (Partido Comunista 
Americano - ACP). Depois fundaram um segundo partido comunista, que não tinha nome de partido 
comunista, tinha o nome de uma variante qualquer que agora me escapa. 
Existe sempre um comando do movimento comunista em cada local. Esse comando pode coincidir 
com a direção nominal de um partido legal ou pode não coincidir. O partido comunista pode não ter 
existência legal nenhuma – o Governo Dutra no Brasil suprimiu o partido comunista, mas ele parou 
de existir? Claro que não. Por quê? Faz parte da natureza do partido comunista ter sempre uma 
fachada legal e um comando estratégico clandestino. De maneira que a parte clandestina sobrevive 
sempre, e é nela que está o padrão de continuidade. O fato é que até hoje, o pessoal fala de guerra 
cultural, mas eles não sabem com quem estão brigando. 
No Brasil dos últimos anos, tivemos uma condensação de uma quantidade imensa de ódio ao PT. 
Mas da onde surgiu o PT? O PT surge de um arranjo entre o Partido Comunista e a Ação Popular 
que era outra organização comunista – com a mesma origem do PSDB. Então, houve nos últimos 
vinte ou trinta anos uma pluralidade de organizações de fachada sem que soubéssemos exatamente 
onde estava o comando. Quando criaram o Foro de São Paulo a coisa se esclareceu um pouco mais, 
porque daí sabíamos que as grandes decisões eram tomadas ali – mas não nas assembleias, isso aí o 
próprio Lula descreveu claramente dizendo: “as decisões ali são tomadas em encontros entre chefes 
de Estado, líderes comunistas importantes, etc., à margem das assembleias”. Isto quer dizer que, o 
próprio material que é registrado nas assembleias, as atas que eu mesmo publiquei no Mídia Sem 
Máscara, isso já vai fazer mais de 10 anos, não diz tudo. O pessoal que lê as atas vê algumas 
decisões tomadas por uma coletividade de representantes, mas por trás havia conversações [00:30] 
secretas ou discretas que, de algum modo, essas decisões coletivas traduziam, porém de maneira um 
pouco camuflada e atenuada. 
Há dois discursos que o Lula fez a respeito. O primeiro no décimo quinto aniversário do Foro de 
São Paulo, esses sim são documentos significativos, porque eles mostram a verdadeira atuação do 
Foro de São Paulo. Quando ele diz: “nós colocamos o companheiro Chávez, na Presidência da 
Venezuela”. Quem é ‘nós’? ‘Nós’ é aquela cúpula que se reuniu no Foro de São Paulo à margem da 
assembleia, não que fosse totalmente secreto, pois o pessoal da assembleia poderia saber disso – 
nada é mais característico do que a solidariedade dos agentes menores com os segredos dos agentes 
maiores, isso aí é constante. 
A necessidade de manter certas decisõesou certas ações em segredo é uma coisa que todo 
comunista introjeta no coração desde o início. Por exemplo, o sujeito está em perigo, o inimigo 
pode atacar ele, pode o pressionar para que ele conte tudo e ele tem de estar preparado para enganá-
lo de algum modo. Eu me lembro de quando eu participava disso: eu passava o dia inteiro 
inventando enredos fictícios para no caso de eu ser preso. Eu nunca fui preso. Uma vez eu fui 
interrogado durante 6 horas, e acharam que eu era um tipo insignificante – e era mesmo – e me 
mandaram embora. Mas preso, assim de ficar na cadeia, eu nunca fui. Contudo, caso acontecesse 
d’eu ser interrogado ou até mesmo de me baterem, bom, eu tinha tantos enredos tão maravilhosos 
que os caras levariam anos para destrinchar tudo aquilo. O que eu fazia os outros caras também 
faziam, talvez com menos imaginação, mas naquela situação era instintivo elaborar certas coisas. 
A coisa mais urgente é uma sociologia do movimento comunista – que ninguém fez no mundo. 
Então, de fato não se sabe quem é o inimigo, e até hoje os estudiosos da área se fixam no governo 
da Rússia, no governo da China, no governo de Cuba, no serviço secreto de Cuba, mas isto está 
errado, uma vez que nada disso existiria se não existisse o movimento. Quem pegou a coisa muito 
bem foi o Dostoiévski. Ele mostrava que os camaradas se referiam a tudo isso como “O 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fi%C3%B3dor_Mikh%C3%A1ilovitch_Dostoi%C3%A9vski
Movimento”, isto é, o movimento dos movimentos. É um movimento no seguinte sentido: primeiro, 
ele não para, ele não se estabiliza em parte alguma, ele está sempre em movimento; e segundo, o 
movimento é o padrão de unidade por trás do conjunto, não é um governo, não é uma entidade, não 
é sequer um partido – no sentido oficial da coisa. 
Quer dizer, ninguém no ocidente jamais teve a menor condição de reagir à guerra cultural, pois 
sequer sabem contra quem estão lutando. Portanto, [não há guerra cultural]. Na guerra cultural, os 
dois lados atacam. Existiram algumas iniciativas do governo americano de minar os governos 
comunistas, através da Rádio Europa Livre, ou financiando movimentos clandestinos, etc., mas 
eram iniciativas de um governo contra outro governo, nunca contra o movimento comunista como 
tal. Enquanto eles estão solapando o governo comunista na Polônia, os comunistas estão enchendo 
de agentes todas as universidades americanas e fazendo o que querem. Porque pelo padrão da 
democracia eles não podem discriminar ideologicamente as pessoas, ou seja, só podem atacá-los se 
eles forem agentes de um governo inimigo ou de um governo que está professando derrubar o 
regime americano. Então, desde logo, a guerra cultural é proibida em todos os países ocidentais, 
eles não podem empreendê-la, enquanto o outro lado vive só para fazê-la. Estão entendendo a 
diferença? 
Isto quer dizer que, decorridos quase 170 anos da fundação do movimento comunista, que é de 
1848, ainda não existe uma sociologia do movimento comunista, não existe um perfil do 
movimento comunista e, portanto, não se sabe quem é o agente da guerra cultural. Isto me lembra 
um conhecido meu, que era boxeador profissional, e que um dia levaram ele num terreiro de 
macumba e chamaram os exus para bater nele. “Eu levei porrada de tudo quanto é lado e não via 
ninguém” – ele disse. Então, a situação do ocidente, de todos os países ocidentais dentro da guerra 
cultural, é esta: estão levando pancada de tudo quanto é lado e não sabem de onde vem. 
Bom, eu acho que com essa informação já basta para vocês entenderem que tudo que se fala sobre 
guerra cultural em geral é bobagem, porque não se começou a fazer o serviço ainda. Então, o 
primeiro capítulo é esta descrição do movimento comunista internacional, com todas as suas 
variantes locais, articuladas de algum modo, sendo que o padrão de articulação muda com o tempo. 
Por exemplo, existe o famoso relatório da Rand Corporation feito nos anos oitenta, baseado no 
esquema da Guerrilha de Chiapas, no México, que dizia o seguinte: cada vez que ela tinha uma 
derrota militar, ela tinha em seguida uma vitória política imensa. E, tudo graças ao apoio 
internacional imediato através das redes de comunicações estabelecidas pela internet. Hoje em dia 
nós já podemos dizer que a internet é, em grande parte, o padrão de unidade por trás de tudo isso. 
Mas, o fato de se usar a internet não significa que só por esse fator se possa entender a resposta da 
seguinte pergunta: por que as pessoas obedecem a esses comandos, que são passados indiretamente 
através da internet? 
Um exemplo característico são os atentados à bomba feitos na estação rodoviária da Espanha, que 
matou um bando de gente, e em 24hrs depois estava na rua um tremendo movimento popular. E 
contra o quê? Contra os terroristas? Não. Contra o governo. Que mágica é essa? O sujeito acaba de 
cometer um crime, e no dia seguinte está todo mundo na rua contra ele? Não. Contra o inimigo dele. 
Como seria possível ter organizado tudo isso com antecedência? Não seria. Não organizaram. Foi 
apenas o sinal passado pela internet, mas esse sinal já cai sobre um meio cultural já totalmente 
unificado, organizado, com padrão de conduta, com padrão de sentimentos, com padrão de 
percepções, já moldado por décadas e décadas de formação. A partir daí então é só dar o sinal que 
já se sabe como milhares de pessoas irão reagir – isto não se obteve à toa. 
Às vezes vemos pessoas liberais ou conservadores se perguntando o porquê de as pessoas aderirem 
a essa porcaria, se todos nós sabemos que a economia comunista não funciona, que os regimes 
comunistas são genocidas, são tiranias etc. – eles acham que isso é irracional. Não, não é irracional. 
Esse movimento dá as pessoas uma possibilidade de representar a sociedade como um todo, coisa 
que os outros não dão. Só existe um desenho da sociedade como um todo, é o desenho baseado no 
modelo das classes sociais criado por Balzac, recoberto, por assim dizer, de um verniz científico por 
Karl Marx – é apenas um “verniz científico” evidentemente, pois a descrição não é científica de 
maneira alguma, mas ela é integral e isso que é importante. Ter uma representação imaginativa 
integral é melhor do que ter representações científicas de milhares de partes inconexas. 
Leibniz dizia que o sujeito que tivesse visto mais figurinhas, ainda que totalmente fictícias, saberia 
mais do que os outros, porque ele completa a imaginação dele. Do mesmo modo, quando aparece a 
teoria da evolução de Charles Darwin – sabemos que essa teoria não está provada até hoje, não tem 
provas nem a favor e nem contra, a discussão ainda continua. Mas, por que ela funciona? Por que 
ela convence tantas pessoas? Porque ela dá uma imagem integral do reino animal em todas as suas 
interconexões. Então, evidentemente ela é uma ficção imaginativa em primeiro lugar, e essa ficção 
imaginativa pode ter uma validade científica ou não, uma vez que ela pode ter partes 
correspondentes e pode ser que lhe falte partes científicas. Entretanto ela é a única visão. Que outra 
vocês têm? 
A capacidade de criar esses grandes esquemas unificantes dá a qualquer um uma vantagem imensa. 
Por exemplo, se eu estou em um confronto psicológico com o indivíduo, e eu tenho a visão da 
personalidade dele inteira – não precisa ser perfeita, mas é inteira – e o sujeito só sabe detalhes a 
meu respeito. Quem vai ganhar? Eu. Aliás, isso acontece com todo esse pessoal que quer destruir o 
Olavo de Carvalho. Cada um ataca um pedacinho, mas eu pego a personalidade inteira do cara – 
isso aí eu tenho comprovado insistentemente, quer dizer, “eu entendo a sua psique, você não 
entende a minha”. 
Então, o primeiro passo é entender que o sujeito da guerra cultural – não é o governo soviético, nem 
o governo russo, nem o governo chinês, nem o partido comunista de Cuba. É um negócio chamado 
de movimento comunista, e esse movimento tem que ser apreendido na sua unidade. E qual é o 
padrão de unidade dele? É econômico? Não. Isso querdizer que o próprio modelo marxista, ou 
balzaquiano, não serve para descrever essa realidade fundamental do movimento comunista. É 
claro, que podemos tentar descrevê-lo dentro do esquema balzaquiano-marxista. Podemos colocar 
alguns agentes comunistas como personagens e ter uma visão do movimento comunista tal como ele 
aparece dentro da sua sociedade descrita, por sua vez, pelo próprio padrão marxista. No entanto, 
esse desenho será obviamente insuficiente. 
Por exemplo, vejam o romance do Joseph Conrad, Under Western Eyes (Sob Os Olhos do 
Ocidente). O cenário é a Inglaterra e dentro dela existe um movimento comunista, uma série de 
agentes estrangeiros trabalhando nele – como também aparece na obra The Secret Share (O 
Passageiro Secreto). Então, estamos vendo um agente comunista dentro de uma sociedade que, por 
sua vez, nós mesmos representamos segundo o esquema marxista das classes sociais. Logo, nós não 
estamos entendendo o que o fenômeno tem de específico. Porque se existe o movimento comunista 
internacional, se ele tem mais amplitude de ação e mais poder do que muitos governos, então é 
porque existe um outro padrão de unidade, que não é aquele que Balzac e Marx viram na sociedade. 
Supondo que a sociedade esteja estruturada exatamente como Balzac e Marx viram. Temos a 
diferença entre todas as classes sociais, e todas as relações humanas estão de algum modo 
vinculadas àquilo. Bom, em primeiro lugar, estar vinculadas àquilo não significa que sejam 
causadas por isso, isto é, a conduta de um cidadão sempre tem algo a ver com a estrutura econômica 
da sociedade, mas não quer dizer que seja determinada por ela. Os próprios marxistas não sabem 
onde termina uma coisa e onde começa outra. Marx dizia que em qualquer situação o fator 
econômico será decisivo em última instância, existem muitas instâncias antes da última. O próprio 
marxismo não ousa afirmar que a economia é o motor da história, ela passa a ser o motor em última 
instância, em certos casos. Mas, o importante aqui é que nós não estamos vendo a descrição 
marxista da sociedade como uma explicação causal, mas como um modelo integrativo – a 
explicação causal os próprios marxistas não chegaram a conclusão até hoje. Mesmo que nós 
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=O_Agente_Secreto&action=edit&redlink=1
tenhamos explicações causais melhores, elas serão sempre parciais. Nós não temos uma imagem 
total, nem da nossa sociedade, muito menos do movimento comunista, isso aí é geral. 
Vejam, por exemplo, o livro A Elite do Poder, do Charles Mills, que era um sociólogo esquerdista 
americano dos anos sessenta. Ele tentou fazer uma descrição, não da sociedade americana como um 
todo, mas das classes mandantes. Ele viu, evidentemente, que o critério econômico não bastava, 
pois havia muitas fontes de poder. Por exemplo, o fato de várias pessoas frequentarem o mesmo 
clube, de vários homens importantes terem ido para cama com as mesmas prostitutas, ou seja, tudo 
isto importava. Bom, hoje em dia essa descrição já está ultrapassada, mas ela ficou como um 
clássico. 
Existe alguma descrição similar da sociedade americana como um todo? Não. Eu acho que hoje isso 
é quase impossível. Como o sujeito vai articular dentro de um mesmo desenho social, por exemplo, 
um pastor protestante do interior, superconservador, moralista, etc., com o homem do movimento 
pró-drogas, ou um líder do movimento gayzista, ou qualquer outro adepto da Hillary Clinton? Qual 
é a articulação entre eles? Só existe o antagonismo. Mas, como é possível que eles sejam “produtos” 
da mesma sociedade? Qual é o padrão de articulação dinâmica e conflitiva que existe ali dentro 
exatamente? Ninguém sabe. Até hoje, só promotores da guerra cultural é quem têm uma imagem 
completa das sociedades e culturas que eles pretendem atacar. O outro lado não tem nem de si 
mesmo, nem do inimigo. 
Sendo assim, as regras do Sun Tzu foram todas para o brejo – “conheça teu inimigo” e “conheça-te 
a ti mesmo” –, não conhecemos a nós mesmos e não sabemos quem é o inimigo. Isso ainda está 
assim depois de investido bilhões e bilhões de dólares, na CIA, na Agência de Segurança Nacional, 
e em todos os serviços secretos do ocidente. Por que acontece isso? Porque em todas essas áreas os 
estudos são feitos de maneira especializada. O sujeito que vai estudar para ser analista estratégico, 
ele estuda só aquilo. 
Agora mesmo eu estava vendo uma entrevista do Peter Pry no programa do Allan dos Santos, o 
Update Brazil. O sujeito sabe tudo sobe defesa estratégica. Mas, o quê que é um intelectual 
marxista? Um intelectual marxista não é um homem especializado, ele é um humanista no sentido 
antigo, ele conhece literatura, poesia, história, filosofia, economia etc. Pode se dizer que ele não 
conhece nenhuma dessas perfeitamente, mas ele sabe o padrão de unidade, porque esse padrão, para 
o marxismo, é a busca dessa unidade. Georg Lukács tem razão quando ele diz que o conceito 
fundamental do marxismo é o conceito de totalidade, quando se escapa da função da totalidade se 
passa para o mundo da abstração, não se está mais no mundo real. 
Então, ou nós aprendemos a fazer uma descrição do movimento comunista e de todos os seus 
aliados – incluindo o Islam atualmente – com uma visão abrangente e totalitária, e sabemos o quê 
que une essas pessoas, e como elas interagem, ou, nós nunca vamos poder reagir à guerra cultural 
nenhuma. Como eu mesmo já disse outro dia no Facebook: “Não existe guerra cultural. Existe surra 
cultural, um lado só bate e o outro só apanha”. 
Se perguntarem: qual foi a grande influência das potências ocidentais na queda da URSS? Foi 
mínima. A URSS caiu por que tinha que cair. Ela chegou a contradições internas que não dava mais 
para segurar e pronto, os caras desistiram. Do mesmo modo, se perguntarem como caiu a ditadura 
militar no Brasil? Os milicos fizeram as contas e deram o melhor jeito de ir para a casa e pronto, 
não estava dando certo. Não foi ninguém que os derrubou. O único movimento que tem realmente a 
capacidade de quebrar a estrutura de outra sociedade é o movimento comunista, ainda. É claro, que 
ele passa por várias etapas historicamente. Essas etapas, seriam, teoricamente, o assunto desta aula, 
mas eu achei que esse esclarecimento era mais importante. 
Então, a guerra cultural passa por várias etapas, porém quando ela começa, já nos anos trinta, ela já 
começa com a consciência de que as pessoas que têm de ser conquistadas são os intelectuais. É 
claro, que existe também um esforço para, por exemplo, ganhar agentes do serviço secreto 
contrário, se infiltrar em vários organismos, empreender medidas ativas, atuar com agentes de 
influência, existe tudo isso. Mas, em primeiríssimo lugar, são os intelectuais. Por quê? O quê que é 
um intelectual? É um sujeito que pensa mais e melhor do que os outros e, portanto, o que quer que 
os outros pensem será uma adaptação, uma cópia do que eles pensaram antes. 
Não adianta conquistar agentes de propaganda. O que é um redator de propaganda? É um subscritor 
fracassado. Às vezes é um escritor de verdade – houve bons escritores que foram redatores de 
propaganda –, mas no geral são pessoas que queriam ser escritores, invejam tremendamente os 
escritores e tentam imitá-los. Isso quer dizer que, a redação de propaganda inteira não passa de uma 
cópia malfeita do que já está dado na literatura. Então, para quê ter de mexer na cabeça dos 
redatores de publicidade um por um, sendo que se mexer num escritor já se influenciou todos eles 
ao mesmo tempo? Essa é uma coisa que nenhum serviço de inteligência ocidental entendeu até 
hoje: um único escritor pode fazer mais estrago do que um serviço de inteligência inteiro. 
Vejam, por exemplo, o mal que o Soljenítsin fez ao governo soviético. Nada se compara. Agora, 
qual é o segredo do Soljenítsin? E do Aleksandr Zinovyev? Que eu acho que este influenciou muito 
o Soljenítsin de algum modo. Qual é o segredo deles? É esta ideia da imagem integral. O Zinovyev 
era umprofessor de lógica matemática com um tremendo talento literário, e ele viu que para 
descrever a sociedade soviética, ele teria de criar outra lógica, que era uma lógica paradoxal. Então 
ele escreveu um livro na qual a tradução aproximada é As Alturas Abissais (The Yawning Heights), 
que pelo título o sujeito já se pergunta: se é abissal, como é que pode ter altura? E o livro inteiro é 
escrito nessa lógica, isto é, segundo a linguagem dessa lógica. E com isso ele consegue dar uma 
ideia da sociedade soviética – mas só da sociedade soviética; ele não está falando do movimento 
comunista como um todo; na verdade ele não conhecia nada, ele nunca saiu da URSS, nem poderia 
sair. Então, o Soljenítsin e o Zinovyev fornecem uma espécie de imagem integral da sociedade que 
pode ser aproveitada como um modelo para descrição do movimento comunista como um todo, a 
sociologia do movimento comunista. 
Todavia, em geral nós tropeçamos no seguinte obstáculo: o inimigo do comunismo, os liberais, os 
conservadores, etc., acreditam que o comunismo em primeiro lugar é uma ideologia. Essa semana a 
revista Veja publicou uma entrevista com Eric Cantor – que é, teoricamente, um sujeito da direita 
americana, um membro do Partido Republicano, mas que aqui todo mundo sabe que ele é um 
traidor, que ele trabalha para o Obama –, e a Veja, ou de burrice ou de sacanagem, escolheu 
justamente esse cara para fazer a entrevista para que ele mesmo analisasse o avanço da direita. A 
entrevista começa assim – tem antes um editorial, uma carta ao leitor, e em seguida diz: 
“Quando se olha o mundo através da lente de uma ideologia, o mundo que se vê é necessariamente 
um reflexo alterado pela própria lente ideológica.” 
Ou seja, a revista Veja está acima das ideologias, porque ela vê a realidade, ela não tem ideologia 
nenhuma. E, é claro, que se considerarmos que o movimento comunista se define sobretudo por 
uma ideologia, então podemos achar que ele todo é uma série de ações empreendidas em função de 
uma concepção falsa da realidade. Mas, se é falsa, como é que tem tanta eficiência? Desde logo, 
temos que entender que o próprio Karl Marx considerava que ‘ideologia’ é um vestido de ideias 
colocado em cima de um conjunto de interesses e ações reais. Portanto, ‘ideologia’ é um pretexto. É 
o que eu chamo de discurso pretextual. Pois ele não expressa os que as pessoas vão fazer de 
verdade, ele é a explicação que o agente oferece, ou aos seus adeptos, ou aos seus inimigos, como 
uma espécie de “carteira de identidade”, que diz a ele quem é o próprio agente. 
Nós só entenderemos o movimento comunista quando entendermos que ele não tem nada a ver com 
suas respectivas ideologias. Ele troca de ideologia como nós trocamos de cuecas. A ideologia 
concebida pelo próprio Karl Marx, cujo resumo está no Manifesto Comunista, fornece o modelo 
condensado da sociedade como luta de classes, mas esse modelo foi mudado muitas vezes. O que 
interessa à luta de classes, já que o agente da revolução é o proletariado, por que Stalin nos anos 
trinta avisou o partido americano que esquecessem o proletariado, que conquistassem as cabeça dos 
socialites, dos formadores de opinião, dos intelectuais e de todas as pessoas importantes? Ele 
esperava que essas pessoas fizessem a revolução? Evidente que sim. Esses eram os agentes. O 
proletariado era o quê? O pretexto, o enfeite ideológico da ação inteira. Entre ideologia e estratégia 
existe uma série de mediações e de sutis alterações que tem que ser estudada em cada caso. 
Só por isto que eu estou lhes dizendo, que vocês podem avaliar como é tosco o exame que liberais e 
conservadores, em geral, fazem do comunismo. Muitos achando que isto é uma ideologia superada, 
ou entendem até o comunismo como um modelo econômico – como aquela besta do Marco Antonio 
Villa dizendo que o Lula não pode ser comunista por ele não pregar estatização dos meios de 
produção; Lenin também não pregava. 
Então, vamos começar como uma definição do movimento comunista. É um movimento mundial 
que alega como objetivo, como pretexto, como justificativa, a criação de um certo tipo de 
sociedade, mas que ele não a descreve, pelo menos não em detalhes. Nesse sentido, o movimento 
explica que a criação dessa sociedade encontra resistências terríveis e que essas têm de ser 
removidas antes, durante e depois da tomada do poder. Mas, tomada do poder onde? Só tem uma 
resposta: no mundo inteiro. Pois se eles tomam o poder num país, eles terão resistência externa. 
Por exemplo, existe um famoso livro chamado A Grande Conspiração, de Michael Sayers e Albert 
Kahn. A história retrata a conspiração das potências ocidentais para derrubar o recém-nascido 
regime soviético. Hoje, após ter lido outras coisas, eu sei que aquela narrativa era imensamente 
exagerada, que as potências ocidentais praticamente não fizeram nada além de boicotarem-se umas 
às outras e boicotar a própria resistência antissoviética. Mas, ali ele traça um panorama de um país 
cercado de inimigos. Então, como podemos construir o socialismo na URSS se o mundo inteiro está 
contra nós? Evidente, nós precisamos destruir o mundo inteiro. 
Portanto, isto é fundamental no movimento comunista: “nós só faremos a sociedade que estamos 
propondo, da qual nós temos uma ideia muito vaga e não precisamos entrar em detalhes, quando 
tivermos o poder total sobre o mundo inteiro” – eles pensam. Então, qual é o esforço permanente do 
Movimento Comunista? Criar uma nova sociedade? Não. Pois não adianta criar uma nova 
sociedade porque daí vem o inimigo externo e acaba com ela. Então, a constante do movimento 
comunista é a luta pelo poder total [01:00] sobre a humanidade. 
Qual é o primeiro projeto de governo global que se fez? Foi o da URSS. A ideia de governo global 
é inerente ao comunismo. No entanto, isto não quer dizer que isso seja uma ideologia para eles, eles 
não defendem isso como ideologia. Ao contrário, vocês verão ao longo das épocas o movimento 
comunista pregando ideias nacionalistas, onde o nacionalismo represente um obstáculo ao 
imperialismo americano, imperialismo britânico, ou qualquer coisa assim. Eles fomentaram o 
movimento nacionalista em toda parte. Mas se eles são internacionalistas como é que fomentam 
nacionalismo? Eles não são internacionalistas no sentido de um valor – isto é muito importante –, a 
ideia de valor não existe para o comunista. 
Por exemplo, é como se juízos de fato e juízos de valor fossem coisas distintas – quem disseminou 
essa concepção no mundo ocidental foi o Kant –, até certo ponto, tecnicamente falando, essa 
distinção é válida. Porém, no mundo ocidental acredita-se que o sujeito pode ter um ideal, sendo 
que esse ideal só existe na sua imaginação, e que em seguida ele precisa aplicá-lo na realidade. Hoje 
em dia é muito comum aparecerem alguns camaradas dizendo: o comunismo traiu seus ideais. Mas 
ora, o comunismo nunca teve ideais, a distinção entre real e ideal é característica do pensamento 
burguês, especialmente com Kant. Então, o sujeito distinguir entre o seu ideal e a sua situação real, 
e se perguntar como se faz para transformar esse ideal em realidade, isso é o modus operandi típico 
da técnica e da indústria. Isto é, eles concebem um produto que não existe ainda, que só existe em 
suas mentes, em seguida eles vão praticar uma série de ações destinadas a transformar o ideal no 
real. 
Ora, se o comunismo fosse um ideal, os comunistas teriam gastado muito tempo e muito papel 
descrevendo a sociedade comunista ideal. Mas, não se encontra isso em parte alguma. Eles nunca 
perderam tempo com isso. Karl Marx não escreveu trinta linhas sobre como seria a sociedade 
comunista. Trótski escreveu mais um pouco, mas fez besteira, pois a descrição era ridícula, para ele 
na nova sociedade comunista cada varredor de rua seria um novo Michelangelo, um novo Leonardo 
Da Vinci. Portanto, quanto mais eles descrevem a sociedade futura, mais eles caem no ridículo, 
então decidiram que era melhor não falar disso. “Nós nos limitamosao trabalho do negativo, da 
destruição da presente sociedade, porque no curso desse processo, da práxis, o movimento 
autodefinirá os seus objetivos e redefinirá e mudará mil vezes.” – eles pensam. 
Ou seja, o movimento comunista é infinitamente plástico e mutável. Porque ele se autodefine no 
curso da práxis. Ele não é um ideal a ser realizado. Ele é uma meta que desde o início é declarado 
inevitável, portanto não é um ideal. “O mundo irá para o socialismo de qualquer maneira, seja por 
esta ou aquela via, todas as vias servem” – eles dizem. O socialismo não é um ideal, ele é uma 
culminação inexorável do próprio processo histórico. É a mesma coisa que esperar que um garoto 
de três anos cresça e vire um adulto. Que [essa espera pelo] crescimento seja um ideal. Isto é, que o 
pai diga: “tenho o ideal de que meu filho vai crescer”. Negativo. Seu filho vai crescer de qualquer 
jeito. O comunista pensa assim: isso vai acontecer de qualquer maneira, portanto isso não é um 
ideal; é a própria mecânica interna do processo que nos levará a isso. E eles podem apressá-lo ou 
desacelerá-lo, mas no fim das contas não fará grande diferença, pois ou será por um meio ou será 
por outro. 
Se o objetivo é declarado como inevitável e ao qual se chegará por quaisquer meios, então, também 
significa que o comunismo irá usar quaisquer meios, inclusive, quando necessário, a prática do 
capitalismo. Por quê? Porque essa transformação do mundo, de capitalista em socialista, não se dará 
de uma maneira linear, mas através de conflitos inerentes a própria sociedade capitalista, ou ‘as 
contradições’, como os marxistas chamam. Isso quer dizer que, em certos momentos a pura prática 
do capitalismo, até mesmo do capitalismo liberal no seu sentido mais ortodoxo possível, pode ser 
útil aos comunistas. 
Por exemplo, a respeito de sujeitos que acreditam que a liberdade de mercado resolve todos os 
problemas. No começo dos anos noventa, houve muito debate se seria decente os investidores 
americanos botarem dinheiro na China, já que lá era um regime tirânico, genocida, etc., e a 
conclusão foi que sim. Que deveriam investir, pois a liberalização da economia traria, 
necessariamente, a liberalização do resto. Isso é um raciocínio pseudo-marxista, de que a economia 
determina o resto. Os marxistas não dizem que a economia determina o resto, dizem que ela 
determina em última instância. Ou seja, em linhas gerais, veremos que o percurso da história foi no 
sentido da luta de classes e do seu desenvolvimento, mas isto não quer dizer que todos os passos da 
coisa sejam determinados pela economia. Ao contrário, não são. Stálin sabia disso perfeitamente 
bem. O sujeito que acredita que a liberalização da economia liberalizará o regime, ele está 
raciocinando segundo uma caricatura de marxismo que tem na cabeça dele e com isso estará 
ajudando o movimento comunista internacional. 
Outro dia eu coloquei uma frase de Hegel, que apesar de ser meio “171”, era um grande filósofo, 
duma habilidade técnica fora do comum. Ele fez uma crítica devastadora à noção de liberdade de 
Kant, a de que esta era algo que saía da própria razão. A liberdade como puro exercício da razão, 
não pode levar em conta valores do mundo real, porque a razão não é determinada pelo mundo 
natural, a razão é independente. Então, diz o Hegel: “a pura liberdade de escolha considerada fora 
de um contexto de valores, é apenas uma abstração nula e vazia, não há entre o quê escolher”. Por 
exemplo, se o sujeito disser assim: “no mercado as pessoas fazem as suas escolhas, e essas escolhas 
determinarão o que faz e o que não faz sucesso”. Sim, mas em função do quê elas escolhem? E se 
elas decidirem escolher o socialismo? Se as escolhas são arbitrárias, não há uma escala de valores 
que seja inerente ao capitalismo. O capitalismo apenas assegura a liberdade de mercado, portanto a 
liberdade de escolha, portanto qualquer um pode escolher qualquer coisa, e todas as escolhas devem 
ser livres. 
Vejam, tem muita gente que diz isso, gente que acredita piamente nisso, como o movimento liberal, 
movimento libertaire etc. Mas, Hegel em 1810 já tinha demolido essa coisa, e diz ainda: “essa 
liberdade abstrata levará necessariamente a destruição e somente a destruição” – olhem que coisa 
profética. 
Hoje o sujeito tem a liberdade de escolher a que sexo ele pertence: outro dia eu vi um vídeo 
espetacular de uma mocinha canadense, loirinha, bonitinha, em que ela chega num consultório 
médico e diz: “olha, eu me identifico com o sexo masculino, portanto eu quero um atestado médico 
de que eu deva ser considerada homem”. O médico, intimidado pelo politicamente correto, fica com 
medo de não dar o atestado, e acaba o dando a ela. Com aquele atestado ela vai até a polícia, na 
verdade um lugar onde se retira carteira de motorista no Canadá, e pede uma licença, uma carteira 
de identidade, porém ela avisa ao agente que ela é homem, e exibe o atestado. Daí o funcionário se 
espanta, mas entrega a carteira de identidade de homem a ela. Com esses dois documentos ela tira 
todos os demais documentos, e ela passa a ser outra pessoa. E ela diz o seguinte: “basta isso para 
acabar com todo o padrão de honestidade nas relações humanas na sociedade inteira, porque 
qualquer um pode ter outra identidade” – esse experimento é crucial. Ela se chama Lauren 
Southern. Ela mostrou como isso funciona, isso é a liberdade abstrata do Kant. A escolha não 
depende de uma escala objetiva de valores, a escolha é livre. O sujeito não precisa nem escolher 
entre coisas que existem, pode escolher o que não existe, mas que passa a existir porque o sujeito 
assim escolheu. Só por esse exemplo, vocês imaginem a tosquice do pensamento liberal – e muitos 
conservadores também pensam dessa maneira – em face da complexidade e da organização interna 
do movimento comunista. Eles não estão habilitados a lidar com isso. 
Então, se pensarmos sobre a fórmula moderna do Estado laico. O que é o Estado laico? É a 
liberdade de escolha em matéria de religião. Mas, não se pode definir o que é religião, porque isso 
já seria prejulgar uma escolha. Assim, qualquer porcaria que o sujeito chame de religião passa a ser 
um direito dele – inclusive tinha aquele livro daquele monge do Paraná, O Culto da Abóbora 
Celestial, na qual eles cultuavam uma abóbora, o livro é engraçadíssimo; infelizmente esqueci o 
nome do autor, ele era um monge. Ou seja, a liberdade de escolha não precisa ser sequer entre 
religiões existentes, pode ser entre inexistentes. Porque se fizerem uma definição de religiões, 
separarem o que é religião do que não é, isso já é uma interferência do Estado, pois viola a 
liberdade abstrata. Quer dizer que, num instante, com essa simples ideia da liberdade total de 
escolha, eles eliminam todo suporte legal à distinção entre religiões autênticas e falsas. 
Notem bem, quando falo em religião autêntica e falsa, não estou falando que uma tem uma doutrina 
verdadeira e que a outra tem uma falsa. Podemos dizer que a doutrina de uma religião é falsa, mas 
não podemos dizer que enquanto religião ela é falsa. Por exemplo, eu discordo do budismo. Eu acho 
que as doutrinas do budismo são falsas, mas o budismo é uma religião de verdade. Uma vez o 
Almanaque Abril me contratou para fazer um texto sobre as religiões. Eu peguei o texto inicial que 
eles me deram e estava lá aquela patacoada de sempre – religião, sistema de crenças etc. Nem me 
lembro em que ano que foi isso, mas lembro que foi a única vez em que o Almanaque Abril deu 
alguma informação efetiva sobre o que é religião. 
As religiões são reconhecíveis por traços objetivos, e o que não tiver esses traços não é uma 
religião, de forma alguma. É uma caricatura, é uma sacanagem, é qualquer outra coisa, menos uma 
religião. Em primeiro lugar, não existe uma religião sem um sistema metafísico inteiro. Se não 
houver isso, não é religião de jeito nenhum, é um simulacro. E esse simulacro deveria ser privado 
dos direitos dados às religiões autênticas – quando digoreligiões autênticas não quero dizer 
religiões verdadeiras, fiquem atentos; isto é a mesma coisa que dizer que um livro é verdadeiro e o 
outro falso, porém sendo o falso um pedaço de papel, então como eu poderia dizer que ele é um 
livro? Se eu o chamar assim, eu o estou falsificando. Com as religiões a mesma coisa. Umas podem 
ser verdadeiras e outras falsas, mas enquanto religiões elas são genuínas ou não. 
O desejo de preservar a todo custo a liberdade abstrata resulta na destruição de todas as religiões. 
Então, teoricamente a liberdade de religião que o Estado professa proteger é destruída através dele 
próprio. Por aí vocês veem o que é a tosquice do pensamento liberal. Eu estou convencido de que 
Hegel poderia ser “171” o quanto fosse, mas era um gênio assombroso da filosofia. Schelling era 
muito maior, mas Hegel também era. Mas, eu estou convencido de que Kant era burro. Ele nunca 
foi um grande filósofo. Os erros de Kant na avaliação de coisas concretas são tão monstruosos, que 
parece que esse homem tem doze anos de idade. Ele era um menino prodígio apenas, nunca o 
deixou de ser. E, grande parte do pensamento das democracias atuais provêm de Kant. Muitas 
pessoas acham que Kant é uma alternativa ao marxismo, mas o marxismo engole Kant com a maior 
facilidade. O marxismo entende o Kant e o destrói desde dentro – o Hegel já fez isso para eles. 
Palavra final deste curso: eu lembro que coloquei em um artigo na internet, “Estudar antes de falar”, 
um roteiro de estudos marxistas. Esse não é um roteiro sobre a ideologia marxista. Ele abrange 
todas as faixas de existência do movimento comunista, desde as suas análises da história, da 
sociedade, das análises filosóficas de Marx, etc., até a experiência humana singular de viver dentro 
de uma sociedade e de um movimento comunista. Se vocês pegarem, por exemplo, a Ideologia 
Alemã, de Karl Marx. Aí vocês estarão voando na grande esfera dos conceitos filosóficos marxistas 
etc. Depois, vocês leem as Memórias de Nadezhda Mandelstam, Hope Against Hope. Que é a 
miséria indescritível de viver numa sociedade comunista. E, depois vocês leiam o livro de 
Whittaker Chambers, Witness. Que é um americano, que vive numa sociedade liberal próspera, e 
era um agente secreto do movimento comunista. Não um espião, mas um agente secreto, numa 
época em que a América pululava cheia de outros agentes como ele. Vejam essas três dimensões: 
tudo isso é o movimento comunista, há uma conexão entre eles. Se vocês não pegarem essa 
conexão, esse padrão de unidade, entre as ideias abstratas, o discurso ideológico, a vivência efetiva 
de seus agentes, e também das suas vítimas, vocês não estarão entendendo o que é o movimento 
comunista. 
Vejam, eu não tenho o menor talento de romancista. Aliás, eu nunca pensei em ser um romancista. 
Eu pensava em escrever as coisas que estou escrevendo agora, então, eu estou muito satisfeito. É 
aquele negócio do Alfred De Vigny: “uma grande vida é um sonho de juventude realizado na idade 
madura”. Bom, eu não realizei tudo, mas estou realizando exatamente o que eu planejava realizar – 
este curso inclusive. Assim sendo, se não começar a surgir grandes talentos romancistas, nós não 
vamos obter essa visão integral. Com relação ao Brasil, por exemplo, o romance do Antônio 
Callado, Quarup, quase dá uma noção da inteireza do movimento comunista do Brasil, quase. Mas 
ainda não tem Ninguém fez isso. Nem do movimento comunista no Brasil, quanto mais em escala 
mundial. Alguns romances brasileiros tem um pouco dessa amplitude. A obra do José Geraldo 
Vieira tem, mas ele não estava interessado no movimento comunista. Ele estava interessado na 
sociedade em geral, e por isso ele consegue juntar [essas dimensões]. Tem um romance dele em 
que um menino, chamado Jaiminho, foge de sua casa no interior e vai pra São Paulo. E, ele deixa 
para a mãe o seguinte recado: “mamãe, fugi para São Paulo, eu sinto em mim o borbulhar do 
gênio”. Então, o quê que é? É um pequeno Lucien de Rubempré. Que vai para a cidade tentar 
conquistá-la, e lá ele faz amizade com um coitado preto e um marinheiro inglês. E, o José Geraldo 
consegue juntar esses três e contar as aventuras deles. Observem, esse é um grande esforço para 
juntar pedaços da sociedade que normalmente estão totalmente desconectados. Toda a literatura 
brasileira é muito focada em aspectos da sociedade: a vida da classe média, o proletário, uma cidade 
de interior, ou políticos mineiros (no romance do Ciro dos Anjos, Montanha), e não se tem esse 
senso panorâmico, vidas humanas que se entrelaçam, que aparentemente não tem nada a ver uma 
com a outra. Quer dizer, eu acho que esse menino circulando com um preto e um marinheiro inglês 
na rua, é um exemplo que pode nos inspirar para o tipo de literatura que nós precisamos, e sem a 
qual não conseguiremos empreender guerra cultural nenhuma. Nós estamos cercados por um 
inimigo poderosíssimo, onipresente, e que tem a visão integral da nossa sociedade – não precisa ser 
uma visão científica, ela pode ser uma visão totalmente imaginativa, como de fato é – e nós não 
temos nenhuma visão imaginativa dele. E por isso continuamos perdendo. 
O que eu disse na última aula é fundamental: a guerra cultural começa na literatura, não começa em 
outro lugar. Não pensem em propaganda, isso é só um subproduto da literatura, nada mais do que 
isso. A vida política é um reflexo ainda mais longínquo – Hugo von Hofmannsthal disse: “nada está 
na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura” –, o prazo de passagem de uma 
coisa para a outra pode ser de cinquenta anos. Mas, tem aqueles que dizem: “precisamos fazer 
alguma coisa agora”. Sim, precisamos fazer alguma coisa agora: precisamos começar a fazer isso 
para ficar pronto daqui cinquenta anos. Se não começar agora, vai ser em cinquenta e um, cinquenta 
e dois, e assim por diante. 
Ou seja, a guerra cultural não começou ainda. Só existe a surra cultural. 
Hoje eu recebi duma jornalista polonesa, Ana [Algumacoisa], uma série de perguntas. Dentre as 
quais, se a derrota do PT em sessenta cidades não representava o fim da hegemonia esquerdista no 
Brasil. Mas nem de longe. Eles tinham a hegemonia antes de conquistar os cargos, e conquistaram 
os cargos porque tinham a hegemonia. Eles perderam o cargo, mas assim, é como a águia que perde 
o bico. Ela perde o bico, mas sobe a montanha e fica lá quietinha até crescer outro bico. Ela está 
viva ainda. Outro exemplo, a cobra. Acabou o veneno dela. O que ela faz? Ela se esconde até 
aparecer mais veneno. Ou seja, houve este recuo. Ouvi até boatos de que o PT está querendo 
expulsar o Lula – eles fariam isso, eu não tenho a menor dúvida. Eles expulsariam até suas próprias 
mães, se fosse preciso. Não seria a primeira vez que eles sacrificariam sua liderança. E para quê? 
Para a cobra mudar de pele de novo. E não é só de pele que ela muda, ela muda até o seu organismo 
interno. Este poder proteico do movimento comunista, que pode adotar todos os discursos, todas as 
políticas, etc., mas que não perde sua unidade, vem do quê? Essa unidade é do tipo imaginativo. E 
essa unidade do tipo imaginativo, sedimenta uma cultura. Por exemplo, uma cultura indígena. Ela 
toda se baseia em quê? De onde vem a unidade de uma cultura indígena? Vem de uma narrativa 
sobre as origens celestes da tribo. Leiam o livro de Hélène Clastres, Terra sem Mal. Ali se tem o 
mito fundador de uma sociedade indígena. É esse mito fundador que assegura a unidade toda. E o 
que é essa unidade? É do tipo imaginativo. Essa história da origem da tribo não é verdadeira no 
sentido histórico ou físico, mas é o padrão de unidade da comunidade. O padrão de unidade do 
movimento comunista é o desenho imaginativo do seu inimigo e, portanto, da função e do destino 
histórico do próprio movimento comunista no decorrer da história. 
Portanto, por onde temos de começar a atacá-lo? Nesse ponto. Mas, não é falando mal da sua 
descrição imaginativa. Isso todo mundo já falou. É aquele negócio doNietzsche: “só se vence 
aquilo que se substitui” – e vocês não têm outra visão. E não adianta vocês quererem criar esta outra 
visão na sociologia, na economia, etc., porque isto não tem o sedimento imaginativo necessário. Por 
exemplo, existem milhares de alternativas à sociologia marxista: Weber, Durkheim, e tantos outros. 
Mas são teorias científicas. Elas não têm esse poder unificante sobre a conduta humana. Vejam, o 
quê que fundamenta as religiões? Não é uma narrativa? Ou alguma religião começa com um tratado 
de teologia? Começa com um tratado de direito canônico? Não. Começa com uma narrativa. A 
narrativa pode ser verdadeira ou imaginada, não importa, ela vai funcionar do mesmo modo. Então, 
as origens da tribo da terra sem mal, é totalmente imaginativa. Mas, a história de Nosso Senhor 
Jesus Cristo é verdadeira, aconteceu mesmo. O que funciona não é a verdade da narrativa histórica, 
mas o simples fato de ela ser uma narrativa. Se não tivessem contado nada, não teria cristianismo 
nenhum. O que é o Evangelho? É a narrativa do nascimento, vida, paixão, morte e ressurreição de 
Nosso Senhor Jesus Cristo. Do mesmo modo, como começa o islam? É com um tratado de 
teologia? Também não. É uma narrativa dos vinte e oito anos da aventura do profeta Maomé, 
recebendo as revelações do Arcanjo Gabriel, fazendo guerras etc. Como começa o budismo? Não é 
a história da vida do Buda? Então. Daí por diante. Todas as religiões que existem começam com 
uma narrativa. Religiões são agentes históricos poderosos. E são poderosos por quê? Porque têm 
essa unidade imaginativa no começo. 
Notem bem, a guerra cultural é uma luta entre esquemas imaginários. E, a única vantagem do 
movimento comunista é essa: ele tem esse esquema imaginário. É enormemente complexo e 
abrangente e, pior, é o único que existe. Não há outra mitologia igual. Portanto, enquanto não tiver, 
nós vamos perder. A primeira coisa que um movimento anticomunista tem de produzir é esta 
imagem, este padrão imaginativo, esta “imagem de fantasia” sobre o próprio movimento comunista, 
e que o apreenda em sua unidade de tal modo que, essa unidade explique a sua diversidade, de 
maneira dialética e conflitiva evidentemente, e não mecânica. Mas, cadê a grande epopeia do 
movimento comunista? Ninguém escreveu. E quantas epopeias do mundo capitalista foram escritas 
nesse ínterim? Milhares. 
Estão entendendo onde se trava a guerra cultural? O lado propagandístico e político é secundário. 
As pessoas dizem: “vish, mas puxa vida, isso que você está propondo é uma coisa muito 
complicada, vai levar muito tempo”. Vejam, quanto tempo tem que os comunistas estão tentando 
conquistar o poder sobre o mundo inteiro? Tem cento e cinquenta anos. Quantas gerações deles já 
morreram? Quantos já foram mortos pelo próprio movimento comunista? E, no entanto, eles ainda 
continuam. Continuam por quê? Porque eles são orientados por essa imagem do inimigo a ser 
destruído, a do grande monstro ao qual se atribuem todas as más qualidades. E se esse monstro tem 
todas as más qualidades, então será perfeitamente legítimo fomentar essas más qualidades. Porque 
não se está forçando o capitalismo a se corromper, se está apenas explorando os germes de 
corrupção que existem dentro dele mesmo. 
Por isso que é um absurdo esse pessoal direitista conservador estar entusiasmado com o Vladimir 
Putin: “ah, mas ele é conservador, proibiu o casamento gay, está restaurando o cristianismo, faz 
discursos contra a decadência da sociedade corrupta e imoral ocidental”. Epa, espera aí: durante 
sessenta anos a KGB fomentou e subsidiou a corrupção do ocidente. Leiam o livro de Joseph 
Douglass, Red Cocaine, e vejam como começou o grande tráfico de drogas no ocidente. É coisa da 
KGB. Ou seja, ele fala mal da sociedade corrupta, mas ao mesmo tempo protege e premia aqueles 
que a corromperam, a KGB. Comparem: imaginem a queda do Terceiro Reich, e daí aparece um 
governo falando contra o antissemitismo, mas premiando e mantendo em seus postos os membros 
da SS e da Gestapo. Vocês acreditariam num sujeito desse? Pois é. Eis aí o dia que eu vou acreditar 
no Vladimir Putin: no dia que ele prender todos os agentes da KGB e contar quem foi que fomentou 
a corrupção do mundo ocidental. 
Vejam, nós não temos mais ideia do padrão de honestidade que vigorava entre as potências 
ocidentais no começo do século XX. Quando, por exemplo, o governo soviético inaugura a moda de 
fazer acordos internacionais e no dia seguinte descumpri-los, os governos ocidentais ficaram 
chocados, eles nunca tinham visto isso – bom, até que podia haver uma sacanagem aqui e outra ali, 
mas um acordo internacional é coisa sagrada, deve ser cumprido de qualquer jeito. Hoje em dia nós 
sabemos que todos os tratados internacionais só existem para serem violados. Mas quem inaugurou 
isso? Foi a União Soviética. E aos poucos a moda foi pegando. 
Do mesmo modo, o tráfico de drogas – claro que depois de certo ponto adquire uma autonomia 
própria. Mas quem começou? Quem o implantou no ocidente foi a URSS. Leiam o livro do Joseph 
Douglass. Havia na época, nos anos cinquenta, uma série de quadrilhas de narcotráfico, mas 
incipientes, pequenas. A KGB fez um programa [01:30] para infiltrar seus agentes em cada uma 
dessas organizações, tomá-las e articulá-las entre si. Foi aí que começou o grande tráfico de drogas 
no ocidente. Então, fomentaram a corrupção e em seguida a denunciaram. É claro que os agentes de 
uma coisa não são os agentes da outra. Talvez eles se ignorem entre si. O sujeito está lá condenando 
a imoralidade ocidental, mas não sabe que outro agente, a serviço da mesma organização, a 
fomentou por outro lado. 
Então, resumindo tudo: a grande força do movimento comunista é sua unidade imaginativa. 
Unidade imaginativa que ele traçou do monstro a ser destruído. E para cuja destruição valem todos 
os meios, inclusive mais monstruosos do que ele. Isso está no fundo, por exemplo, da cabeça de 
cada eleitor da Hillary Clinton. Eles são comunistas? Não. Eles só acreditam na imagem que o 
comunismo pintou do capitalismo, especialmente da América. Essa imagem reaparece hoje em toda 
a cultura americana. Assim, nós podemos dizer que a vitória da KGB sobre a cultura americana foi 
total. Os focos de resistência que existem não têm força imaginativa para se contrapor a isso. Não 
temos uma outra proposta. Durante cinquenta ou sessenta anos, toda a resistência anticomunista no 
EUA não foi anticomunista, foi antissoviética. E, empreendida não por um movimento civil, mas 
pelo governo. Não há um equivalente ocidental do movimento comunista, não há uma internacional 
anticomunista. Só há governos que reagem. Às vezes também reagem pequenos grupos. Mas, este 
movimento não existirá enquanto não tivermos a unidade imaginativa para sustentá-lo. 
Entenderam qual é o verdadeiro problema da guerra cultural? 
Vou parar por aqui. Vou responder algumas perguntas. 
Na próxima terça-feira, no mesmo horário desta aula, haverá um hangout com o Rafael Nogueira e 
o Mauro Ventura, com o título de “Amnésia Histórica”. Onde, talvez, alguns pontos que deveriam 
ter sido abordados neste curso podem ainda aparecer por lá. Vamos fazer uma pausa e daqui a 
pouco nós voltamos. 
 
*** 
 
Aluno: O livro Invasão Vertical dos Bárbaros, do Mário Ferreira dos Santos, é uma boa leitura 
complementar ao seu curso? 
Olavo: Ela é uma leitura útil em si mesma. Mas, não serve como uma leitura complementar a este 
curso. Esse livro pertence a um gênero, que se tornou muito comum no começo do século XX, que 
é a análise da crise da civilização. Onde se tem, por exemplo, o livro Johan Huizinga, Nas Sombras 
do Amanhã. Temos o livro do René Guénon, A Crise do Mundo Moderno. Tem o do Henri Massis, 
La Défense de L'Occident. Isto é quase um gênero literário, que entre os anos vinte e trinta se tornou 
muito comum, e o livro do Mário é um dos melhores do tipo. Mas, ele não tem muito a ver com o 
que nós estamos falando aqui. Aqui nós estamos falando de umaconcorrência entre esquemas 
imaginativos, aliás, entre um esquema imaginativo de um lado e a falta dele do outro. 
Aluno: Essa unidade imaginativa deve, necessariamente, ser entendida como um símbolo? Algo 
que transcenda a realidade concreta? 
Olavo: Sem sombra de dúvida. Ela pode ser inspirada na realidade concreta. Vocês podem até se 
basear em personagens efetivamente existentes, mas eles têm de ser mostrados, narrados, descritos 
de certa maneira que, de dentro deles se veja pulsando a energia de muitas outras pessoas ou 
personagens possíveis. 
Aluno: Poderia se dizer que o herói romanesco que se vê como ator da justiça social é na verdade é 
um ator da vingança? 
Olavo: Isso aqui é um ponto absolutamente fundamental: essa é a mesma definição do romance 
segundo Georg Lukács e Lucien Goldmann, quer dizer, “a revolta degradada contra o mundo 
degradado”. Só que eles introduzem nessa definição a seguinte nuance: essas revoltas degradadas 
têm como personagens indivíduos que estão com o rabo preso na própria situação contra a qual eles 
se revoltam, portanto, são revoltas individuais anárquicas. Como Julien Sorel, em Vermelho e o 
Negro, ou o Raskólnikóv de Crime e Castigo, etc. E, teoricamente esse tipo de revolta não pode 
levar a nada. A não ser que ela se integre no movimento comunista mundial, onde ela deixaria de 
ser uma revolta degradada – a teoria é verdadeira, mas com uma consequência absolutamente falsa. 
Sobretudo a revolta anárquica, eles a veem fortemente como característica da classe média. Essa é 
uma constante nos diagnósticos comunistas da realidade: a classe média pode se revoltar contra as 
injustiças, mas ela é necessariamente anárquica, individualista e, portanto, a revolta não vai levar a 
nada. Era assim que Stalin, por exemplo, diagnosticava o nazismo: como uma revolta da classe 
média. O que é falso, evidentemente. Porque o partido nazista foi subsidiado, sobretudo, pelo 
proletariado alemão, não pela classe média. Muito menos pela classe alta, embora esta também 
contribuísse. Os primeiros contribuintes do partido nazista foram os proletários, sem dúvidas. Os 
comunistas viam o nazismo como um partido anárquico, sem uma visão correta da história e que, 
portanto, eles seriam capazes de destruir as democracias burguesas, mas que não seriam capazes de 
criar um regime estável. O diagnóstico não estava totalmente errado, mas não pelas razões 
sociológicas apontadas. 
Portanto, é preciso dizer o seguinte: a definição que eles deram do gênero romance, não é só para o 
gênero romance, evidentemente; com isso se pode, a partir daí, criar toda uma tipologia da revolta. 
Mas nós podemos dizer o seguinte: toda revolta contra o estado de coisas é uma revolta degradada. 
Qualquer pessoa que queira mudar o mundo ela já está no errado, ela já entrou numa ambição 
demoníaca, evidentemente. 
Mais ainda, dentro do próprio movimento comunista tem elementos que levam, necessariamente, à 
corrupção da alma. Um deles é o seguinte: quando um político comunista é elevado ao governo 
numa nação democrática ocidental, por meio de eleições, o que ele vai fazer no governo? Ele vai 
implantar o socialismo? Não, ele não vai. Ele não pode fazer isso. Porque para isso ele precisaria 
primeiro concentrar um poder em suas mãos, que seria um poder ditatorial. Nesse sentido, ele teria 
que mudar o regime primeiro, mudar o regime político, para depois mudar o sistema econômico. 
Logo, não dá para ele fazer isso. O que ele pode fazer é introduzir mais mudanças culturais que 
fomentem a destruição daquela sociedade. Por exemplo, no setor da educação e da cultura esses 
governos vão agir com muita profundidade, evitando o conflito direto com o direito de propriedade 
etc. Isto é, eles vão roer pela beirada. Isso foi verificado: o Brizola fez isso no Rio de Janeiro; o 
Allende fez no Chile; o Obama faz aqui, no EUA, sobretudo através da educação e de medidas que 
não pareçam voltar-se diretamente contra o sistema capitalista, mas que, de algum modo, ou o 
corrompam e o levam progressivamente à sua destruição ou que transfiram o seu poder, sutilmente, 
para outros agentes, que não são agentes econômicos, são agentes políticos. 
E outra coisa fundamental é o seguinte: para o comunista, o partido está sempre acima do governo, 
mesmo que seja um representante do partido que esteja no governo. Em vista disso, uma das 
funções essenciais do governante comunista eleito numa democracia é dar dinheiro para o partido, 
isso é fundamental. Portanto, tudo o que Lula e Dilma fizeram no governo era previsível 
anteriormente. É claro que eles iriam tirar dinheiro do Estado para dar ao partido, pois essa é a 
obrigação número um deles. Juntar o máximo de poder nas mãos, isto é, o máximo de recursos 
financeiros, é obrigação elementar de um comunista. Esteja ele onde estiver, ele terá que desviar 
recursos para o partido. E, foi isso que Lula e Dilma fizeram – e tem gente que disse que ficou 
espantado. Mas é claro que eles vão fazer isso, eles têm de fazer. Isso faz parte da lógica do 
processo. Agora, o sujeito que precisa de uma experiência de doze anos para entender uma coisa 
que poderia ter entendido antes, pela própria dedução do conceito do movimento comunista, só 
prova que ele é burro mesmo. 
Nós podemos aí fazer um paralelo com a peça do Eugenio Corti, Processo e morte di Stalin – aliás, 
eu já contei essa história aqui: é uma peça do historiador italiano Eugenio Corti, que é uma espécie 
de Leon Tolstói da atualidade, ele escreveu a epopeia dos italianos na guerra, se chama Il Cavallo 
Rosso –, na qual os assessores mais próximos de Stálin, cansados de verem seus colegas serem 
perseguidos e massacrados pelo chefe que eles mesmos haviam nomeado, decidem matar Stalin. 
Então, eles vão a um jantar na casa de campo dele e aproveitam e prendem todos os seus guarda-
costas e informam a Stalin: estamos aqui para executá-lo companheiro. Stalin responde: mas vocês 
não podem fazer isso sem um julgamento, antes vocês me deem o direito de defesa. Daí eles 
consentem. E, o Stalin começa a demonstrar por um processo lógico-dedutivo que tudo o que ele 
fez foi exatamente, na mais estrita fidelidade, o marxismo-leninismo. Ele prova isso, e diz: eu não 
fiz nada de errado, fiz tudo certo. Aí os assessores são obrigados a concordar, mas mesmo assim 
decidem o matar – e assim termina a peça. 
Marx dizia: a história se repete, a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Caberia fazer uma 
versão chanchada disso aí, com os esquerdistas julgando o Lula e ele dizendo: fui estritamente fiel 
ao que o marxismo-leninismo manda fazer, vocês não podem me acusar de nada; eu fiz, não apenas 
o que eu tinha direito de fazer, mas o que era o meu dever de fazer – e de fato fez. Se ele não tirar 
dinheiro do governo burguês para dar para o partido, ele traiu o partido. Toda essa roubalheira faz 
parte do programa, era inevitável. Eu sempre disse: “querem saber o que é corrupção? Querem 
saber o que é entreguismo? Esperem o Lula chegar ao poder – e de fato aconteceu. Por acaso eu 
adivinhei? Não. Eu li o negócio, eu sei como é que é. 
Então, o herói romanesco que se vê como ator da justiça social: todos eles se veem dessa forma. 
Não necessariamente atores da justiça social, mas da justiça em geral. Ou seja, ele sente que o mal 
que ele está fazendo é justificado, e se não é um dever, é pelo menos um direito dele. Assim vemos: 
Julien Sorel, Raskólnikóv etc. Personagens reais também se viam assim. Napoleão Bonaparte 
sempre se viu assim. Ele se via como o justiceiro e reordenador do mundo – e de fato ele fez isso, 
só que o custo em vidas humanas foi enorme. Agora, não se pode dizer, por exemplo, que ele não 
restaurou as finanças da França. Ele restaurou de fato, mas restaurou como? Roubando os outros 
países. 
Seria interessante, por exemplo, um personagem de romance maravilhoso: José Dirceu. É visível 
que o Dirceu é fiel ao partido até agora. Ele tem esse sentimento de que ele está agindo de acordo 
com o seu dever.

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