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AFUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO

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Afundação Roberto Marinho
A série Denúncia da Editora Tchê!, com Afundação Roberto Marinho, de Roméro C. 
Machado, oferece, não só ao público tradicionalmente leitor, mas também ao julgamento de toda a 
sociedade brasileira, talvez o título mais polêmico das últimas décadas. Num empreendimento 
editorial de enorme ousadia, um notável trabalho de investigação jornalística. Primeiro volume da 
Trilogia Global, este livro é um empreendimento corajoso que aborda tema considerado por 
muitos mítico e inenarrável. De indiscutível credibilidade, quer pela fartura documental, quer pela 
privilegiada autoridade do autor (Roméro foi auditor da Rede Globo, contro-ller da Fundação e 
assessor da Vice-presidência de Operações da Rede), a obra enfoca a luta pelo poder, dentro e 
fora da empresa, e as mais inimagináveis ilicitudes, desde a falsificação de concorrência até a 
obtenção ilegal de verbas, passando por transações em dólares não registradas (caixa-dois), 
compra de notas frias para prestação de contas com o MEC, e "operações" envolvendo José 
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Vice-presidente das Organizações Globo e responsável 
pela vitória de Escrito nas Estrelas, música interpretada porTetê Espíndola, no Festival dos 
Festivais. O júri tinha escolhido Mira ira. Como um jurado não podia saber do voto do 
companheiro, foi fácil para Boni falsificar o resultado. Na mais poderosa indústria televisiva do país, 
o poder fabrica outra espécie de indústria: a política do abuso. Incontáveis personagens — todos 
com seu honrado nome de batismo declarado — envolvem-se em falcatruas que a argúcia e a 
honestidade quase suicida do autor auscul-taram. De forma impiedosa e transparente, este inacre-
ditável reino da safadeza acaba, finalmente, de ser retratado com fidelidade. Afundação Roberto 
Marinho é um dos livros mais denunciadores que a bibliografia brasileira já registrou.
O Autor
Roméro da Costa Machado nasceu a 11.09.48. Reside no Rio de Janeiro e foi 
aprovado para Agente Fiscal de Tributos entre os setenta primeiros lugares entre milhares 
de participantes. Foi auditor nas seguintes empresas: Auditor, Coopers IkLybrand, Bouci-
nhas-Campos e Claro, Grupo Portland/Lone Star (Cimento Mauá) e, por último, Rede 
Globo (holding). E controller: Grupo Portland/Lone Star e Fundação Roberto Marinho. 
Além disso, foi Assessor Especial do Vice-presidente da Rede Globo, José Bonifácio de 
Oliveira Sobrinho, o Boni.
Resumo
A imagem da Rede Globo no espelho televisivo é recebida nos lares brasileiros 
com um fervor admirativo que quase não comporta críticas, e uma fidelidade de um 
público responsável por altíssimos índices de audiência que torna o que seria um simples 
lazer num autêntico costume nacional. Esta imagem, aparentemente irretocável, agora 
posta à prova de forma inédita em Afundação Roberto Marinho, ameaça desfazer-se, 
ou melhor, adquirir seus verdadeiros contornos, sua face mais real, a que o vídeo é
incapaz de captar. Em seu primeiro volume, a Trilogia Global, de Roméro C. Machado, 
investe impiedosamente contra um mundo que a televisão mais mascara do que revela. 
Aqui temos a devassa da Fundação, com os desmandos e estratagemas internos cujo 
único objetivo é acobertar a fabricação de fortunas pessoais e ações políticas que 
certamente envergonhariam Maquiavel.
Mais do que acender o rastilho da explosiva Trilogia, este livro de abertura oferece às 
mais variadas faixas de leitores e a todos os profissionais de Comunicação um exemplo 
notável de coragem pessoal e honestidade de ofício. O autor, auditor durante anos na 
poderosa Rede e mais tarde controller na Fundação Roberto Marinho, "olhos e ouvidos do 
dono", além de assessor de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, vê-se justamente 
pela extensão de suas funções, frente a frente com as mais inimagináveis falcatruas. 
Acusar? Incriminar? Ou simplesmente registrar os infindáveis buracos negros do universo 
dos corruptos cada vez mais em expansão? Dúvidas quase intransponíveis, cujos 
obstáculos morais, econômicos, sobretudo de autopreservaçâo (principalmente física) 
geralmente direcionam para uma desistência culposa ou, na maioria das vezes, para uma 
negociação indigna de interesses mútuos.
Sem fazer vistas grossas ou sem aliar-se às quadrilhas de importantes executivos 
(todos com seu "santo nomezinho" devidamente apontado), o perigo é iminente, certo. 
Roméro corre todos os riscos, menos o de relapso em sua atividade; expõe-se à sanha 
mafiosa, menos à covarde cumplicidade de quem irresponsavelmente preferiria lavar as 
mãos. Mãos ousadas, astutas, que tão logo desligaram-se do imenso mar de lama Global, 
escreveram um dos livros mais denunciadores que a bibliografia brasileira já registrou.
Afundação Roberto Marinho
Roméro C. Machado.
ÍNDICE
 A título de introdução
 Prefácio
 Explicação necessária
 Antes da primeira auditoria
 A primeira auditoria
 São Paulo, aqui vou eu
 A segunda auditoria
 O primeiro confronto
A Título de Introdução
Este livro é o primeiro de uma trilogia, a ser complementada com outros dois; sendo um 
composto de uma história seqüencial e segmentada, Inside Globo, e outro com histórias isoladas. 
Atrás do Espelho.
Como o Afundação Roberto Marinho está situado no interregno de duas fases de auditoria, 
deveria conter, por isso mesmo, toda a fase adestrita à Fundação Roberto Marinho. Entretanto, por 
uma questão de clima, o autor optou por reconstituir uma pequena fase pré-auditoria, bem como 
dar uma pequena seqüência à fase pós-auditoria, fazendo com que os inícios e fins de cada livro 
sejam irrelevantes, quer por não ficarem presos ao tempo, quer por não pretenderem encerrar um 
principio moral e pedagógico.
Gostaria de ressalvar que todos os diálogos deste livro são rigorosamente verdadeiros em sua 
essência. Entretanto, como nem todos eles foram gravados, e a maioria foi reproduzida de 
memória e anotada à época, poderá ocorrer o uso de sinônimos para algumas palavras ditas, até
mesmo uma ligeira distorção, principalmente em virtude da pontuação, do ritmo. Porém, não há
qualquer modificação na essência e conteúdo dos mesmos.
O Autor.
Prefácio*
*Assunto de responsabilidade de Francisco Eduardo Ribeiro, Responsável Geral pela Auditoria de todas as 
empresas das Organizações Globo.
Foi deixada uma página em branco, em sinal de silêncio, uma vez que zilhões de razões 
que conheço, impedem Francisco Eduardo Ribeiro de utilizar este espaço para expor os seus 
motivos e/ou justificar sua posição diante de todos os fatos de que ele é ciente.
A despeito de eu haver alertado, durante anos, sobre a sua posição de cavalo em A 
revolução dos Bichos, e de caixeiro-viajante em A Morte do Caixeiro-Viajante, e que de nada 
adiantaria ele tentar se superar, trabalhando cada vez mais, pois o futuro seria inexorável, e nada 
deteria a decretação do seu ostracismo, e até mesmo a implacável perseguição, tão logo o Dr. 
Roberto morresse ou delegasse a administração das empresas a inimigos seus.
Ele, Francisco Eduardo, transformou-se em assistente de sua própria agonia e morte, em vida; 
amargando a ingratidão, mais uma vez, e pagando alto preço por não atentar para o que se 
desenhava como óbvio.
Explicação Necessária
Tudo o que compõe estes livros foi objeto de relatórios internos e/ou relatos verbais a pessoas 
tidas como responsáveis internos pelos assuntos aqui abordados.
A minha promoção a Controller da Fundação não representou o esperado por mim, pois abri 
mão desta posição ao ver que se tornava inútil o meu trabalho e que nada mudaria dentro daquela 
instituição, e não ser que a fizesse sangrar, indo tão fundo quanto achava que devesse ir.
Poderia ter envelhecido ou me aposentado na confortável posição de Controller-Conivente, 
caso me dispusesse a aceitar coisas como elas estavam.
Foram dadas (por mim) aos dirigentes da Fundação todas as oportunidadesde recomeçar e 
higienizar, a partir de um processo de lavar roupa suja dentro de casa. Neste sentido, foi tentada 
toda a sorte de comunicação com o Secretário-Geral da Fundação. Mas a certeza da impunidade 
fez com que a alta direção da Fundação supusesse a minha acomodação e meu amedrontamento 
diante de tão grandes e graves problemas, sentindo-se seguros pelo cinturão de fidelidade, 
apostando contra a minha obstinação ou, o mais infantil, contra a minha crença nos meus 
princípios.
0 mesmo aconteceu com o assunto-objeto dos dois outros livros, que a despeito de relatórios 
formais, e até mesmo após um rompimento verbal decretado por mim, foi objeto de descaso, 
tratado como se destituído de aplicabilidade de prática.
Assim como na Fundação, onde recomendei o afastamento de todos os diretores, o que 
era considerado hipótese absurda (consumando^e mais tarde), o mesmo aconteceu em relação ao 
restante das Organizações Globo, onde propus a higienização, eliminando-se contrabando, 
sonegação, desvios de recursos para o exterior e toda a sorte de falcatruas. Principalmente, a não-
manipulação de homens públicos — defensores dos interesses da Globo.
Assim como na Fundação, foi tentada toda a sorte de comunicação com as pessoas 
responsáveis dentro das Organizações Globo, alertadas inclusive, e principalmente, para o fato de 
que seriam tornados públicos todos estes assuntos, caso eles não fossem resolvidos internamente.
Esgotados todos os recursos de diálogo, após haver dado ciência, por carta e telegrama da 
intenção de edição destes livros, a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni vice-presidente das 
"Organizações Globo"; a João Carlos Magaldi, Diretor da "Central Globo de Comunicações"; a 
Francisco Eduardo Ribeiro, Responsável pela Auditoria de todas as empresas das "Organizações 
Globo"; a Nilo Sérgio de Almeida, Diretor Administrativo e Financeiro da Editora Globo, e haver 
mostrado intenção de ceder prioridade de edição destes livros à própria Editora Globo — desde 
que sanadas todas as irregularidades denunciadas; impondo, inclusive, sérias e pesadas multas 
caso não fossem editados tais livros —, vi-me obrigado e compelido a tornar público todos estes 
assuntos, através da publicação por uma editora ou editoras, que satisfizesse(m) aos meus 
interesses enquanto autor.
Não espero nenhum grande movimento em torno da apuração de responsabilidades dos 
denunciados, até porque estamos no Brasil, um país de covardes e de corrupção institucionalizada. 
Mas o inverso, que eu seja alvo de investigação, denúncias, boatos, verdades fabricadas, e até
mesmo, objeto de processo — hábito muito comum neste país colonizado por presos e 
degregados —, onde processa-se o acusador ao invés do acusado; e uma vez provada a 
acusação, não se toma nenhuma providência contra o acusado, e seus crimes considerados como 
Cotidiano brasileiro. Mas, ainda que demore séculos, ainda que ultrapasse o tempo da minha 
existência, ainda que o regime da republiqueta mude, ainda que se censure a obra, ela será
atemporal e subsistirá. Enquanto a verdade do dia anunciada pela televisão, se desfará qual bolha 
de sabão. E a história fará a sua parte.
Antes da Primeira Auditoria
Rua Jardim Botânico, 266. Para os funcionários existem: a Emissora (Rua Lopes Quintas e 
Von Martius), o 266 e o Teatro (Fênix).
Lógico, a Globo não é só isto. Existem trocentos endereços em diversas casas diferentes. Mas 
a base é esta: Emissora — 266 — Teatro.
Mais um dia. Igual a tantos outros, igual a qualquer outro. Passo na portaria fingindo colocar o 
crachá, para não ter que usá-lo, pois detesto este penduricalho. O segurança observa de longe, já 
sabendo que não vou colocá-lo. Às vezes, ele, o segurança, só de birra vem atrás de mim. Eu 
aperto o passo e tento rapidamente chegar ao elevador. Ando bem rápido, ele também. Conto com 
que um dos elevadores esteja no hall. De passagem, vejo o elevador de serviços com a porta 
fechada e um dos sociais quase fechando. Corro, seguro a porta, ela se abre. Fico de frente para o 
segurança. Olho para ele, de dentro do elevador. Ponho as mãos na cintura, e abrindo o paletó
deixo que veja que estou sem o crachá. Rio com os olhos e fico absolutamente sério, ao mesmo 
tempo em que o elevador fecha a porta e sobe rapidamente ao 79 andar.
Eu gosto deste jogo de gato e rato com o segurança, principalmente porque isto é super 
importante para ele e absolutamente desimportante para mim. E como tenho aversão à segurança 
tipo ordis é ordis, divirto-me sendo um equilibrista em cima do limite de legalidade e ilegalidade. 
Principalmente, pela atroz dúvida que o assalta diariamente: eu vou colocar o crachá ou não 
(Incrível ... isto é importante para ele). A minha implicância é que segurança só pára e incomoda 
quem não tem nada com a história. IMa Globo, por exemplo, já entrou uma velha maluca na sala 
do Dr. Roberto, que ninguém sabe de onde veio. Tem dezenas de ambulantes vendendo tudo: de 
empadinha até tóxico e contrabando grosso. Mas o segurança só pára funcionário, a trabalho.
Isto acontece diariamente, mais de uma vez, pois em minhas saídas esporádicas para o 
almoço ou lanche a cena se repete. Às vezes com variações. Coloco o crachá na frente do 
segurança e, logo em seguida, ao dar as costas, finjo tirar o crachá e aperto o passo para o 
elevador. Ele vem seco para cima de mim. No meio do ha// paro, mexo com alguém e viro-me para 
o segurança, exibindo o crachá. Ele quer morrer. Olha para mim. Finge que não houve nada e fica 
fazendo hora. Entro no elevador e à medida que o elevador ameaça fechar a porta eu tiro 
lentamente o crachá, como num debochado streap-tease, e olho para o segurança 
interrogativamente.
Chego ao 7º andar e cumprimento os habitues que chegam cedo (no horário). No primeiro 
salão estão os administrativos e a galera (trainees, assistente, semi-seniores, etc). No segundo 
salão está a elite, setor fiscal, especiais, supervisores e assessores). Ao todo uns 30 funcionários.
Coloco o paletó nas costas da cadeira, cumprimento o pessoal da segunda sala e vou papear 
no salão da galera. Embora isto seja muito mal visto por alguns colegas elitizados, que 
desconhecem o doce sabor da simplicidade e de se permitir a irresponsabilidade da vulgaridade.
Brinco com a secretária (Norminha) e com o Azulão (Edson). Provoco a treinizada e inicio um 
barata-voa de catarse. Sento-me à mesa coletiva e começo a puxar assunto com o March, que não 
gosta de conversar antes de ler o jornal. E aí, para variar, e só para encher o saco, fico puxando 
assunto com ele, até ele não agüentar mais e fechar o jornal.
O March agüenta o quanto pode. Até que desiste e resolve se vingar: — O Azulão] (Azulão é o 
apelido do Edson, pois todo contínuo da Globo é obrigado a andar vestido de azul.) Vai buscar um 
café pro Chips para ver se ele para de encher. (March apelidou-me de Chips, pois na época eu 
tinha uma moto com bagageiro. E com moto de bagageiro, terno, capacete e calculadora financeira 
presa ao cinto da calça, eu era o próprio personagem do seriado Chips ).
Todo mundo gozava todo mundo, observando-se uma certa hierarquia: trainee não fala, só diz: 
"Sim senhor!", "Não senhor!" e "Posso ir embora?" e a lei máxima: Pato novo não mergulha fundo.
Respeitando-se esta hierarquia, o riso era livre. E as gozações gerais. Lógico, existiam os 
preferidos: Pedrinho Bilé (puxa-saco oficial do Francisco, e cagüete contumaz); Fernando Chileno 
(também chamado de Que Pasa ou Repassa, pois ele não fazia o seu trabalho e sempre 
repassava para alguém). Gozava-se, também, os dotes físicos de cada um: March era o Velhinho; 
Nilo era o Careca; Alberto, o Garnizé; Luiz Carlos era o Baixinho. Todo mundo, praticamente, tinha 
apelido. Até Francisco, quando a galera estava com bronca, virava Chico-Peste (sem ele saber). 
Mas o clima era o da mais perfeita união. Broncas pessoais à parte, o clima era semprebom. Salvo 
quando Pedrinho chegava, pois ninguém gosta de cagüete, ou de empregado-patrão. Parecia 
combinado. Ele chegava e todo mundo calava a boca, mas o riso continuava, contido.
Luiz Carlos, um misto de profissional, competente e cinicamente consciente das coisas 
realmente importantes, só chegava atrasado. E ele conseguia, religiosamente, chegar 5 a 10 
minutos antes do Francisco. Raras foram as vezes que Francisco conseguiu chegar cedo. Ele 
sempre chegava depois das 11 horas, e nunca pegava Luiz Carlos chegando tarde. Houve mesmo 
uma vez, em que o Francisco ligou de casa, umas 10 horas, e Luiz Carlos, raridade, tinha chegado 
cedo. Não sei porque cargas d'água, Francisco pediu para chamar o Luiz Carlos ao telefone, e, 
sem graça e sem assunto, começou a dar esculacho. No ato, Luiz Carlos saiu-se com uma tirada 
seca: "Olha aqui... eu estou no trabalho e você em casa. Eu estou trabalhando desde as nove 
horas e você está acordando agora. Quer dar esporro? Venha até aqui. Não aceito bronca por 
telefone. Bronca só ao vivo e a cores". E desligou o telefone. Sério, para, logo em seguida, 
imaginar a cara estupefata do Francisco, e esboçar um riso cínico de pequeno triunfo pessoal.
Uma hora mais tarde, Francisco entrava bufando pela porta, carregando, como sempre, 
duas malas de relatórios, que ele levava para tudo que era canto, e com o paletó solto nos ombros. 
Gritando: — Luiz Carlos, venha cá no meu escritório.
Ele ia, meio rindo, meio sacana, mas com a certeza dos que estão certo.
Bronca a portas fechadas, no inicio até que ouvíamos os berros. Mas logo sumiam. E meia 
hora após, Luiz Carlos, com a habilidade política habitual, conseguia fazer Francisco esquecer os 
problemas momentâneos com os quais estava envolvido e lembrar-se dos grandes problemas 
envolvendo todo o staff.
Aí, era sagrado, Francisco puxava o follow-up e saía cobrando. Sobrava esporro para todo 
mundo. Do boy ao último assessor. Numa dessas, a bronca já havia passado pelo boy, pela 
secretária, pelos datilógrafos, pela galera, já entrara na sala da elite, começou a sobrar para o Luiz 
Carlos que estava cheio de relatórios e não os liberava. Aí, a bronca foi em seqüência: Fernando 
Chileno, que controlava e não controlava a parte administrativa; Nilo, que estava cheio de 
relatórios (sem efeito) e não os colocava para fora (não os editava). E, logo, a coisa ia chegando 
em mim.
Uma vez, entre raros momentos, vi Francisco ficar bravo com Nilo, pois Nilo era mais velho 
do que Francisco, e já esteve, anteriormente, em cargo superior ao dele (quando éramos da Bouci-
nhas, Campos, Coopers and Lybrand Auditores Independentes). E Nilo era uma espécie de ídolo 
do Francisco. Pois bem, naquela oportunidade, Francisco esbravejou: — Porra, Nilo! Não sei 
porque você está com estas merdas destes relatórios e não edita. . . (Não sei porque, mas o 
coloquial do tratamento parece, às vezes, vulgar e infantil, ou infanto-juvenil. Mas, a despeito deste 
tratamento, a postura era rigorosamente profissional.)
Nilo retrucou: — Mas, Francisco... Só tem relatório bobo e ponto babaca. Para editar troço 
sem efeito é melhor não editar. Você acha que eu vou mandar um Sumário Executivo pro RIM 
(Roberto Irineu Marinho) e RM (Roberto Marinho) sem efeito?
Francisco: — Sem efeito é o cacete! Você é que está ficando velho e não quer levantar o 
rabo da cadeira. Daí, fica serviço sendo feito nas coxas, sem supervisão. E vocês passam por cima 
dos elefantes e não enxergam.
O diálogo era duro, rasteiro, mas objetivo, eficiente e franco. Ninguém mandava ninguém 
às fezes. Era à merda, mesmo. E nem esbravejava: — Caspite! — Era um bom e sonoro: — Porra!
— Machado! (Meu nome de guerra), o que você está fazendo? Pronto! Sobrou pra mim. 
Retruquei: — Estou com um effective-ness para fazer. Tenho dois relatórios de serviços especiais. 
Estou preparando testes para candidatos, e tenho que preparar material para treinamento, além do 
serviço todo da parte fiscal.
No duro, isto não era nada. Era o meu refresco quando não estava à mil por hora, 
envolvido em operação pega-ladrão e apaga-fogo.
Francisco: — Pára com tudo isto e pegue um dos serviços do Nilo. O Luiz Carlos também. 
Chileninho também. Cada um pega um trabalho e eu quero ver isto pronto para ontem. Vamos 
dividir o serviço e vocês que se virem. Quero tudo pronto até o fim da semana.
Para mim coube: — Fundação Roberto Marinho.
Histórico da Fundação: trabalho feito há vários anos. Nunca teve problema. Tem auditoria 
interna (da Globo) e externa. É fiscalizada pelo poder público. Tem tudo controlado. Nunca houve 
um ponto grave em relatório. Os relatórios dos anos anteriores eram de uma folha só. Ou seja, 
empresa sem problema nenhum.
Nilo: — Machadinho, meu amigo (em tom de deboche), vais pegar um servicinho beleza. 
Nada para fazer. Nada para relatar.
Falei pro Francisco: — Vou levar dois auditores da equipe especial. Tudo bem?
Francisco: — Porra nenhuma! Programe a equipe especial para outro serviço. O serviço da 
Fundação é babaca e você faz até sozinho em menos de 24 horas.
— Faço em 5 minutos — retruquei. — É só copiar o relatório, de uma folha só, do Nilo. 
Agora, se você quer um troço direito, deixa eu fazer ele direito — disse, malcriadamente.
Francisco: — Está bem! (O Francisco nunca teve muita paciência para discutir comigo.) Vá
até lá e veja o que precisa. Mas se não der nada você vai compensar as horas perdidas com a 
equipe.
— Tudo bem — falei. Já estava habituado, e compensar era trivial-simples, pois 
trabalhávamos em ritmo louco, quase sem tempo para almoçar. Na maioria das vezes sandubando, 
ou então comendo em cima da mesa de trabalho. Trabalhando até às 11 horas, meia-noite. E o 
pior, declarando no Time-Sheet que só trabalhávamos 8 horas por dia (para dar exemplo e não 
criar contingências trabalhistas, justo dentro da auditoria).
Saí da sala e ao atravessar o salão da galera, March, que vivia sentado à mesa coletiva, 
ironizou: — É, Chips, quero ver é agora. . . Fazer altos relatórios com a tua equipe especial e 
equipe fiscal é mole . . . Quero ver fazer altos relatórios num trabalho feijão com arroz.
— O March, — retruquei — até parece que você quer nivelar por baixo. Você duvida que eu vá lá e 
arranque mais do que num serviço especial ou apaga-fogo ou pega-ladrão? Isto é igual ao caso do 
cara que era vendedor de sapatos e foi mandado para uma visita a uma tribo africana. Ele voltou e 
disse que era impossível vender sapatos, pois lá ninguém usava sapato. Todos andavam 
descalços. Enquanto que um colega seu, com a mesma incumbência, mandou um telex de 
resposta: "Estou vendendo tudo que é sapato, pois aqui todos andavam descalços e eu estou 
calçando todo mundo". E, em auditoria é assim: nunca vi empresa sem problema. E quando não 
aparece problema, é sinal que há encrenca braba. É uma questão de ponto de vista — completei. 
— A mesma coisa pode ser vista de mais de uma forma, É visão ou miopia. E sabe do quê mais, 
velhinho? Vá procurar sua turma. Vá arranjar um trabalho. Veja se sai daqui do escritório, que este 
negócio de auditoria com o rabo sentado na cadeira nunca deu camisa a ninguém. E você está
ficando com, craca no rabo de fazer auditoria da BEC e Starlight aqui no Brasil, sem nunca saber 
como são as coisas lá nos Estados Unidos.
Nisto, vem entrando o entregador de malotes (Lessa), que traz sempre escondido, numa 
segunda sacola, vários tipos de sanduíches e salgadinhos para vender de sala em sala. E o March, 
no ritmo, pega o maloteiro: — Aí, ô do malote! O que que leva dentro? Vende um sanduba pro 
Chips que o mal dele é fome. E eu tô aturando um papo de maluco aqui que não é mole.
— Olha a brincadeira, seu March. — Disse, humildemente. — Dentro eu não levo nada, 
não senhor. Na sacola tem sanduíche de ovos mexidos, pasta de atum, bolinho de carne, e 
empadinhas. Vai querer? — Perguntou, olhando para mim e pro March.— Nem pensar — falei. — Sanduíche de ovos repugnantes, sardinha espremida com 
maionese, boi ralado e empada que sobrou do restaurante da Central. Prefiro ir "sandubar" na 
padaria — disse em tom de brincadeira.
— Aí, Chips! Vamos comer, que teu mal é fome. Quem sabe, depois do almoço, você
consegue ir na Casa do Bispo (Sede da Fundação) e ficar tomando chazinho com biscoitinho com 
o Jair Lento (Diretor Financeiro) e depois dizer: nada a comentar ... nada a relatar. Está tudo em 
ordem. — Insistia o March, no firme propósito de provocar-me a todo custo.
— O, March . . . Deixa eu sair. Eu vou almoçar decentemente no Hotel de Trânsito (da 
Marinha). Vou até a Fundação, e vou fazer um trabalho como você nunca viu. Vai ser tão bom que 
você até vai ter o que fazer: conferir a datilografia do meu relatório. Tchau e bença. — Encerrei, 
como quem não quer mais aquele tipo de conversa e está se preparando para encarar as coisas 
com a seriedade necessária.
Embora possa parecer o contrário, mas nós tínhamos uma necessidade quase que 
mórbida de sermos e nos tratarmos de forma vulgar e coloquial, quando em nosso ambiente de 
trabalho, no escritório. Quando no desempenho das funções de autoditor - auditando empresas —
éramos sérios, frios, formais, e absolutamente distantes e imparciais no trato com pessoas. Creio 
que isto era uma compensação, ou "válvula de escape" para a pressão a que éramos submetidos.
A Primeira Auditoria
A vida de auditores é sempre ingrata. Em geral você é odiado por onde passa. Todos 
desejam muito mal a você. Ninguém gosta de um auditor. Com raras exceções, só suas mães lhes 
são caras (a alguns nem isto). Talvez por isso o auditor guarde um incomum e solitário senso de 
humor, e excessivo instinto de auto-recreação; rindo, permanentemente, de sua própria desgraça, 
e fazendo piada de tudo que lhe seja adverso.
Particularmente, eu tinha até um certo receio em ficar endurecido e "perder a ternura'" E de 
que, anos e anos a fio fazendo quase que sempre a mesma coisa, tornasse-me automático e 
insensível. Eu sempre me policiei muito para não me distanciar da condição de ser humano. Ou 
seja, eu não queria que fosse normal e trivial descobrir a falcatrua, desvendar intrincados rombos e 
trambiques, e viver jogando pólo-diretor (esporte que se resume a bater em baixo e ver o diretor 
cair) ou como era comumente chamado: "pega-ladrão". Mas fazer auditoria, na Globo, e não pegar 
ladrão era quase que impossível. E, às vezes, eu me perguntava: Para que tanta técnica? Para 
que tanto estudo tributário? Para que refinado Management, Business and Administration, se na 
Globo a coisa era policialesca e rastaqüera? Era como pescar num barril. (Bem parecido com um 
país chamado Brasil.) Eu questionava muito esta condição de auditor-policial, vez que toda técnica 
e estudo de auditoria eram violentamente desvirtuados para um imediatismo policialesco. E esta, 
positivamente, era uma condição que me incomodava muito, motivo de longas brigas minhas com 
o Francisco. Lutar contra a maré?. Sempre!
É difícil você colocar ordem no desordenamento institucionalizado. É como pregar no 
deserto. Certas coisas são possíveis ou não em função de quem faz. Ou seja, a administração, na 
Globo, é totalmente pessoal (o que contraria tudo que é norma ou técnica); uma determinada coisa 
pode ou não ser aceita, unicamente, em função de quem pratica a ação. Dois exemplos clareiam 
bem este assunto. 0 primeiro é o "caso do Jaboti" e o segundo, o da impunidade".
Certa feita, após concluir brilhantemente um trabalho, um colega vem me prestar contas do 
serviço, que supúnhamos arrasador. Entretanto, frustrado, disse ele que a coisa dera em água.
— Mas como? Nós temos tudo provado, constatado. . . Como? — Eu estava estarrecido.
Ele então esclareceu: — Quando eu falei com o diretor envolvido, ele me esclareceu 
calmamente: "O que você faria se visse um jaboti em cima da árvore?" Respondi: "Sei Ia', uai..." E 
o diretor: "Não. Não é isso. Você deve dizer: 'Jaboti não sobe em árvore. Quem será que colocou o 
Jaboti na árvore?' Lembre-se: aqui na Globo é mais importante saber quem colocou o Jaboti na 
árvore, do que o fato do Jaboti estar trepado nela."
Mais tarde pude constatar a religiosidade desta regra, na Globo.
O segundo caso é de um outro auditor, que eu havia encarregado de uma revisão fiscal e que 
deixou passar um "ponto" enorme, envolvendo uma fantástica contingência fiscal. Nota: 
Contingência, em auditoria, é algo sobre o qual pesa o risco de vir a ser pago um valor por uma 
irregularidade.
Fui igual a uma fera para cima dele: "Como? Mas como você não viu um troço deste 
tamanho? Como você pode engolir uma mosca assim?" E ele, calmo como um monge: "Ué, nós 
não estamos impunes!'"
"Impune é o cacete. Nós não estamos impunes e nem imunes. Eu não aceito este tipo de 
brincadeira", adverti seriamente.
Ele, sem perder a calma: "Você é engraçado. Quer descobrir uma coisa errada, que não 
será consertada, nem sequer levada em conta. Ou melhor; quer saber o quanto seria devido pela 
contingência se nós fôssemos pagar o que nunca pagaremos. Não é melhor abandonarmos isto e 
pegar desvios, roubos, falcatruas, etc, que dão mais ibope no relatório, e dão demissão?" A minha 
vontade diante do real era de chorar. Era duro constatar no que estávamos nos transformando. E, 
o pior, era real. Era duro ter que dar razão à retilinidade do raciocínio dele, e á cruel prostituição de 
nossas funções.
Respirar. Engolir. Respirar. Ir em frente.
Minha vida não era muito diferente da dos demais mortais. E era o bastante. Vivia, 
profissionalmente, no mundo da televisão, mas com grande ojeriza pelo meio artístico. E em minha 
privacidade era cinófilo, ou "cachorreiro".
Muito embora nada tenha a ver uma coisa com a outra, pude experimentar, de perto, a 
proximidade e a fusão destas vidas; e como a proximidade delas influir no meu comportamento.
O Jornal Nacional noticiava uma "ilha de tranqüilidade", é não tocava nos assuntos 
censurados e proibidos. Era fim de ditadura. Porém, a coisa estava na base do vira-não-vira, tem-
golpe-não-vai-ter-golpe. É hoje. É amanhã. Os militares estão unidos e coesos. Correi. (Este era o 
clima.)
Fora do campo profissional, minha vida particular tinha pouca variação: Não confiava em 
ninguém, a não ser nos meus cães. (Um canil de fila brasileiro. Cães extremamente fiéis para 
comigo e violentamente agressivos para com terceiros.) E justamente este hobby cinófilo 
complementava um quadro bastante eclético e altamente bizarro. Permitia a tranqüila convivência, 
por exemplo, entre um torturador e um torturado; um terrorista de direita e um terrorista de 
esquerda. Neste brasileiríssimo ambiente surrealista convivia tranqüilamente no meu 
universo particular;
— HNRB, ou Prof. Reis, ou Reis Júnior, ou Doutor Reis, ou o terrível Dr. Barreto. Matador frio, 
responsável pelo extermínio de dezenas, talvez centenas de "ladrões", "assassinos" e "inimigos do 
regime". Hoje, anistiado pela "anistia-recíproca", H. exerce, tranqüilamente, suas atividades 
"profissionais". É dono de uma personalidade incomum, capaz de apostar gratuitamente sua vida 
contra a de um marginal, e de entrar na Rocinha ou Cidade de Deus debaixo de cerrado fogo 
cruzado e avançar celeremente até arrancar, sozinho, o marginal de dentro de seu barraco. (Isto, 
para ele, é a glória.)
Sua maior satisfação é a caçada humana, apostando sua própria pele nisto. De preferência, 
sozinho. Sua maior irritação é prender bandido e ter que dá-lo de presente a delegado high-society 
para posar para fotografia do jornal do dia seguinte.
Amigo fiel, prometia que, em nome desta amizade, caso o regime virasse novamente e 
voltasse à tortura, eu e Andréa teríamos um fim indolor. (Isto, para ele, era uma grande prova de 
"lealdade" e "amizade".) Chamava-me carinhosamente, de "guerreiro". (Pela minha "capacitação" 
ideológicae política, por eu ser pára-quedista militar, com curso de comando, guerrilha urbana e 
na selva, e por curso militar de sobrevivência.) Ele tentava a todo custo, e sem sucesso, saber das 
notícias off da Globo, e em transformar-se em mais um extrema direita. Era criador de fila brasileiro, 
dono do Canil Xambioá (nome bastante sugestivo).
— Andréa Blumen, ex-Déa Duarte. Terrorista. Trotskista. Militante torturada no Recife, 
trocou de identidade no Rio de Janeiro. Hoje chama-se Andréa Blumen. Era criadora e juíza de fila 
brasileiro, dona do Canil Curumaú.
— Walter Jacarandá. Torturador, preso e identificado por suas vítimas. (Pouco discreto e 
pouco prudente.) Criador de boxer, dono do Canil Morumbi. (Se fosse criador de fila, teria mais 
sucesso; pelo menos como torturador.)
— Chacal (Por motivos de segurança, prefiro não identificá-lo nominalmente, assim como a 
outros exterminadores profissionais, cujos codinomes não quero citar.) Exterminador frio, agia 
sempre como agente infiltrado na esquerda. Junto com Reis Júnior des-
montou vários aparelhos. Carrega um sem número de mortes nas costas. É handler de cães de 
luxo.
— José Sales e Regina Rache. Membros ativos e Iíderes de extrema esquerda. Segundo 
Dr. Barreto, agitadores profissionais e de altíssima periculosidade. Criavam fila e bulldog francês, 
eram donos do Canil Luxemburgo.
— Marlize K. de Biase. Militante superativa de esquerda. Junto com José Sales e Regina 
Rache era, segundo Dr. Barreto, pessoa muito perigosa para a estabilidade do regime. Em caso de 
golpe, deveria ser neutralizada de imediato. Criadora de fila, dona do Canil Jiruá.
— Comandante Paulo. Único da "curtíssima" lista que não morava em Jacarepaguá. Era 
comandante do Forte, em Niterói. Sua única aparição pública foi na capa da Veja e Isto é, posando 
ao lado de Alexandre Baumgarten, na traineira Mirimi. Foi "transferido" para o Amazonas e 
afastado do centro das atenções do Caso Baumgarten. Criador de fila brasileiro.
Conforme podem ver, tudo gente fina, da melhor qualidade.
Não era à toa que o maior centro de tortura ficava situado em Jacarepaguá, na estrada do 
Pau da Fome, mais precisamente no Sítio do Manoel Português. Local das maiores torturas do 
regime militar, de onde as pessoas saíam de barriga aberta (para não boiarem) para serem 
jogadas, de avião, em alto mar, próximo da restinga da Marambaia.
Quer dizer: minha opção de vida era ótima. Ou Globo ou cinofilia. E a diferença era muito 
pouca. De certa forma, eu invejava àquelas pessoas comuns que trabalhavam normalmente, 
tinham amigos normais e ignoravam a luta do dia a dia do País. Pessoas que só conhecem a 
história oficial do Jornal Nacional.
É bom que se diga que a lista de "notáveis" não parava aí. Ao contrário, é extensa. Só
estou citando alguns poucos "cachorreiros" de Jacarepagua cuja proximidade era inevitável, assim 
como o convívio, e pelo exótico, grotesco, e surrealista da questão: em que ficavam sentados, 
frente a frente, na mesma sala, na mesma casa, torturador e torturado. A ponto de eu imaginar: só
no Brasil.
Um dizia, como quem vai à padaria: "Com licença que eu vou telefonar." A uns 5 ou 6 
metros conspirava. Outro disfarçava, e recebia visitas estranhíssimas de alcagüetes e entreguistas, 
e contra-conspirava. Tudo isso a pouquíssimos metros um do outro.
Como a coisa ficava muito brasileiramente descarada, eu escrachava: "Bom, você já deu
sua conspiradinha, já armou seu cirquinho. Tudo bem. E você, que já telefonou para Brasília, já
infor-mou aos órgãos de segurança, e já armou o desmantelamento da panfletagem e o incêndio 
do jornal e das bancas, agora vamos conversar sobre coisa séria: Vamos falar sobre cachorro." (Aí
o papo rolava solto.)
Eê, Brasil!
De volta ao ambiente de trabalho, a coisa fluía como um colírio para os meus olhos 
irritados. Era aquele ambiente de descontração, ainda que houvesse pressão e muita marcação. 
Mas quanto maior fosse a carga, mais doce seria o deboche. (Era uma necessidade compulsiva de 
escracho.)
— Miguel (Duarte) —, que estava fora por vários meses, ouvia o pedido do Francisco —
preciso com urgência, desesperadamente, que você me faça mais este outro serviço fora. (Mais 
um mês fora, sem ver a mulher e a filha.)
— Tudo bem, Francisco. Minha filha, quando eu cheguei em casa da última vez perguntou 
para a mãe: Mamãe, quem é esse moço? Agora eu chego em casa e digo para a minha mulher 
que vou passar mais um mês fora.. . ela vai querer se separar de mim.
O Danilo, que vinha passando, interrompeu: — Pode deixar, Miguel (Duarte), eu assumo a 
paternidade e a patroa. Você não está dando assistência à comadre, mesmo. Deixa que eu tomo 
conta. Antes eu do que o Ricardão.
— Tudo bem — retruca o Miguel (Duarte) —, pode tomar conta. . . Guardar mulher com 
você é como guardar dinheiro em banco suíço. . . Ninguém toca, principalmente você que é
totalmente inofensivo.
A galera se deliciava com o pingue-pongue rápido. O jogo de cintura era o trivial simples. E 
isto é um tipo de "cultura" especial, chamada de "hora de esquina" e "tempo de janela'"
Apesar do ambiente relaxado, eu estava irritado. Tinha ido à Fundação e não havia 
arrancado nada do Jair Lento. Ao contrário. Ele, com pouca habilidade, havia tentado me enrolar 
— o que me irritara profundamente. E, para irritar-me mais ainda, colocou duas outras barreiras: 
fez com que eu ficasse esperando uma infinidade de tempo (o que deu-me a oportunidade de fazer 
"auditoria de cafezinho" e bate-papo) e se posicionou como doutor Jair (que para ele era um belo 
de um cartão de visita), e não como major Jair.
— Francisco — falei.—, tem bronca braba no ar.
— Lá vem você com suas teorias — retrucou o Francisco.
— Mas é claro, cara. Veja bem. — Ele me fez esperar mais de uma hora. Jogou conversa 
fora por mais outra hora; tentou me impressionar mostrando conhecimento do serviço dele e, 
principalmente, do meu. E, por fim, veio com tudo pronto. (Baseado no que o Nilo pedia sempre.) 
Resumindo: gastou 4 a 5 horas do meu tempo, para me dar, de mãos beijadas, um serviço pronto.
— E daí, Machadinho? Quer dizer que só porque o cara se apresenta como doutor já é
sinal de fraqueza de personalidade? Que o fato de ele ter feito você esperar, te irritou? E só porque 
ele tinha tudo organizado para atender ao seu pedido isto era suspeito?
— Vamos por parte. Se apresentar como doutor já é um grave sintoma de desvio de 
personalidade. É o primeiro sintoma de ocultação de fragilidades e inseguranças pessoais. Todo 
sujeito que põe uma barreira e se recusa a conversar de igual para igual com quem quer que seja 
é um portador de um caráter em desvio.
— Você está sendo genérico e radical. Olha o "Doutor-patrão" — retrucou o Francisco. 
(Lembrando a figura do Doutor Roberto.)
— Genérico, porra nenhuma. Quanto ao Dr. Roberto, eu não quero nem comentar para a 
gente não brigar. Mas é óbvio que isto implica e envolve "trocentas" questões sociais e 
psicológicas. Envolve reis, príncipes, nobres, parlamentares, juizes, militares, ma-çons, imortais 
iletrados e todo mundo que se fantasia.
— Lá vem você e suas teorias inéditas. Não dá para a gente conversar só sobre auditoria?
— Você é quem quis saber o porquê da minha observação.
— Vamos lá. Direto ao ponto. Da forma que eu gosto. Sem rodeios! — Questionou-me.
— Tudo bem! Você não quer entender, então tá! Eu não estou dizendo que todo doutor é
maluco ou tarado. Eu estou dizendo é que todo cara que faz questão de se apresentar como 
doutor, excelência ou qualquer título honorífico, ou se veste com paramentos, é um anormal. Você
acharia normal você se apresentar como Doutor Francisco Eduardo, ao invés de, simplesmente, 
Francisco Eduardo, sem o doutor? Você se fantasiaria como um membro da academia brasileira de 
letras, cheio de paramentos? Já pensou você desfilando no chazinho das cinco: 'E agora Doutor 
Francisco Eduardo, noseu novo modelito fardão-ave-do-paraíso. . .' Existe troço mais escroto do 
que uma medalha no peito? Existe troço mais ridículo do que um cara de toga e cabeleira postiça? 
E esta merda de gravata que nós somos obrigados a usar? Tem paramento mais estúpido do que 
uma gravata?
— Isto dá até teses de doutorado: A importância da gravata no desenvolvimento das 
amebas na América Latina.
— Peraí, Francisco. Quem quiser que assuma as suas anormalidades. Mas não me 
venhas de borzeguim ao leito. Isto que eu estou explicando é bem diferente do que você, de 
sacanagem, não quer entender. O ponto é: 1) Ele não é o Jair Lento. É o Doutor Jair. (Isto para 
mim é pior do que ficha suja de delegacia.) 2) Tentou gastar meu tempo, sabendo que nós 
trabalhamos com tempo contado. 3) Apresentou tudo certinho. O que, para mim, é gravíssimo. 
Nada é mais errado do que tudo certo. 4) Aposto minha vida no meu faro. Meu feeling indica 
fortemente para uma grande falcatrua na Fundação.
— Tá legal — disse o Francisco — e dai? O que você sugere? — Indagou, meio descrente.
— Vou dar corda para ele se enforcar. — Disse, como quem arma algo cujo resultado já
sabe.
No dia seguinte fomos à Fundação, eu e minha equipe. Providenciei acomodações para o 
pessoal, e fingi pouca importância no serviço, indo embora antes do almoço e deixando a equipe 
instalada. Porém, não sem antes alertar aos auditores que eu não queria auditoria formal, e sim 
"auditoria de observação". E que, após o expediente da Fundação, eu os estaria esperando no 
escritório do 266 para reorientação geral sobre o que, como e onde auditar.
Como que para corroborar integralmente com o que eu havia esplanado anteriormente, a 
equipe ratificou ponto por ponto o perfil que eu havia traçado do Jair Lento. E mais, mostrou outros 
erros mais contundentes. Ou seja: as "acomodações" foram retiradas, e a equipe foi colocada em 
duas mesas no corredor, com tudo devassado (pasta, papéis de trabalho, documentos, etc.), e foi 
dada ordem expressa, pelo próprio Jair Lento, para que todo documento só fosse entregue à
auditoria em xerox, e não em original. Com isto, ele pretendia constranger a equipe, colocar tudo 
que era empecilho, mostrar força, e desgastar, pela irritação, a todos. Pois cada vez que um 
auditor solicitava um documento, administrativo, contábil, ou fiscal, tinha que preencher uma 
requisição solicitando o documento, requisitar uma xerox, e, finalmente, no dia seguinte, a cópia de 
tal documento estaria à disposição da auditoria. Quer dizer: o prazo que nós tínhamos iria estourar, 
e o fim do serviço iria para as "Calendas Gregas".
— E agora, Francisco? Tenho ou não razão em ir fundo neste trabalho? Tenho ou não 
razão em achar que tem bronca braba no ar? — Indaguei, pedindo confirmação de minhas 
suspeitas.
— É... tá certo, Machadinho. Vai fundo e peça o que for preciso. Eu nunca imaginei que ele 
(Jair Lento) fosse tão burro. Ele praticamente atraiu para si a auditoria.
— Francisco.. ., o cara passou muito tempo envolvido com cavalos, ordem unida, 
autoritarismo, impunidade, etc.. . Não tem nenhum preparo para dirigir uma empresa. Que dirá uma 
Fundação. (No duro, Jair Lento estava trombando com a única entidade que não se deve trombar 
dentro da Globo.)
— É..., concordo. . .
— E agora? O que você pretende fazer, Machado?
— Vou instruir e preparar a equipe, para que eles possam trabalhar sem se irritar, e vou a 
São Paulo assuntar o resto, mas sozinho.
— Mas você acha necessário ir a São Paulo sozinho?
— Claro. Já que ele colocou este empecilho, vou botar todos os auditores para auditar por 
bate-papo aqui no Rio. Vou querer todo mundo conversando. Batendo papo com os diretores, com 
a telefonista, com os boys, com os seguranças, com as secretárias. Quero todo mundo sem lápis e 
sem papel na mão. Quero conversa de almoço, de cafezinho. Enquanto isto, eu vou a São Paulo, e 
passo uma semana avaliando os dois maiores departamentos da Fundação: Educação e Televisão. 
Na volta eu te dou um retorno.
As histórias da semana, no Rio, haviam sido hilariantes. O Jair não assimilou bem o golpe 
e perdeu-se ante a postura da auditoria, a ponto de tontear e enfeixar todas as informações, 
centralizando tudo nele. Tentando evitar que seus funcionários dessem informações 
desencontradas. Enquanto isso, a equipe, previamente preparada, dava uma no cravo e outra na 
ferradura. Levantou quem era quem, traçando o perfil de cada um. Quem fazia o quê. Quem não 
se topava, e começou a montar a rede de informações, para que eu as negociasse da forma como 
eles sabiam que eu fazia.
Em São Paulo tudo havia corrido às mil maravilhas. Conversei com o Calazans Fernandes, 
diretor responsável pelo Departamento de Educação, que se prontificou a historiar a Fundação 
desde os primórdios da Rio Gráfica Educação e Cultura, seus períodos de penúria, suas faltas de 
verba cíclicas, suas demissões e admissões temporárias, e suas dificuldades generalizadas.
Calazans fez questão de deixar bem claro sua condição de fundador e "Provedor de 
recursos oficiais da Fundação", achando, inclusive, que não era justo que desse um duro danado 
para arrancar suadas verbas no MEC, para manter a Fundação (São Paulo), enquanto que os 
parasitas (diretores) do Rio não faziam nada e também eram sustentados pelas verbas que ele 
obtinha. Ou seja: ele, arrumava verbas para a Tele-Educação (São Paulo) e para as reuniões de 
"canapés e biscoitinhos" (Rio).
Conversei com outras pessoas, e fiz várias entrevistas com os principais responsáveis pelo 
Depto. de Educação. Conversei com o Nelson Santonieri (o executor técnico das idéias do 
Calazans). Fiz uma longa entrevista com a Sylvia Magaldi (a grande orquestradora e cérebro da 
tele-educação e dos multimeios). Até mesmo tentei uma "ponta-de-lança" com a Sandra, que na 
época, era a Gerente Administrativa, e embora fosse radicada em São Paulo, funcionária do Rio de 
Janeiro. (Mais tarde, Sandra foi demitida pelo Jair Lento, por ter deixado vazar informações para 
mim.)
Ainda naquela semana, aproveitando a estada em São Paulo, fui à Santana verificar as 
condições do estúdio de televisão e fazer uma análise de escopo genérico no Departamento de 
Televisão.
O papo com o Diretor do Depto. de Televisão, Jorge Matsumi, foi bastante esclarecedor. 
Pude constatar as dificuldades de produção e as inventividades utilizadas para se levar a efeito 
uma gravação, em principio simples; mas que, segundo Matsumi, toda vez que queria fazer alguma 
coisa correta e dentro das normas, era incentivado exatamente para o lado oposto.
— Veja bem, Machado, nós queremos contratar os funcionários de forma legal, com tudo 
que é direito; com as garantias sindicais e trabalhistas. Vem o Jair e manda a gente não registrar 
os caras, para não ter contingência trabalhista e arranjar notas em substituição aos serviços de 
mão-de-obra. Aqui é tudo ao contrário: o artista trabalha, mas quem recebe é uma loja de material. 
O material de cenário sai em nome de uma firma de prestação de serviços. E por aí vai. Não tem 
nada certo. Quer ver um exemplo? Veja as instalações de Santana (Rua Francisca Júlia) e o 
estúdio de gravação. Se eu pedisse ao Jair, como eu pedi, ele negaria a verba (como negou). Mas 
tem que gravar, tem que fazer o programa, tem que ter espaço para a produção, tem que ter mil 
coisas que ele não entende porque não conhece televisão. Aí, o que eu faço? Invento notas e 
despesas e faço o que eu quero. Está vendo as instalações? Eu construi e/ou reformei quase tudo. 
Se eu quisesse roubaria para mim como todo mundo faz. Eu não sou mais honesto do que 
ninguém, mas a burrice da administração empurra a gente para o ilegal. Quer ver um exemplo? Eu 
sugeri comprar uma câmera de gravação para pagar em quatro vezes. A câmera custava 100 e ia 
ser pago em quatro parcelas de 25. Sabe o que o Jair fez? Negou. Daí, eu perguntei pro Jair: E 
alugarpode? Ele respondeu: Pode! Daí, eu aluguei a câmera por 25 mensais, e ao fim de quatro 
meses a câmera estava paga. E, como o Jair disse que a Fundação não poderia ter ativo fixo, só
alugar, eu peguei a câmera para mim, pois estava sem dono, e continuei alugando esta mesma 
câmera para a Fundação. Só que isto, eu não oculto de ninguém. Não tenho culpa de não haver 
controle e administração na Fundação. Aqui é uma zona de desorganização, e o cara que deveria 
entender disto é um militar imposto por um outro militar (Coronel Paiva Chaves. Aliás, apelidado de 
Paiva Chivas), que não entende nada de administração e finanças, que dirá de televisão. —
Concluiu, zangadamente, Jorge Matsumi.
Tive oportunidade, ainda, de discutir, com alguma profundidade, com o Gerente de 
Produção, Hugo Graff, e com dois outros diretores de televisão: Hugo Barreto e Carlos Justino 
(Carli-nhos). Voltei para o Rio, estupefato com a babel que era a Fundação, e espantado com o 
altíssimo grau de desorganização. Aquela altura já me indagava se era um caos proposital e 
conveniente, ou era uma burrice acidental. A sensação era, descrita anteriormente, do vendedor de 
sapatos diante de uma tribo descalça. Ou seja: os dois maiores departamentos da Fundação, 
justamente o que providenciava os recursos e o que gastava, estavam virgens em termos de 
auditoria e na mais completa desorganização. Era inacreditável que isto estivesse ocorrendo, mas 
era verdade.
De volta ao Rio, segunda-feira, era dia de todos estarem no escritório para avaliação do 
serviço e novas redistribuições de tarefas. Era dia de injeção de ânimo, e uma catarsezinha de 
uma a duas horas, e de muita expectativa para mim. Quase não dei atenção aos colegas. 
Observava, de longe, as farras, as brincadeiras e as gozações, e quase não falava, como que para 
não deixar transparecer o meu pensamento. Sim, pois, o caos da Fundação era muito superior
às minhas expectativas, e eu tinha medo de pensar no assunto e alguém ouvir meus pensamentos.
Como de hábito, chamei o Luiz Carlos para um cafezinho na cozinha. Eu não gostava de 
ser visto segredando com o Luiz Carlos, pois logo os outros iriam achar que estávamos tramando 
algo, devido à nossa pecha de "politizados"' e pela grande influência de amizade que tínhamos 
com o Francisco.
Era comum a minha confidencia com o Luiz Carlos, eu admirava bastante sua linha e 
conduta profissional. Ele é um dos mais competentes e equilibrados auditores que conheci. Neste 
meio, onde a acuidade, sagacidade e inteligência contam ponto, você só se faz respeitar e só
respeita outro profissional se ele for um ótimo técnico. E esta era a linha direta e meu canal de 
ligação imediato com ele.
Assim, antecipei ao Luiz o ocorrido, e ansiava pela chegada do Francisco, para 
desmantelar alguns serviços bobos em andamento e requisitar uma grande equipe para a 
previsível grande massa de informações que iríamos ter.
Procurei saber, por alto, como havia sido o trabalho da equipe no Rio, mas não queria 
reorientar o serviço, de imediato, pois eu tinha mil planos na cabeça e não queria que vazasse 
nada.
Estava ansioso e não queria antecipar coisa alguma sem antes discutir com o Francisco. 
Mas, apesar disto, ria das brincadeiras do pessoal, principalmente do Danilo e Miguel (Duarte), que 
nasceram para gozar um do outro. (Era a baixaria fundamental.)
O Miguel inventava mil histórias sobre o Danilo, e ambos rememoravam histórias do 
Paraná da Foz do Iguaçu, das fazendas do Dr. Roberto no pantanal, e das bravatas de cada um. 
Pareciam colegiais em férias. Vê-los assim, difícil seria supor que por detrás de toda aquela 
peraltice estavam escondidos profissionais da maior seriedade.
O March, em seu canto de observação, não falava com ninguém. Olhava 
interrogativamente para tudo aquilo e, numa das passagens de olhos por mim, notou algo errado:
— Chips. O Chips. Vem cá.
— Não quero papo — respondi.
— É sério, preciso da tua ajuda. Venha cá. Não é brincadeira não.
Ao aproximar-me, ele se tornou solene:
— Acertou na mosca em São Paulo, não é?
— Não quero papo, March.
— Tudo bem. Tenho certeza que perdi a parada. Já vi pelo movimento da galera que o 
trabalho da Fundação vai estourar, e pelo teu silêncio, vejo que o negócio em São Paulo foi bom e 
que a coisa vai longe. Mas não é sobre isto que eu queria falar, não. O papo é outro. Eu quero uma 
idéia sua. Como você é um cara que vive dando idéias e tem uma cabeça ótima, eu queria uma 
idéia sua.
— Qual é? É sacanagem...? — Perguntei
— Não. Não é nada disso — falou —, é sério. Eu e o Pedrinho estamos com um problema 
com um arquivo de fitas e a gente não sabe o que fazer com ele. Você poderia dar uma idéia do 
que fazer, ou de como abordar o ponto?
— Para você e Pedrinho? — Perguntei.
— É. Nós estamos fazendo um serviço juntos — ele completou.
— Nem pensar. Eu quero que vocês se danem — respondi, já saindo (irritado).
— Peraí, Chips, é para mim. — Ele reforçou.
— Tudo bem. Qual é o caso? Mas é para você, heim!
— É o seguinte: nós estamos fazendo um. . .
— Nós? Você e o Pedro?
— Peraí, Chips. É para o Pedro também, mas é principalmente para mim. Larga mão de 
ser bobo e de implicar com ele. Você e o Luizinho vivem de guerra com ele. Pô. . ., refresca o cara. 
Esquece que ele está na jogada. Faz de conta que ele não está neste serviço. — Explicou o March.
— Tudo bem. Mas o ponto é para você. Eu não vou dar nada de bandeja pro Pedro.
— É o seguinte: há um arquivo de fitas. Imagine o CEDOC (Centro de Documentação). O 
que você faria se fosse o dono e estivesse aquilo tudo parado? Você tem alguma sugestão de 
como melhorar, aperfeiçoar ou criar algo em cima?
— Eu faria um museu." Respondi, no ato,curto,seco e grosso.
— Porra. . . Um museu? Você está de sacanagem, Chips. Eu estava aqui te elogiando 
dizendo que ia pedir uma ajuda sua pois você é um cara com a cabeça a mil, sempre com idéias 
incríveis, e você me vem com uma idéia de Museu? Você está de sacanagem comigo. . .
— É o seguinte, March. Imagine o primeiro museu da televisão, mostrando como se faz 
televisão. Mostrando a evolução da televisão no Brasil e no mundo. Mostrando as evoluções dos 
aparelhos de TV. Enfim, com tudo sobre televisão. E, haveriam vários displays, tipo daqueles que 
se usam em Shopping Centers, para você se localizar, e que seriam acoplados a vários micros, 
que dariam a você toda sorte de informações: por ano, por tipo de assunto; enfim, de todas as 
formas. E você poderia solicitar para assistir qualquer assunto em cabines especiais de vídeo. Por 
exemplo: Você poderia digitar o ano de 1966 e veria no"menu" do micro tudo aquilo que constasse 
daquele ano, e você escolheria o assunto. Ou então, você daria o assunto, por exemplo, o "Festival 
da Canção", e veria no "menu" os vários anos para você escolher qual deles. E, assim por diante. 
Sendo que você poderia assistir lá no Museu, como numa fonte de consulta permanente, ou 
poderia comprar uma fita copiada pela Globovídeo, sobre qualquer assunto em arquivo no Museu. 
Já imaginou? O Dr. Roberto iria ficar super-vaidoso com o Museu. O arquivo passaria a ter uma 
situação prática. Daria emprego para muita gente. Seria auto-sustentável, e a Globovídeo faturaria 
uma nota. . .
— Pô, Chips, você é realmente incrível. Uma idéia dessas em um minuto. É realmente 
"du-cacete" esta idéia de Museu.
— Tá legal, March, agora o ponto é seu.
— Meu é o cacete, eu vou falar com o Francisco.
Nisto vem entrando o Pedro, e March o chama à medida em que eu vou saindo. Meia hora 
depois, March me procura novamente, irritado, dizendo que o Pedro não havia gostado da idéia.
Eu ri, e disse: "Não liga não, ele está certo".
Esta idéia do Museu da Televisão foi levada por mim, mais tarde, pessoalmente, ao 
Magaldi e ao Boni, e foi recusada. E todas as recusas tiveram "sólidos" e "bons motivos".
Pedro não topou porque a idéia não era dele.
Magaldinão topou por estar "fora dos objetivos" da Fundação Roberto Marinho.
Boni não topou por ser algo muito lucrativo para a Globo-vídeo, e ele não tinha nenhuma 
participação na Globovídeo. Pena não ter ninguém defendendo os interesses do dono.
Francisco chegou, e a lista de interessados em falar com ele era grande, e todos 
disputavam a preferência. Cada qual justificando a sua urgência. Uns tinham que viajar, outros 
tinham reuniões marcadas. Enfim, a disputa estava quase ombro a ombro.
De cara entraram dois ao mesmo tempo para falar com o Francisco. E eu, esperava,
pacientemente pela minha vez, já sabendo no que ia dar a minha reunião. Por causa disto, deixava 
que cada qual se achasse com maior prioridade e avidez em ir na frente. Até como uma maneira 
de ir à forra mais tarde.
Quando já havia entrado na sala dele o terceiro da lista, eu fiz, estudadamente, minha 
interrupção. Entreabri a porta e, rapidamente, joguei a isca: "Preciso falar com você. É urgente."
Já sabia, de antemão, que viria uma resposta áspera, mas era a resposta que eu queria, 
para fazer uma provocação maior e obrigá-lo a entrar no meu clima.
Como um relógio, bastante previsível, ele retrucou: — Querer falar comigo não é novidade. 
Urgente, tem um monte de gente dizendo a mesma coisa. Você sabe: quem se desloca recebe, 
quem grita primeiro tem prioridade. Você vai ter que esperar. Tem gente aqui com coisa urgente 
também e que gritou primeiro.
— Tudo bem. — Falei. — Eu não tenho nada para fazer até o almoço mesmo, eu posso 
esperar. Pena que você vai ter que desfazer toda a programação que você está fazendo, pois eu 
vou requisitar duas equipes grandes. E, se a coisa for como eu suponho, eu vou requisitar metade 
do escritório. Mas tudo bem. Escute quem você acha que tem que escutar e depois avalie você
mesmo. Afinal, todo mundo acha que tem assunto urgente, e você é quem vai dizer o que é
urgente ou não. — Disse de forma provocativa e sacana.
— Tá legal, Machado. Entre e fale — Aquiesceu ele, com enfado.
Nisto há uma revolta, por eu ter "furado fila". E, os que já haviam conversado com ele, se 
apressavam para sair rapidamente do escritório antes de eu terminar a reunião.
Aí, deliberadamente, como numa vingança pelo frisson e corre-corre anterior, preparei 
outra maldade. — Francisco, vou precisar de duas equipes grandes e gente de apoio no escritório 
para fazer o serviço da Fundação. Tem coisa braba no ar, e como nosso papo vai ser longo para 
orquestrarmos a operação, é melhor não deixar ninguém sair do escritório.
Ato contínuo, até porque o Francisco sabe quando eu estou de brincadeira e deboche e 
quando eu estou falando sério, ele se levantou, foi até a porta e anunciou: — Ninguém sai do 
escritório. (Grita geral. Inconformismo. Mil justificativas. Alguns até explicavam, quase implorando, 
que não podiam ficar e que tinham compromissos, reuniões fora, etc. . .)
— Não quero saber. Ninguém sai do escritório — e virando-se para o Edson, pediu: —
Edson, peça ao Bá para trazer água e café.
— A minha eu quero com gás — completei, sem me virar da cadeira e sem voltar-me para 
o salão, (riso contido) pois eu já sabia da reação do pessoal.
De fato, trinta e poucos homens, de terno e pasta, espremidos num salão de uns 40m2, era 
barulhento, desconfortável e irritante. Até porque não tinham acomodações para que metade 
pudesse sentar-se. E, logo vieram as retaliações e ameaças (mas tudo de brincadeira), uns 
fingindo me bater, outros desejando que eu fosse pro inferno, e alguns até justificando que se 
tivessem que comer "pizza" no escritório (algo muito comum nestes casos), iam cuspir nos meus 
pedaços. E chegavam a disputar: — Deixa que eu levo o pedaço do Machado para ele comer.
Ao longe, meus olhos captavam, por entre várias cabeças e duas nesgas de porta, o 
sorriso do Luiz Carlos, como que a dizer: — Você não tem remédio. Tudo tem que ser da forma 
que você quer.
Logo chegou o Bá ou como ele gostava de se anunciar. (Falando bem rápido, igual a uma 
metralhadora) "Edmilson Evangelista Calixto de Mesquita Bá." Cada hora, o nome dele mudava, 
aumentando ou diminuindo, mas em geral começava com Edmilson, e terminava com Bá. (No duro, 
o Bá não existe no nome dele, mas o incorporou por auto-recreação. A origem da expressão Bá é
oriunda do chamamento: O do Bar — O Bar, veja um cafezinho aí. E, como ninguém chamava ele 
pelo nome, virou "Bar" ou simplesmente Bá.)
Eu o chamava de "lôrram", e ele ficava intrigado. Eu dizia que era em homenagem a um 
parente seu: Johann Sebastian Bach (estou certo que nunca entendeu).
De fato, a reunião havia sido bastante longa, e eu pude relatar, para o Francisco, cada 
detalhe do ocorrido, e consegui expor, minuciosamente, como eu achava que deveria ser 
deflagrada a operação. E, felizmente, como o Francisco é bastante acessível, desde que você
explique com clareza e sem rodeios, direto ao ponto, eu pude vender o meu peixe. Eu queria uma 
equipe de apoio e seleção de informações no escritório. Uma equipe razoável na Fundação/Rio e 
uma equipe pequena em São Paulo, com ampla liberdade para transitar, dissimular e confundir os 
auditados, para que não soubessem como a coisa estava sendo coordenada, quem coordenava, e, 
principalmente onde começava e onde terminava a auditoria.
Ele topou integralmente. E, já estávamos prestes a dar inicio às primeiras providências 
(quem comporia as equipes, providenciar passagens e hospedagens, etc), quando tocou o telefone. 
Era o Jair Lento dizendo que sabia da minha volta a São Paulo, e que seria melhor ele 
acompanhar-me nesta viagem, de maneira a poder me dar uma assistência mais eficiente. O 
próprio Magaldi (Secretário Geral da Fundação) achava que ele —Jair Lento — deveria colaborar, 
de perto, com a auditoria.
— Você segura essa? — Perguntou-me o Francisco, sem desligar o telefone. Eu ri, 
imaginando a possível conversa havida entre o Magaldi e o Jair Lento.
— Tudo bem. Pode confirmar. Eu vou tocar um rebu tão grande longe de onde ele está, 
que vai querer ficar longe de mim.
— Mas ele vai grudar no seu pé, Machado. — Disse o Francisco, contrariado.
— Vai nada. Quando chegarmos em São Paulo, eu solto os "cachorrinhos" aqui no Rio, e 
faço eles chegarem bem perto do problema, para provocar a volta dele imediata. É só mandar o 
Kebian, por exemplo, tocar de leve no que a gente já sabe que é problema, e dar uma prensa no 
contador, que vive escondendo tudo; e em 24 horas, o Jair volta à jato.
O Francisco, então, combinou com o Jair a nossa viagem a São Paulo.
Como num jogo roubado ou numa cena com script decorado, a coisa se desenrolou 
exatamente como o previsto. O Jair ficou só dois dias em São Paulo e voltou correndo e apavorado 
para o Rio deixando-me solto para fazer o serviço, com liberdade, da forma como eu queria fazer.
Daí por diante, tudo se desenrolou encenadinho. A equipe do Rio fingia ignorância e 
evitava chegar perto dos problemas, para me dar tempo de levantar, por São Paulo, tudo com 
alguma profundidade, e assim, somente após sabermos do escopo gerai e da amplitude total do 
serviço, iríamos entrar nos detalhes. Mas, aí, de forma irreversível, pois já saberíamos de tudo, 
restando tão somente comprovar de forma documental e irrefutável.
O Calazans, a esta altura, inundava-me de informações e de certa forma, contagiava-me 
com o seu ideário. Mostrava-me estatísticas, níveis de aproveitamento, artigos elogiosos à
Fundação, premiações ao Dr. Roberto em nome da Fundação, medalhas e troféus (inclusive os 
dados pelo "Chacrinha", que, de certa forma, para mim denegria, estragava, e desacreditava tudo o 
que havia sido dito antes. Mas, enfim . . .).
Para efeito do que eu queria, não importava que as estatísticas fossem falsas, conforme 
afirmava o Diretor Cultural José Car
los Barbosa, ferrenho adversário do Calazans, e que não escondia sua opinião sobre o telecurso 
ser o curso maiscaro do mundo, pela relação verba/aproveitamento de aluno. Achava, ainda, José
Carlos Barbosa que o telecurso era uma grande empulhação estelionatária e que um dia todos os 
diretores acabariam presos como coniventes com o Calazans. Entretanto, a mim, não importava 
que os níveis de aproveitamento fossem falsos e que os artigos elogiosos à Fundação fossem 
escritos sob encomenda (o Calazans já havia sido jornalista, e manejava bem a manipulação da 
notícia. Sabia "plantar" uma noticia, um boato, ou mesmo trabalhar um jornalista para, assim como 
quem não quer nada, escrever rasgados elogios sobre coisas que não conhecia bem, e depois ele 
mesmo mandava cópia do artigo para o Dr. Roberto). Nada disso importava. Tudo isto ficaria 
registrado para uma análise futura, mais profunda e impiedosa. No momento, eu estava 
interessado nos meus aspectos macro e nada me afastaria deste objetivo. Mais tarde eu voltaria 
para outro tipo de enfoque.
Trabalhando mais diretamente o lado pessoal de cada um, fui abrindo e explorando 
Calazans (Educação) e Matsumi (Televisão).
Matsumi encurtou demais, e não fez um só rodeio. Foi franco e aberto. Pude ir fundo, cada 
vez mais, e em momento algum ele reagiu. Em pouquíssimo tempo estava tudo claro: Não havia 
estrutura normativa, não havia controle administrativo, nem financeiro, e nem orçamentário. 0 meu 
relatório poderia ser feito em uma só folha (igual ao do Nilo) só com uma pequena diferença, 
bastaria uma só frase para relatar tudo: Estava tudo errado.
A posição e clareza do Matsumi ajudaram muito. Era simples e transparente — Sou diretor 
de Televisão, e entendo disto. A zona que você está vendo aí e da qual não entendo e faço 
questão de não entender é de responsabilidade do Diretor Administrativo e Financeiro. Afinal, a 
Fundação tem um e que ganha muito bem. Vá cobrar dele.
Juntando o que eu pude ver e ouvir nos Departamentos de Educação e Televisão, poderia 
sair um relatório preliminar simples, dizendo quase tudo, pois não havia organograma, nem 
definição hierárquica, nem atribuição de função, nem delegação de autoridade (para atribuir e 
imputar responsabilidades), nem formalização de procedimentos (ordens verbais eram regra geral 
e aceitas tranqüilamente). Ninguém queria assinar nada, e nem se comprometer com documentos. 
Não havia Normalização (normas, rotinas, procedimentos, formulários, contratos, etc), e nem 
Sistema de Informações gerenciais (relatórios, demonstrativos, balancetes, orçamentos, 
prestações de contas, etc). Era difícil de acreditar, mas era verdade. Uma empresa como a 
Fundação Roberto Marinho não possuía nada, e quando possuia era errado. A bem da verdade 
havia uma única coisa feita: O relatório do MEC e Deus sabe como.
Os exemplos de desorientação eram grotescos. Uma Editora, no relatório do MEC, era 
contratada como secretária. A secretária era contratada como Assistente. E como elas não podem 
aparecer como empregadas, para efeitos fiscais na escrituração interna (só existiam fisicamente) 
recebiam por uma nota de compra de um produto qualquer como material de cenário, ou até
mesmo por uma nota de prestação de serviços (comprada ao custo de 10% a 12%).
Eu me arrepiava só de pensar o que aconteceria se nós fossemos um país evoluído e 
civilizado, com Sindicatos fortes. E se o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de 
Diversões agisse contra a Fundação? Mas infelizmente, o artista é um pedin-te, pobre miserável, 
obrigado a engolir a dignidade em troca da sobrevivência. . .
Quanto ás notas fiscais compradas não havia novidade. Estávamos no Brasil e dentro da 
Globo. E, por estarmos no Brasil, ainda havia o exótico da questão, pois havia uma divisão: Notas 
fiscais "frias de boa-fé", e Notas fiscais "frias de má-fé". Explique-se: Se, por exemplo, se quisesse 
pagar a uma pessoa física (a-tor, por exemplo) e não se quisesse envolvimento (leia-se pagamento) 
de I. Renda, INPS, ISS, etc, comprava-se uma Nota fiscal (pagando de 10% a 12%). Ou seja: 
Dava-se o dinheiro ao ator e a per-centagem ao vendedor da Nota. Esta era a Nota fria de "boa-fé". 
Já a nota fria de "má-fé" era aquela que não se pagava nada a ninguém, a não ser a percentagem 
do vendedor da nota, e o dinheiro ficava para o Gerente ou o Diretor que fazia o negócio.
A grande surpresa é que isto não era exceção e sim a regra. 0 que rolava na Fundação era 
nota de PJ. (Pessoa Jurídica. E, Graças a Deus nota não fala. E depois de um tempo, até que 
pareciam honestas.
Perguntado ao Matsumi sobre como ele distinguia uma nota de outra, ele respondeu: — Eu 
não distingo. Se a produção quiser roubar, rouba. Se os diretores quiserem roubar, roubam. Não 
há controle algum. E, todos, inclusive eu, são suspeitos e passíveis de desvios de toda sorte. E, 
uma vez que não há controle, tudo é possível.
— A que se deve este estágio alarmante de descontrole? — Perguntei ao Matsumi.
— A própria Globo, que institucionalizou a sacanagem. Veja bem, vem de lá a criação de 
pagar uma pessoa física como PJ (Pessoa Jurídica). Isto ocorreu, inicialmente, por uma questão 
de mercado, depois virou zona. É o seguinte: Por uma questão de concorrência, a Globo consegue 
pagar mais aos seus artistas e diretores porque não os paga como pessoas físicas (que têm altos 
impostos na fonte, e cujo valor líquido é baixo e raríssimas deduções são permitidas na declaração 
final de renda). Ao contrário, pagando a estas pessoas (artistas e diretores) como pessoas 
Jurídicas (PJ), o valor bruto é alto e você só paga impostos se for burro pois a retenção na fonte 
não existe ou é insignificante, e você deduz tudo (qualquer despesa) como custo (até papel 
higiênico).
— Mas isto é uma puta sacanagem. Não que isto seja novidade. Até entendo que a Globo 
o faça, por estar politicamente impune. É compreensível. Mas, a Fundação é a vidraça do Dr. 
Roberto. . . É o passaporte dele pro céu. — Disse eu.
— Machado. Aqui é igual à Globo. Quando você atinge uma faixa salarial alta ou um cargo 
elevado você deixa de ser pessoa física, para não pagar imposto e passa ser uma pessoa Jurídica. 
E aí começa a zona. Afinal, você não está na Suíça. Existe alguém neste país que ganhe muito e 
pague imposto? Quem paga imposto no Brasil não é a classe média? Então? Aqui é igual. É
Fundação. É Globo. É Brasil. Pode ver que todos os diretores, todos sem exceção, recebem por PJ 
(Pessoa Jurídica), inclusive eu, Jorge Matsumi.
A frieza e firmeza do Matsumi às vezes me assustava. Era tão franco que parecia cínico. 
Era frio diante do inevitável e absolutamente calmo e consciente em relação ao seu papel social. O 
"Japonês" (apelido do Matsumi) partia de uma lógica racional bem simples: "Sou só eu?" E, me 
desconcertava com sua retinilidade lógica: Ele tinha consciência de que não roubara nada. Não era 
responsável pela desorganização. O que havia de errado na Fundação era cópia da Globo. E a 
Globo era o Brasil.
Cabeça cheia. Eu tinha que me preparar para abrir o Calazans. Mas antes, tinha que 
selecionar a massa de informações que estava recebendo, e fazer um grande mergulho interior 
para buscar forças dentro de mim. Embora não fosse artista, e tivesse horror de pensar nesta 
possibilidade, valia-me de um recurso artístico: o laboratório.
Nestas horas a "pilha" ia gastando (eu trabalhava 12 ou 14 horas, em média, por dia) e 
costumava ir tornando-me diferente, calado, introspectivo. Era preciso me policiar. Eu tinha que 
estar alegre, feliz, despreocupado, para poder assimilar tudo sem sentir. Estar apto a ouvir o maior 
absurdo e não mover um músculo nem demonstrar o golpe. E, para isso tinha que me por em 
equilíbrio.
As providências eram simples: Primeiro trocar de hotel. (Por causa do Jair eu acabei me 
hospedando num hotel tipo Shopping Center.) Eu detestava hotéis impessoais tipo Shopping 
Center e como eu vivi minha vida como auditor hospedando-me em hotel, eu era muito intolerante 
com as másqualidades de um serviço.
Queria um hotel fora do tumulto. Por isso escolhi o Eldorado — Higienópolis, pois o local é
arborizado, silencioso, relaxante, e eu poderia ir andando até a Fundação (pela manhã), colocando 
todos os meus pensamentos em ordem. (Era parte da higiene mental e tranqüilidade que eu 
precisava.)
Segundo, eu precisava parar de almoçar e jantar comidas exóticas com o Calazans e o 
Matsumi pois meu estômago estava acabando com o meu humor. (E tinha que preparar o meu 
fígado.)
Terceiro, eu precisava rir, ouvir bobagens e tirar o peso da carga de auditor. E, para isto, 
bastava sair à noite com a equipe e vagabundear sem nenhuma responsabilidade.
Fiz um grande laboratório e um bom preparo a nível de estabilidade emocional.
Parcialmente recuperado, comecei a preparar-me para o Calazans.
Eu sentia que ele queria falar, e eu tinha que fazê-lo falar. Sabia que era alcoólatra, mas 
não queria convidá-lo abertamente para beber. Tinha que fazê-lo me convidar, de preferência à
noite, quando não teria maiores preocupações com o tempo.
Como todo bom nordestino, gostava de prosa, e politizado como ele é, não foi difícil esticar 
o papo do escritório para o bar. Fomos a dois bares diferentes em duas noites diferentes. Numa 
estávamos eu, Claudinho e Calazans (na Taberna anexa ao Hotel Eldorado). Na outra, estávamos 
só eu e o Calazans (no David, na Oscar Freire).
O papo era genérico. Falávamos de tudo. Principalmente de política. Falávamos da 
ditadura, do sistema, das injustiças sociais, da falência e descrédito nas instituições. Eu curtia, de 
certa forma, uma admiração pelo Calazans. Não pelos seus métodos sujos. Não pelos seus 
propósitos. Mas pela sua inteligência, e pelo seu bom gosto, (dentre outras coisas gostava de 
Goethe, Nietsche, Hermann Hesse, Monteiro Lobato, Voltaire e Aldous Huxley).
Em meio a uma grande salada cultural, e com o Calazans no ponto, parti para a 
provocação e para a abertura. Já sabendo, de antemão, que, por perfil o Calazans dirigiria suas 
baterias contra Magaldi e cia., até porque Magaldi ocupava o cargo que ele almejava (Secretário 
Geral), e, na retaliação valia tudo.
Comecei pelo óbvio: Jair Lento.
Por Jair Lento ser militar (major) já era motivo mais do que suficiente para Calazans 
desancá-lo sem piedade.
Atirei a "queima-roupa" — É verdade que você é sócio dos erros do Jair?
— Doutor (vício nordestino que Calazans não perdia), é duro eu ir a Brasília, disputar 
palmo a palmo, ombro a ombro as verbas. Arrancando, muitas vezes, estas verbas do esgoto. 
Tirando de verbas que deveriam ajudar o povo do nordeste, para chegar aqui em São Paulo e 
sofrer o boicote vindo de ponte-aérea do Rio de Janeiro.
— "Mas, Calazans, alguém tem que controlar estas verbas. Você não acha que o Jair faz o 
que deveria ser feito?
— De forma alguma. Ele quer é tomar verba da Educação e Televisão para sobrar mais 
pro sustento daqueles parasitas do Rio de Janeiro. No duro, eles querem é que eu morra, para 
sobrar mais verba para eles no chá com biscoito e queijinho.
— Você não acha que é muita verba para chá com biscoito?
— Ironizei.
— Não. A verba acaba financiando tudo: chá, biscoito, os projetos falidos deles, e a 
sacanagem da Casa do Bispo (Sede da Fundação).
— É muito forte você atribuir tudo só ao Jair Lento. Não tem um exagero aí? — Provoquei.
— Não. Aquilo lá é uma máfia. É tudo igual. Tanto faz: Jair, José Carlos, Magaldi. É tudo 
igual. São todos juntos contra mim. Mas não adianta, doutor. 0 mundo se acaba e o nordeste não 
se rende. Eu sou um sobrevivente.
— Máfia? Você falou em máfia por força de expressão ou você enlouqueceu de vez? Você
está com raiva dos caras e vem dizer que eles são mafiosos. . . peraí Calazans. . . Isso aí é muito 
forte.
— Fiz-me de desentendido, embora soubesse o que ele queria dizer. Eu já ouvira o boato, 
antes.
— Olha, eu vou contar uma história para você entender, já que você pensa que eu estou 
maluco. Sabe porque o cargo do Magaldi é Secretário Geral? É porque ele é comunista, e como 
comunista ele idealizou uma Fundação capitalista com o cargo máximo do Soviet Supremo. Já
que ele não pode ser nada no Partido e ele não se assume como comunista, até porque o regime 
não deixa, ele vem brincar de ''Secretário Geral" aqui na Fundação.
— E daí... que que isto tem de mais? Você vai querer me convencer que ele come 
criancinha na hora do almoço?
— Nada disso. 0 Magaldi é comunista e italiano. E como italiano é mafioso.
— Socorro... Policia... Enlouqueceu Calazans?
— Não. Vou te contar a história:
Fui chamado ao Rio de Janeiro para uma reunião de diretoria. Eu não gosto de ir, mas fui. Mesmo 
sabendo que eu ia encontrar o parasita do Galliano — que ninguém sabe o que ele faz na 
Fundação — puxa-saco oficial do Magaldi. Mesmo sabendo que eu ia encontrar o milico do Jair 
Lento e o mau caráter do José Carlos Barbosa. De todos os diretores o único que presta é o 
Nelson (Mello e Souza).
— E daí, Calazans?
— Daí que eu cheguei e perguntei pela pauta da reunião. Não tinha pauta. Era uma 
reunião de acerto. Fui chamado para a reunião para fazer um pacto mafioso. Nós todos 
deveríamos jurar fidelidade ao Magaldi, e ele seria o "Capo", protegendo a nós de tudo que fosse 
alienígena ou atentasse à sobrevivência do Grupo. Era uma troca. Nós faríamos um Cinturão de 
Fidelidade em torno do Magaldi e estaríamos protegidos "ad eternum" contra qualquer um que 
ameaçasse um dos nossos cargos. Tomei um susto, gritei e ameacei sair, e Magaldi me chamou 
num canto e me pediu desculpas. Disse que ele não sabia de nada daquilo. Não concordava com 
aquela proposta absurda, e que estava envergonhado pelo que os amigos dele tinham tido a 
coragem de fazer.
— A posição do Magaldi foi correta, ou não? Indaguei.
— Correta nada, doutor. Eu não nasci ontem... Eles quiseram me iniciar, e como a coisa 
"melou", o Magaldi arranjou esta saída. Ele é mafioso sim. E, pior: é perigoso.
— Você está delirando, Calazans?
— Delirando porra nenhuma. Você quer ver como eles são mafiosos? Faz parte do pacto 
deles o uso da Fundação para benefício próprio e para especulação. Sabe o que eles estão 
fazendo? Estão usando chamadas de Televisão para especulação imobiliária.
— Como assim, Calazans? — Perguntei curioso.
— Eles compram terra em Parati, Angra dos Reis e Porto Seguro, depois lançam 
campanhas institucionais para "preservar" o patrimônio histórico daqueles lugares. Daí, um tempo 
depois, eles vendem tudo com um lucro fabuloso.
— E você tem prova disto? — Perguntei.
— O que você chama de prova? Eu estou te contando o que aconteceu. Você se quiser, 
deve ir nos cartórios destes locais e verificar. Mas, lembre-se, eles podem estar fazendo a 
operação em nome de terceiros, amigos, etc.
— E como você descobriu isto? — Perguntei.
— Tudo aconteceu por acidente. Numa conversa com o Humberto Pereira (Diretor 
responsável pelo "Globo Rural"). O Humberto me falou que nestas andanças, Brasil afora, uma das 
equipes do "Globo Rural" ao chegar em Porto Seguro, elogiou a beleza das praias nativas, quase 
virgens. E ouviu, de moradores locais, que aquelas praias eram particulares. Foram compradas por 
diretores da Globo e da Fundação Roberto Marinho. Daí, Humberto veio me gozar, achando que 
eu e o Magaldi havíamos comprado aquelas praias.
— E você não comprou nem uma praiazinha? — Perguntei de deboche.
Calazans finge que não escuta e continua...
— Com cuidado e paciência eu acabei descobrindo que a patota do Magaldi havia 
comprado aquelas praias. E logo percebi a relação entre os lugares e as campanhas institucionais 
veiculadas pela Fundação, na Globo. Daí, para descobrir tudo foi um pulo. Afinal, eu não nasci 
ontem, né doutor. Confirme com o Matsumi, pois uma equipe dele que estava no nordeste soube 
da mesma coisa. Completou Calazans.
— Mas isso aí, Calazans é muito difícil de provar. E, ainda que

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