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0 SOCIEDADE EDUCATIVA E CULTURAL AMÉLIA LTDA – SECAL NATHAN FELIPE DE SOUZA VIGINOTTI ANÁLISE QUANTO À LEGALIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA MOTIVADA PELA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL PONTA GROSSA 2015 1 NATHAN FELIPE DE SOUZA VIGINOTTI ANÁLISE QUANTO À LEGALIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA MOTIVADA PELA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do Grau de Bacha- rel em Direito pela Sociedade Educativa e Cultural Amélia LTDA - SECAL. Orientador: Prof. Esp. Thayan Gomes da Silva. PONTA GROSSA 2015 2 DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ÉTICO Eu, Nathan Felipe de Souza Viginotti, acadêmico do Curso de Direito da Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda – Secal, declaro para os devidos fins, que me responsabilizo pela redação do trabalho final da disciplina de Monografia Jurídica, assumindo que todos os trechos tenham sido transcritos de outros documentos (publicados ou não, e que não seja de minha autoria) estão citados e identificados às fontes de que foram extraídas (se transcritos literalmente) ou indicada fonte e página (se apenas utilizada a ideia do autor citado), inclusive se for texto já utilizado em outro relatório de estágio ou trabalho realizado por terceiros. Declaro, outrossim, ter conhecimento de que poderei responder legalmente caso infrinja as disposições que regulamentam os direitos autorais. Ponta Grossa, 10 de julho de 2015. ____________________________ Nathan Felipe de Souza Viginotti 3 NATHAN FELIPE DE SOUZA VIGINOTTI ANÁLISE QUANTO À LEGALIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA MOTIVADA PELA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda - SECAL. Banca Examinadora: ____________________________________ Prof. Orientador Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda. ____________________________________ Prof. Componente da Banca Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda. ____________________________________ Prof. Componente da Banca Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda. Ponta Grossa, de de 201_. 4 AGRADECIMENTOS A conclusão deste trabalho representa o término de uma das fases mais importantes da minha vida. Durante o curso, existiram pessoas essenciais que, de alguma forma, contribuíram para o meu sucesso e estas sem dúvida merecem os meus sinceros agradecimentos. Agradeço àqueles que são primordiais à minha existência, os meus queridos pais, Elaine Cristina de Souza e José Armstrong Albuquerque, aos quais agradeço a dedicação, a abdicação, o amor incondicional e, acima de tudo, a crença em minhas convicções profissionais. Não menos importante, agradeço a pessoa mais maravilhosa que conheci, a minha companheira Gillize Telles de Araújo, a qual possui meu amor incomensurável, por todos os momentos de carinho, afeição, paciência, compreensão, os quais foram essenciais para a conclusão deste estudo. Gostaria de agradecer, também, aos meus queridos amigos, por todas as discussões e embates que contribuíram para minha formação acadêmica, em especial, ao Maikon, Vinícius, Alcir, Carlos e Willian. Agradeço, ainda, as Faculdades Secal de Ponta Grossa pela enriquecedora e valiosa experiência acadêmica, aos funcionários e principalmente meu corpo docente, em especial aos Professores Jorge Sebastião Filho, Aknaton Toczek de Souza, Luís Fernando Sgarbossa, Mariana Morsoletto Carmo, Florian Strasburger, Pedro Henrique de Souza Hilgenberg e Vilmara Sabin Dechandt, que muito me ensinaram, ajudaram, orientaram e deram suporte fundamental durante a minha graduação. Por fim, quero tecer um agradecimento especial ao meu orientador Professor Thayan Gomes da Silva, à confiança pelo meu trabalho e à orientação especial nessa pesquisa. 5 Deve existir nos homens um sentimento profundo que corresponde a essa palavra LIBERDADE, pois sobre ela se têm escrito poemas e hinos, a ela se tem levantado estátuas e monumentos, por ela se tem até morrido com alegria e felicidade. Diz-se que o homem nasceu livre, que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade de outrem; que onde não há liberdade não há pátria; que a morte é preferível à falta de liberdade; que renunciar à liberdade é renunciar à própria condição humana; que a liberdade é o maior bem do mundo; que a liberdade é o oposto à fatalidade e à escravidão; nossos bisavós gritavam: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade!”; nossos avós cantaram: “Ou ficar a Pátria livre/ ou morrer pelo Brasil!”; nossos pais pediam: “Liberdade! Liberdade!/ abre as asas sobre nós”, e nós recordamos todos os dias que “o sol da liberdade em raios fúlgidos/ brilhou no céu da Pátria...” Cecília Meirelles, 2002. 6 VIGINOTTI, Nathan Felipe de Souza. ANÁLISE QUANTO À LEGALIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA MOTIVADA PELA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL – Trabalho de Conclusão do Curso de Direito – Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda (SECAL). Ponta Grossa, 2015. RESUMO O presente estudo tem a pretensão de esclarecer alguns pontos concernentes às diversas espécies de prisão existentes no ordenamento jurídico pátrio, expondo as alterações ocorridas com o advento da Lei nº 12.403/2011. Dessa forma, tem o trabalho por principal objeto, a análise da possível ilegalidade da conversão da prisão em flagrante ilegal em prisão preventiva, ou seja, nesse estudo demonstrou- se que o Estado/Juiz ao realizar a conversão da prisão em flagrante absolutamente ilegal em prisão preventiva por mera conveniência administrativa, está indo na contramão da máxima de que a pena de prisão deve ser utilizada como última medida aplicável ao agente, utilizando-se também de um dos Princípios Constitucionais que garantem a manutenção do Estado Democrático de Direito, qual seja, a presunção da inocência. Por fim, foi avaliado o posicionamento adotado pelas Cortes Superiores e como vem sendo aplicado o instituto da prisão preventiva no país. Para tanto, utilizou-se pesquisa bibliográfica e o método exploratório. Concluiu-se que a medida possui frágil ou nenhum embasamento Constitucional e que falta interesse por parte do Poder Público em se investir em políticas aptas a solucionar o problema de segurança pública, o qual prefere investir e divulgar políticas que geram resultados imediatos, gerando para a sociedade uma falsa sensação de segurança. Palavras-chave: Prisões Cautelares, Ilegalidade, Presunção de Inocência, Liberdade, Ultima ratio. 7 VIGINOTTI, N.F. de S. ANALYSIS RELATED TO THE LEGALITY OF DECLARATION OF THE PRE-TRIAL DETENTION MOTIVATED BY ILLEGAL PRISON IN FLAGRANTE. Labour Law Course Completion - Educational and Cultural Society Amelia Ltda (SECAL). Ponta Grossa, 2015. ABSTRACT The present study intends to explain some points referring to the various typesof prisons in the country‟s legal order, showing the changes occurred with the Law no. 12.403/2011. According to this, the main aim of this study is the analysis of the possible illegality of the conversion of prison in flagrante illegal into pre-trial detention. In this work was shown that the State/Judge, when does the conversion of prison in flagrante absolutely illegal into pre-trial detention for pure administrative convenience, is going against a precept that the prison sentence should be used like the last choice applicable to maintenance of the Democratic State of Law, the presumption of innocence. Lastly, it was evaluated the position adopted for the Superior Courts and how is being applied the institute of pre-trial detention in the country. For this purpose, it was used bibliographic research and the exploratory method. It was concluded that the measure has weak or none Constitutional basement and the Public Authority has no interest in invest in proficient policies to solve the problem of public security and prefer invest and disclose policies that create immediate results, generating to the society a false sensation of security. Keywords: Pre-trial detention. Illegality. Presumption of innocence. Liberty. Ultima ratio. 8 LISTA DE ABREVIATURAS ART. Artigo CF Constituição Federal CFRB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CNJ Conselho Nacional de Justiça CP Código Penal CPP Código de Processo Penal DES. Desembargador HC Habeas corpus I.E. Isto é INC. Inciso MIN. Ministro P. EX. Por exemplo STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 A ANTECIPAÇÃO DA PENA DE PRISÃO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ............................................................................................................ 12 1.1 DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO .............................................................. 12 1.2 DA PRISÃO PREVENTIVA .................................................................................. 17 1.3 DA PRISÃO TEMPORÁRIA ................................................................................ 22 2 LEI 12.403/2011: ALTERAÇÕES REFERENTES ÀS PRISÕES E MEDIDAS CAUTELARES .......................................................................................................... 24 2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.403 DE 2011 ............................ 24 2.2 DO RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL ............................ 26 2.3 REQUISITOS À CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM LIBERDADE PROVISÓRIA E DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO ............... 28 2.4 DA CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA ................................................... 32 2.4.1 Da Garantia da Ordem Pública, Garantia da Ordem Econômica, Conveniência da Instrução Criminal e a Garantia da Aplicação da Lei Penal ... 36 2.4.2 Da Inexistência de Recurso Específico contra a Decisão que Decreta a Prisão Preventiva .................................................................................................... 39 2.4.3 Do Projeto de Audiência de Custódia como Medida Alternativa................ 39 3 A PRISÃO PREVENTIVA COMO A EXTREMA RATIO DA ULTIMA RATIO ......... 41 3.1 PRISÃO PREVENTIVA E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ................................................................................. 41 3.2 DA (I)LEGALIDADE DO RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DECLARADA ILEGAL COM CONSEQUENTE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA ............................................................................................................ 46 3.2.1 Da Hermenêutica do Artigo 310 do Código de Processo Penal ................. 47 3.2.2 Do Flagrante Nulo e do Status quo ante ...................................................... 48 3.3 POSICIONAMENTO ADOTADO PELOS TRIBUNAIS DO PAÍS ......................... 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 57 10 INTRODUÇÃO O Brasil é um país em que o instituto das prisões cautelares é muito marcante, o retrato das nossas prisões nos revela um grave problema de política criminal, onde as formalidades dos nossos diplomas legais muitas vezes são abolidas por mera conveniência administrativa, fazendo com que pessoas asseguradas pela presunção de inocência sejam segregadas e entulhadas em verdadeiros depósitos humanos. Ao que concerne às prisões cautelares no processo penal brasileiro, o legislador incumbiu ao magistrado ao se fundamentar a necessidade do cárcere a delicadeza da subjetividade. Contudo, também garantiu que estas decisões devam ser sólidas e não se sujeitar a dúvidas, pois a regra do jogo do processo penal constitucional é a liberdade e para que haja a supressão desse direito antes da sentença condenatória transitada em julgado a ordem deve ser pura, respaldada na lei, escassa de antecipações de decisões frutos do estigma do direito penal, para que não torne o acusado ou réu vítima de um direito penal do autor. Deste modo, teve o presente trabalho por objetivo analisar o instituto das prisões cautelares no contexto legislativo, doutrinário e jurisprudencial, seus fundamentos formais e materiais e seu objetivo quanto fim social. Em um aspecto prático, diante da incomensurável quantidade de decisões que decretam o cárcere cautelar, incumbiu também ao presente trabalho, como objetivo principal, analisar o modo em que estas prisões vêm sendo aplicadas hodiernamente no país, com foco especial na prisão em flagrante ilegal quando relaxada e imediatamente convalidada em preventiva. Isto é, verificou-se a legitimidade da prisão preventiva iniciada pela prisão em flagrante ilegal. Nesta perspectiva é que este trabalho de conclusão de curso se propôs em analisar especificamente a legalidade de tal ato e se o fato de ter seu início maculado pela ilegalidade, a qual é admitida pelo magistrado quando do relaxamento, é constitucionalmente permitida e pode ter seus efeitos práticos perdurados no tempo. Na tentativa de responder a essas e outras questões utilizou-se a literatura jurídica especializada, entendimentos jurisprudenciais e legislação pertinente ao tema, com a finalidade de fundamentar e consolidar o entendimento sobre o conteúdo a ser desenvolvido. Para tanto, a presente pesquisa se filiou ao método 11 exploratório, a qual permitiu a familiarização com um tema prático muito específico e ainda pouco explorado. Assim, no primeiro capítulo, conceituamos o instituto das prisões precautelares e cautelares existentes no país, quais sejam, a prisão em flagrante delito, prisão preventiva e prisão temporária, seus requisitos formais e materiais, seus fundamentos e objetivos, tendo por base a legislação, a doutrina e a jurisprudência. No segundo capítulo, estudamos as alterações ocasionadas pela Lei nº 12.403/2011, que alterou significamente o rol de medidas cautelares do processo penal, bem como os requisitos exigidos ao magistrado pelo artigo 310 do CPP ao se adotar qualquer uma delas. Pesquisamos, ainda, o impasse da subjetividade representada pelos pressupostos da garantia da ordem públicae econômica, conveniência da instrução criminal e a garantia da aplicação da lei penal. Por fim, estudamos o projeto de audiência de custódia como medida alternativa à prisão. No terceiro e derradeiro capítulo, estudamos o instituto da prisão preventiva como último recurso a ser utilizado pelo processo penal, sobre a possível violação ao princípio da presunção de inocência e especificamente sobre a potencial ilegalidade do ato que converte a prisão em flagrante ilegal em preventiva, tendo por base a hermenêutica legislativa, bem como a posição que vem sendo adotada pelos Tribunais do país. O estudo do tema se justifica, pois se tem a falsa sensação de que as prisões massificadas, principalmente quando o transgressor possui traços de hostilidade e lombrosianos representados pela delinquência prisionável, resolverão nossos problemas de segurança pública e sociais. Neste cenário, o Estado/Juiz se utiliza do instituto das prisões cautelares para expor para a sociedade uma ideia imediata, porém falsa, de segurança. Com isso, um mecanismo extremamente violento e estigmatizante é descomunalmente utilizado e aquilo que foi criado como exceção vem se tornando regra. Consequentemente, superlota-se e abala a estrutura do sistema prisional, admite-se decisões tardias, carentes de fundamentação, abolição de regras e princípios constitucionais, enfim, a prisão passa a ser um instrumento extremamente eficaz para se estigmatizar e rotular os prejulgados subcidadãos. 12 1 A ANTECIPAÇÃO DA PENA DE PRISÃO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 1.1 A PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO A prisão em flagrante é o fato tido como criminoso no momento de seu cometimento, no instante em que o sujeito percorre os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal, ou seja, no instante que se executa a conduta prevista como ilícito penal (conduta típica). É o delito patente, visível e irrecusável do ponto de vista de sua ocorrência. Pode se dizer que há certeza visual do crime. O flagrante delito se encontra no momento em que o indivíduo é surpreendido no cometimento da infração penal, sendo ela consumada ou tentada. Deste modo, destacamos os ensinamentos do Professor Nestor Tavora: Flagrante é o delito que ainda "queima", ou seja, é aquele que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é a que resulta no momento e no local do crime. É uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5°, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos. É uma forma de autopreservação e defesa da sociedade, facultando-se a qualquer do povo a sua realização. Os atos de documentação a serem realizados subsequentemente ao cerceio da liberdade do agente ocorrerão normalmente na Delegacia de Polícia (2013, p. 561). É autorizada pela Constituição Federal (art. 5º, inc. LXI), regulada especificamente no Capítulo II, do Título IX do Livro I do Código de Processo Penal, dispensa mandado de prisão judicial, o que lhe dá caráter administrativo, pois seria incompreensível e ilógico com que o Estado impedisse qualquer pessoa, autoridade policial ou não, de deter o autor de crime imediatamente, é, pois o único caso de prisão administrativa permitida. Neste sentido, Tourinho Filho destaca que: Mesmo que a prisão se efetive pelo Juiz, tal ato não perde o colorido de ato administrativo, pois o Magistrado estaria, então, exercendo uma função administrativa e não judicial. Se a prisão-captura é um ato emanado do poder de polícia do Estado, manifesto é o seu caráter administrativo. Entretanto, depois de efetivada a prisão e de lavrado o respectivo auto, a prisão em flagrante pode converter-se e se convolar numa verdadeira medida cautelar (2012, p. 492). De bom alvitre fazer referência à etimologia da palavra, verbo do latim que significa queimar, flagrans, flagrantes, denota ardente, brilhante, resplandecente, que está em chamas, que está crepitando (MUCCIO, 2011). 13 Por força do artigo 302 do CPP, à luz dos ensinamentos do Professor Hidejalma Muccio, considera-se as seguintes hipóteses de flagrante delito: I) Está cometendo a infração penal; também denominado de flagrante real ou verdadeiro, pois de fato, este é o verdadeiro flagrante. Situação em que o agente é surpreendido ainda no momento exato do cometimento do crime (MUCCIO, 2011). II) Acaba de cometê-la; neste caso, o agente não é abordado no momento do cometimento da infração penal, porém, é surpreendido logo após seu cometimento. Nesta situação, não há propriamente flagrante, porém o legislador estendeu seu conceito para abranger referida ação, se fazendo necessária a presença entre os atos executórios e de captura, a relação de imediatidade (MUCCIO, 2011). III) É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; também denominado flagrante em sentido impróprio, quase flagrante, ou flagrante irreal. Aqui, não se fala em captura na exatidão do cometimento do crime, mas sim em situação que concretiza entre o criminoso e a infração penal. Necessário se faz que a perseguição seja contra pessoa certa, determinada, do contrário o flagrante será descaracterizado. No que tange ao prazo da perseguição, a lei exige tão somente que se haja iniciada a perseguição logo após o cometimento da infração penal, sendo irrelevante o prazo necessário à captura, desde que a perseguição seja linear. Modalidade sensível de flagrante, tendo em vista a dificuldade de se precisar o espaço temporal compreendido como imediato, logo após. Assim, cabe ao Estado/Juiz fixá-la no caso concreto, se fundando no prudente poder discricionário que lhe é atribuído, devendo ter a prudência de se evitar práticas ilícitas causando dano irreparável ao direito fundamental à liberdade da pessoa (MUCCIO, 2011). IV) É encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração; espécie denominada também de flagrante ficto, assimilado ou presumido. Nesta modalidade, o agente não é encontrado no momento da consumação do crime, nem imediatamente após e nem é perseguido após o cometimento, mas sim é encontrado logo após a prática do delito com instrumentos, armas, objetos, ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Com certeza se trata da modalidade mais delicada de flagrante, pois se estende o conceito original, neste caso, assim como no inciso anterior, o delituoso deve ser encontrado tão logo tenha praticado a infração penal. Novamente, 14 há dificuldade em se precisar o prazo considerado „logo após‟ (MUCCIO, 2011). No que tange às suas variações, temos o flagrante compulsório ou obrigatório, flagrante facultativo, flagrante esperado, flagrante prorrogado (retardado, postergado, diferido, estratégico, de ação controlada), flagrante por apresentação, flagrante forjado, flagrante provocado e flagrante preparado. Abordaremos, em síntese, uma a uma: a) Flagrante compulsório ou obrigatório: medida determinada pela parte final do artigo 301 do CPP, onde há imposição do dever da autoridade policial e seus agentes prenderem, quem quer que seja, encontrado em flagrante delito. Abarca as polícias civil, militar, rodoviária, ferroviária e o corpo de bombeiros militar, por força do art. 144 da CRFB88. Destaca-se que os integrantes da guarda civil não se enquadram nesta categoria, sendo-lhes,assim como à qualquer pessoa, mera faculdade (TAVORA, 2013). b) Flagrante Facultativo: é a faculdade imposta pela Lei (art. 301, CPP, primeira parte), em que autoriza qualquer do povo prender quem quer que seja encontrado em situação de flagrante delito. Abrange, também, além da guarda municipal, os policiais que não estiverem em serviço (TAVORA, 2013). c) Flagrante esperado: decorre das diligências investigativas da atividade policial, onde se há conhecimento de que a infração penal está por ocorrer, providencie as medidas adequadas para captura do agente. Nada mais é, a grosso modo, do que operação de tocaia. Esta modalidade de flagrante não foi disciplinada pelo legislador, sendo uma criação doutrinária para justificar o processo iminentemente investigativo da polícia. O particular não está impedido de também atuar nesta situação, ou seja, sabendo de que o ilícito penal irá ocorrer, aguarde o início dos atos de execução para realizar a prisão. Mesmo não havendo contato com a polícia, tal ação é resguardada de legalidade (TAVORA, 2013). d) Flagrante prorrogado (retardado, postergado, diferido, estratégico, de ação controlada): espécie de caráter estratégico, a autoridade policial tem a possibilidade de aguardar, sob o ponto de vista investigativo, o momento mais oportuno para realizar a prisão, mesmo que esta ação implique na prorrogação do ato, ou seja, mesmo diante da infração penal, pode-se deixar de agir no intuito de se capturar um maior número de infratores ou de um maior conjunto probatório. Não se confunde com o flagrante esperado, pois neste o agente aguarda o início dos atos executórios do crime e então realiza a prisão, diferentemente do flagrante 15 prorrogado, pois há a retardação desta medida. Segundo o Professor Nestor Tavora trata-se de “uma mitigação da obrigatoriedade de realizar a prisão em flagrante, inerente à atividade policial”. Não obstante, possui legalidade fragilizada, neste sentido, destacamos o posicionamento do Professor Aury Lopes Jr.: Trata-se, por outro lado, de uma situação bastante perigosa, sob o ponto de vista dos direitos e garantias individuais, pois abre a possibilidade de abusos e ilegalidades por parte da autoridade policial. Ademais, ao não prever limite temporal para a ação controlada, cria um estado de indeterminação bastante perigoso. Daí por que se trata de medida excepcional e que deve ser objeto de rigoroso controle de legalidade por parte do Ministério Público e do juiz competente, bem como amplamente documentada (com filmagem, fotos e todos os meios que permitam controlar a legalidade da atuação policial). Havendo dúvida, deve o flagrante ser relaxado por ilegal, sem prejuízo de eventual prisão preventiva em caso de estarem presentes seus requisitos (que são completamente diversos daqueles que disciplinam a prisão em flagrante) (2012, p. 809). O flagrante postergado é contemplado pela Lei de Drogas, em seu artigo 53, inciso II, pela Lei de Lavagem de Direito, artigo 4ºB e pela Lei de Organização Criminosa, artigo 3º, inciso III. e) Flagrante por apresentação: espécie em que o autor do crime ainda impregnado do estado de flagrância, se entrega espontaneamente à autoridade policial. Incoerente seria o legislador se legitimasse a prisão nestas circunstâncias, pois, incentivaria a camuflagem do transgressor. Entretanto, não está a autoridade policial ou o representante do Ministério Público vedados à, posteriormente, desde que presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, a requeiram perante a autoridade judiciária competente (TAVORA, 2012). f) Flagrante forjado: é o flagrante armado para incriminar pessoa inocente. É manifesta consequência do arbítrio do poder do Estado, onde a situação de flagrância é tramada para acarretar a prisão do sujeito que não tem sequer a noção da emboscada. Não há aqui agressão ao bem jurídico protegido por parte do suposto flagranteado, o que ocorre, na realidade, é ataque ao bem jurídico por parte do agente forjador, que estará cometendo crime de denunciação caluniosa, previsto no artigo 339 do CP e se for agente público, também o crime de abuso de autoridade, prevista na Lei 489865 (TAVORA, 2013). g) Flagrante Provocado: trata-se de modalidade ilegal de flagrante. Ocorre quando há uma indução, um estímulo, para que o agente percorra os limítrofes do ilícito penal com a finalidade de lhe prender. É denominado pela doutrina de “delito 16 putativo por obra do agente provocador” (LOPES JR., 2012, p. 807). O Professor Aury ainda explica que esta espécie de prisão nada mais é do que uma encenação teatral, uma emboscada, onde o agente é impelido a praticar determinado crime por obra de um agente provocador, geralmente um policial ou alguém a seu mando, em suas palavras, trata-se de “(...) uma provocação meticulosamente engendrada para fazer nascer em alguém a intenção, viciada, de praticar um delito, com o fim de prendê-lo” (2012, p. 808). Nestas circunstâncias, se considera que o agente não possui nenhuma chance de sucesso, aplicando-lhe a regra de crime impossível, prevista no art. 17 do Código Penal, segundo o qual “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. h) Flagrante Preparado: também atado à qualidade de crime impossível. Há aqui uma preparação meticulosa do flagrante, seja pelo agente policial ou não, com o fim de aliciar o agente a prática do crime. Não há, em momento algum retalhamento ao bem jurídico. Portanto, também é ilegal o flagrante preparado. Neste caso, aplica-se a súmula 145 do STF, a qual afirma que “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação” (LOPES JR., 2012) O fundamento da prisão em flagrante justifica-se como necessária providencia acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria. Se, na flagrância, há manifesta evidência probatória quanto ao fato típico e sua autoria, é justificada a detenção daquele que é surpreendido cometendo a infração penal. Assim, a autoridade competente, pode constatar a realidade fática, colhendo sem demora a prova da infração. É digno de destaque o posicionamento do Professor Aury Lopes Jr: Tratando especificamente da prisão em flagrante a cargo da Polícia Judiciária, apontam que essa extensão do poder de iniciativa pré-cautelar significou a aceitação do risco de privação, temporária, da liberdade pessoal do cidadão por razão de ordem política. O instituto fermo di polizia marcou um pesado desequilíbrio na relação autoridade-liberdade e por isso deve ser analisado com sumo cuidado em um Estado Democrático de Direito como o nosso. (...) A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não (2012, p. 798). 17 A inteligência dos artigos 306 e 310 do CPP determinam à autoridade policial, ao lavrar o auto de prisão em flagrante delito, deva comunicá-la imediatamente ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, a família do preso eou advogado, defensor público ou outra pessoa por ele indicada, devendo o respectivo auto de prisão ser encaminhado ao juiz competente, no prazo de até 24 horas, o qual deverá relaxar a prisão ilegal ou homologar o auto e, posteriormente, determinar qual medida será imposta ao preso. 1.2 DA PRISÃOPREVENTIVA Tem por alicerce no Código de Processo Penal os artigos 311 a 316. Necessário retratar o momento histórico em que foi criado o Código de Processo Penal Brasileiro e consequentemente o instituto da prisão preventiva. Vivia-se o auge do governo ditatorial na era do Estado Novo de Getúlio Vargas, seguiu de modelo a legislação fascista italiana de 1930. Naturalmente, possui natureza nitidamente totalitária, autocrática, autoritária. Consequentemente, o instituto da prisão preventiva se irradia neste conceito, malgrado a reforma ensejada pela Lei 12.4032011. Destacamos o posicionamento do Professor Eugênio Pacelli Oliveira: A perspectiva histórica que mais nos interessa, exatamente porque até hoje ainda nos alcança, situa-se em meados do século XX, mais precisamente no ano de 1941, com vigência do nosso, ainda atual (quanto à vigência!), Código de Processo Penal. Inspirado na legislação penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo anteprojeto de lei, Ministro Francisco Campos, conforme se observa em sua Exposição de Motivos (2011, p. 5). A prisão preventiva é uma espécie de prisão cautelar de natureza processual, sendo a mais importante delas. Esse modo de prisão processual é ligado a uma medida que restringe a liberdade do sujeito com base em uma decisão exclusiva do Juiz. Essa determinação pode ocorrer tanto na fase do inquérito policial como o da instrução criminal. No discurso oficial ocorre como medida de segurança processual para garantir eventual execução de pena, assegurando a conveniência da instrução criminal e preservando a ordem pública. No sentido real, é medida unicamente étnica. 18 Importante a diferenciarmos da prisão em flagrante, sendo de grande qualidade os ensinamentos do Professor Eugenio Pacelli de Oliveira: Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro, na proteção do ofendido, e, depois, na garantia da qualidade probatória, a prisão preventiva revela sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor eou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo. Referida modalidade de prisão, por trazer como consequência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade (2011, p. 543). A prisão cautelar tem por objeto a garantia imediata da tutela de um bem jurídico para evitar as consequências do periculum libertatis. Assenta-se nela um juízo de probabilidade, ou seja, se houver probabilidade de condenação, a providência cautelar é decretada com o fim de que não se frustrem a sua execução e cumprimento. Acerca do disposto na primeira parte do artigo 311 do CPP, que prevê a possibilidade de decretação da prisão de ofício pelo juiz (um grotesco afronte ao princípio da imparcialidade do magistrado, que neste caso atua como se parte fosse), merece destaque a crítica do Professor Aury Lopes Jr.: Infelizmente, insiste o legislador brasileiro em permitir a prisão preventiva decretada de ofício, sem suficiente compreensão e absorção das regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e a própria garantia da imparcialidade do julgador. A redação do art. 311, segue permitindo a prisão preventiva de ofício, desde que no curso da ação penal (2012, p. 823). A prisão preventiva somente pode ser decretada por Juiz ou Tribunal competente, em decisão (interlocutória) fundamentada a partir de prévio pedido expresso (art. 315, CPP). Exigência que se reverencia ao princípio constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CRFB88). Neste sentido, Nestor Tavora afirma que: O magistrado está obrigado a indicar no mandado os fatos que se subsumam à hipótese autorizadora da decretação da medida. Decisões vazias, com a simples reprodução do texto da lei, ou que impliquem meras conjecturas, sem destacar a real necessidade da medida pelo perigo da liberdade, não atendem à exigência constitucional, levando ao reconhecimento da ilegalidade da prisão. (...) interessa frisar a necessidade de fundamentação das decisões judiciais como garantia fundamental constitucional, como forma de assegurar o caráter democrático do processo, viabilizando o controle dos julgados, bem como de maximizar a compreensão dos fatos narrados nos autos (2013, p. 589). No que se refere aos requisitos ensejadores da prisão preventiva, ainda segundo o Professor Aury, entendemos ter a prisão preventiva dois requisitos 19 básicos, o Fumus Comissi Delicti, ou seja, probabilidade de que o imputado volte a delinquir e o Pericumum Libertatis, ligado a uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo. Destacamos: O Fumus Comissi Delicti exige que existam prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, ou seja, exige a existência de sinais externos, com suporte fático real, extraídos dos atos de investigação levados à cabo, em que por meio de um raciocínio lógico, sério e desapaixonado, permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito, cuja realização e consequências apresentam como responsável um sujeito concreto (LOPES JR., 2012, p. 825). Em relação ao juízo de probabilidade representada pelo fumus comissi delicti, destacamos o seguinte: Se a possibilidade basta para a imputação, não pode bastar para a prisão preventiva, pois o peso do processo agrava-se notadamente sobre as costas do imputado. A probabilidade significa existência de uma fumaça densa, a verossimilhança, que se assemelha ao verbo verdadeiro (LOPES JR., 2012, p. 826). Note que o periculum libertatis e o fumus comissi delicti não estão ligados à sensação de segurança social, mas sim a garantia do próprio processo. Tem por finalidade, nas palavras de José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino e José Renato Dalini “obstar a fuga do presumido responsável, tolher-lhe a faculdade de fazer desaparecer vestígios do crime, vedar tanto o suborno ou exercício de ameaça sobre testemunhas quanto o concerto com os cúmplices” (2012, p. 336). A decretação da prisão preventiva requer a existência de requisitos positivos, que consistem na prova de que a conduta é aparentemente típica, ilícita e culpável. Além de que, não devem estar presentes requisitos negativos do delito, ou seja, não podem existir, mesmo no nível de aparência, causas de exclusão de ilicitude ou culpabilidade (CARNELUTTI apud LOPES JR., 2012, p. 826). Neste Sentido: Não obstante, basta existir fumaça das excludentes de ilicitude ou culpabilidade para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência do crime, sendo incompatível com a prisão cautelar, ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade (LOPES JR., 2012, p. 827). Os requisitos normativos para a decretação da prisão preventiva estão disciplinados no artigo 313 do CPP. De plano, destacamos a permissão de que seja decretada a prisão preventiva em se tratando somente de crimes dolosos e que tenha como pena máxima, privativa de liberdade, tempo superior a quatro anos (inciso I), afastando, desde logo, a prisão preventiva em face de crimes culposos e 20 as contravenções penais. Nos demais crimes cujapena seja inferior a quatro anos a prisão só será revestida de legalidade se, além de presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, for o aprisionado reincidente em crime doloso com sentença penal condenatória transitada em julgado (inciso II). Em crimes em que envolvam o sistema de proteção às vítimas consideradas frágeis (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo e deficiente) em se tratando de violência doméstica e familiar, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (inciso III), modalidade também disciplinada no artigo 42 da Lei 11.34006. Por fim, também é admitida a prisão preventiva para os casos em que haja dúvida quanto à identidade civil do agente, ou quando não houver elementos suficientes para o seu esclarecimento, devendo o preso ser posto imediatamente em liberdade após a sua identificação, salvo se por outra hipótese se necessite a manutenção da medida (parágrafo único). Também será válida a decretação da prisão preventiva em casos de descumprimento das medidas cautelares anteriormente impostas, conforme previne o artigo 282, §4º do CPP. Quanto às condições que coíbem a decretação da preventiva, temos no artigo 314 do CPP hipóteses de exclusão da antijuridicidade do art. 23 do Código Penal (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal). Portanto, verificando o magistrado pelas provas constantes dos autos, que o agente praticou o ilícito penal amparado por referenciadas circunstâncias, não deverá, de modo algum, decretar esta modalidade cautelar. Não é necessário o caráter de certeza quanto à existência das excludentes, i.e., mesmo que haja apenas uma aparência de sua existência (fumus boni iuris), já é o suficiente para impedir a decretação da prisão preventiva por força do in dubio pro reo (TAVORA, 2013, p. 592). Ao que diz respeito ao prazo de duração da cautelar, o legislador se omitiu a determiná-lo expressamente. Neste sentido, é válido o entendimento do Professor Eugenio Pacelli de Oliveira, segundo o qual: (...) a ausência, no CPP, de fixação de prazo certo para a duração da prisão preventiva deixava o acusado inteiramente à mercê do Estado, nossa jurisprudência elaborou entendimento segundo o qual, cuidando-se de réu preso provisoriamente no curso da ação penal, esta deveria estar concluída nos prazos previstos em lei, sob pena de caracterização de constrangimento ilegal. A hipótese, então, estaria a ensejar habeas corpus, com fundamento no art. 648, II, do CPP, cujo comando considera ilegal a coação “quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei”. (2011, p. 555). Em resumo: a regra é a estrita observância, pelo Estado, dos prazos 21 previstos para a prática dos atos processuais, somente se admitindo a sua não-observância em situações excepcionais, em que se exija uma reflexão hermenêutica para além dos limites dogmáticos, na linha da necessidade de afirmação de princípios constitucionais de igual relevância (2011, p. 557). Neste sentido, também destacamos o posicionamento de Nestor Tavora: É uma via indireta que fragiliza a garantia constitucional, afinal, o excesso de tempo deve ser interpretado pelo cômputo geral de permanência no cárcere cautelar, e não pela individualização dos fundamentos da preventiva, como se fossem considerados de maneira estanque. Assim, se o réu está detido para preservação da instrução criminal, e a prisão é relaxada por excesso de tempo, não cabe ao juiz, na sequência, renovar o decreto prisional para garantir a ordem pública. Seria desconsiderar o critério objetivo suscitado para reconhecer a legalidade, qual seja, a razoável duração do cárcere, que foi desatendida, independente do embasamento que justificou a manutenção da segregação. Em sentido contrário ao aqui esposado, o STF já admitiu a substituição dos fundamentos para manutenção do cárcere cautelar, mesmo com anterior relaxamento por excesso de tempo, pautando-se na necessidade de preservação da ordem pública, notadamente após a decretação da sentença condenatória, negando assim ao réu o direito de recorrer em liberdade (2012, p. 590). Válido ressaltar os princípios constitucionais intrínsecos ao Processo Penal e, consequentemente, à decretação da prisão preventiva, dada a preocupação do constituinte com temas norteadores como princípio da legalidade, presunção de inocência, direito fundamental à liberdade, dignidade da pessoa humana entre outros. Temos na Prisão preventiva, exceção a tais diretrizes. Muitas vezes decretada desde o início da persecução penal embasada na prisão em flagrante, uma ressalva de altíssimo risco e por vezes de dano irreparável. A custódia do indivíduo presumidamente inocente, até que se materialize decisão judicial condenatória transitada em julgado, necessita amparo em parâmetros rígidos, para que não se configure em punição antecipada e indevida. Deve-se buscar justa causa para a decretação da cautela provisória, fundada em casos extremos, pois se está ceifando bem jurídico dos mais fundamentais, a liberdade (NUCCI, 2012). A medida deve ser revogada, de ofício ou a requerimento das partes, quando não mais existirem os pressupostos que fundamentaram sua decretação, i.e., a medida possui cláusula rebus sic stantibus e só será dotada de legalidade enquanto vigorar seus requisitos ensejadores (GOMES; MARQUES, 2012). Segundo o discurso oficial do Estado, a prisão preventiva é utilizada para garantir com que o acusado não fuja e também para que não coaja testemunhas, obstruindo, assim, o natural desenvolvimento do processo. Sempre devendo haver indícios veementes de autoria e materialidade do delito. Entende-se que a prisão 22 preventiva é fundada em uma comprovada necessidade que vem da própria sociedade, de que o indivíduo ao qual lhe atribuem um fato delituoso, seja cerceado antes mesmo de ser condenado. Há de se ter a cautela para que se utilize do instituto da prisão preventiva como medida de precaução e não de antecipação de pena, pois na realidade prática nos deparamos com um excessivo número de presos provisórios, o que revela um despreparo no controle do exercício do poder punitivo do Estado sobre os indivíduos. Priva-se a liberdade da pessoa que ainda não foi julgada e nem condenada, utilizando para tanto, deliberadamente, do processo como mecanismo de flagelo. 1.3 DA PRISÃO TEMPORÁRIA A prisão temporária é mais uma modalidade de prisão cautelar, porém, com prazo preestabelecido de duração. Diferentemente da prisão preventiva e da prisão em flagrante, não está regulamentada pelo Código de Processo Penal, mas em Lei específica, a Lei nº 7.960/89. Veio para substituir, legalmente, a antiga prisão para averiguação, deste modo, deve ocorrer ainda no período das investigações policiais, ou seja, antes de se iniciar o processo. Na prisão temporária, por ser também uma prisão cautelar, se requer para a sua efetivação as mesmas condições de todas as medidas cautelares, ou seja, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. A decretação da temporária é de exclusividade da autoridade judiciária, conforme dispõe a primeira parte do artigo 2º da Lei nº 7.960/89, devendo haver a representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público, i.e., se exige a provocação, uma vez se tratar de medida cautelar inerente a fase investigativa. Em nenhuma circunstância se admite sua decretação ex officio pelo Juiz (TAVORA, 2013). Quanto ao seu prazo de durabilidade, é descrito ainda no artigo 2º da Lei, que não pode ultrapassar de cinco dias. Este prazo pode ser prorrogável por igual período, totalizando dez dias. Ainda, em se tratando de crimehediondo, de acordo com o §4º do mesmo artigo, o prazo de duração será de até 30 (trinta) dias, prorrogáveis, também, por mais trinta dias. Por isso Prisão Temporária, ela se inicia 23 com prazo de durabilidade predeterminado. Tourinho Filho tece severas críticas quanto a este prazo, segundo o qual: Ademais, a medida é tão estupida que, se realmente não houver necessidade para a sua decretação, nem haverá tempo para julgá-la mercê de um habeas corpus: primeiro em face da exiguidade do tempo e, em segundo lugar, porque em sede de habeas corpus, normalmente, não se faz um exame analítico das provas (2012, p. 539). Quando vencido o prazo máximo de duração da prisão, o encadeado deverá imediatamente ser posto em liberdade, ou, se for o caso, poderá continuar aprisionado se decretada sua prisão preventiva. Esta modalidade de prisão cautelar, conforme disposição do artigo 1º da Lei, somente será admissível quando imprescindível para a investigação policial na fase do inquérito, tão somente nas seguintes circunstâncias: quando o indiciado não tiver residência fixa; quando houver dúvida quanto a sua identidade e; quando houver fundadas razões ou participação nos crimes de homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificada pela morte, formação de quadrilha, genocídio, tráfico de drogas e também nos crimes contra o sistema financeiro. A prisão temporária possui frágil constitucionalidade formal, a qual ocorre devido ao fato de ter sido criada por Medida Provisória, posto que somente o Poder Legislativo é competente para criar leis na esfera penal, em obediência ao que dispõe o artigo 62, 1º, I, b, da CRFB/88. Neste sentido, é válida a crítica Tavora: A temporária está disciplinada na Lei nº 7.960/1989, que substituiu a Medida Provisória nº 111/1989. Aí está a primeira mácula do instituto. A temporária ingressou no ordenamento por iniciativa do executivo, dissociada não só do fator relevância e urgência, essencial às medidas provisórias, e o pior, instituiu-se restrição a um direito fundamental liberdade ambulatorial-, sem lei no sentido estrito, como ato inerente ao Poder Legislativo. Em que pese a conversão posterior da medida provisória na lei infante, é de se ressaltar que a mácula não se convalida, e a inconstitucionalidade perpetua até os dias atuais, apesar de os nossos tribunais não a reconhecerem, tendo o STP na ADIN 162/DF rejeitado a liminar que poderia sepultar o instituto (2013, p. 594). Por fim, assim como na prisão preventiva, o preso temporário deve ser posto obrigatoriamente separado dos demais reclusos, a fim de se evitar a contaminação por meio do contato com os presos definitivos. Esta exigência decorre não só do art. 3° da Lei, mas também da nova redação do art. 300, CPP, dada pela Lei nº 12.403/2011. Deste modo, afasta-se a antiga redação do Código, a qual condicionava a separação à existência de estrutura prisional. 24 2 LEI 12.403/2011: ALTERAÇÕES REFERENTES ÀS PRISÕES E MEDIDAS CAUTELARES 2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.403 DE 2011 A Lei 12.403 de quatro de maio de 2011 remodelou todo o instituto que disciplinava as prisões e a liberdade provisória do Código de Processo Penal brasileiro, isto é, alterou-se todo o Título IX, do Livro I, além de promover a inclusão das medidas cautelares diversas da prisão. As prisões em flagrante, preventiva e temporária são medidas cautelares disciplinadas desde 1941 com a entrada do Código em vigor. Com a reforma de 2011, além destas cautelares, passou-se a admitir novas modalidades, menos severas, que devem ser impostas sempre que necessárias para aplicação da lei penal, seja no seio da investigação ou da instrução criminal, não se excluindo os casos expressamente previstos, para se evitar a prática de infrações penais, observando-se a adequação da medida à gravidade do crime, as situações do caso concreto, e as características pessoais do sujeito (art. 282, I e II, CPP). As principais alterações trazidas pela Lei foram as seguintes: tratamento sistemático e estruturado das medidas cautelares e da liberdade provisória; aumento do rol de medidas cautelares, antes centrada na prisão preventiva e na liberdade provisória; manutenção da prisão preventiva de forma genérica, para garantia da instrução do processo e para execução da pena, e de maneira especial, a acusados com potencial para prática de crimes relativos à probidade administrativa ou a ordem econômica considerados graves; mediante violência ou grave ameaça a pessoa ou relacionado ao crime organizado; impossibilidade de haver, antes de sentença condenatória transitada em julgado, prisão que não seja de natureza cautelar e; valorização da fiança (GOMES; MARQUES, 2012). Valorosa é a crítica de Gomes e Marques: A pergunta principal a ser feita, no campo da política criminal, é: todas essas prisões são realmente adequadas e necessárias? A resposta, obviamente, é negativa. Há um excesso por parte de alguns magistrados no país. Banalizou-se a medida cautelar privativa de liberdade de tal forma que muitas pessoas cumprem suas penas provisoriamente antes mesmo de serem condenadas. A prisão processual tornou-se, na prática, prisão penal. A odiosa antecipação da pena faz parte da realidade prisional brasileira. Para tentar adequar a necessidade do Brasil com futuras e necessárias mudanças, seja por argumentos acadêmicos, seja por argumentos políticos, ou ainda por argumentos econômicos-estruturais, todas as “verdades” 25 desaguam na mesma solução: medidas alternativas à prisão. (2012, p. 11) A sisudez da antecipação dos efeitos da condenação, representado pela prisão preventiva, fez com que se buscassem novos mecanismos que amenizassem a severidade da prisão, permitindo-a somente aos casos extremos, extrema ratio da ultima ratio, onde as medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para garantir a eficácia do processo (MUCCIO, 2011). Neste sentido, vejamos: O sistema processual penal brasileiro, em matéria de prisão cautelar, sempre se caracterizou pela bipolaridade (ou binariedade): prisão ou liberdade. Nosso sistema carecia de medidas intermediárias, que possibilitassem ou juiz evitar o encarceramento desnecessário. Essa bipolaridade conduziu a banalização da prisão cautelar. Muita gente está recolhida nos cárceres brasileiros desnecessariamente. O novo sistema (multicautelar – art. 319 do CPP) oferece ao juiz várias possibilidades de não encarceramento (GOMES; MARQUES, 2012, p. 25). Para Muccio “a liberdade provisória é sucedâneo da prisão provisória porque esta é pressuposto daquela. Só se fala em liberdade provisória quando se tem a prisão provisória, que, por não ser necessária, é substituída por aquela” (2011, p. 1211). O art. 310 do Código de Processo Penal, com a redação da Lei 12.403, faz jus a uma análise pontual, pois é o artigo chave do presente trabalho. Sem delongas, vejamos: Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I) relaxar a prisão ilegal; ou II) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. O juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deve se manifestar acerca desta prisão, de forma motivada, em obediência ao que determina a Constituição Federal (art. 93, IX, CRFB/88) e a lei processual penal (art. 315, CPP),sendo também uma garantia para a sociedade de que o magistrado realize uma mínima análise da legalidade deste ato, sendo insuficientes meras repetições do texto legal. A ausência de fundamentação é motivo que, em regra, enseja o relaxamento da prisão. Neste sentido, valiosa é a crítica de Pacelli: O que se vê na dura realidade do dia-a-dia, para a maioria dos presos provisórios, que não tem dinheiro para contratar um advogado, é a manutenção da prisão pelo simples exame de regularidade formal do auto de prisão em flagrante. Nenhuma palavra acerca da necessidade da prisão. 26 Afirma-se, laconicamente, „aguarde-se o encerramento do inquérito‟, como se a única questão a ser analisada naquele momento fosse a aparência do delito. (2011, p. 462). A prisão em flagrante não deve ultrapassar o limite temporal contados de sua efetiva realização até a entrega do auto ao juiz competente, medida de cunho obrigatório que possui como prazo considerado aceitável o de até 24 horas. Descumprindo tal formalidade, a prisão se torna ilegal e deve ser relaxada. É expressivo o poder conferido pelo legislador ordinário ao magistrado neste artigo, evidenciando o controle social ao trabalhar com estas variantes, uma vez que dentre elas se faz presente a prisão preventiva. 2.2 DO RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE ILEGAL O termo relaxamento está vinculado à ilegalidade da prisão, podendo ser também aplicado à prisão preventiva e temporária. No alicerce da prisão em flagrante se encontra a eminente compressão da liberdade de alguém. Para tanto, há a necessidade de se verificar a presença de critérios legais e, sobretudo, respeito aos ditames constitucionais, pois daí irradia a segurança das liberdades individuais, conquistadas arduamente pela sociedade, preceitos que têm o condão de assegurar a mínima dignidade da pessoa humana. O inciso LXV do artigo 5º da Constituição da República garante que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”, e consequentemente restituída a plena liberdade do sujeito. Em contrapartida, a ignorância deste preceito configura crime de abuso de autoridade (artigo 4º, alínea „d‟ da Lei 4.898/65). Assim, a prisão em casos de flagrante forjado, provocado, preparado, de inexistência das causas previstas no artigo 302 do CPP, havendo a permanência de alguém presa a título de flagrante (uma vez que esta se trata de prisão precautelar), ou qualquer outra prisão que contrarie a Lei é ilegal e deve ser imediatamente relaxada. Neste sentido, verbi gracia: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE GENÉRICA DO DELITO. CLAMOR SOCIAL. PRESUNÇÕES ABSTRATAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA. I. Não se aplica a vedação do art. 44 da Lei nº 11.343/06, que obstrui a concessão de liberdade provisória aos acusados pelo delito de tráfico ilícito de entorpecentes, em hipótese na qual o flagrante foi relaxado por inexistência do estado de flagrância. 27 II. A prisão preventiva é medida excepcional que deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda e a ser cumprida quando da condenação. III. O simples juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao recorrente, assim como o volume de drogas apreendidas - cerca de 105 gramas - ou o clamor social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculados de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312 do CPP. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do relator. (STJ - HC: 211700/CE 2011/0152555-5, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 14/02/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe, 24/02/2012). Embora previsto na Carta Magna que o relaxamento da prisão em flagrante ilegal é de atribuição do Juiz, entendemos, contrariando a maciça doutrina, à luz da primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 304 do CPP, donde se extrai que a autoridade policial, depois de ouvida as testemunhas que realizaram a prisão, havendo fundada suspeita contra o acusado, mandará recolhê-lo à prisão, ou seja, entende-se que a autoridade policial deve realizar uma ínfima análise material dos fatos, e constatando qualquer ato que deslegitime a prisão, deve relaxá-la. Portanto, perante a inteligência do §4º do mesmo artigo, compreende-se que não se trata de critério absolutamente formal, pois nos parece perfeitamente de acordo com a ordem constitucional a possibilidade de a autoridade policial, verificando causas que invalidem a prisão, tenha também o poderdever de relaxar a prisão, uma vez que lhe é exigido para ocupar o cargo, além de diploma de bacharel em direito, notório saber jurídico, dada a dificuldade do concurso público. Neste sentido, é digno de destaque o posicionamento do Delegado de Polícia João Romano da Silva Junior, da qual ratificamos: Nossa opinião, que não encontrou eco na doutrina, sempre parcimoniosa nos assuntos envolvendo Polícia, é que o agente da autoridade quando captura o indivíduo estará indubitavelmente tolhendo sua liberdade, legal (art. 301 do Código de Processo Penal) ou ilegalmente. E uma vez levado à presença da autoridade policial, esta ratifica ou não a detenção, praticando assim o primeiro controle de legalidade acerca da supressão da liberdade. O segundo controle de legalidade será feito também pela autoridade policial no momento em que ela fará um autocontrole de seu próprio convencimento e analisará a pertinência do recolhimento do conduzido. Denominamos esse ato de relaxamento regressivo da prisão em flagrante. Destarte, se o fato cientificado à autoridade policial se afigurar numa potencial restrição da liberdade do cidadão e puder desde logo ser sopesado e aquilatado, findada a instrução provisória sem sobrevir justa causa para o recolhimento à cadeia pública, referida medida tem de ser afastada. O terceiro controle da legalidade é feito pelo juiz, conforme comentado, sendo que nesse momento a liberdade do cidadão é albergada por máxima garantia, já que subsistindo alguma nulidade o magistrado intervirá 28 imediatamente, tão-logo seja comunicado da prisão (2010). Este também é o partido do Professor Hidejalma Muccio: (...) Não se quer dizer, com isso, que a autoridade policial deva lavar as mãos ou ser omissa, e sim cautelosa, prudente, sob pena de amargar duras consequências. A atual disciplina conferida ao art. 310 do CPP, com previsão expressa de que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente, “relaxar a prisão ilegal” (inciso I), não exclui a possibilidade de relaxamento da prisão pela autoridade policial assim que lavrado o auto, pois o art. 304, §1º, permanece com a sua redação original (2011, p. 1153). Uma vez relaxado o flagrante, não há de se analisar os demais incisos do artigo 310, pois se está diante de um ato nulo. Uma vez apontada a ilegalidade, deve ser restituído o status quo ante, sendo uma aberração jurídica se falar em relaxamento da prisão em flagrante com consequente decretação de prisão preventiva. Note-se que neste caso a nulidade não retroage até que cesse seus efeitos, pelo contrário, perdura no tempo e espaço ensejando uma medida extrema que é a prisão preventiva. Não obstante, o relaxamento da prisão em flagrante não obsta o processamento do devido processo legal, pois o que se discute no relaxamento é a (i)legalidade da prisão e não a do processo. 2.3 REQUISITOSÀ CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM LIBERDADE PROVISÓRIA E DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO Ademais, ultrapassado o requisito de validade da prisão em flagrante, trabalharemos com o inverso do artigo 310 do CPP, antes o inciso III e posteriormente o II, pois a liberdade é a regra, a prisão exceção. Acerca da definição do instituto, válida a definição de Tourinho Filho: (...) é uma medida intermediária entre a prisão provisória e a liberdade completa. A liberdade provisória, de conseguinte, não é completa. Por duas razões: a) se o autor da infração, que estava provisoriamente em liberdade, vier a ser punido com pena privativa de liberdade sem sursis ou qualquer medida alternativa, cessa a liberdade, e ele será recolhido à prisão, b) durante o tempo em que o indiciado ou réu estiver em liberdade provisória, essa liberdade não é completa. Vejam-se, a propósito, as restrições previstas nos arts. 310, II, 319, 327, 238 e 343, todos do CPP (2012, p. 594). A liberdade provisória possui os mesmos fundamentos da prisão preventiva, isto é, visa assegurar a presença do réu ao processo, entretanto, descarregada da 29 humilhação e estigmatização irreparáveis gerados pelo cárcere. Assegura a garantia de que presa em flagrante, excepcionalmente em consequência das condições que convalidem a preventiva, tem a pessoa o direito de aguardar o seu julgamento em liberdade, com ou sem o pagamento de fiança, em virtude do princípio da presunção de inocência (NUCCI, 2014, p. 485). A Lei 12.403 de quatro de maio de 2011 alterou significativamente o Título IX do Livro I do CPP, que disciplina a prisão cautelar e a liberdade provisória. Segundo Tourinho Filho (2012), ao lado das prisões em flagrante, preventiva, temporária, e domiciliar, criou-se medidas alternativas à prisão, evitando, em regra, o encarceramento do acusado, à luz de ditames constitucionais, tais como presunção de inocência, devido processo legal, legalidade, ampla defesa, dignidade da pessoa humana, entre outros, rompendo assim com o binômio prisão/liberdade até então vigente. Neste sentido, vejamos o posicionamento de Muccio: Com essa disposição legal serão poucos os casos em que o indiciado ou acusado permanecerá preso. Apenas naqueles em que se fizerem presentes os requisitos da preventiva que, sendo medida de exceção, não é admitida para toda e qualquer infração penal, mas sim apenas naquelas hipóteses ou situações do art. 313 do CPP (...). Sem contar que a preventiva é de ser decretada somente quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, como preconiza o art. 310, II, in fine, do CPP (2011, p. 1216). Não obstante, contrariando a Constituição Federal, constantemente o legislativo busca maneiras de coibir a criminalidade violenta, usando para tanto o mecanismo mais barato e de imediata (in)eficácia, o direito penal, restringindo as hipóteses de concessão de liberdade provisória (NUCCI, 2014, p. 495). Outra incoerência do sistema encontra-se no fato de que a liberdade provisória só será aplicada quando houver prisão em flagrante, i.e., se agente responde a processo criminal sem nunca ter estado preso, não terá sua liberdade afetada, não se cogita uma liberdade condicionada à provisoriedade. Neste contexto, vejamos o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci: Afinal, quando não houver flagrante, descabe falar em liberdade provisória. O juiz está autorizado a decretar a prisão temporária (durante a investigação policial) ou a preventiva (durante a instrução processual, como regra), que são medidas cautelares, cujos efeitos, quando cessam, não comportam liberdade provisória, mas simples revogação da medida constritiva. Por isso, resta certa ilogicidade no sistema. Se o indivíduo é preso em flagrante, quando a lei veda a liberdade provisória, não poderá receber o benefício da liberdade provisória, mesmo sendo primário, de bons antecedentes e não oferecendo maiores riscos à sociedade. Mas se conseguir fugir do local do crime, apresentando-se 30 depois à polícia, sem a lavratura do flagrante, poderá ficar em liberdade durante todo o processo, pelo mesmo crime, pois o juiz não está obrigado a decretar a prisão preventiva. Parece-nos incompreensível essa desigualdade de tratamento. Assim, o correto é exigir uniformidade de raciocínio e de aplicação da lei processual penal a todos os indiciados e acusados, não sendo cabível vedar a liberdade provisória, única e tão somente porque o agente foi preso em flagrante, pela prática de determinados delitos (2014, p. 495). Vejamos o magnífico voto do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, no julgamento do Habeas corpus 121183/SP: Verifica-se, assim, do excerto acima transcrito, que os requisitos autorizadores descritos no art. 312 do Código Processual Penal – seja o da necessidade de garantia da ordem pública, seja o da conveniência da instrução criminal –, não foram concretamente demonstrados pelo magistrado de piso. Segundo remansosa jurisprudência desta Corte, não bastam a gravidade do crime e a afirmação abstrata de que o réu oferece perigo à sociedade e à saúde pública para justificar-se a imposição da prisão cautelar. Assim, o STF vem repelindo a prisão preventiva baseada apenas na gravidade do delito, na comoção social ou em eventual indignação popular dele decorrente. (...) Todavia, esse novo fundamento invocado pelo Tribunal bandeirante está em dissonância com o que assentou o Plenário desta Corte ao apreciar o HC 104.339/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, no sentido de que a proibição de concessão de liberdade provisória aos acusados pela prática do crime de tráfico é incompatível com os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, entre outros. (...) Diante disso, ausentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, revela-se patente o constrangimento ilegal imposto ao paciente. (...) Ante o exposto, não conheço da impetração, mas concedo a ordem de ofício, confirmada a liminar, para assegurar ao paciente o direito de aguardar o julgamento do processo em liberdade até o trânsito em julgado da Ação Penal 0024829-80.2013.8.26.0037 da 3ª Vara Criminal da Comarca de Araraquara/SP, sem prejuízo da fixação de qualquer das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal ou mesmo da decretação da prisão preventiva com fundamento no art. 312 do mesmo diploma legal, se for o caso. É como voto. O novo artigo 282 do CPP expõe que as medidas cautelares deverão ser aplicadas observando-se: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Ao que tange às espécies das medidas cautelares diversas, estão disciplinadas no artigo 319 do CPP, quais sejam: I) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela 31 permanecer distante; IV) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência etrabalho fixos; VI) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII) fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX) monitoração eletrônica. Assim, abre-se um leque de caminhos permitido ao magistrado percorrer, i.e., impor as medidas cautelares do artigo 319; impor unicamente as condições do artigo 310, parágrafo único; impor as condições do artigo 350 (réu pobre que não pode arcar com a fiança); conceder a liberdade provisória sem nenhuma condição (pois o juiz somente deverá impor medidas cautelares se necessário for, uma vez que a regra do jogo é a liberdade incondicionada) (GOMES; MARQUES, 2012). Estas medidas foram impostas para atuarem em substituição à prisão preventiva, entretanto, não se pode banalizar eventuais medidas alternativas, com a finalidade de se aumentar a intervenção penal de forma injustificada, muito menos se deve desprezar a severidade das restrições que elas impõe. (LOPES JR., 2012). A necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção do Direito Penal, em suma, são ramificações do princípio constitucional da presunção de inocência e qualquer restrição à liberdade incondicionada, anterior à sentença penal condenatória transitada em julgado, deve ser, além de necessária, suportável, em respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Segundo os ensinamentos de Tourinho Filho (2012), são alicerces da liberdade provisória, além da dignidade da pessoa humana e presunção de inocência, a necessidade de se tomar uma medida mais ou menos coercitiva respeitando a razoabilidade, tendo como parâmetro a gravidade do crime, às circunstâncias que o envolveram e a características pessoais do acusado. As medidas cautelares diversas à prisão priorizam o caráter substitutivo, ou seja, como alternativa à prisão cautelar, restando a prisão preventiva como último instrumento a se utilizar (LOPES JR., 2012). Ainda segundo o Professor Aury Lopes Jr., estas cautelas também 32 necessitam da submissão aos princípios gerais das medidas cautelares, quais sejam jurisdicionalidade e motivação; contraditório; provisionalidade; provisoriedade; excepcionalidade e proporcionalidade, bem como devem ser assim empregadas: a) A qualquer tempo, no curso da investigação ou do processo, quando se fizer necessária a medida de controle; b) A qualquer tempo, no curso da investigação ou do processo, como medida alternativa à prisão preventiva já decretada e que se revele desproporcional ou desnecessária à luz da situação fática de perigo; c) Aplicada juntamente com a liberdade provisória, no momento da homologação da prisão em flagrante pelo juiz, como medida de contracautela (alternativa à prisão em flagrante); d) A qualquer tempo está permitida a cumulação das medidas alternativas, quando se fizer necessário. (LOPES JR., 2012, p. 854). Segundo Luiz Flávio Gomes e Ivan Luís Marques (2012), a adoção de medidas cautelares diversas à prisão nada mais são do que uma reverência ao princípio constitucional de presunção de inocência, deixando de ser a prisão provisória a única alternativa à autoridade judiciária para se assegurar a efetivação do processo. Estas medidas cautelares aliviam as severidades das prisões provisórias, que não raras vezes são decretadas sem o propósito da real da sua necessidade, em uma ilegal e irracional antecipação de pena cuja incerteza de concretização é gigantesca. Assim, a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão é fundamental, primeiro, para que se desafogue a massa carcerária, segundo em razão de se evitar o encarceramento demasiadamente prolongado e desproporcional. Atentamos ao fato de que somente a sentença penal condenatória transitada em julgado põe fim ao processo e é fonte legítima para cassar a liberdade pessoal do sujeito (art. 5º, LVII, CRFB88). Uma vez apurada a responsabilidade do incriminado, em autêntico processo penal legal constitucional, assegurados direitos fundamentais ínfimos, seu cárcere deve ser decretado com a finalidade de lhe retribuir o mal praticado. 2.4 DA CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA A prisão preventiva está regulada no Capítulo III, do Título IV do Livro I do Código de Processo Penal. Os pressupostos para a sua decretação, à luz do artigo 312 do CPP, exigem a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, com a finalidade de se garantir a ordem pública, a ordem econômica, por 33 conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. A ausência destes dois requisitos convalida o crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146 do Código Penal. A decisão deve ser ainda fundamentada. Segundo Luiz Flávio Gomes e Ivan Luís Marques “as simples referências às expressões legais constantes no art. 312 do CPP ou meras suposições desamparadas de dados concretos que justifiquem a custódia não podem ser consideradas como motivação idônea a justificar a cautelar” (2012, p. 146). Neste sentido, assim tem se posicionado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: 1. Em matéria de prisão processual, a garantia constitucional da fundamentação do provimento judicial importa o dever da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não- culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2. A mera referência vernacular à garantia da ordem pública não tem a força de corresponder à teleologia do art. 312 do CPP. Até porque, no julgamento do HC 84.078, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu inconstitucional a execução provisória da pena. Na oportunidade, assentou- se que o cumprimento antecipado da sanção penal ofende o direito constitucional à presunção de não-culpabilidade. Direito subjetivo do indivíduo que tem a sua força quebrantada numa única passagem da Constituição Federal. Leia-se: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (inciso LXI do art. 5º). 3. Esta nossa Corte entende que a simples alusão à gravidade do delito ou a expressões de mero apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar. Isso porque o juízo de que determinada pessoa encarna verdadeiro risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto de prisão cautelar. Sem o que não se demonstra o necessário vínculo operacional entre a necessidade do confinamento cautelar do acusado e o efetivo acautelamento do meio social. 4. Ordem concedida. (STF, HC 101.705⁄BA, 2.ª Turma, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe, 03/09/2010). E o Superior Tribunal de Justiça: A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. Cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos
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