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o pobre. Você não nota, mas a sociedade, a mídia e os meios de comunicação ensinam, deslavadamente, o ódio contra o pobre. Ensinam a desprezar o perdedor, a cultuar o vencedor e o babaca do herói. Esta sociedade que está aí sufoca e não dá meios a todos e, quando você cresce, você aprende a odiar aqueles que não tiveram chance social. Aprende a achar que lugar de pobre é no xadrez. Cara. . . isto é pregação hereditária do ódio entre seres humanos. Estamos esquecendo o básico: nós todos somos seres humanos. — Quer dizer que o Lula é a salvação do país? — Nova estocada de provocação. — Eu não estou dizendo nada disso. Lula não é a panacéia, mas ele é muito maior do que você possa supor. O PT é criação dele, e a partir do PT surgiram Menegheli, Olívio, Genoíno, Greenhalg, Barelli, Pazzianoto e um monte de gente que surgiu e surgirá. Eles estão criando sociedade. Para eles se você puder. — Complementei. — É tudo farinha do mesmo saco. Vão chegar no poder, se chegar, e vão fazer tudo o que os outros fizeram. Vão comprar mansões, remeter dólares pro exterior por baixo do pano, e o povo que se dane. — Retrucou H. — Pode até ser. O perfil histórico brasileiro indica isto, mas um dia a base mata eles. — Ameacei. — Como assim? — Indagou curioso. — Nós caminhamos para o controle do Legislativo, do Judiciário e para os "pequenos assassinatos". Onde o Legislativo vai ter que pagar imposto igual a todo mundo; não vai poder votar lei em seu próprio benefício; vai ter que trabalhar senão seus integrantes perderão seus cargos, serão demissíveis como qualquer trabalhador; e a composição da Câmara e Senado será paritária (metade representada por patrões e metade representada por empregados). Enquanto que o Judiciário terá que promover a justiça, ou as justiças particulares engolirão os próprios conceitos de lei, direito e justiça. E isto não é algo pra cinco, dez ou quinze anos, mas caminhamos para lá. Pois o povo não crê nas instituições, não crê mais em nada. Há uma puta falência de credibilidade. Por outro lado, tem a turma do osso, que guarda, não divide, não larga e quer o continuísmo. Cedo ou tarde a sociedade irá partir para as "justiças particulares", e aí sim teremos a grande revolução social brasileira. Pois enquanto os donos do poder não se sentirem ameaçados. Enquanto eles puderem rir, cinicamente do semelhante, nada mudará. Mas eles esquecem que a mudança que ocorrerá no Brasil será sangrenta, pois não há mudança sem dor. (E justiças e injustiças serão praticadas, tudo em nome dos excessos revolucionários.) — Que porra é esta de "pequenos assassinatos"? — Perguntou ele, com notada indignação e curiosidade. — Isto é da tua e da minha geração. Eu não digo que a intelectualidade de esquerda do Caderno B só lê e só vê o que for assunto de bar? Mas voltando ao assunto e satisfazendo a sua curiosidade: "pequenos assassinatos" (e que Elliot Gould me perdoe) é quando um parente seu é morto por um PM e a corporação não pune o culpado. Dai', você cai na clandestinidade e mata um PM por dia até eles entenderem que enquanto a lei não for respeitada, vale a lei da selvageria. É contra todos. "Pequenos assassinatos" é quando você vê um empresário sair ileso, e de repente você nota que ele, ou parente dele, foi morto por um grupo de extermínio, acima da lei. Quer dizer, são fiscais do cumprimento da lei usando suas regras próprias. É um movimento lento, que aos poucos irá tomando forma, até que, como agora, onde a impunidade de quem tem dinheiro campeia solta, as pessoas se sentirão com coragem de praticar os "pequenos assassinatos", por se sentirem impunes ou com justos motivos. E no dia em que, por medo, terror, pavor, ou o nome que você queira dar, os donos do poder entenderem que serão justiçados por injustiçados, e que a lei da selvageria é incontrolável e animalesca e será usada contra eles, irão sentar-se e fazer um novo Contrato Social, com leis para valer e serem cumpridas. Antes disso, eu não creio em nada. São só homens, são só nomes. Meros vampiros sociais. Gozado. Eu falando desta forma com o H. Fosse alguns anos antes, e eu sumiria rapidamente só por externar este tipo de pensamento. Mas estávamos em fins de ditadura militar, entrando na ditadura empresarial, e falar e pensar eram quase permitidos. Graças a Deus, eu estava em São Paulo, e na Fundação teria tempo suficiente para pôr minha cabeça em ordem. Ficar um pouco alienado das injustiças sociais, das mentiras da informação do Jornal Oficial Nacional, e longe do "pega-ladrão"da auditoria. Eu precisava desta folga. Estava muito indignado com tudo que se passava com o Brasil e receoso da minha postura. Até porque eu me conhecia bem. Bem o suficiente para saber das minhas reações. Por isso, levar o trabalho sério a sério, e as pessoas na brincadeira, seria, para mim, antes de tudo, sobrevivência. A Segunda Auditoria Eu estava empenhado em ajudar um amigo, Raul Queiróz, a encontrar uma boa casa, pois, assim como eu, ele havia sido transferido da auditoria para São Paulo, para ser o Diretor Administrativo Financeiro do Sistema Globo de Rádio em São Paulo. Eu queria eliminar todos os problemas que havia encontrado quando da minha transferência, fazendo com que ele tivesse menos problemas do que eu tive em termos de achar um bom local para morar, um bom colégio pros filhos e que sua adaptação fosse menos sentida. A minha preocupação era devido ao fato de o Raul haver tido uma péssima experiência em termos de transferência anteriormente. Ele havia feito um trabalho excelente quando das negociações e compra da Almec (Pegeaut), tendo sido convidado para um cargo ótimo, a nível de superintendência, e mudou-se com armas e bagagens para Montes Claros. Entretanto, num curtíssimo espaço de tempo, por motivos absolutamente financeiros, a Globo resolveu vender a empresa, e o Raul teve que retornar ao Rio, com toda a família, e morar em hotel. (Os móveis foram para um Guarda-móveis, as crianças ficaram desorientadas em termo de escola, e a própria família nem sabia mais onde morava.) Em razão disto, eu, assim como outros amigos da auditoria, trabalhando em São Paulo, estávamos empenhados nesta tarefa de ajudá-lo. Seria muito bom ter mais um amigo por perto, mas não era só um simples amigo, e sim um de qualidade. Pois o Raul é daqueles que trombam fácil, com o mundo inteiro, em nome de uma amizade sincera. Nosso último trabalho juntos havia sido exatamente no Sistema Globo de Rádio, que, para variar, fora mais um grande "pega-ladrão", e que será objeto de um enfoque mais minucioso no livro Inside Globo, parte desta trilogia. O trabalho do Sistema Globo de Rádio fora iniciado quase que de maneira semelhante ao da Fundação. Deveria ser um serviço normal, igual ao feito todos os anos, até que mudou-se a equipe e o enfoque, abrindo-se feridas e mais feridas. Na realidade, não foi nem bem uma mudança de equipe, mas uma competição de equipe. Pois eu não havia concordado com a ótica que estava sendo dada ao trabalho. Disse e escrevi isto ao Francisco, chegando mesmo a ser deselegante com um colega que coordenava os trabalhos, alegando que de nada adiantavam todas aquelas pastas, todos aqueles papéis, documentos, circulares e etc, e com os números todos "cruzadinhos", tudo batendo. Se ninguém conversava com os números ou não dava um enfoque macro aos tipos de problemas que o Sistema Globo de Rádio tinha. Pois eu não achava normal ver a briga surda de entrega-entrega entre o Superintendente (Lemos) e o Diretor Financeiro (Mourão), ou que fosse desprezível o apelido do Waldyr Amaral, que às escondidas era chamado por grande parte dos funcionários da Rádio Globo, de Waldyr do Jabá. ("Jabá", em meio artístico, significa "bola", "propina". É usado para designar o dinheiro que se dá para que o comunicador faça merchandising sem a empresa saber, ou para promover um cantor, um artista,