Buscar

guerra-cultural-pdf-free

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Por que a direita sumiu 
Olavo de Carvalho 
Diário do Comércio, 2 de março de 2012 
Em artigo recente (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-nova-direita–por-
que-nao-,839845,0.htm), João Mellão Neto define muito corretamente o espírito do 
conservadorismo, mas falha em explicar por que a direita se enfraqueceu no Brasil ao ponto 
de todos os candidatos, nas duas últimas eleições presidenciais, serem de esquerda. Isto 
aconteceu, diz ele, porque a direita apoiou a ditadura e a ditadura não respeitou os direitos 
humanos. Esse diagnóstico revela mais sobre a mente que o produziu do que sobre os fatos 
a que pretende aludir. Mellão, com toda a evidência, aceitou a narrativa histórica dos 
adversários e argumenta contra eles numa perspectiva que, no fim das contas, continua 
sendo a deles. 
Ninguém entenderá a história do período militar sem estar consciente de que em 1964 não 
houve um golpe, porém dois: o primeiro removeu do poder um governante odiado por toda 
a população, que foi às ruas aplaudir entusiasticamente a derrubada do trapalhão 
esquerdista. O segundo, meses depois, traiu a promessa de restauração democrática 
imediata e iniciou o longo e deprimente processo de demolição das lideranças políticas 
conservadoras, substituídas, no poder, por uma elite onipotente de generais e tecnocratas 
“apolíticos”. A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus 
e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou 
e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de todas as instituições universitárias, 
culturais e de mídia, fazendo daqueles vinte anos, alegadamente “de chumbo”, uma época 
de esfuziante prosperidade da indústria das idéias esquerdistas no Brasil. 
Vasculhem a história do período e verão que, se o governo perseguia e amaldiçoava a 
violência guerrilheira, ao mesmo tempo nada fazia para combater o comunismo no plano 
ideológico, muito menos para ensinar à nação o valor perene dos princípios conservadores, 
que pouco a pouco foram caindo no total esquecimento até tornar-se como que uma língua 
estrangeira, desaparecida do cenário público decente já antes de que os líderes esquerdistas 
mais notórios voltassem do exílio. 
À imperdoável omissão dos governos militares no campo da guerra cultural e ideológica 
somou-se o desprezo da clique oficial pela classe política, onde as grandes lideranças 
conservadoras foram sendo apagadas, uma a uma, como velas sob um vendaval. Foi durante 
aquele regime que vozes poderosas do campo conservador, como as de Carlos Lacerda e 
Adhemar de Barros, foram caladas, enquanto outras, como as de Pedro Aleixo e Paulo Egídio 
Martins, foram menosprezadas e esquecidas, e outras ainda, como a de Roberto de Abreu 
Sodré, acabaram se acomodando à mediocridade oficial até perderem toda relevância 
própria. Tanto foi assim que, quando o governo Geisel deu sua virada à esquerda, adotando 
uma política nuclear antiamericana, estimulando o mais obsceno “terceiromundismo” na 
diplomacia e até fornecendo armas, dinheiro e assistência técnica para Fidel Castro invadir 
Angola, não se ouviu um protesto sequer das lideranças civis. E a única resistência que 
apareceu, vinda do campo militar por meio do valente general Sylvio Frota, foi logo sufocada 
sob acusações de “golpismo” e aplausos gerais ao presidente triunfante que estrangulara a 
“linha dura”. Nas universidades, a direita foi sistematicamente preterida na distribuição de 
verbas e cargos, que a generosidade insana do governo prodigalizava aos esquerdistas na 
ilusão de neutralizá-los ou seduzi-los (o processo, de uma indecência sem par, é descrito 
em http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/QTMFB.pdfpelo estudioso venezuelano 
Ricardo Vélez Rodriguez, um dos mais abalizados conhecedores da vida universitária no 
Brasil). Até mesmo no jornalismo, foi ainda durante o período militar que a esquerda assumiu 
de vez o controle das redações (v. meus artigos a respeito 
em http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html,http://www.olavodecarvalho.o
rg/semana/111125dc.htmle http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html), 
enquanto porta-vozes fulgurantes do pensamento conservador, como Gustavo Corção, 
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-nova-direita--por-que-nao-,839845,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-nova-direita--por-que-nao-,839845,0.htm
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/QTMFB.pdf
http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html
http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html
http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html
http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html
Lenildo Tabosa Pessoa e Nicolas Boer, iam sendo jogados para escanteio sem que ninguém 
desse pela sua falta. A direita pensante e atuante foi, literalmente, esmagada pela ditadura, 
que ao mesmo tempo, na esperança idiota de dividir os adversários e ganhar o apoio de uma 
parte deles, abria as portas e os cofres das instituições de cultura para o ingresso da 
revolução gramsciana. 
Quando terminou a era dos governos militares, em 1988, só quem era ainda conservador no 
Brasil era o povão mudo, desprovido de canais para fazer valer suas opiniões, enquanto o 
espaço cultural inteiro – mídia, movimento editorial, universidades, escolas secundárias e 
primárias, etc. – já era ocupado, gostosamente, pela multidão de tagarelas da esquerda que 
ainda mandam e desmandam no panorama mental brasileiro. Aos sucessos retumbantes que 
obteve na economia e no combate às guerrilhas, a ditadura aliou, em triste compensação, 
uma cegueira ideológica indescritível, que expulsou a direita do cenário público e entregou 
o espaço inteiro àqueles que até hoje o dominam. Cabe, nesse contexto, lembrar mais uma 
vez o dito de Hugo Von Hofmannsthal, segundo o qual nada está na política de um país que 
primeiro não esteja na sua literatura (tomada em sentido amplo de alta cultura). A direita 
saiu da política nacional, porque, com a complacência e até a ajuda do governo militar, foi 
primeiro banida da cultura nacional. 
1968 reencarnado 
Olavo de Carvalho 
Diário do Comércio, 9 de outubro de 2008 
Escreve na edição do dia 8 do Washington Posto colunista E. J. Dionne, importante formador 
de opinião com muita influência nos meios católicos de esquerda: “O debate de ontem tornou 
claro que o esforço de John McCain no sentido de mudar o foco da campanha para as guerras 
culturais dos anos 60 não vai funcionar. Os eleitores querem candidatos que falem sobre 
problemas e como resolvê-los, especialmente os enormes problemas com que nos 
confrontamos agora.” 
Bem, se E. J. Dionne quer problemas enormes, é fácil indicar-lhe um que é talvez o maior 
de todos os que a sua nação já enfrentou: a onda mundial de ódio aos EUA, que boicota por 
toda parte as iniciativas diplomáticas, militares e comerciais do governo americano, favorece 
a ação dos terroristas no plano internacional e a de seus aliados e protetores dentro do 
território americano e fomenta toda sorte de sabotagens, confusões, erros desastrosos e 
políticas suicidas que desembocam na presente crise econômica do país. 
Esse movimento é exatamente o contrário do que o otimismo vão dos “neoliberais” anunciava 
que aconteceria em seguida à queda do regime comunista na URSS. Ele substitui com 
vantagem tudo o que a velha encarnação soviética do movimento revolucionário tentou fazer 
para destruir os EUA. No seu conteúdo e na sua retórica, ele não difere substantivamente 
das “guerras culturais dos anos 60”, que permanecem em última análise a sua fonte básica 
de inspiração. A diferença está no tamanho: na comparação, elas se reduzem às dimensões 
de uma farra de estudantes. Naquela época, suas únicas armas, materialmente falando, 
eram pedras e coquetéis Molotov. Geograficamente, seu alcance não ia além de Paris, de 
Nova York e da California. Sua força vinha principalmente do apoio midiático e do 
paternalismo cúmplice que amolecia o coração de seus inimigos. Decorridas quatrodécadas, 
a gritaria estudantil transformou-se num movimento mundial magistralmente organizado, 
apto a acionar campanhas anti-americanas com um discurso uniforme em escala planetária, 
da noite para o dia, em articulação estreita com organizações terroristas na Europa, na Ásia 
e na América Latina, prontas para ações muito mais vastas e destrutivas do que tudo o que 
se viu na década de 60. Na época, quem pensasse em estourar algo do tamanho das Torres 
Gêmeas seria enviado ao hospício. Hoje não há mais hospícios (foram fechados por influência 
da antipsiquiatria, uma das armas ideológicas da guerra cultural) e as idéias dos loucos 
adquiriram uma tremenda viabilidade prática. 
O anti-americanismo global é a continuação das “guerras culturais dos anos 60” por outros 
meios — que não excluem, mas absorvem e transcendem infinitamente os anterioriores. Ele 
não surgiu espontaneamente: foi criado e fomentado desde dentro e desde fora dos EUA 
por um conjunto de poderes formidáveis, entre os quais se destacam algumas das fortunas 
bilionárias que subsidiam a candidatura Obama — como por exemplo a de George Soros, a 
do príncipe saudita Alwaleed bin Talal (cujo emissário Khalid Al-Mansour financiou os estudos 
de Obama em Harvard), e a da própria Penny Pritzker, coordenadora financeira da campanha 
do candidato democrata e dona do Hotel Hyatt de Nova York, onde a elite esquerdista, sob 
protestos de centenas de judeus do lado de fora, prestou rica homenagem ao mais explícito 
inimigo dos EUA e de Israel, o presidente iraniano Ahmadinejad. Não existe, nem no planeta 
Terra nem em Hollywood, uma só celebridade anti-americana que não apóie de todo o 
coração o candidato democrata. Estariam loucas, drogadas, apostando tudo contra si 
mesmas, ou têm objetivamente algo a ganhar com a vitória dele? A acreditarmos no discurso 
eleitoral de Obama, ele tem hoje intenções exatamente opostas às de seus fãs mais ardentes, 
a quem no entanto representou com tanta fidelidade ao longo de toda a sua carreira política. 
Como observou Thomas Sowell, “Obama está se candidatando com uma imagem que é 
diretamente oposta a tudo o que ele andou fazendo durante duas décadas. Sua habilidade 
em fugir do seu passado é tão notável quanto as grandes escapadas de Houdini.” 
Um político não se conhece pelo que ele promete hoje, mas pelo que ele fez ontem. Segundo 
Dionne, quem quer que obedeça a esse princípio do senso comum está “desviando o debate 
para as guerras culturais dos anos 60”. Mas não são os próprios adeptos do culto obâmico 
universal que chamam o 1968 de “o ano que não terminou”? Não são eles que dão à 
mitologia esquerdista dos anos 60 uma atualidade temível no Fórum Social Mundial, na onda 
terrorista e na virulência centuplicada do anti-americanismo global? Na verdade, concentrar 
o fogo dos argumentos no discurso de Obama, evitando tocar no seu passado, é fugir dos 
“enormes problemas com que nos confrontamos agora”, nos quais esse passado se perpetua 
e se amplia poderosamente, e aceitar como genuína a imagem de um Obama ideal, 
inventada para fins de pura propaganda. Se Dionne exige que os candidatos republicanos 
façam precisamente isso, é porque ele próprio personifica na atualidade um resíduo vivo e 
atuante daquelas “guerras culturais”: a teologia da libertação, que ele absorveu de Harvey 
Cox e que faz dele a contrafação simiesca de um pensador católico, empenhada em persuadir 
os fiéis a que não olhem o Messias democrata com os olhos da cara, e sim com os olhos da 
fé. 
Karl Marx na fonte da juventude 
Olavo de Carvalho 
Diário do Comércio, 30 de julho de 2007 
O recente “tsunami Marx que acaba de invadir as prateleiras das livrarias de todo o País”, 
como o qualifica entusiasticamente O Estado de S. Paulo do dia 22, comprova, da maneira 
mais clara possível, algo que venho dizendo há tempos: o bom e velho Partido Comunista 
ainda domina a indústria editorial e a mídia cultural no Brasil, aí exercendo um poder mais 
vasto e eficiente até do que nos anos 50 ou 60. 
É natural que esse controle monopolístico do mercado jamais admita sua própria existência, 
procurando, ao contrário, explicar a onipresença retumbante da propaganda marxista nas 
livrarias como se fosse um fenômeno espontâneo gerado pela pura “vitalidade intelectual” 
do marxismo, imune ao fracasso econômico dos regimes socialistas. 
Mas essa vitalidade intelectual simplesmente inexiste. 
Nove décimos do “pensamento marxista” desde a morte de Marx consistem em produzir 
novos significados para a doutrina do mestre, de modo que ela acabe dizendo o que não 
dizia antes e, a cada vez que é refutada pelos fatos, pareça emergir do confronto revigorada 
e vitoriosa. 
Uma das estratégias mais freqüentes usadas para esse fim é dissolver a estrutura da teoria 
tal como aparece nos escritos de Marx e reconstruí-la desde algum ângulo que pareça mais 
vantajoso – ou menos vexaminoso – desde o ponto de vista do estado presente dos 
conhecimentos. 
O marxismo, como o darwinismo, não sobrevive ao teste do tempo mediante repetidas 
comprovações da sua veracidade originária, como acontece com a aritmética elementar ou 
com a tabela periódica dos elementos, mas mediante a descoberta – ou invenção — de novas 
veracidades possíveis ocultas sob os escombros das suas pretensões refutadas. 
Qualquer teoria, beneficiada ciclicamente por esse tratamento rejuvenescedor, pode adquirir 
uma espécie de eternidade. O que os responsáveis por semelhante milagre geriátrico jamais 
informam à deslumbrada platéia é que esse tipo de vida eterna não é próprio das teorias 
científicas e sim dos símbolos literários, que, justamente por não terem significados estáveis 
e definitivos, podem sempre se enriquecer de novos e novos significados, até mesmo 
contraditórios entre si, à medida que a experiência os sugira à fértil imaginação de cada 
interessado. Mergulhado de tempos em tempos nessa fonte da juventude, até mesmo o 
“eterno retorno” nietzscheano pode retornar eternamente sem que ninguém jamais consiga 
refutá-lo de uma vez por todas, embora todo mundo saiba que ele é falso. 
Mas essa estratégia, no caso do marxismo, seria impotente para obter resultados tão 
animadores se não fosse secundada por uma técnica ainda mais sutil e maravilhosa, que é 
a de camuflar as ações e os efeitos da própria militância marxista sob a aparência de forças 
sociais impessoais que, hipostasiadas, posam então de agentes da história em lugar dos 
agentes de carne e osso a serviço dos movimentos revolucionários. Não deixa de haver uma 
certa virtude ascética na humildade com que os exércitos de formadores de opinião e agentes 
de influência esquerdistas renunciam ao mérito histórico das suas ações e desaparecem por 
trás do cenário, atribuindo os resultados de seus esforços à dialética anônima do “mercado”, 
a qual, abstração feita da guerra cultural incessante movida pela militância esquerdista para 
corromper o capitalismo desde dentro, parece até funcionar como Marx disse que 
funcionaria. 
O acontecimento mental mais importante e notório da segunda metade do século XX é a 
disseminação do “marxismo cultural” entre as classes superiores no mundo ocidental. Ela 
tem como corolário inevitável a apostasia geral em relação aos valores morais e religiosos 
que fundaram o capitalismo. Na geração dos baby-boomers que hoje brilham nos altos 
postos das finanças, da indústria, da mídia e do show business , quem não aderiu 
francamente ao esquerdismo e ao anti-americanismo ao menos abjurou por completo das 
crenças religiosas dos seus pais e se imbuiu de um progressismo darwinista ou de um 
liberalismo amoral que não hesita em promover as causas esquerdistas – especialmente o 
abortismo e o gayzismo –, pensando só nas vantagens econômicas imediatas que isso pode 
lhe trazer e nem de longe se preocupando com as conseqüências sociais, culturais e políticas 
de longo prazo. O resultado é que a democracia vai sendo minada nas suas bases por meio 
dos mesmos instrumentos econômicos criados parafomentá-la. Se, nesse panorama, você 
fizer abstração do fator “guerra cultural”, que é o principal determinante do conjunto, restará 
apenas a contradição crescente entre democracia e enriquecimento capitalista, dando razão 
aparente à previsão de Marx. Assim os próprios agentes da guerra cultural matam dois 
coelhos com uma só cajadada: dão sumiço às suas próprias ações subversivas e no mesmo 
ato elevam ao nível de verdade profética a visão fantasiosa que Marx tinha das “contradições 
do capitalismo”. (Como já expliquei dias atrás 
— http://www.olavodecarvalho.org/semana/070620dce.html –, a duplicidade de línguas 
é traço permanente e estrutural da mente esquerdista, toda ela modelada pelo exemplo 
“dialético” de Stalin, que fomentava o nazismo em segredo para e o condenava em público.) 
O “tsunami Marx”, além de ser um acúmulo de simultaneidades demasiado ostensivo para 
poder ser explicado ele próprio pelas tendências espontâneas do mercado, é todo ele 
constituído de mutações retroativas como aquela que acabo de descrever. O novo Karl Marx 
que ali se apresenta para receber os aplausos da galera tem tanto a ver com o antigo quanto 
o evolucionismo do sr. Richard Dawkins, onde tudo acontece por acaso, tem a ver com o 
darwinismo originário no qual nada acontece por acaso (de modo que em qualquer dos dois 
casos o evolucionista está sempre com a razão). 
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070620dce.html
Qualquer filosofia ou teoria científica que se arrogue o direito de mudar de significado quando 
bem lhe interesse adquire o delicioso privilégio de não poder ser jamais contraditada pelos 
fatos. Que uma parcela significativa da classe intelectual e de seus acólitos na mídia se 
dedique à produção dessas transmutações, é a prova incontestável de que a “cultura 
superior” está se transformando cada vez mais numa modalidade socialmente aceita de 
crime organizado. 
Absoluta falta de escrúpúlos 
No meu artigo anterior, escrevi: 
“ O movimento gayzista foge a toda discussão, ele não quer debater com seus adversários, 
mas destruí-los socialmente, privá-los de seus meios de expressão, reduzi-los à condição de 
párias e, por fim, colocá-los na cadeia em massa. Nos sites e assembléias onde se prepara 
a reação gayzista aos críticos, não se vê uma só tentativa de conceber argumentos para um 
eventual enfrentamento dialético: só planos de assédio judicial, de boicote, de assassinato 
moral .” 
Na mesma semana, reagindo a um outro artigo meu 
( http://www.olavodecarvalho.org/semana/070719jb.html ), a militância enfurecida 
ofereceu ainda mais provas disso, estampando no Orkut apelos ostensivos à minha imediata 
exclusão da mídia. O mais bonito foi este: “O Julio Severo já foi calado, só falta esse monte 
de b…ta chamado Olavo.” Para não dizer que essa palavra de ordem veio desacompanhada 
de qualquer tentativa de refutar os meus argumentos, o remetente, respondendo à minha 
afirmativa de que “Júlio Severo se limita a opor ao homossexualismo a moral cristã, que não 
manda currar ninguém”, informava a um estupefato mundo que o Levítico manda empalar 
– sim, empalar – os acusados de homossexualismo. Não sei se fico mais mavavilhado ante 
esse feito sublime de exegese bíblica ou ante a passividade sonsa das entidades cristãs e 
judaicas que deixam todo mundo praticar com total impunidade o crime de ultraje a culto. 
Recebi também algumas cartas de gayzistas enfezados, que me acusavam de “associar o 
movimento homossexual à pedofilia”. A reclamação não faz sentido. Quem associou 
gayzismo e pedofilia não fui eu. Foram os líderes gayzistas Luiz Mott e Denilson Lopes, o 
primeiro com aquela sua desavergonhada apologia do “moleque ideal”, o segundo em artigos 
e conferências que, no mínimo, verberam como “intolerância” toda condenação à pedofilia. 
Outra associação da qual muito reclamam é entre homossexualismo e promiscuidade. Mas 
ela também não é uma rotulação externa, vinda de fanáticos homofóbicos ou mesmo de 
críticos sérios do movimento. Ao contrário, é um título de glória ostentado pelo sr. Luiz Mott, 
que se gaba de ter tido relações homossexuais com pelo menos quinhentos homens! 
Se Mott e Lopes são representantes autorizados do movimento gay , então é manifesto que 
este defende a pedofilia e a promiscuidade. Se não são, então os demais líderes do 
movimento têm a obrigação de expressar publicamente seu repúdio à conduta de ambos. 
Como não fizeram isso até agora, não têm o direito de reclamar quando a palavra dos dois 
é tomada como se fosse a sua própria palavra. 
Por outro lado, é óbvio que inventei o neologismo “gayzista” (ou gueizista), em oposição 
a gay , para marcar a distância entre condenar uma conduta sexual e criticar um movimento 
político. 
Até o momento, tudo o que escrevi foi contra o movimento político, a ideologia e o projeto 
de poder gayzistas e contra a sua expressão mais imediata, a proposta de lei “anti-
homofóbica” – mas, pelas reações que meus artigos suscitam entre a militância, é patente 
que isso também se enquadra no delito de “homofobia”. 
Se eu quisesse uma prova suplementar de que esse movimento é totalitário na sua inspiração 
e nos resultados políticos que planeja obter, essas reações já bastariam para fornecê-la com 
a máxima clareza possível. 
Quando se acusa de “homofobia” cada objeção à lei “anti-homofóbica”, é claro que a 
divergência em si já está criminalizada, antes mesmo que a proposta se consagre em lei. 
Isso é totalitarismo no sentido mais eminente do termo. 
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070719jb.html
Da minha parte, não apenas me abstive de participar de qualquer cruzada moralizante contra 
o homossexualismo (nisso diferindo dos críticos religiosos), mas tenho feito o possível para 
compreendê-lo como experiência humana, sine ira et studio . Não tenho portanto a menor 
dificuldade em simpatizar com a causa dos homossexuais que desejam ser aceitos 
socialmente como tais e não apenas como “seres humanos” ou “cidadãos”, abstrata e 
assexualmente. No mínimo, sei o que é um fumante ser admitido, entre sorrisos postiços, 
em ambientes que professam ser hospitaleiros aos fumantes… contanto que eles procedam 
como se não o fossem. Por motivos que já expliquei aqui 
( http://www.olavodecarvalho.org/semana/070326dc.html ), o gay que tenha de fazer 
abstração de sua preferência sexual para se sentir aceito socialmente vivencia isso como a 
mais intolerável das humilhações. 
Meu problema com a militância gayzista não tem nada a ver com homossexualismo, mesmo 
porque há muitos gayzistas que não são gays (o sr. presidente da República é um; o prefeito 
de São Paulo é outro; o PT e as fundações Ford e Rockefeller estão repletas de tipos 
similares) e muitos gays que não são gayzistas (nas igrejas cristãs, por exemplo). 
Meu problema é que a ideologia gayzista, desde suas primeiras formulações, já mostrou uma 
inclinação totalitária escandalosa, descarada, persistente. Ela não quer proteger os 
homossexuais, garantir para eles um lugar entre pessoas que sejam diferentes deles. Ela 
quer destruir radicalmente tudo o que, na sociedade, na cultura ou nas mentes individuais, 
seja contrário ao homossexualismo. Ela quer proibir toda divergência moral, toda repulsa 
espontânea, toda palavra adversa, todo pensamento que a desagrade, todo mandamento 
religioso que lhe seja contrário. Ela quer eliminar toda diferença e imperar, soberana, sobre 
uma montanha de concordância e subserviência. Quem diz isso não sou eu. São as próprias 
atitudes públicas de seus porta-vozes. 
Um exemplo já antigo é a perseguição aberta, oficial, aos ex- gays e aos psicólogos que 
professem ajudar o paciente interessado em abandonar as práticas homossexuais. O 
movimento gayzista trata os primeiros como traidores abjetos e os segundos como 
criminosos. Que é que se pode depreender disso senão que é proibido abandonar o 
homossexualismo, que a liderança gayzista se dá o direito de policiar a vida privada de cada 
homossexual e de se impor como uma verdadeira máfia, na qualse pode entrar livremente 
mas só se pode sair morto? Não há maior atentado à liberdade individual do que forçar um 
ser humano a ostentar uma identidade social que ele já não considera sua. 
Mais tarde veio a discriminação dos homossexuais machões aos transexuais que ousavam 
invadir o espaço sacrossanto das saunas gays . Repugnava aos primeiros ver peitos de 
silicone numa atmosfera que desejariam cem por cento varonil, musculosa e peluda. “Tenho 
nojo disso”, exclamava um deles ante os travecos. Ora, todo mundo sabe que o instinto 
sexual se compõe não só de afeição a certos estímulos (visuais, tácteis etc.) mas de 
repugância instintiva aos estímulos contrários. Um homem cujas fantasias eróticas envolvam 
privacidade e segredo sentirá repulsa incoercível ante exibições públicas de erotismo. O 
transexual do tipo conhecido como “autoginéfilo”, que só se excita quando se vê como 
mulher, se sentirá humilhado e constrangido se o parceiro lhe lembrar por atos ou palavras 
a sua condição de varão. Mutatis mutandis , o homossexual puro sangue, o macho atraído 
por machos, sentia nojo de homens que pareciam mulheres. Lembro-me de que o sr. Luiz 
Mott, convidado a arbitrar a disputa, deu razão aos dois lados, mostrando que compreendia 
perfeitamente bem a dialética de atração e repulsa. Mas o mesmo Luiz Mott, ante o 
heterossexual a quem repugnem as ostentações de homossexualismo, gritará: “Crime!”, 
“Homofobia!”, “Nazismo!” O direito à repulsa, portanto, é monopólio exclusivo da 
comunidade gay . Os demais, que tratem de gostar do que não gostam. Conheci uma vez 
um guru argentino, da escola gurdijeffiana, famosa nos meios ocultistas por sua índole 
autoritária e brutal. Para quebrar a resistência dos discípulos recém-chegados, ele já lhes 
ditava logo na entrada o parágrafo número um do seu regulamento disciplinar: “ Que te 
guste lo que no te gusta .” É isso aí. É o mandamento número um que a ideologia gayzista 
impõe aos não- gays . Para os recalcitrantes, cadeia. 
São ou não são uns intolerantes hipócritas esses líderes gayzistas? 
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070326dc.html
Vejam por exemplo a diferença, o duplo critério no julgamento dos heteros e dos homos. A 
mulher que admita ter ido para a cama com quinhentos homens desiste, ipso facto , de 
qualquer pretensão à respeitabilidade familiar. Mas o sr. Luiz Mott se vangloria dos seus 
quinhentos parceiros, e ai de quem o chame de promíscuo! 
Nada, na galeria da presunção universal, se compara à prepotência gayzista. Se ainda 
duvidam, leiam este despacho da Agência de Notícias da Aids 
( http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=2029 ): 
“Stalinista. Foi dessa forma que o ativista José Araújo, diretor da AFXB (Centro de convivência 
para crianças que vivem com HIV/Aids em São Paulo ), classificou alguns setores do 
movimento gay… ‘A fome de poder deles está sendo saciada pelo Programa Nacional [de 
DST/Aids]’, avalia Araújo. 
“Para José Roberto Pereira, mais conhecido como Betinho, está acontecendo ‘um aumento 
cada vez maior da intervenção do movimento gay no movimento de Aids’. 
“‘Eu sou gay, não tenho o menor problema com gay, mas… existe uma espécie de 
estrangulamento do movimento de Aids com o crescimento do movimento gay’, acredita 
Betinho. 
“Fundos importantes da Aids estão indo para o movimento gay e não estou vendo uma queda 
dos índices [da epidemia do HIV entre os homossexuais]’, avalia Betinho, um dos 
colaboradores do Projeto Bem-Me-Quer. (…) ‘O movimento de Aids está perdendo sua 
característica. Está virando um grande movimento gay’, lamentou, em outro momento, José 
Araújo, da AFBX.” 
Se os líderes gayzistas a que se referem Betinho e Araújo não se vexam nem de roubar 
dinheiro do socorro a seus correligionários aidéticos para fomentar uma agenda política, que 
é que pode impedi-los de usar, contra seus poucos e inermes adversários, as armas mais 
torpes e mesquinhas? 
Escrúpulos? É claro que eles não têm nenhum. 
Por isso é que é mais urgente do que nunca distinguir entre gays e gayzistas. Seria 
horrívelmente injusto atribuir à totalidade dos primeiros os hábitos ditatoriais e perversos da 
minoria ativista, revolucionária e gnóstica que, escorada no dogma da própria impecabilidade 
essencial, se concede o direito a todas as baixezas, a todas as iniqüidades, a todos os crimes, 
sempre em nome dos belos ideais que diz personificar. 
O guru da Nova Ordem Mundial 
Olavo de Carvalho 
 
Diário do Comércio, 3 de abril de 2006 
Alguns leitores estranham que, em plena ascensão do comunismo na América Latina, eu 
me desvie da atualidade explosiva para me empenhar, aqui e em outras publicações, num 
combate aparentemente extemporâneo contra Immanuel Kant e o iluminismo 
(v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/060313dc.htm, http://www.olavodecarvalho.o
rg/semana/060323jb.htme 
sobretudo http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/opiniao/2006/03/29/joropi20060329002.ht
ml, mais o artigo meu que saiu na Zero Hora de ontem, que no momento em que vocês 
lêem já deve estar reproduzido no meu website, www.olavodecarvalho.org, mas cujo 
endereço completo não sei ainda). 
Há quem chegue a imaginar que criei birra do anãozinho corcunda de Koenisberg por sua 
semelhança física com o de Turim (Antonio Gramci). Mas nada tenho contra anõezinhos, 
exceto quando por dentro são monstros enormes. No artigo anterior descrevi brevemente 
o segundo. Seu antecessor alemão parece bem menos perigoso. Com freqüência, surge na 
mídia com as feições risonhas de um amante da paz e da liberdade. Ninguém pode negar 
que isso ele era realmente, mas em filosofia as palavras não valem pelo seu sentido-
padrão dicionarizado, e sim pelo conceito específico e plenamente desenvolvido que 
nomeiam. Quando examinamos o que Kant entendia por paz e liberdade, sabendo que 
assim as entendem também os atuais candidatos a governantes do mundo, não podemos 
http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=2029
http://www.olavodecarvalho.org/semana/060313dc.htm
http://www.olavodecarvalho.org/semana/060323jb.htm
http://www.olavodecarvalho.org/semana/060323jb.htm
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/opiniao/2006/03/29/joropi20060329002.html
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/opiniao/2006/03/29/joropi20060329002.html
http://www.olavodecarvalho.org/
deixar de perceber que a parecença do filósofo com o fundador do Partido Comunista 
Italiano não é só anatômica, mas também moral, sobretudo na capacidade que ambos 
tinham de embelezar com uma linguagem idealística as mais feias realidades históricas que 
estavam plantando no solo do futuro. 
De modo geral, a influência cada vez maior e mais organizada dos intelectuais nos centros 
de poder mundial e a adoção generalizada da “guerra cultural” como instrumento 
primordial de dominação tornam a política incompreensível a quem não consiga 
acompanhar de perto a marcha das idéias. É uma ilusão mortífera imaginar que ainda 
existe uma esfera “prática” separada do debate cultural, religioso e filosófico. Os políticos 
ou líderes empresariais soi-disant “pragmáticos”, que se gabavam de olhar com desprezo 
as discussões aparentemente bizantinas dos acadêmicos, são hoje uma raça em extinção. 
Para destrui-los, basta à intelectualidade ativista conceber estratégias que passem longe do 
horizonte de visão do seu imediatismo praticista. A vitória do gramscismo no Brasil explica-
se, em boa parte, pela indolência intelectual dos líderes políticos e empresariais de fora da 
esquerda. Nos EUA, nada se debate no parlamento, se decide no judiciário ou se 
empreende no executivo sem ter passado, muito antes, pelo crivo dos think tanks, onde 
intelectuais de grosso calibre criam as categorias de pensamento que depois orientam toda 
a discussão subseqüente. Se você tenta acompanhar o desenrolar dos acontecimentos sem 
conhecer os pressupostos intelectuais mais remotos por trás dos conflitos de poder, acaba 
não entendendo nada. Um desses pressupostos é a filosofia de Kant. Exposta num estilo 
abstruso que repele até os estudantesde filosofia, ela é a última coisa pela qual um 
“homem prático” poderia se interessar. Por isto mesmo, ela vai se tornando realidade bem 
diante dos narizes deles, sem que tenham a menor idéia de para onde ela ameaça levá-los. 
Umas poucas observações bastam para realçar a gravidade do assunto. 
Em primeiro lugar, a noção kantiana de “paz eterna”, tão própria a seduzir os sentimentais 
pela sua vaga ressonância bíblica, não significa outra coisa senão “governo mundial”. Num 
estudo importantíssimo (La face cachée de l’ONU, Paris, Ed. Sarment Fayard, 2000), o Pe. 
Michael Schooyans, filósofo belga que já lecionou no Brasil, mostra que as novas 
legistações uniformizantes que a ONU vem impondo ao mundo, como por exemplo o 
abortismo obrigatório a que me referi num dos artigos anteriores, são de inspiração 
diretamente kantiana. O governo global que a ONU está construindo com rapidez 
desnorteante é a tradução jurídica exata do que Kant entendia como “comunidade 
humana”. Essa comunidade, segundo o filósofo, emergia espontaneamente do fato de que 
os homens são todos dotados da mesma faculdade da “razão”. Mas a razão, para Kant, 
não é a mesma coisa que era para os antigos e medievais. Estes a entendiam como o 
simples dom da fala e do raciocínio coerente, reflexo longínquo da Razão divina que criou e 
sustenta o mundo. Graças a esse dom, o ser humano podia apreender algo da ordem 
divina e cósmica do mundo, ordenando por ela, na medida de suas limitadas capacidades, 
a vida da sua própria alma. Para Kant, ao contrário, a razão é a autoridade legisladora 
suprema e insuperável, que não tem satisfações a prestar nem a uma ordem divina pré-
existente, nem a quaisquer fatos do mundo real que não se enquadrem na sua auto-
regulação soberana. Os estudantes de história da filosofia não ignoram que o iluminismo, 
de um modo geral, se caracterizara pela apologia da universalidade abstrata, com pleno 
desprezo da variedade dos fatos singulares. Na Revolução Francesa, milhares de cabeças 
singulares foram decepadas para enquadrar as restantes na linda universalidade da razão. 
Kant adorou isso. A rigidez do seu moralismo abstrato não tinha limites. Imaginem agora o 
que pode resultar da transformação disso em princípio regulador da ordem mundial. 
Eliminar do mapa as nações que não se enquadrarem na perfeição da nova ordem global 
será tão fácil quanto guilhotinar dissidentes. Se a cultura colombiana, por exemplo, é 
refratária ao aborto por querer permanecer fiel às suas origens cristãs, corta-se o crédito 
internacional da Colômbia como outrora se cortou a cabeça do poeta André Chenier ou do 
físico Lavoisier. Isso está de fato acontecendo, e é uma solução tanto mais tentadora 
porque o governo colombiano move uma bem sucedida guerra contra o narcotráfico, que a 
ordem global em gestação preferiria, ao contrário, liberar como comércio legítimo (uma 
vasta campanha nesse sentido é subsidiada pelo sr. George Soros, que ao mesmo tempo 
investe pesadamente na construção da nova ordem e na compra de terras… na Colômbia). 
Para quem quer enquadrar o planeta num modelo jurídico uniforme, esmagando os 
adversos e recalcitrantes com a boa consciência de um apóstolo da paz eterna, nada mais 
inspirador do que os abstratismos de Kant. 
Mas, muito antes de insuflar essas idéias malígnas nas cabeças dos burocratas de Genebra, 
Kant já havia feito um mal irreparável à inteligência humana. Ao consagrar o império da 
“razão” uniforme sobre a multiplicidade dos fatos, ele criou o dogmatismo cientificista que 
permite abolir continentes inteiros da realidade, sob o pretexto de que são refratários ao 
estudo científico, dando em seguida, a essa mesma ciência que admite sua incapacidade 
de estudá-los, a autoridade de declarar que não existem. Essa idolatria do método 
produziu resultados tragicômicos. A epidemia de charlatanismo antropológico no século XX 
esteve entre eles. Baseando-se na premissa kantiana de que de um juízo de fato não se 
pode deduzir um juízo de valor, nem do valor um fato, cientistas sociais bisonhos 
professaram abster-se asceticamente de proferir julgamentos de valor sobre as realidades 
culturais que estudavam e acabaram tirando desse voto de castidade a conclusão de que, 
nesse campo, as diferenças de valor não existiam mesmo. A igualdade das culturas perante 
a suprema Razão kantiana é hoje um dogma imposto a todas as nações pelos pedagogos 
politicamente corretos da ONU. É imensurável a bibliografia destinada a persuadir o mundo 
de que, por exemplo, os rituais astecas de sacrifícios humanos eram um costume tão 
decente quanto a caridade franciscana. 
Quando o Prof. Peter Singer afirma resolutamente os direitos humanos das galinhas, 
estendendo às diferenças entre espécies animais o mesmo preceito que obteve tanto 
sucesso no que diz respeito às diferenças entre culturas, ele está sendo rigorosamente 
kantiano. 
Da mesma inspiração vem aquela regra sublime de que, como a ciência genética não 
consegue perceber nenhuma diferença entre um ser humano e um chipanzé aos três 
meses de gestação, os seres humanos não são realmente diferentes dos chipanzés. 
Fortalecida pela autoridade de Kant, cada ciência se crê autorizada a proclamar que tudo 
aquilo que está fora do alcance dos seus métodos é perfeitamente inexistente. Qualquer 
faxineiro sabe que um embrião humano, uma vez crescido, pode se tornar Platão ou 
Michelangelo, e que nenhum embrião de chipanzé pode esperar um futuro igualmente 
promissor. Mas, como a embriologia não estuda nada do que sucede aos embriões depois 
que eles deixam de ser embriões, essa diferença é kantianamente abolida em prol da 
soberania do método. E há muito tempo a supressão dessa diferença deixou de ser uma 
pura especulação acadêmica; ela já virou lei, e as cabeças que sua aplicação vai 
arrancando pelo caminho não são de chipanzés nem de galinhas. 
Outro malefício incalculável que o kantismo trouxe à humanidade é a separação rígida e 
estereotipada entre “ciência” e “religião”. Segundo Kant, a primeira diz respeito àquilo que 
podemos “saber”, a segunda áquilo que podemos apenas “esperar”, quer dizer, desejar e 
imaginar. Em suma, vigora aí a diferença entre “conhecimento” e “crença”. Uma teoria 
científica você prova ou contesta. Numa doutrina religiosa, você apenas crê ou não crê, 
sem possibilidade de arbitragem racional. Essa distinção impregnou-se tão profundamente 
na alma ocidental que acabou por determinar o uso diário das palavras respectivas na 
mídia, nas escolas, nas discussões públicas e privadas. Esse é talvez o dogma 
terminológico de maior sucesso em todos os tempos. Até no automatismo do inconsciente 
a religião tornou-se “fé”, e ponto final. Mas isso é um conceito pueril e insustentável, uma 
idiotice completa. Nenhuma religião do mundo começa com “crença”. Começa sempre com 
uma sucessão de fatos que assinalam a súbita e humanamente inexplicável penetração 
coletiva numa esfera de realidade mais alta, de onde toda a existencia aparece 
transfigurada por um novo sentido. Digo “fatos” porque é disso que se trata. A travessia do 
Mar Vermelho pode ter se transformado em objeto de “crença” para as gerações 
subseqüentes, mas, para aqueles que viveram o acontecimento, não foi nada disso. Jesus 
Cristo podia dizer ao cego e ao paralítico curados: “Tua fé te salvou.” Mas é pura 
metonímia: a cura, se fosse pura matéria de fé e não um fato da ordem física, seria fraude 
e nada mais. Com a passagem do tempo, esfumando-se a memória viva dos testemunhos, 
o acesso a esses fatos pode requerer alguma “fé”, mas não tem sentido confundir a 
natureza de um fato com o modo de conhecê-lo séculos depois. Ou esses milagres 
aconteceram, ou não aconteceram. E deslocar o problema para um passado remoto é só 
fugir do problema. Setenta e seis por cento dos médicos americanos acreditam hoje em 
curas miraculosas, porque as vêem acontecer diariamente e sabem que elas são até mais 
freqüentes do que a cura pelos meios terapeuticos usuais. O próprio Jesus Cristo, quandoperguntaram se Ele era mesmo o enviado de Deus ou se seria preciso esperar por algum 
outro, não respondeu com uma “doutrina” para ser crida ou descrida, mas com fatos para 
ser confirmados ou impugnados (confira em Mateus, 11:1-6). As religiões só se 
transformam em matéria de “crença” para um público que está muito afastado, no espaço 
ou no tempo, das suas fontes originárias. O conhecimento direto e o estudo 
cientificamente responsável dos acontecimentos miraculosos são as únicas vias de acesso 
intelectualmente válido à religião. O resto é uma discussão oca entre ignorantes tagarelas 
sentados na periferia da realidade. Hoje em dia, porém, qualquer fato tido por miraculoso 
está afastado, automaticamente, da discussão oficial, a não ser quando é uma fraude ou 
uma ilusão, isto é, quando, precisamente por não ser miraculoso de maneira alguma, pode 
ser explicado por algum psicologismo ou sociologismo fácil. Expulsos os dados 
inconvenientes, a “razão” kantiana impera absoluta no seu buraco de toupeira. O kantismo, 
consagração da covardia intelectual que foge de tudo aquilo que não conhece, bloqueia a 
possibilidade de vir a conhecê-lo. Nenhum autoritarismo dogmático, ao longo da história, 
foi tão mesquinho e tão danoso quanto esse. Em artigos subseqüentes darei exemplos de 
seus efeitos desastrosos na cultura, na história e na vida moral. 
Por enquanto, peço apenas que não me venham com aquela conversa mole de que Kant 
tinha a melhor das intenções, de que foi tudo culpa do zelo exagerado de discípulos 
incompreensivos. As conseqüências perversas do kantismo, como as do hegelianismo e do 
marxismo, não vieram séculos ou milênios depois: foram quase imediatamente 
subseqüentes. Um pensador que se acha capaz de virar do avesso o universo inteiro dos 
conhecimentos humanos não tem desculpa para ignorar os efeitos mais obviamente 
previsíveis da difusão de suas idéias. É indecente passar da arrogância intelectual suprema 
aos gemidos de inocência fingida. Não se pode conceder esse direito a Kant, como não se 
pode concedê-lo a Hegel, a Karl Marx ou mesmo a Nietzsche, malgrado o atenuante da 
loucura. Quem quer que anuncie ter compreendido o sentido integral da História humana 
tem a obrigação estrita de prever com acerto o próximo episódio, ao menos no que diz 
respeito ao seu próprio campo limitado de atuação pessoal. Se nem isso o cidadão 
consegue fazer, é porque não alcançou a plenitude da autoconsciência filosófica de um 
Platão, de um Aristóteles, de um Tomás de Aquino ou de um Leibniz. E, nesse caso, é só 
por devoção idolátrica que continuamos a considerá-lo um grande filósofo e não apenas 
um pensador interessante. 
A esquerda americanizada 
Olavo de Carvalho 
 
Diário do Comércio, 16 de janeiro de 2006 
No tempo da ditadura, os esquerdistas da mídia, embora conservassem o poder sobre as 
redações, se sentiam isolados e constrangidos. Não tanto pela censura quanto pela 
hostilidade geral da população às guerrilhas. Deprimia-os que o povo não gostasse de ver 
recrutas e civis brasileiros ser feitos em pedaços por carros-bombas. Magoava-os 
profundamente que ninguém visse nada de heróico em “justiçar” com tiros nas costas 
homens desarmados, que ninguém admirasse a nobreza de sentimentos com que o capitão 
Lamarca esmagava a coronhadas a cabeça de um prisioneiro amarrado. 
Hoje, esses episódios sumiram tão completamente dos mesmos jornais que os 
denunciavam, que já parecem invencionices retroativas da direita. Na época, os próprios 
jornalistas de esquerda eram obrigados a contar tudo tim-tim por tim-tim, sem poder em 
contrapartida expor ao menos em detalhes a sua parte, os padecimentos que seus amigos 
terrorristas sofriam – oh, quão injustamente! – em retribuição das bombas e das 
emboscadas. Tinham os mais altos cargos e os melhores salários, mas eram tão 
incompreendidos e infelizes que precisavam consolar-se mediante festinhas de embalo no 
Copacabana Palace. Terminaram achando que drogas e surubas tinham um alto potencial 
revolucionário, e não estavam de todo errados, já que acabaram conseguindo mais 
eficazmente corromper as gerações seguintes do que ganhar alguma simpatia dos 
contemporâneos para a violência revolucionária. Vindo a calhar com a estratégia 
gramsciana que então começava a ser importada, o modelo americano de “guerra cultural” 
da New Left, que no início julgavam desprezível e burguês na comparação com as 
propostas truculentas de Che Guevara e Régis Débray, acabou sendo a tábua de salvação 
que lhes permitiu sobreviver para reinventar depois a história daquele período, fazendo da 
derrota das guerrilhas uma espetacular vitória publicitária e uma fonte inesgotável de 
verbas consoladoras. 
Mas não foi só nisso que a esquerda midiática se americanizou. A época foi também a do 
afluxo maciço de brazilianists, que embora fossem também quase todos de esquerda – 
alguns deles tão enragés quanto qualquer guerrilheiro –, eram bem recebidos pelo governo 
por conta das instituições que os patrocinavam. Muita coisa que a esquerda local não podia 
dizer era dita pela boca desses medalhões, de onde o discurso esquerdista saía perfumado 
com o aroma da superior neutralidade acadêmica da Ivy League. 
Aos poucos, o hábito de respaldar-se em declarações de americanos apresentados como 
insuspeitos tornou-se um dispositivo usual da retórica esquerdista. Na verdade homens 
como Ramsey Clark, John K. Galbraith, Jimmy Carter ou Ted Kennedy eram a fina flor do 
esquerdismo chique. Estavam comprometidos até a goela com a ajuda à subversão no 
Terceiro Mundo. Mas a simples insistência geral da esquerda na lenda de que o golpe 
militar viera de Washington dava a qualquer americano, por contraste, a autoridade para 
falar contra a direita latino-americana sem parecer nem um pouquinho esquerdista. O 
mesmo acontecia com jornais patologicamente mentirosos em favor da esquerda, 
como New York Times e Washington Post , que ante a platéia tupiniquim ignorante, 
podiam ser citados como modelos de isenção profissional pelo simples fato de ser 
americanos. 
A geração seguinte de esquerdistas continuou usando o mesmo truque, mas por 
automatismo paspalho e sem saber que era truque. Quando um Eliakim Araújo, ardido de 
dores petistas e embriagado de alegria vingativa pela demissão de Boris Casoy, compara 
desvantajosamente o ex-âncora da Record a “respeitados jornalistas do horário nobre” da 
TV americana, incluindo entre estes últimos dois notórios vigaristas de esquerda como 
Peter Jennings e Dan Rather, ele parece acreditar mesmo no que diz, coitado. A malícia 
dos gurus impregnou-se em seus discípulos sob a forma de ingenuidade perversa. Eles já 
não mentem por astúcia. Mentem porque ninguém os ensinou a fazer outra coisa. 
Notinha horrível 
Quanto às festinhas no Copacabana Palace, não falo genericamente. Há uma crônica 
inesquecível de Daniel Más sobre isso, publicada na extinta revista Visão. Segundo o 
cronista, até a expressão “Anos Dourados”, usada para designar de maneira 
aparentemente paradoxal uma época também carimbada como “Anos de Chumbo”, se 
originou entre o pessoal da mídia e do show business por alusão a uns pacotinhos 
dourados em que vinha a cocaína. O episódio é edificante. Um dia, turistas estavam 
brincando de jogar-se uns aos outros na piscina do hotel, enquanto a turminha esperta dos 
brasileiros, nas mesas em torno, aguardava a chegada de um boliviano que trazia o pó. De 
repente, aterrorizados, viram o sujeito entrando e sendo agarrado pelos brincalhões. Não 
houve tempo nem de gritar. Foi o desespero geral: todo mundo pulando na água, atrás 
dos papeizinhos dourados… 
Abramoff para brasileiros 
Vocês devem ter lido na mídia brasileira que o caso das verbas ilegais do lobista Jack 
Abramoff é “um escândalo republicano”, que a investigação vai arrasar o base parlamentar 
de George W. Bush etc. e tal. 
Tudo besteira. 
O noticiário internacional que se publica no Brasil copia servilmente o New York Times, 
o Washington Post, a Reuters e demais fontes da “grandemídia” americana, mas o fato é 
que essa mídia, vista desde aí, fica bem maior que aqui. O NY Times, aos domingos, pico 
de vendas, tira pouco mais de um milhão de exemplares. Que é isso, perto dos 38 milhões 
de ouvintes diários do conservador Rush Limbaugh? Se você somar as platéias de 
Limbaugh com as de outros comentaristas conservadores de sucesso, como o elegante Bill 
O’Reilly, ou o explosivo Michael Savage, mais as colunas semanais de articulistas de direita 
distribuídos a centenas de jornais, como as de David Horowitz, Don Feder, Thomas Sowell, 
Ann Coulter, verá que, na disputa de público, a “grande mídia” é titica de galinha (sem 
contar o fato de que a credibilidade dos jornalões está muito baixa entre seus próprios 
leitores, não passa de 30 por cento). Por isso ela pode mentir à vontade, e quanto mais 
impopular mais mente, em puro desespero, em pura apelação. É o crepúsculo dos ídolos. 
Berrando e apanhando. Aqui todo mundo sabe que as coisas são assim. O pessoal só lê 
esses jornais para saber qual a opinião dos democratas, não a verdade do que está 
acontecendo. Quem quer a verdade compara o jornalismo de esquerda com o de direita e 
tira suas próprias conclusões. 
O problema é que no Brasil (1) a mídia esquerdista chique americana ainda tem prestígio, 
o pessoal das redações acredita mesmo que o NY Times seja uma fonte confiável; (2) não 
existe aí nenhum Rush Limbaugh; o jornalismo de direita é raquítico. Resultado: Tudo o 
que no Brasil se aceita como verdade factual sobre a política dos EUA é apenas a versão 
esquerdista, conscientemente deformada, conscientemente militante e cada vez mais 
fanática, cada vez mais descarada. 
O noticiário sobre o caso Abramoff é um exemplo típico. Aqui os republicanos riem quando 
lêem que o escândalo é para o lado deles. Riem porque conhecem a lista dos políticos de 
oposição que embolsaram dinheiro do mega-vigarista. Nada menos de noventa por cento 
dos senadores democratas estão nela (v. a lista inteira 
em http://www.newsmax.com/archives /ic/2006/1/6/100900.shtml). John Kerry, por 
exemplo, levou cem mil dólares. Hillary Clinton, mais modestamente, doze mil. E assim por 
diante. Quando ligarem o ventilador judicial, o grosso da sustância fecal vai para esse lado. 
Os democratas só estão fazendo onda na mídia. Na hora H, terão de escolher entre a 
pizzaria e a cadeia. Ninguém na própria esquerda ignora isso, mas para que estragar 
prematuramente um prazer que, por natureza, já está condenado a ser breve? 
É por essas coisas que, quando o NY Timesalardeia a queda de popularidade do 
presidente, jamais a compara com a sua própria, para não admitir o vexame. Bush, no 
ponto mais baixo, ainda tinha mais credibilidade do que toda a grande mídia americana 
somada. 
Infelizmente, no Brasil, ninguém tem a menor idéia disso. Os EUA que se vêem daí só 
existem na imaginação esquerdista. São uma entidade fantasma fabricada pela esquerda 
americana para consumo próprio, e que acaba sendo mais consumida no Terceiro Mundo 
do que aqui, como todo produto americano que o mercado interno rejeita como demodé. 
Duas estratégias 
Há hoje em dia pelo menos duas maneiras de inserir um país do Terceiro Mundo na 
estratégia comunista internacional. A primeira é usar os instrumentos clássicos do 
populismo radical, declarando guerra à iniciativa privada e ao capital estrangeiro. A 
segunda é transferir a guerra do campo econômico para o cultural e jurídico, anestesiando 
os investidores internacionais por meio de uma política econômica mais ou menos 
“ortodoxa” e assim ganhar tempo para ir minando as crenças tradicionais do povo e 
implantando discretamente, em lugar delas, novas leis e costumes “politicamente corretos” 
que, no prazo devido, acabarão inevitavelmente rendendo frutos ainda mais explosivos que 
qualquer espalhafato “anti-imperialista” de Hugo Chávez e Evo Morales. 
Qualquer profissional do comunismo que tenha alguma competência e seriedade sabe que 
não faz sentido preferir uma via ou a outra. A escolha não depende de preferências 
individuais, mas da sábia adaptação às circunstâncias, mudando de rumo quantas vezes 
http://www.newsmax.com/archives/ic/2006/1/6/100900.shtml
seja necessário para desorientar as vítimas e, no conjunto, fazer avançar o processo de 
maneira irreversível. Ter não uma, mas duas estratégias alternadas ou combinadas é, aliás, 
o mínimo que se poderia esperar de cérebros versados na dialética de Marx, onde a 
revolução avança por meio da administração inteligente das contradições. 
No Brasil, as duas estratégias citadas correspondem à via petista originária e à via tucana. 
Por ter sido eleito para implantar a primeira e depois adotado a segunda, o sr. Luís Inácio 
Lula da Silva é chamado de traidor pela massa ignara. Nos altos círculos do Foro de São 
Paulo, Fidel Castro e Hugo Chávez riem dessa indignação histérica porque sabem que Lula 
nunca foi tão fiel à estratégia global do movimento. 
A duplicidade de vias permite que, nas horas de aperto, a esquerda tire proveito 
publicitário até de seus próprios crimes e desvarios. Quando algum corrupto de esquerda é 
pego em flagrante, basta acusá-lo de traidor, de vendido para a direita, mesmo quando ele 
não tenha roubado para si próprio e sim para o esquema partidário, o que é precisamente 
o caso do Mensalão. O Fórum Social Brasileiro, que se anuncia para breve, está 
programado exatamente para esse fim: capitalizar a roubalheira petista, explicando-a 
retroativamente como delito de “neoliberalismo”… 
Outro exemplo: a esquerda americana envia à Amazônia uns “missionários” do Conselho 
Mundial das Igrejas para fomentar entre os índios ambições politicamente corretíssimas de 
“nações indígenas” independentes, enquanto a esquerda brasileira, explorando a 
ignorância nacional de que essa entidade é pró-comunista, aproveita o caso para denunciar 
o “imperialismo americano”. 
Mais caracteristicamente ainda, presidentes americanos notoriamente pró-esquedistas 
como Jimmy Carter e Bill Clinton incentivam a destruição das forças armadas latino-
americanas, último baluarte de resistência anticomunista no continente, enquanto 
agitadores locais se infiltram nas academias militares e em think tanks como a Escola 
Superior de Guerra para incitar na oficialidade, com base nisso, o ódio anti-americano. A 
operação completa-se quando em seguida aparecem líderes tradicionais da esquerda 
afagando os militares e insinuando que está na hora de “superar velhos ressentimentos” e 
unir-se “contra o inimigo da pátria”. 
Multiplicados ad infinitum, ardis como esse acabam não apenas surtindo efeito, mas 
consolidando-se como esquemas de raciocínio padronizados, que proliferam 
espontanemente e se adaptam por automatismo a mil e uma circunstâncias diversas. Para 
militantes comunistas tarimbados, essas operações são pura rotina. 
Perdendo a guerra cultural 
Olavo de Carvalho 
Diário do Comércio, 18 de fevereiro de 2008 
“Cultura é o novo nome da propaganda”, explicava o crítico literário português Fernando 
Alves Cristóvão. Bem, quando ele disse isso, o nome não era tão novo assim. Fazia quase 
setenta anos que os comunistas haviam reduzido a cultura a instrumento de propaganda e 
manipulação, rejeitando todos os seus demais usos e significados como superfetações 
burguesas puníveis, eventualmente, com pena de prisão. A novidade, nos anos 90, era que 
esse conceito havia se universalizado, tornando-se regra usual em círculos que antes o teriam 
desprezado como mero sintoma da barbárie comunista. A expressão mais visível desse 
fenômeno é a mudança drástica do sentido do título de “intelectual”, hoje conferido 
automaticamente a qualquer um que engrosse por escrito alguma campanha de propaganda 
político-ideológica, mesmo que o faça em termos intelectualmente desprezíveis e numa 
linguagem de ginasiano relapso. 
O plano de colocar o sr. Lula na Academia Brasileira de Letras, lançado anos atrás pelo 
falecido cientista político Raymundo Faoro, não foi levado adiante, mas já era um sinal visívelde que a acepção elasticamente gramsciana do termo “intelectual” se tornara moeda 
corrente fora dos meios comunistas estritos. Mais ou menos na mesma ocasião, o sr. William 
Lima da Silva, líder do Comando Vermelho, por ter escrito um livro de memórias onde alegava 
que bandidos eram os outros, recebia tratamento de autor respeitável em plena Associação 
Brasileira de Imprensa, enquanto na Folha de São Paulo a jornalista Marilene Felinto dava 
estatuto de filósofo ao estuprador e assassino Marcinho VP, que salvo engano tinha também 
olhos verdes. O silogismo aí subentendido fundia Herbert Marcuse e Antonio Gramsci. O 
primeiro dizia que os bandidos eram revolucionários. O segundo, que os revolucionários eram 
intelectuais. Logo, os bandidos eram intelectuais. A ABI e a Folha não eram instituições 
formalmente comunistas. Apenas tinham-se deixado dominar pela mentalidade comunista 
ao ponto de obedecer os seus mandamentos sem ter de aderir conscientemente à sua 
proposta política. 
Mas o pior veio uns anos depois, quando a redução da cultura à propaganda começou a 
parecer natural e desejável aos olhos dos conservadores — ou “liberais”, como são chamados 
usualmente no Brasil (mais uma curiosa inversão numa república onde tudo cresce de cabeça 
para baixo, como as bananas). Aconteceu que o conservadorismo brasileiro foi, em essência, 
uma criação de pequenos empresários. Essas pobres criaturas, acossadas pelo fisco, pelas 
leis trabalhistas, pela concorrência das multinacionais e pela crença estatal de que os 
capitalistas só não comem criancinhas porque preferem vendê-las sob a forma de salsichas, 
estavam tão preocupadas com a sua sobrevivência imediata que mal tinham tempo de pensar 
em outra coisa. Seu conservadorismo – ou liberalismo – foi assim reduzido à sua expressão 
mais frugal, ascética e descarnada: a defesa pura e simples do livre mercado, tomado como 
se fosse uma realidade em si e separado das condições civilizacionais e culturais que o 
tornam possível. 
O primado do econômico, adotado inicialmente por mera urgência prática, acabou 
adquirindo, por força do hábito, o estatuto de uma verdade axiomática, da qual se deduziam 
as conclusões mais estapafúrdias e perigosas. Talvez a pior delas fosse a de que o progresso 
econômico é a melhor vacina contra as revoluções sociais. O fato de que jamais tivesse 
acontecido uma revolução social em país de economia declinante não abalava em nada o 
otimismo progressista daqueles risonhos empreendedores, que julgavam o estado geral da 
nação pelo balancete de suas respectivas empresas e se julgavam tremendamente realistas 
por isso. Nem os demovia da sua crença a obviedade histórica, já reconhecida pelos próprios 
marxistas, de que a classe revolucionária não se forma entre os proletários ou camponeses, 
muito menos entre os miseráveis e desempregados, mas entre as massas afluentes de classe 
média alimentadas de doutrina comunista nas universidades. 
De outro lado, aconteceu que os liberais, ao mesmo tempo que se inchavam de entusiasmo 
ante a modesta recuperação econômica do país, eram cada vez mais excluídos da 
representação política. As eleições presidenciais de 2002 ofereceram à escolha do eleitorado 
quatro candidatos esquerdistas, dos quais nenhum, ao longo de toda a campanha, disse uma 
só palavra em favor da livre empresa. Nos anos subseqüentes, o partido nominalmente liberal 
– PFL – adaptou-se às circunstâncias aceitando sua condição de mero coadjuvante da 
esquerda light , mudou de nome para ficar parecido com o Partido Democrata americano (o 
partido preferido de Hugo Chávez e Fidel Castro) e nem mesmo resmungou quando foi 
declarado, pelo presidente petista reeleito, “um partido sem perspectiva de poder”. 
Condenados à marginalidade política, mas ao mesmo tempo anestesiados pelos sinais 
crescentes de recuperação da economia capitalista no país, os liberais apegaram-se mais 
ainda ao seu economicismo, desistindo do combate nos demais fronts , quando não aderindo 
ao programa esquerdista em todos os pontos sem relevância econômica imediata, como o 
gayzismo, o abortismo, as quotas raciais e o anticristianismo militante, na esperança louca 
de concorrer com a esquerda no seu próprio campo, sem perceber que com isso concediam 
ao adversário o monopólio da propaganda ideológica e se transformavam em dóceis 
instrumentos da “revolução cultural” gramsciana. 
É compreensível que, nessas condições, toda a atividade mental da “direita” brasileira 
acabasse se reduzindo às análises econômicas e à propaganda de um produto único – o livre 
mercado –, perdendo toda relevância no debate cultural e rebaixando-se ao ponto de passar 
a aceitar como “intelectual representativo” qualquer moleque idiota capaz de dizer duas ou 
três palavrinhas contra a intervenção estatal no mercado. 
Ironicamente, a esquerda, no mesmo período, decaiu intelectualmente ao ponto de raiar a 
barbárie pura e simples, mas, como os liberais não se interessavam pela luta cultural, 
continuou desfrutando do prestígio inalterado de suprema autoridade intelectual no país, 
sem sofrer nenhum abalo mais forte desde a publicação do meu livro “O Imbecil Coletivo” 
(1996). 
Nunca, como ao longo das últimas décadas, o esquerdismo esteve tão fraco 
intelectualmente: um ataque maciço a esse flanco teria quebrado a máquina de doutrinação 
esquerdista nas universidades e na mídia, destruindo no berço a militância em formação e 
mudando o curso das eleições subseqüentes. Mil vezes tentei mostrar isso aos liberais, mas 
eles só davam ouvidos a quem falasse em PNB e investimentos. Trancaram-se na sua torre-
de-marfim economicista e lá se encontram até hoje, perdendo mais terreno para os 
esquerdistas a cada dia que passa e conformando-se com sua condição de forças auxiliares, 
destinadas fatalmente a tornar-se cada vez mais desnecessárias à medida que a esquerda 
não-petista acumule vitórias contra o partido governante. 
Fora dos círculos do liberalismo oficial, noto com satisfação algumas iniciativas novas 
destinadas a formar uma intelectualidade conservadora e liberal apta a oferecer uma 
resistência séria à “revolução cultural”. Essas iniciativas partem de estudantes, de intelectuais 
isolados, e não têm nenhum apoio nem dos partidos “de direita”, nem muito menos do 
empresariado. Mas é delas que dependerá o futuro do país, se algum houver.

Outros materiais