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IDEOLOGÍA, CULTURA Y PODER NÉSTOR GARCÍA CANCLINI (Argentino, nascido em 1939, Doutor em Filosofia) SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO EXISTE UMA TEORIA MARXISTA DA CULTURA? 1. Não há uma teoria de Marx sobre a cultura: - Porque nunca desenvolveu uma teoria sobre a cultura. - Porque não fez com a cultura o mesmo que fez com a economia e com a política. 2. A possível teoria marxista da cultura requer: a) avaliar as contribuições da concepção marxista sobre a ideologia e os problemas que deixou aberto. b) analisar as contribuições de autores marxistas para a teoria da cultura. 3. Para saber se é possível haver uma teoria marxista da ideologia precisamos realizar uma crítica histórico-social e sistemática do conceito de ideologia para estabelecer as causas sociais e epistemológicas da sua aparição, bem como, o lugar e o significado que foi adquirindo em relação com outros aspectos. A preocupação em estudar a ideologia, diferenciando-a do conhecimento científico, ocorre quando a sociedade capitalista se torna mais complexa, durante a revolução industrial. Com o surgimento de novas contradições entre forças sociais, a burguesia necessitava um conhecimento científico da sociedade. 4. A noção de ideologia é anterior a Marx, mas foi ele quem localizou-a em uma teoria científica da sociedade. Não existe na história do marxismo um acordo sobre com quais conceitos a ideologia deve ser vinculada sistematicamente: uma linha a associou com: alienação, fetichismo, consciência, luta de classe e outra linha tomou a direção dos modos de produção, relações sociais de produção e formação social. 5. Os quatro pontos-chave na crise do paradigma marxista: A grande maioria dos trabalhos se referem à ideologia da classe dominante. Os processos ideológicos das classes populares raramente fomentaram a reflexão teórica geral sobre a ideologia. As metáforas que Marx utilizou para falar sobre ideologia, com discrição elitista, foram utilizadas de forma pródiga e com intenção de se tornar conceito científico. A ideologia foi estudada unilateralmente como um sistema de representações conceituais e repertório de imagens, em detrimento da organização material e da configuração formal dos processos ideológicos. Ênfase unilateral na problemática epistemológica da ideologia. A ideologia é vista em seus aspectos negativos, como quem encobre e distorce as relações sociais. 6. A reformulação interna da teoria marxista sobre ideologia: Os fenômenos ideológicos derivam dos estudos das classes e de outros modos de diferenciação social, como etnia e profissão. As ideologias são construídas na produção e, também, no consumo. A ideologia deve ser entendida não como um corpo particular de proposições ou uma classe de discursos, mas como um nível de significação presente em qualquer tipo de discurso. A ideologia, como cultura, é vista hoje como um componente indispensável para a reprodução material e simbólica das sociedades, para construir o consenso e a coesão social. “Reconhecemos que a teoria da cultura coincide em parte com a teoria da ideologia (e, portanto, os conceitos que ambas tratam) e que a primeira, desenvolvida principalmente fora do marxismo, necessita da segunda para poder vincular os processos culturais com suas condições sociais de produção. Entretanto, nem tudo é ideologia nos fenômenos culturais, se entendemos que a ideologia se caracteriza, segundo a maioria dos autores marxistas, para deformar o real em função dos interesses da classe”. A cultura representa a sociedade, reelabora as estruturas sociais e imagina novas. REPRODUÇÃO SOCIAL E SUBORDINAÇÃO DOS SUJEITOS Para se desenvolver uma investigação sobre ideologia e cultura devemos levar em conta: • Como as determinações econômicas se efetuam no campo simbólico; • A relação entre indivíduo e sociedade. Bourdieu estuda como se organiza a diferenciação simbólica entre as classes . Para isso, estuda a maneira na qual diferentes setores sociais se vinculam com teatro, artes plásticas e música. Como organizam suas distinções de classe através das formas de vestir, dos bairros em que moram, os lugares que visitam nas férias, o que comem. Tudo isso é importante para se compreender como nesses espaços, materiais e simbólicos, se organiza a diferenciação, a distinção entre as classes. A obra de Bourdieu é uma sociologia da cultura, mas seus problemas centrais não são culturais. São: * Aqueles que fazem entender a estrutura de uma cultura e de uma sociedade; * Aqueles que permitem entender como se reproduz uma sociedade e como se organizam as diferenças entre as classes. Uma das perguntas que dirigem o trabalho de Bourdieu é: como, através das estruturas simbólicas, estruturas ideológico-culturais, as classes hegemônicas constroem a legitimidade do seu poder? E além de construir sua legitimidade, eufemizam seu poder, escondendo-o, diferindo, movendo a um lugar simbólico a exploração ou a opressão econômica. Para a operacionalização da investigação da unidade do econômico e do simbólico foram desenvolvidos: • Uma teoria dos campos culturais, ou campos simbólicos; • Uma teoria que ele chama de habitus,que é uma tentativa de responder como se interiorizam as estruturas sociais nos sujeitos; • Uma teoria do poder simbólico. 1. Teoria dos campos A teoria da sociedade de Bourdieu estuda a estrutura e superestrutura, econômico e simbólico, conjuntamente. Para Bourdieu entre o círculo grande (sistema social) e as obras particulares (obra científica, artística, literária) é necessário fazer um círculo intermediário que cerque essas obras: o campo artístico, literário, científico. Este campo possui leis próprias, participa da totalidade da estrutura social e algumas vezes é regido por um funcionamento específico. A autonomia de cada campo irá depender da criação de espaços específicos de seleção e consagração da arte, ciência e literatura. O que constitui um campo: • A existência de um capital simbólico comum; • A luta pela apropriação desse capital. Cada campo acumula durante a sua história um capital de conhecimentos, habilidades e crenças. Um campo existe quando alguém tenta compreender, não simplesmente uma obra, mas, a história do campo no qual ela está inserida. A localização de cada campo na totalidade da estrutura social irá nos remeter às classes. As classes sociais se diferenciam: pela participação na produção e pela sua diferenciação no consumo. 2. Teoria do habitus Se há uma homologia entre a ordem social e as práticas dos sujeitos, ela não é influência da publicidade ou das mensagens políticas, mas, sim, pelas ações ideológicas, determinações sociais que estão inseridas na consciência, em sistemas de hábitos, construídos geralmente desde a infância. A ação ideológica mais decisiva para a construção do poder simbólico está nas relações de sentido que se organizam em habitus. O habitus é um sistema de disposições duráveis e transponíveis a novas situações, estruturas estruturadas, predispostas a funcionar como estruturas estruturantes. A potencialidade transformadora das distintas classes sociais está condicionada pelos limites que a coloca na lógica do habitus de classe, pelo modo como se inserem na produção e no consumo. COMO SE FORMAM AS CULTURAS POPULARES: A DESIGUALDADE NA PRODUÇÃO E NO CONSUMO Pensamos a cultura não como um conjunto de idéias, de imagens, de representação da produção social, mas como um processo de produção. Existem duas linhas de definição dentro da antropologia: • Culturacomo tudo o que é feito pelo homem; • Diferença entre cultura e sociedade. Falar de cultura é falar de fenômenos que contribuem, através da representação simbólica das estruturas materiais, a compreender, reproduzir ou transformar o sistema social. A cultura se faz por todas as práticas e instituições da administração, renovação e reestruturação do sentido de uma sociedade. As culturas populares se configuram por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou de um grupo social por parte de seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação das condições gerais e próprias de trabalho e vida. Como entender por que existem culturas populares? 1. reconhecendo que são resultados de uma apropriação desigual dos bens econômicos e simbólicos existentes em uma sociedade. 2. elas derivam de uma elaboração própria das suas condições de vida e de uma interação de conflito com os setores hegemônicos. Três elementos para distinguir a cultura popular: a) apropriação desigual de um capital cultural possuído por uma sociedade; b) elaboração própria das suas condições de vida; c) enfrentamento com os setores hegemônicos. A cultura deve ser definida na relação com as culturas hegemônicas. É preciso definir os setores populares dentro do sistema de classes, dentro do sistema de diferenciações sociais, étnicas, de grupos. A popularidade de qualquer fenômeno será definida por seu uso e não por sua origem, como feito e não como essência, como posição relacional e não como substância. A reprodução e diferenciação social ocorre nas relações de produção e de consumo. Quais são as três condições de produção que devem ser reproduzidas? 1. a força de trabalho através do salário; 2. a qualificação da força de trabalho através da educação; 3. a adaptação do trabalhador à ordem social através de uma política cultural. Reprodução social é a reprodução de uma ordem material-simbólica e do conjunto de bens material-simbólicos que constituem a estrutura social. Diferenciação social é a condição e o resultado da diferente participação nessa produção material-simbólica da sociedade. Como analisar o consumo: 1. o consumo é um lugar de reprodução da força de trabalho e de expansão do capital. Não são as necessidades individuais nem coletivas que determinam a produção de bens e sua distribuição. Necessidade e consumo dos trabalhadores são organizados segundo a estratégia mercantil da classe hegemônica e a necessidade de expansão do mercado. 2. consumo como lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre as classes. 3. consumo como sistema de integração e comunicação. O consumo define ou reconfirma significados e valores comuns, cria e mantém uma identidade coletiva. A hegemonia se constrói pela relação dialética entre homogeneidade e diferenciação social. Como uma classe dominante pode ser hegemônica e legítima? 1. A circulação, produção e consumo devem ser aceitados pelas outras classes como um campo de luta. 2. A lógica dessa luta deve ser a apropriação diferencial do que o campo produz como capital material e simbólico. 3. Que nesta luta, as classes partam com um capital familiar e escolar que os coloquem em desvantagem. 4. Para construir a hegemonia esta desvantagem deve ser oculta. CULTURA E PODER O estudo da cultura das classes populares e sua relação com o poder se dá através do ‘dedutivismo’ e do ‘indutivismo’. - Dedutivismo define cultura popular do geral ao particular pelos modos de produção, pelo imperialismo, pela classe dominante. - Indutivismo percebe o estudo do popular a partir de certas propriedades intrínsecas das classes subalternas, de seu gênio, de uma criatividade que os outros setores haviam perdido ou um poder de desafiar que seria a base da sua resistência. Dedutivismo Para os dedutivistas os dominadores são um bloco e os dominados outro. As investigações cobrem os atos mais evidentes de sujeição, sem considerar como os dominadores se ocupam de algumas necessidades dos dominados nem as respostas legitimadoras de alguns setores populares. Dedutivistas são as teorias macrossociais que inferem o sentido do que ocorre nos setores subalternos, esquecendo que esses movimentos se constroem desde as interações básicas que os grupos têm na vida cotidiana. Indutivismo A difusão dos procedimentos indutivos nos estudos sobre o popular se deve na Amércia Latina: ao culturalismo antropológico norte- americano e às doutrinas populistas. As culturas latino-americanas são o resultado conflitivo das relações entre grupos muito diversos, com histórias comuns ou convergentes que já não podem existir separadas. O folclore não só limita o popular às manifestações campesinas e indígenas, reduz as investigações à correlação de objetos e a descrição dos seus valores formais. Pensar a cultura popular como sinônimo de tradição é reafirmar a idéia de que os anos de ouro estão no passado. O que há de comum no folclore e no populismo? - Escolhem objetos empíricos particulares ou concretos; - Absolutizam suas características imediatas e aparentes; - Inferem o lugar social e o destino histórico das classes. O dedutivismo e o indutivismo se negam a pensar a discrepância entre as leis macrossociais e as condições concretas das classes populares. Excluem os fracassos políticos, porque a hegemonia falha para reproduzir a cotidianeidade de alguns setores, por que tantos projetos populares de transformação não conseguem alterar a estrutura social.
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