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1 Louyse Jerônimo de Morais Trauma musculoesquelético Referência: aula do prof. Felipe Tavares Introdução No trauma musculoesquelético, quando for examinar o paciente, é importante observar as lesões que podem levar ao óbito. Depois disso, deve-se analisar as lesões que comprometem o membro e, por último, avaliar lesões que comprometem a função. Quanto à epidemiologia, 85% dos pacientes traumatizados não têm lesões que representam risco à vida ou ao membro. Apesar disso, alguns podem apresentar sangramentos importantes. É bom tentar estancar a hemorragia de todas as formas, por meio de compressão. Não conseguindo, pode até fazer garroteamento do membro. Nos esmagamentos, o paciente está em uma situação de perda iminente do membro, por liberação de mioglobinas, podendo também causar insuficiência renal. Outra situação que deve ser observada é a síndrome compartimental, que se manifesta por edema em compartimentos miofasciais intactos. Nesses locais, geralmente há uma fratura, que causa edema acentuado, mas que não tem para onde expandir, necessitando tratar com fasciotomia. Já as embolias gordurosas são incomuns, mas podem ser observadas em fraturas de ossos longos, especialmente o fêmur. O paciente evolui com dispneia e, às vezes, com óbito, quando o problema não é identificado de imediato. Lembre-se de que a sequência ABCDE deve ser mantida – o trauma musculoesquelético é avaliado na letra E. Além disso, sempre se deve realizar reavaliação continuada, para que todas as lesões sejam identificadas. Exame primário e reanimação As hemorragias podem e devem ser controladas por compressão direta. O fêmur é o osso que mais gera perda de sangue, podendo chegar a três a quatro unidades – isso nos obriga até a fazer transfusão depois. Além disso, o paciente pode chegar a morrer devido a uma fratura de fêmur. Dessa forma, ele deve receber reanimação agressiva com fluidos, especialmente o ringer-lactato. Hemorragia oculta Temos como imaginar que houve uma hemorragia baseado em uma fratura. Se próxima a músculos ou exposta, sangra bem mais. Uma fratura exposta de fêmur sangra muito mais do que se for de tíbia, devido a sua proximidade e pela lesão muscular causada. Medidas auxiliares ao exame primário No primeiro atendimento, não tem como fazer redução ortopédica e/ou radiografias. Então, tem que ir se virando como pode. Existem medidas auxiliares ao exame primário: A. Imobilização: realinhamento para uma posição o mais próxima possível da anatômica. É realizada por tração e tala. Tal medida controla o sangramento, diminui a dor e evita o agravamento das lesões de partes moles. Em fraturas expostas, não se deve reduzir a fratura, mas apenas alinhá-la. Na imagem anterior, por exemplo, em que o fêmur está totalmente exposto, não se deve tentar colocá-lo para dentro, visto que já há contaminação. A conduta, nesse caso, é tracionar o pé para imobilizar a coxa e enfaixar a fratura do jeito que está. O paciente em questão deve passar por uma cirurgia, para limpeza e redução do fêmur. Luxações articulares consistem em perdas da congruência entre as articulações [às vezes tem fratura e às vezes não] e exigem imobilização na posição em que foram encontradas. Se já foi reduzida, imobiliza em posição anatômica. Além disso, as talas devem ser usadas 2 Louyse Jerônimo de Morais o mais precocemente possível. Porém, não usar antes da reanimação do paciente. B. Radiografias: fazem parte do exame secundário e só são feitas no hospital. O raio-X AP da pelve deve ser realizado nos pacientes hemodinamicamente estáveis sem sangramento identificável. Exame secundário A. História: muitas vezes, é colhida por pessoas que viram o acidente, porque o politraumatizado tem trauma de crânio ou está desacordado. i. Mecanismo de Trauma ii. Ambiente: temperaturas extremas, fumaça ou outros reagentes, fragmentos de vidros quebrados, contaminação bacteriana [ambiente rural]. iii. Estado pré-trauma: alcoolismo e drogas; problemas emocionais e psíquicos; tolerância a exercícios e nível de atividade [pacientes mais magros e com certo grau de atividade física preexistente reagem muito bem ao trauma]. iv. Observações e cuidados pré-hospitalares: precisa documentar até que o paciente chegue ao atendimento hospitalar. Curativo compressivo cruzado – melhor tipo de enfaixamento B. Exame físico i. Paciente deve estar despido ii. Objetivos: identificar as lesões que põem em risco a vida e o membro; revisão sistemática para identificar lesões despercebidas. iii. Avaliar: pele, função neuromuscular, estado circulatório, integridade de ossos e ligamentos. iv. Olhe e pergunte – se der; verificar cor e perfusão, se existem ferimentos, deformidades, aumento de volume [edema], mancha, hematoma ou erosão. Após pancada grave, vai formar edema e hematoma. Se o paciente já aparece com isso, alguma coisa teve ali e está se desenvolvendo. Mecanismo de trauma Anotar em prontuário: • Qual a localização do doente no veículo antes da colisão? • Qual a localização do doente no veículo após a colisão? • Tipo de deformação externa do veículo • Tipo de deformação interna do veículo • A vítima usava algum dispositivo de contensão? • Qual a altura da queda? • O doente foi esmagado? Qual é o peso do objeto? • Ocorreu explosão? Atropelamento? Observações e cuidados pré-hospitalares Anotar em prontuário: • Posição em que o paciente foi encontrado • Sangramento ou poças de sangue na cena: incluir quantidade estimada de perda • Ossos e fraturas expostas • Ferimentos nas proximidades das fraturas • Deformações ou luxações óbvias • Presença ou ausência de função motora e/ou sensitiva nas extremidades • Demora em procedimentos de resgate ou transporte • Modificação na função, perfusão ou estado neurológico após imobilização ou transporte • Redução de fraturas ou luxações durante resgate ou imobilização na cena • Tipos de curativos feitos; relatar a possibilidade de compressão excessiva em proeminências ósseas, observando o risco de lesões nervosas, síndromes compartimentais ou esmagamento. 3 Louyse Jerônimo de Morais v. Palpe: avaliar sensibilidade e pontos dolorosos, mobilidade normal [não é recomendado mobilizar extremidades na busca de fraturas], rolar o paciente e palpar os processos espinhosos. Se o paciente estiver com muita dor em determinado local, o ideal é fazer uma radiografia ou solicitar outro exame de imagem. vi. Avaliação da circulação: palpar pulsos distais das extremidades, verificar perda de sensibilidade “em luva” ou “em meia”, bem como discrepância entre sinais [pulso, palidez etc.] e ferimentos próximos a artérias. vii. Radiografias: o paciente tem que estar hemodinamicamente estável e o exame só pode ser realizado depois do tratamento da fratura em risco iminente de lesão vascular ou de pele. O que justifica um pedido de radiografia são as áreas, sobre um osso ou articulação, com hiperestesia e deformidade. Lesões de extremidades que podem pôr a vida em perigo 1. Fraturas pélvicas graves com hemorragia • Lesão: ruptura do complexo osteoligamentar posterior; rompe o plexo venoso pélvico e, eventualmente, lesa o sistema arterial ilíaco. O paciente do PS não tem ruptura de grandes vasos, porque se tiver, morre na hora. O que causa a morte durante o atendimento do paciente com trauma de bacia é a ruptura de pequenos vasos, geralmente pertencentes a complexos ligamentares no anel pélvico posterior. É por isso que, muitas vezes, as lesões de bacia do anel pélvico anterior não levam o paciente à óbito, uma vez que não há muitos ligamentos nessa região. Contudo, lá atrás, na sacro-ilíaca, no sacro ou no íleo, a lesão vai ser muito mais grave e o paciente pode vir à óbito,então tem que fechar a bacia. • Avaliação: hipotensão sem explicação, edema progressivo, escoriações e hematoma – flanco, escroto, região perianal. Na imagem acima, observe um trauma grave de bacia após fazer a rolagem do paciente. Esse indivíduo tem que ser estabilizado urgentemente, porque pode ir à óbito. • Conduta: encurtamento com rotação externa do membro sem fraturas de extremidade; o teste da instabilidade só deve ser realizado uma vez [movimentos de lateralização ou verticalização das asas do ilíaco], sempre lembrando de documentar. 4 Louyse Jerônimo de Morais Isso é feito no hospital. Nos primeiros socorros, a conduta consiste em cruzar as pernas do paciente sem dobrar – joelho fica esticado e se dobra o tornozelo por cima um do outro. Assim, fecha-se a bacia e evita que o indivíduo perca muito sangue. Membros muito encurtados podem ter lesões graves. Na imagem imediatamente abaixo, a radiografia mostra várias lesões concomitantes – lesão de sacro-ilíaca, de ísquio e ramo ísquio-púbico. Você vai encontrar um encurtamento do membro sem ser uma fratura de fêmur. Abaixo, veja o desnivelamento da bacia. • Tratamento: reanimação com soluções salinas [geralmente, ringer lactato]; além disso, fazer controle de sangramento, com tração, rotação interna e manutenção da pelve fechada. 2. Hemorragia arterial grave • Lesão: ferimentos penetrantes; fraturas ou luxações próximas às artérias. Ferimento por arma de fogo • Avaliação: pesquisa de sangramentos externos, avaliar desaparecimento ou modificação de pulsos, alterações do Doppler, extremidade fria, pálida e sem pulsos, bem como hematoma em rápida expansão. • Tratamento: pedir avaliação de um cirurgião, reanimação com soluções salinas, controle da hemorragia – com compressão ou garrote pneumático [uso criterioso]. Não usar pinças hemostáticas em ferimentos abertos na sala de emergência. Angiografia só deve ser feita após a reanimação. A primeira conduta frente a uma hemorragia é sempre fazer um enfaixamento compressivo. Se não conseguir, ou seja, se continuar pingando, o garrote pode ser feito, mas tem que levar o paciente rapidamente [membro superior aguenta 1h30 sem sangue; já o membro inferior aguenta 2h]. 3. Síndrome de esmagamento [rabdomiólise traumática] • Lesão: músculos lesados levando à insuficiência renal aguda, devido à liberação de mioglobinas. 5 Louyse Jerônimo de Morais A probabilidade de a lesão gerar perda do membro é muito grande. • Avaliação: urina escura; resultado positivo para teste de hemoglobina, testar especificamente mioglobinas; hipovolemia, acidose metabólica; hipercalemia, hipocalcemia; coagulação intravascular disseminada. • Tratamento: administração de soluções salinas durante a reanimação; alcalinização da urina com bicarbonato de sódio; manter débito urinário em níveis de 100 ml/hora até fim da hemoglobinúria. Lesões que podem comprometer o membro 1. Fraturas expostas e lesões articulares • Lesão: existe uma comunicação entre o meio ambiente e o foco de fratura – não é o osso ter comunicação com o meio ambiente; o grau de lesão é proporcional à energia e são lesões propensas a desenvolver infecções. • Avaliação: na maioria das vezes, tem que ter um ferimento e fratura associada; esse ferimento será analisado e classificado – caracterização completa na fase pré-hospitalar seguido de curativo estéril [sempre documentar bem a fratura]. Recomenda- se nunca utilizar instrumento para avaliar a profundidade e verificar ferimentos que se comunicam com articulações. • Tratamento: imobilização apropriada [o membro tem que ser tracionado], desbridamento cirúrgico, estabilização das fraturas e profilaxia de tétano. Fraturo-luxação exposta de tornozelo Na imagem acima, pode-se tracionar o membro e a fratura ir para o seu lugar, não tem problema. Levar o paciente com o membro assim [na situação da foto] é muito arriscado, porque muitas estruturas permanecem em sofrimento. Fratura aberta tipo I: são fraturas que têm alguma pequena parte do osso furando a pele, sem muita lesão periosteal ou tecidos moles. O ferimento é limpo – de dentro para fora. Na fratura tipo II, o ferimento vai até 10 cm; na III, passa de 10 cm, só que, na IIIA, consegue-se suturar enquanto que, na IIIB, não se consegue, por conta da perda de pele; e na IIIC, além do A + B, tem lesão vascular. Nesta última situação, a fratura se torna altamente de mau prognóstico. Muitas vezes, o paciente tem fratura exposta grau II ou I com lesão vascular. Nunca hesite em classificar as fraturas como IIIC, por conta da lesão vascular. 2. Lesões vasculares, incluindo a amputação traumática • História e avaliação: identificar se o paciente tem uma insuficiência vascular, pela circulação colateral ou alguma lesão parcial de vaso. • Conduta: é de urgência, pois o músculo necrosa em 6 horas e os nervos são muito sensíveis. Arteriografia não deve retardar o reestabelecimento do fluxo arterial. Avaliar pulsos antes e depois de imobilizações • Tratamento: amputação traumática [lesões muito graves ou que já chegam pré-amputadas]; amputação de membro inviável pode salvar a vida de um paciente; antes do reimplante, avaliar as condições gerais do paciente [reimplante é indicado em lesões isoladas]. O membro amputado deve ser lavado meticulosamente com solução isotônica. Deve ser envolto 6 Louyse Jerônimo de Morais em gaze estéril embebida em solução aquosa de penicilina [100 mil unidades em 50 ml de Ringer] e envolto em toalha estéril umedecida da mesma maneira. Colocar em saco plástico, dentro de uma caixa de isopor com gelo picado. 3. Síndrome compartimental • Lesão: avaliar relação continente/conteúdo alterada. A membrana externa da aponeurose é inelástica [pele pode ser inelástica], por isso que existe a síndrome compartimental. A pressão do compartimento osteo-facial é suficiente para produzir isquemia e subsequente necrose. Geralmente acontece com fraturas fechadas, em que o sangramento todo não tem para onde expandir e acaba acumulando dentro da fáscia. É por isso que a conduta é fazer fasciotomia. Se não conseguir fazer ou não identificar, o paciente evolui com contratura isquêmica de Volkmann – a mão fica toda fechada ou o pé fica todo fechado e flexionado. Ali já não tem mais jeito, pois é a complicação. • Situações de risco: fraturas de tíbia e antebraço, lesões imobilizadas com aparelhos gessados ou curativos apertados, lesões com esmagamento importante de músculo, compressão externa de extremidade prolongada, aumento de capilaridade pós reperfusão muscular [garroteamento do membro, quando abre, causa edema muito grande da extremidade, se não fizer fasciotomia, vira contratura isquêmica], queimaduras e exercício excessivo. • Avaliação o Sinais e sintomas: dor intensa que aumenta com estiramento do músculo, parestesia na região do nervo associado, perda de sensibilidade ou função na região do nervo associado, edema tenso [não depressível], pulso pode ser palpável. Ausência de pulso e paralisia são tardias. o Exame físico: nunca se deve confiar em pulso ou tempo de enchimento capilar. Na suspeita, medir a pressão intra- compartimental. Isso não é mais feito hoje em dia, pois é demorado e o diagnóstico é clínico. • Tratamento: remover todos os curativos e aparelhos gessados; monitorar e avaliar nos próximos 30-60 minutos; se não houver melhora significa, lança mão da fasciotomia. O retardo pode levar à perda permanente de função e mioglobinúria. 4. Lesão neurológica secundária à fratura e/ou luxação • Lesão: compressão do ciático na luxação posterior do quadril [quando o paciente desacelera e bate o joelho no painel do carro, isso gera trauma indireto no quadril]; compressão axilarna luxação anterior do ombro. • Avaliação: exame minucioso do sistema neurológico e o doente precisa colaborar. Deve-se avaliar a função motora e sensitiva de cada nervo periférico, repetindo essa avaliação em intervalos regulares. Lembrar de documentar ao longo do tempo. • Tratamento: imobilizar na posição luxada. Se houver médico habilitado, tentar redução cuidadosa. Reavaliar a função neurológica. Trauma no painel do carro Em uma luxação posterior do quadril, a cabeça do fêmur machuca o nervo ciático. Precisa reduzir logo.
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