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Revista Overmundo 5

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no. 05
jan-fev 2012 
overmundo.com.br
—
#cultura digital
#ciberativismo
#crowdfunding
#e-lit
#fanzines
#cellvídeo
#vlog
#brega
A pauta é tão óbvia que não nos pare-
ceu imediata. O Overmundo, afinal, é fruto da cultura 
digital. Na efervescência do período em que pipocaram 
aqui e acolá os sites da chamada web 2.0, as redes sociais, 
os georreferenciadores, as plataformas de crowdsour-
cing e crowdfunding, lá estávamos nós. Retomar esse 
tema e narrar um pouco do panorama em que surgiram 
diversas iniciativas e movimentos voltados ao digital e 
às artes eletrônicas é, portanto, um pouco retomar as 
origens. Você faz parte da cultura digital…
VOCÊ, aliás, foi a personalidade do ano, no ano 
em que o Overmundo nasceu. De 2006 para cá, o estilo 
do-it-yourself, a ética/filosofia hacker e o ciberativismo 
só têm feito se expandir, ou melhor, se infiltrar pelo 
mundo. As páginas seguintes comentam um pouqui-
nho desta história, trazendo à luz o contexto brasileiro 
de alguns movimentos políticos alternativos e apresen-
tando casos de apropriação de ferramentais digitais para 
a mobilização em prol de causas. A cultura digital é tão 
pervasiva que mesmo um gênero de mídia tipicamente 
independente e alternativo, como o fanzine, encontrou 
sua vertente eletrônica. Como sabe todo zineiro, são mui-
tos recortes possíveis…
Há, é claro, toda a discussão em torno da pirata-
ria e do download e compartilhamento de bens cultu-
rais. Se é preciso repisar este tema, façamos em grande 
estilo, evocando o mesmo experimentalismo dos zinei-
ros, com uma curiosa entrevista em quadrinhos com 
três dos mais influentes blogueiros de música do país. 
Na música também estão imersas as artistas Mary Fê e 
Leandra Lambert, que experimentam com artes plásti-
cas, performances, e sonoridades eletrônicas, tudo junto 
e misturado.
Como nem só de música se faz a cultura digital, 
guardamos espaço também para a literatura eletrônica. 
Esta edição da revista proporciona um passeio sabo-
roso pela e-lit (sem trocadilhos) brasileira. E nos leva 
a conhecer cineastas amadores, que mesclam a experi-
ência do teatro satírico com produções filmadas a par-
tir de celular, no Piauí.
Cultura digital não é coisa só de jovem! Você 
conhece o Vlog do Fernando? É um videolog para velhos. 
Com o humor ácido do grupo Parafernalha, a brincadeira 
pegou no YouTube e Fernando, o velhinho com incon-
tinência urinária e boca-suja, é assunto comentado em 
todas as mídias sociais. Sucesso da internet, como é tam-
bém o repertório do Bin Laden do Brega. O terrorista do 
amor batalha para conseguir um lugar ao sol.
Do sertão de Palestina (AL) ao deserto do real, 
a cultura digital está em nós. E você? O que achou de 
tudo isso? Queremos (saber) a sua impressão (digital)?
Os Editores
editorial
—
Realização
Instituto Overmundo
—
Conselho Diretor
Hermano Vianna
Ronaldo Lemos
José Marcelo Zacchi 
—
Direção Executiva 
Oona Castro 
—
Coordenação Editorial 
Viktor Chagas 
—
Coordenação de Tecnologia 
Felipe Vaz 
—
Coordenação de Economia 
da Cultura 
Olívia Bandeira 
—
Editora-Chefe 
Cristiane Costa 
—
Editores Assistentes 
Viktor Chagas 
Inês Nin 
—
Edição de arte
Bemvindo Estúdio
—
Projeto gráfico original 
para versão estática
Retina 78
—
Projeto e desenvolvimento 
de aplicativo para iPad
Metaesquema Projetos 
em Arte e Tecnologia
Sistemas
Cabot Technology 
Solutions Pvt. Ltd.
—
Colaboraram para esta edição 
Andre Stangl
Caio Tendolini
João Victor de Mello
Luiza Miguez
Marcelo Cabral
Pirata Z (Marcelo Carota)
Sandro Menezes
Teka Karpstein
Tiago Rubini
Vanessa Mendonça
e muitos outros
—
Capa
Maíra das Neves
—
Imagens 
Maíra das Neves
Alexandre Mandarino
Bin Laden do Brega
Claudio Monjobe
Coletivo Diagonal
Eduardo Kac
Esputinique
Fabio Spavieri
Felipe O’Neill (Oi Futuro 
Ipanema)
Franklin Pires
Guto Lins
Loulou Gutemberg
Marcel Maia (@Flickr)
Marcelino Freire
Marcelo Cabral
Márcia Beloti
Manufatura
Mundano
Parafernalha
Prefeitura Municipal de Bauru
Punk Magazine
Rafael Adorján
Raquel Tavares
Rodrigo Burdman
Roque Romero (@Flickr)
Sandro Menezes
TFT
Tuiuiú Comunicação
Vanessa Mendonça
Zinescópio
e outros
—
A Revista Digital Overmundo é 
resultado do Prêmio SESC Rio de 
Fomento à Cultura na categoria 
Novas Mídias 2010 e derivada do 
site Overmundo, patrocinado desde 
seu lançamento pela Petrobras.
O conteúdo desta revista eletrônica 
integra o site Overmundo e está 
disponível sob uma licença Creative 
Commons Atribuição-Uso não-
comercial-Compartilhamento 
pela mesma licença 3.0 Brasil 
(CC BY-NC-SA 3.0).
Pautas e sugestões de pautas para 
a Revista Overmundo podem ser 
publicadas diretamente no site 
Overmundo. A equipe editorial da 
revista está de olho nos conteúdos 
que circulam na rede. Quem sabe não 
é uma boa oportunidade para você 
exercer a sua veia de repórter e contar 
pra gente o que de bacana acontece 
na cena por aí, na sua cidade? ;-)
 — nº5 — jan-fev 2012
Mudando o mundo 
com um link na cabeça 
e a rede nas mãos
—
O 1% que colabora
—
Sonoridades complexas
—
2011: o ano que os blogs 
fizeram contato
—
fanZines
—
Eles escrevem sem papel
—
6
12
16
22
28
40
Overmundo em pílulas
—
Bom, barato e democrático
—
— Oi, jovens!
—
O homem-bomba do brega
—
Um sanduíche que 
é um patrimônio
—
1m²
—
44
46
52
56
62
66
sumário
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06 07 | jan-fev 2012 |
O mundo vive hoje uma explosão de 
mobilizações, quase todas ampliadas e organizadas atra-
vés da internet. Dependendo de sua timeline, ou seja 
de quem você segue na rede, todo dia tem uma ou duas 
denúncias importantíssimas, que se não forem repas-
sadas imediatamente podem até tirar o sono dos mais 
sensíveis. Quem já não ficou em dúvida? Retuito isso? 
Compartilho ou dou só uma curtida? Tem períodos que 
numa mesma semana podem chegar duas ou três con-
vocações absolutamente imperdíveis. Brincadeira séria 
essa, que às vezes pode ter consequências efetivas, vide 
o efeito dominó da Primavera Árabe, em que uma espan-
tosa sucessão de revoltas clamando por mais democracia 
em países onde o sentido desse conceito é ainda nebu-
loso, se espalhou chegando à Espanha e reverberando 
em Wall Street. Ainda não sabemos onde esse poder 
nos levará, mas olhar seu rastro pode nos inspirar sobre 
novos rumos e possibilidades.
Nem todo jovem é ativista, mas todo ativista tem 
juventude no olhar. Mudar, transformar, ajudar, sonhar. 
O desejo de mudança é milenar, não tem data nem lugar, 
a humanidade nasceu nômade pelo menos até a revolu-
ção agrícola e o proto-urbanismo que abriram o cami-
nho para o surgimento do sofá, da geladeira e do controle 
remoto, bases da cultura sedentária, mas isso é outra 
história. Aqui nos interessa tentar entender esse barato 
coletivo, que às vezes consegue nos fazer levantar do sofá 
e tomar as ruas. A origem do ativismo se perde na his-
tória dos povos, quem terá sido o primeiro a protestar? 
A revolta de um protesto difere da fúria de uma guerra, 
é mais como um turbilhão que nasce dentro do próprio 
corpo social, o que nos revolta sempre é familiar, sem-
pre está em nosso entorno e acreditamos que com nossa 
manifestação de desconforto com o estado das coisas, 
algo pode mudar.
A cultura pop glamuriza a rebeldia. James Dean, 
Elvis, punks, beatniks, hippies, guerrilheiros, under-
grounds, rappers, etc. A rebeldia, além de necessária, é 
bela. Curioso paradoxo, a rebeldia também vende. Mas 
nem por isso deixa de ser menos transformadora. Gad-
gets, celulares e filmadoras são produtos e também são 
as armas da “Geração do Protesto 2.0”. Alguns vídeos do 
movimento #15m na Espanha são tão bem feitos quanto 
peças publicitárias. Wittgenstein dizia que ética e esté-
tica são uma coisa só, talvez ele esteja certo.
A ligação entre arte e política pode ter um efeito 
intensificador para ambas. Desde Maio de 68 com os 
situacionistas, o artivismo tá na praça. Nos anos 1960 
tinhaaté música de protesto: no Brasil, com a dita-
dura a MPB se especializou em fazer mensagens cifra-
das para driblar a censura – uma das mais famosas foi 
a parceria de Gil e Chico, na música “Cálice”. Os anos 
1960 foram pródigos em passeatas: a Contra a Guerra 
no Vietnam (EUA), a Contra o Apartheid (África do Sul, 
1960), a Passeata dos Cem Mil (Rio de Janeiro, 1968), e 
por fim, o Maio de 68 (França, 1968). Este último é tal-
vez o mais próximo do clima das mobilizações atuais, 
basta dar uma olhada nas frases da época (pré-tuites?): 
Mudando 
o mundo 
com um link 
na cabeça 
e a rede 
nas mãos
—
Você está a um clique de ler um panorama 
sobre o ciberativismo que girou o mundo 
nos últimos meses. Esperamos que 
você curta (e quem sabe retuite)!
—
Andre Stangl
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08 09 | jan-fev 2012 |
“Viva o efêmero”, “Sejam realistas, exijam o impossível!”, 
“É proibido proibir”, “A imaginação ao poder”, “Abaixo o 
realismo socialista. Viva o surrealismo”, “Revolução, eu 
te amo”, “A revolução não é a dos comitês, mas, antes 
de tudo, a vossa. Levemos a revolução a sério, não nos 
levemos a sério” , “Quanto mais amor faço, mais von-
tade tenho de fazer a revolução. Quanto mais revolu-
ção faço, maior vontade tenho de fazer amor” , “Abaixo 
a sociedade espetacular mercantil”, “Os limites impos-
tos ao prazer excitam o prazer de viver sem limites”, 
“O sonho é realidade”, “Acabareis todos por morrer 
de conforto”, “Abaixo os jornalistas e todos os que os 
querem manipular” etc. 
Outra cria dos anos 1960, a internet nasce de um 
projeto militar. Mas o uso político das redes digitais de 
comunicação está presente desde sua criação: a Arpa-
net, foi uma proto-internet criada como estratégia mili-
tar para evitar o colapso das redes de comunicação caso 
houvesse uma guerra nuclear. O projeto da Arpanet foi 
desenvolvido pela DARPA (Defense Advanced Rese-
arch Projects Agency), uma agência do Departamento 
de Defesa do Governo Americano, criada para ser a res-
posta à embaraçosa surpresa que foi o lançamento do 
satélite soviético Sputnik em 1957. Dá para notar que a 
utilização política das redes é uma parte fundamental do 
próprio DNA delas, sendo a ética hacker um bom exem-
plo dessa percepção. Os protocolos que regulam as tro-
cas de dados na rede permitem formas decentralizadas 
de emissão e recepção de informação, ao mesmo tempo 
que permitem seu aprimoramento de forma colabora-
tiva e aberta. Vide a criação do e-mail na década de 1970 
e da WWW no final dos anos 1980. 
Em 1° de janeiro de 1994, dia da promulgação 
do NAFTA (uma forma institucionalizada de “paneli-
nha comercial” entre os EUA, Canadá e México), come-
çam as ações do Movimento Zapatista, em Chiapas, no 
México. Considerado o primeiro caso de ativismo digital, 
todas as suas ações são compartilhadas através do site 
ezln.org, que representa para muitos o marco inicial da 
convergência entre ativismo e redes digitais. De acordo 
com o pesquisador Massimo Di Felice, co-organizador 
do livro Votán Zapata, a marcha indígena e a subleva-
ção temporária, o movimento zapatista inaugura uma 
nova forma de conflito divulgando seus comunicados 
pelas redes, conectando-se, assim, a outros movimentos 
sociais globais e permitindo o acesso a informações e a 
atuação conjunta da sociedade civil internacional, que 
passou a desenvolver um papel ativo no conflito entre o 
governo mexicano e as comunidades indígenas através 
da rede. Em outras palavras, foi a descoberta da pólvora! 
Com a internet, surge um novo protagonismo sociopolí-
tico que só é possível graças a descentralização das redes, 
o que dificulta qualquer tipo de censura e potencializa 
as formas de articulação e mobilização.
Em 1999, as manifestações contra o encontro da 
OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seattle 
também seguem esse rastro, usando as redes para se 
organizar. Como uma forma de furar o silêncio da grande 
mídia, o movimento que acabou por gerar a criação do 
projeto Indymedia, o Centro de Mídia Independente, a 
primeira experiência de jornalismo colaborativo na rede. 
Estão aí, lançadas as bases do netativismo, ciberativismo, 
ativismo digital, ou ativismo 2.0, algumas das formas de 
chamar o fenômeno, que em 2011 foi eleito a personali-
dade do ano pela revista Time.
No livro a Galáxia da Internet, o sociólogo espa-
nhol Manuel Castells traça um histórico da arquitetura 
aberta da rede e suas implicações sociais e políticas, 
além de fazer uma análise interessante sobre esse novo 
panorama. Segundo ele, o individualismo no mundo 
contemporâneo também funciona em rede. Na inter-
net explicitamos nossos preconceitos, excluindo ou blo-
queando todos aqueles que pensam de forma diferente 
da nossa. Isso ilustra o paradoxo da vida social con-
temporânea entre egoísmo e medo, solidão e curiosi-
dade. Ao mesmo tempo que bloqueamos o diverso, nos 
expomos tuitando e postando coisas no reality show 
das redes. No entanto, apesar da tentação de vivermos 
só olhando para o próprio umbigo na rede, as redes se 
cruzam. Um bom exemplo disso são as TTs do Twit-
ter. Segundo Castells, a internet tornou-se uma espécie 
de ágora (a praça onde os gregos debatiam na antigui-
dade) digital. Os movimentos sociais de hoje adotam a 
estrutura das redes e são essencialmente mobilizados 
em torno de valores culturais. Apesar de herdeiros dos 
movimentos anteriores, atualmente estes grupos não 
se limitam apenas aos interesses de uma classe, nem 
se estruturam de forma hierarquizada. Os movimen-
tos sociais de hoje pretendem conquistar poder sobre 
a mente (noopolitik), não sobre o Estado (realpolitk). 
A cidadania digital (Netizen), ainda segundo Castells, 
objetiva reconstruir o mundo de baixo para cima.
Mas a cultura digital, enquanto fenômeno, é um 
recorte conceitual recente. E como todo conceito tem 
suas particularidades, controvérsias e contradições. 
Pode-se dizer que aquilo comumente compreendido 
como “cultura digital” começa com a difusão das redes 
digitais, a internet, rede das redes. Nesse ambiente tec-
nológico, uma estrutura multicentralizada de informa-
ções, interações e serviços, realizou aquilo que apenas 
se prenunciava na era dos satélites e das antenas de TV: 
a experiência do sentir/existir global. Essa é também 
a experiência de uma nova consciência cultural, ainda 
em gestação, mas que todos os dias dá sinais de cres-
cer e querer ser. O curioso é que misteriosamente nossa 
percepção gosta dos contrastes, das dicotomias, assim, 
onde se vê luz, pressente-se também, em sua ausência, 
a escuridão. Ou seja, é quando sentimos/existimos glo-
balmente que experimentamos com mais intensidade 
nossa identidade cultural local. Um exemplo translú-
cido disso, é a propagação das cores verde e amarelo na 
época das copas. Um dos poucos episódios midiáticos 
que permitiam nossa afirmação em escala global, pelo 
menos antes das redes, para nós que não somos assim, 
tão chegados em guerras, ainda que nem tão pacíficos 
como se gostaria.
10 11 | jan-fev 2012 |
A cultura brasileira é um prato cheio para testar 
essas novas interações. As tecnologias estão no nosso 
DNA, nossa identidade nacional foi gestada nas TVs e 
rádios, não foi lendo que o brasileiro se descobriu brasi-
leiro. Hermano Vianna e Heloisa Buarque de Hollanda, 
entre outros, tem demonstrado como a periferia bra-
sileira tem gerado modos próprios de apropriação das 
possibilidades da tecnologia digital. Fenômenos como 
o funk, o tecnobrega, as lan-houses, a pirataria, as gam-
biarras. Ao que parece, aqui também os processos cola-
borativos de criação não encontram tantas resistências. 
Existem fortes indícios de que existe uma tendência cul-
tural brasileira ao colaborativismo, fruto da influência 
das tradições afro-indígenas que se manifestam na cul-
tura popular, em festas, cultos e mutirões. Nas artes, o 
Brasil estaria gestando uma “tecnofagia”, como afirma 
a pesquisadora Giselle Beiguelman, ou seja,uma forma 
híbrida de neo-tropicalismo e cultura digital, que pode 
ter sido influenciada pelas experimentações politico-
culturais do Ministério tropicalista da Cultura de Gil-
berto Gil e sua trupe.
Muitas vezes questionamos a eficácia das petições 
online, dos tuitaços, sem saber se vale apena repassar 
aquele link, curtir aquela denúncia, alguns até por recear 
virar o chato da timeline. Uma saída bacana, muito usada 
na cultura digital brasileira é o humor. Recentemente as 
ruas de Salvador alagaram depois de chuvas torrenciais, 
alguém postou uma foto de uma avenida totalmente ala-
gada. Logo em seguida começaram a aparecer versões 
hilárias da mesma cena.
Cronologia
Conheça alguns dos movimentos ciberativistas 
que esporacaram nos últimos anos em todo o 
mundo:
1994 Movimento Zapatista (México)
1999 Manifestações contra OMC (Seattle)
2001 Fórum Social Mundial (Porto Alegre)
2003 Revolta do buzu (Salvador), blog do Salam 
Pax (Iraque)
2008 #leiazeredo (São Paulo)
2009 #forasarney (Twitter)
2010 Primavera Árabe (Norte da África)
2011 Protestos na Espanha, Occupy Wall Street, 
Churrasco da gente diferenciada (São Paulo), 
Marcha da Liberdade/Maconha (Brasil)
2012 Movimento #desocupa (Salvador)
“10 táticas para transformar 
informação em ação”
1. Mobilize pessoas 
2. Testemunhe e grave 
3. Visualize sua mensagem 
4. Amplifique histórias pessoais 
5. Adicione humor 
6. Investigue e exponha 
7. Saiba trabalhar dados complexos 
8. Use a inteligência coletiva 
9. Permita que as pessoas façam perguntas 
10. Administre seus contatos 
Fonte: http://www.casadaculturadigital.com.br/ 
Imagens em montagem
Outro autor interessante para compreender o mundo de 
hoje, Henry Jenkins diz que a convergência das mídias 
colabora para a criação de uma cultura da colaboração, 
alterando nossa forma de participar e construindo novos 
modelos de convivência democrática. Basta ver a mobi-
lização em torno de programas como o Big Brother Bra-
sil. Segundo Jenkins, brincando de participar, estamos 
desenvolvendo uma nova consciência, como uma criança 
que, do balbucio, aprende a pedir o que quer. Fazendo 
um pouco de esforço, dá até para imaginar se não houve 
alguma influência no acirrado contexto da disputa elei-
toral, em 2002, quando o então candidato à presidên-
cia Luís Inácio Lula da Silva, era alvo de chacota por 
sua baixa escolaridade, e, apenas alguns meses antes, 
o ingênuo, Kléber Bambam, que também era vítima de 
preconceito, derrotou seus escolarizados oponentes no 
primeiro BBB… quem sabe?
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12 13 | jan-fev 2012 |
A criação e popularização do Mys-
pace, em 2003, mesmo que com foco no mercado musi-
cal, estabeleceu um novo patamar para a interação 
social online. De lá pra cá, a velocidade de mudança 
parece só estar aumentando, e a sociedade vem desco-
brindo também novos usos para essas plataformas de 
colaboração. Aqui no Brasil, um dos casos mais curio-
sos foi o “Churrascão de gente diferenciada” em Higie-
nópolis. O evento foi criado com tom de brincadeira 
frente à polêmica gerada em torno da construção de 
uma estação de metrô no bairro de Higienópolis, em 
São Paulo, mas acabou tendo uma repercussão iné-
dita (cerca de 50 mil pessoas aceitaram o convite no 
Facebook para o protesto).
Um evento de grandes proporções!
“No Churrascão, foram mais de 50 mil confirmações 
de presença; cerca de 4 mil de fato foram ao evento; 
umas 100 pessoas não foram só pela festa, ou seja, esta-
vam informadas e articuladas para algo mais que comer 
carne e beber cerveja. Foi fundamental, na hora, ter um 
pequeno núcleo organizado em torno do Movimento do 
Passe Livre (MPL), para canalizar aquela massa para 
pequenas ações como bloquear a Avenida Angélica”, 
conta André Takahashi, sociólogo e ativista socioam-
biental do Movimento Brasil pelas Florestas.
Este padrão se repete no Facebook, o que evi-
dencia que, mesmo que o ativismo tenha crescido nos 
últimos anos, o momento é de sensibilização – muitas 
pessoas confirmam presença e poucas comparecem ou 
se informam sobre o tema.
“Usamos muito as redes sociais para as ações do 
Brasil pelas Florestas, só em 2011 foram cinco manifesta-
ções na Avenida Paulista, que levaram em média mil pes-
soas às ruas. Mas o número de pessoas que se mobiliza 
fora da internet ainda é muito inferior ao que se mani-
festa online. Mesmo as pessoas que comparecem nas 
marchas e atividades não tem um envolvimento maior 
do que ir em reuniões e ajudar na organização”, com-
plementa o sociólogo. Em resumo, Takahashi concorda 
que existe a indignação e a predisposição para agir, e que 
as redes sociais proporcionam um novo campo de ação, 
mas ainda muito superficial, restrito ao “click ativismo”.
Mecenato colaborativo
Funciona assim: você se cadastra em alguma plataforma 
de crowdfunding, insere seu projeto, define a verba que 
quer arrecadar, estabelece um prazo para arrecadá-la e 
O 1% que colabora
—
O financiamento coletivo pode 
ser uma boa ferramentas de 
mobilização política para causas?
—
Caio Tendolini
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14 15 | jan-fev 2012 |
divulga, oferecendo recompensas simbólicas aos apoia-
dores. Caso você não arrecade o dinheiro total pedido 
dentro do prazo, os apoiadores são reembolsados e a 
conta “zera”. Do contrário, você recebe o dinheiro e pode 
executar seu projeto. O crowdfunding tem sido cada vez 
mais apropriado por coletivos e movimentos alternati-
vos como ferramenta no ativismo digital. O potencial 
está no fato de envolver doação em dinheiro, um nível 
de engajamento consideravelmente maior que “curtir” 
ou confirmar presença em eventos do Facebook, mas, 
na prática, através de ações tão simples quanto.
Diego Reeberg, fundador do Catarse (a maior pla-
taforma de crowdfunding do mercado brasileiro), explica 
o surgimento do modelo: “O primeiro site de crowdfun-
ding de que se tem notícia foi o SellABand, focado no 
mercado musical, que nasceu na Holanda em 2006, para 
ajudar bandas a gravarem seus CDs. A grande plataforma 
de referência hoje no mundo é a americana Kickstarter 
(que foi pioneira em utilizar o modelo ‘Tudo ou Nada’), 
que trabalha com projetos criativos. Ela foi lançada em 
2009 e já financiou mais de 10 mil projetos, com mais 
de US$ 100 milhões movimentados”, diz. Hoje já são 
mais de 200 plataformas ao redor no mundo. No Brasil, 
o crowdfunding começou em 2009 com as atividades do 
Vakinha, que na época nem se proclamava uma plata-
forma de crowdfunding. “Depois, no final de 2010, foi 
a vez do (coletivo) Queremos, que nasceu de uma insa-
tisfação de uma galera no Rio de Janeiro com os shows 
internacionais que deixam de ir para a cidade. Eles resol-
veram lançar um site para garantir essas atrações no 
Rio, através de mobilizações coletivas. E, em novembro 
de 2010, a gente lançou o blog CrowdfundingBR. Foi aí 
que começou a surgir um interesse maior sobre o tema, 
e logo depois o Catarse foi lançado.”
O modelo teve um boom em 2011 no Brasil, sendo 
que só o Catarse arrecadou cerca de 1,3 milhões de reais, 
após apenas um ano de atividades. Hoje, existem cerca de 
10 plataformas de crowdfunding ativas no país (até times 
de futebol tentaram se utilizar do sistema). No geral, os 
projetos que utilizam de crowdfunding são ligados à cul-
tura, ou à responsabilidade socioambiental. Esse tipo de 
projeto sempre foi muito dependente do governo e da 
iniciativa privada, principalmente através de mecanis-
mos de incentivo fiscal. Nesse sentido, o crowdfunding 
se revela uma ferramenta de financiamento na esfera da 
sociedade civil organizada, rompendo de certa forma o 
cordão umbilical com os outros dois setores do Estado. 
É isso que o torna a “sensação do momento”!
Conheça alguns dos projetos que relacionam 
mobilização e ativismo com o modelo de finan-
ciamento colaborativo do Catarse:
Ônibus Hacker: projeto itinerante ligado à Trans-
parência Hacker, que junta profissionais para pen-
sar em projetos deinteresse da sociedade civil.
Tellus: um portal voltado à disseminação de pro-
jetos de inovação social.
Feminismo no mundo: levou representantes 
brasileiras à Marcha Mundial das Mulheres, que 
aconteceu nas Filipinas no ano passado.
Amigos de Januária: projeto de jornalismo cida-
dão que capacita cidadãos a buscar e compartilhar 
informações sobre a gestão pública de recursos.
“Por ser um modelo onde a realização só é possí-
vel a partir de uma atuação coletiva, o crowdfunding é 
estritamente dependente de pessoas engajadas. Agora, 
penso que, exatamente por isso, o modelo e as platafor-
mas têm um papel importante em ajudar os projetos a 
se organizarem para a captação dos recursos para a ati-
vidade acontecer, a raiz de tudo é engajar pessoas em 
torno daquela causa, sendo ela política, social, artística 
etc. É um alerta que diz: ‘seu projeto só irá acontecer se 
você reunir um grupo de X pessoas engajadas!’. E a res-
ponsabilidade, tanto de quem quer engajar, como de 
quem se engaja aumenta bastante”, completa Reeberg.
Casos e casos
Em novembro de 2011, foi lançado no Catarse o projeto 
para um documentário sobre o caso Belo Monte: Anún-
cio de uma guerra, um filme sobre a polêmica constru-
ção da usina hidrelétrica, no Pará. O projeto, elaborado 
e executado pela Cinedelia, precisava de verba para a 
edição e finalização, e uma equipe de comunicação for-
mulou e desenvolveu o projeto de financiamento cole-
tivo para arrecadar R$ 114 mil em 30 dias.
“A campanha foi um sucesso. Aproveitamos a onda 
viral do Gota D’Água, que pautou o tema Belo Monte nas 
redes sociais, e atingimos a meta em menos da metade 
do tempo proposto”, conta Digo Castello, coordenador 
da campanha.
No total, foram mais de R$ 140 mil arrecadados 
(123% da meta) em 30 dias, por 3.429 apoiadores, tor-
nando-se o maior case de financiamento coletivo em 
plataformas de crowdfunding. Foram mais de 350 mil 
visualizações do vídeo de apresentação do projeto e 70 
mil “curtir” no Facebook. De acordo com Castello, “No 
que diz respeito ao engajamento, um dos indicadores 
mais relevantes foi a pesquisa feita com os apoiadores 
no pós-campanha, que teve cerca de 25% de respostas 
(de 24 estados, 15 países, 80% entre 15 e 35 anos), sendo 
que 52% ofereceram ajuda, seja divulgando, seja com tra-
balho técnico em cinema, jornalismo ou ambientalismo.”
“Ao doar, o apoiador mostrou que quis agir em 
relação a Belo Monte, e viu no filme um instrumento 
de informação, em meio ao volume de conteúdo sendo 
gerado na internet”, diz Castello. O crowdfunding per-
mite que o ativismo dê um passo no engajamento de 
usuários, através do comprometimento financeiro. 
O modelo se apresenta como ferramenta cada vez mais 
sólida de financiamento alternativo para projetos da 
sociedade civil, permitindo com que eles sejam menos 
dependentes do primeiro e do segundo setor. Ao lado 
de outras iniciativas de cunho marcadamente político, 
como Wikileaks, N-1, Avaaz e diversas outras, estes sis-
temas têm ajudado a financiar projetos ligados a cau-
sas e propostas de transparência e mobilização social.
A resposta dos governos e empresas vem na forma 
de censura aos ativistas. Em especial nos casos envol-
vendo o grupo hacker Anonymous, os governos têm se 
articulado para conter as ondas de manifestações inter-
nacionais. A ameaça maior figura nas leis de controle da 
propriedade intelectual e transferência de arquivos, que 
terá forte rebatimento na internet. Aguardemos as cenas 
dos próximos capítulos…
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16 17 | jan-fev 2012 |
Quando se ouve falar de música ele-
trônica, talvez a primeira ideia que venha à mente da 
maioria das pessoas seja a música dançante de pista, 
como o techno, o electro e até o funk carioca. Mas a 
“batida” eletrônica é tão diversa, heterogênea e vivaz 
quanto todas as outras formas de síntese e distribuição 
de informação por meio digital. De arcaicos laborató-
rios a computadores pessoais, muitos são os baús des-
sas sonoridades.
Uma ideia pioneira sobre o uso da matemática 
para a composição musical é o que a Condessa Ada Love-
lace, filha de Lorde Byron e estudiosa dos números, teve 
a dizer no século XIX sobre a máquina analítica de Char-
les Babbage, inventor do que deu origem à calculadora 
de bolso: “O mecanismo pode compor fragmentos musi-
cais de qualquer grau de complexidade, caso algum ope-
rador defina o som matematicamente nas suas relações 
fundamentais de harmonia”, como se lê no interessante 
estudo sobre a atuação feminina na música eletrônica 
intitulado Women Composers and Music Technology in 
the United States, escrito por Elizabeth Hinkle-Turner. 
Não só instrumentos musicais e aparatos de tratamento 
sonoro atuais funcionam a partir deste princípio, como 
também toda forma de expressão digital, que é baseada 
no código binário.
Dançante, poética ou experimental, a música ele-
trônica tem muitas faces. E não só pelas novidades das 
pistas de dança, que constantemente surpreendem, mas 
também pelas possibilidades de performance e compo-
sição, o gênero segue conquistando público e artistas. 
O começo dos anos 2000 foi importante para muitos 
artistas deste campo – tanto pelas inclinações estéti-
cas do momento (como o surgimento e estabelecimeno 
do electrorock, que atenuou as fronteiras entre o pop e 
o rock), quanto pela nova dinâmica de distribuição de 
música na rede. Neste cenário, alguns artistas e bandas 
do Brasil ganharam fãs e visibilidade no exterior: CSS, 
Montage e Daniel Peixoto, Digitaria, Karine Alexandrino, 
Bonde do Rolê e Boss in Drama são alguns exemplos.
Quando a arte imita a música
Leandra Lambert e Mary Fê fizeram parte deste boom 
de bandas eletrônicas e experimentais brasileiras. A pri-
meira, que já fizera sucesso com o Inhumanoids nos anos 
90, entrou no novo século com o pé direito, no leme do 
projeto Voz del Fuego. Mary Fê, por sua vez, que tam-
bém já tinha experiência com os palcos, colocou em prá-
tica o seu gosto por encontrar alternativas inovadoras 
de sonoridade e performance em bandas como Gerador 
Zero e Pelúcia FuckCIA.
Leandra usava o Fotolog na época em que a voca-
lista do CSS era a participante mais popular do portal. 
Sem desmerecer as muitas qualidades da banda, ela 
confessa que não era difícil saber que o CSS iria estou-
rar, levando em consideração que Lovefoxxx já tinha 
popularidade antes do sucesso com o grupo. Dona de 
uma trajetória musical bem contemplada pela imprensa 
desde os anos 1990, com matérias na Folha de São Paulo, 
nO Globo e no Jornal do Brasil, em 2001, Leandra estava 
preocupada em terminar o seu curso de graduação em 
Cinema pela Universidade Federal Fluminense. Fechou 
o período com chave de ouro com o documentário A obs-
cena Senhora Silêncio, em que retratou Hilda Hilst na 
Casa do Sol poucos anos antes da morte da escritora. 
Em 2003, criou Voz del Fuego, projeto que combina 
música dançante, rock, experimentações sonoras e letras 
poéticas. Travou diversas parcerias neste processo, por 
exemplo com Flávia Couri, do Autoramas, e com Fábio 
F-zero, que dividiu palco com Mary Fê na banda Gera-
dor Zero no Tim Festival de 2003. 
Atualmente, Mary realiza interferências sonoras 
pelas ruas do Rio afora. Ela segue firme, se apresentando 
em festivais, e procurando meios originais de perfor-
mance. Nos últimos meses, muitos ouviram falar do seu 
Pequeno terrorismo de bolso, em que, vestida de apara-
tos que permitem que ela cante, toque guitarra e tenha 
uma linha de percussão eletrônica, ela vai andando e 
conquistando por onde passa público de diversas fai-
xas etárias e gostos. Poucas pessoas não prestam pelo S
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n18 19 | jan-fev 2012 |
menos alguns minutos de atenção na performance, que 
é realizada em praça pública e à luz do dia. Mary tam-
bém realiza oficinas para construção de instrumentos e 
circuit bending, e segue organizando mobilizações cul-
turais interessantes no seu contexto.
Fábio F-zero não foi o único colega que Leandra 
e Mary tiveram em comum. FS Torres, da loja de dis-
cos e espaço cultural Plano B e Negalê Jones também 
já trabalharam (ou trabalham) com as meninas. Outra 
parceria interessante foi a que houve entre Leandra, Jo 
Mistinguett e Boss in Drama, quando os dois últimos 
formavam o duo Gomma Fou. No Motomix de 2006, 
os três tiveram a oportunidade de conhecer e trabalhar 
nos estúdios de Dudu Marote, um pouco antes de abrir 
os shows das bandas Franz Ferdinand e Adult.
Interações
No ano passado, Mary apresentou nos arredores do Oi 
Futuro, no bairro carioca de Ipanema, a performance 
Pequeno terrorismo de bolso, seguida do show Solucio-
nática no anfiteatro do centro cultural. Vale conferir o EP 
de 2009 chamado Solucionática e a mula sem cabeça, 
que inspirou o show, disponível gratuitamente para 
download. A esta altura, se o(a) leitor(a) não conhecia 
o trabalho de Mary já deu pra perceber o seu apreço pela 
ironia e pelo senso de humor. Com esta pegada, com-
pôs as músicas “Classe média de elite” e “Nossa Senhora 
Power Progressiva”, ambas integrantes do mesmo EP.
Voz del Fuego também não deixa a desejar no que-
sito senso de humor e ironia. A música “Pra ficar bonita” 
é um hino bem humorado contra a artificialidade da ideia 
de beleza propagada pela mídia. Há ainda provocações 
ao caráter superficial da alta roda em “Faz a rica” (pro-
duzida por Leandra e pelo Rodrigo Marçal). Enquanto o 
funk debochado do Bonde do Rolê encontrava um lugar 
ao sol, Deize Tigrona cantou sobre a base desta música 
no Circo Voador, no Centro do Rio, durante o carnaval do 
DJ Hell. Fã confessa da Peaches, Mary Fê também acha 
engraçado quando percebe o esforço exclusivo de uma 
artista em parecer sexy, bonita e muito séria ao mesmo 
tempo. Diz que, com esforço e intenção (ou não), a libido 
de quem compõe e executa a música sempre estará pre-
sente no trabalho.
Vale dizer também que apesar de nenhuma das 
duas serem figurinhas carimbadas em colunas sociais ou 
blogs de celebridade, o Voz del Fuego foi uma das prin-
cipais atrações das noites de live sets na boate Dama de 
Ferro e o Gerador Zero também foi presença recorrente fot
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20 21 | jan-fev 2012 |
sensível e o pensamento, a imaginação. Quero ir além 
da dupla dominante som-e-imagem: também entram 
em jogo o tato, o paladar, o olfato e todas as misturas, 
experiências com ficções e derivas dos sentidos”, diz a 
artista, que em março realizará uma exposição no seu 
ateliê na fábrica da Bhering, no bairro do Santo Cristo, 
zona portuária da capital fluminense.
Também desbravando o campo da arte contem-
porânea, em 2010, Mary Fê participou como aluna da 
oficina de Arte Sonora no Parque Lage ministrada por 
Franz Manata e Saulo Laudares, e no ano seguinte dis-
correu sobre o seu trabalho na mesma oficina, numa 
série de mesas redondas que também contou com a par-
ticipação de Vivian Cacuri, Cildo Meireles e Rodolfo Cae-
sar. Este ano vai ser o segundo carnaval do Bloco Lo-fi, 
em que a artista organiza reuniões abertas de constru-
ção de instrumentos e composições musicais e mostra 
o resultado “na avenida”. É bom ficar de olho na proga-
mação do Plano B para não perder.
na Bunker. Quanto à possibilidade de realizar shows 
e lives em festas de música eletrônica de agora, Mary 
Fê diz que não recusaria, embora a sua vontade maior 
seja deslocar a música eletrônica dos seus espaços usu-
ais. E Leandra, que não é muito afeita à atmosfera das 
caras, bocas e roupas de grife das áreas VIPs, sente falta 
da época em que os clubbers lançavam tendência elabo-
rando seus visuais com criatividade, fazendo jus ao DIY 
(do it yourself) como ato de resistência cultural.
O que você está fazendo agora?
Aluna do mestrado em Artes e Cultura contemporânea da 
UERJ, Leandra recentemente realizou exposições e per-
formances no Parque das Ruínas e no Parque Lage, apli-
cando a pesquisa de sons, sensações e imersão poética 
que vinha realizando na música independente no campo 
da arte contemporânea. Seu desejo é explorar a inter-
sensorialidade dentro da arte: “Tenho me interessado 
pelas relações entre o sensorial e o conceitual, o corpo 
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bastarda, abusada e suja, porém honesta
marginal desde sempre, não há ‘o’ registro oficial sobre 
a criação das fanzines.
tá, a partir do século XX, adquiriu estética pró-
pria, mas, essencialmente, tem parentesco com + de um 
gênero literário e/ou meio de comunicação, donde se 
torna legítimo qualquer exemplo que bem defina o que 
é uma fanzine, conceitualmente: publicação produzida 
de forma artesanal por e para interessados em temas 
específicos e caros aos grupos a que pertencem.
comum a qualquer exemplo será apenas a origem 
etimológica: fanzine deriva da junção de sílabas de duas 
palavras da língua inglesa: fanatic e magazine. assim, 
fan + zine = revista de fã.
seja qual for a temática duma zine [hq, cinema, 
questões de gênero ou, + comum, música], ela compre-
enderá, por parte de seus criadores, permanente trans-
gressão ao istabli$himen. assim, o único ‘mandamento’ 
é foda-se o $inhô, o deus mercado, e suas regras. a única 
regra pra se fazer uma zine é: não há regras – o que 
inclui as gramaticais. ex: 
muit@s falam O zine, o que equivaleria a dizer, 
traduzindo, o revista de fã. eu prefiro dizer A zine. 
a-o zine, se pudesse, diria: óquei. foda-se, e viva 
a hibridez! 
a liberdade total [editorial, de linguagem, for-
mato, com periodicidade ignorada pelos leitores por-
que desprezada pelos autores] deve-se ao fato de que 
ninguém faz zines pensando em ganhar dinheiro; logo, 
“aqui procê, ó, $inhô!”, e, à guisa de troco dos clãs zinei-
ros: dedos médios brandidos e tals.
isso feito, voltam pra suas trincheiras capengas, 
pra celebrar, no caso de zine impressa, o fato de que 
lamberão + uns 10 selos pra enviar a próxima edição 
pra novos leitores adquiridos sabem lá como, que lhes 
pagarão apenas com selos enviados junto a uma carta 
em que pedirão pra receber as próximas edições, ou, no 
caso de zine eletrônica, comemorar o pagamento daquela 
conta atrasada do provedor, acesso à uébi voltou e pode-
rão enviar a última edição também praquela mailing 
gigantona, presente dum leitor que a conseguiu na firma 
em que trabalha.
tanto sacrifício e esforço pra isso?
não. há mais, muito mais, envolvido nisso.
é precisamente aí que as zines [e seus antepas-
sados] sempre entraram, e onde sobrevivem: contra-
pondo-se, pela transgressão ao estabelecido e pelo 
experimentalismo estético e temático, às fórmulas das 
verdadeiras minoria$ – sim, porque fodido é sempre 
maioria [os 99%] –, que se fortalecem pela padroniza-
ção de pensamento e, logo, de modus vivendi, o que se 
dá, respectivamente, pela informação e, derivado desta, 
pelo comportamento cultural.
transgressão cultural e comportamental. preterir 
o preço ao valor. fazer-se ver e ouvir, e assim viver, não 
apenas existir. fazer zine é isso; e, como se verá a seguir, 
sempre foi – e ainda surgiu a uébi…
os ‘pais’ 
até o século XIII, se algo ou alguém fosse digno de 
registro, um escriba precisava ter, + que bons ossos e 
músculos, toda a paciência que só mesmo o amor, ou a 
necessidade, pode dar; afinal, imagine-se tendo de rela-
tar as muitas belezas e virtudes daquele algo ou alguém 
usando cinzéis, penas, tábuas e papiros cuja textura per-
mitiam ao vivente, se quisesse, escanhoar a barba…
—
Do papel ao silício, marginaiscomo 
sempre, na superfície como nunca
—
Pirata Z é autor do Pirata Zine
fanZines
30 31 | jan-fev 2012 |
em 1439, quando Gutemberg criou a prensa móvel, 
talvez muitos escribas tenham comemorado, até se 
darem conta de que perderiam seus empregos, especial-
mente os que serviam à igreja, uma vez que a 1ª publica-
ção impressa pela engenhoca foi justamente… uma bíblia 
– e, valendo-se de sua influência, a igreja garantiu por 
um tempão que Gutemberg não atendesse outros clien-
tes. bom apenas pros demais escribas, que assim, ainda 
que trabalhando de forma a sentirem inveja de mulas e 
bois, garantiram a boia na mesa.
(abre parêntese)
séculos depois da invenção de Gutemberg, derivaria o 
offset, para delírio de zineiros que tinham $ pra abdicar 
da impressão em fotocópia. de lambuja, ainda podiam 
quase se embebedar enquanto rodavam as edições, delí-
cia conhecida por quem já fez provas escolares recém-
saídas do rolo, com aquele cheirinho de álcool. na sala 
de aula, um aperitivo; na garagem, um pré-porre…
(fecha parêntese)
no século XVI, em Portugal, escritores e poetas que 
pensavam e se expressavam à margem dos interesses 
da corte e da igreja – logo, sem prensa pra rodar suas 
publicações –, passaram a produzir e imprimir, de forma 
artesanal, livrinhos com suas obras, os quais, depois de 
pendurados em varais, eram vendidos em feiras popu-
lares. estava criado o cordel, disseminado aqui durante 
a colonização.
a princípio, a produção nativa reproduzia a 
receita portuguesa, mas, a partir do século XIX, pas-
sou a ser temperada [com humor, principalmente] e 
misturada a outros costumes – dentre estes, o uso da 
xilogravura, um dos métodos + primitivos de impres-
são, para as ilustrações de capa –, até adquirir a forma 
que conhecemos hoje, com a marca inequívoca da cul-
tura popular nordestina.
pouco antes, na Inglaterra, o múltiplo William 
Blake adotara um modus operandi pra sua produção 
que lhe valeu o título extra-oficial [e póstumo, claro] de 
“o 1º zineiro da história ocidental”. 
a razão? como todo zineiro que se preze, o cara 
fazia de tudo na produção de seus livros: escrevia os 
poemas, ilustrava-os, 1 a 1, à mão, cuidava da distribui-
ção e das vendas.
certamente, há muitas outras histórias dos 
períodos e criações seminais às fanzines. essas são 
apenas as que escolhi, pela superação que suas 
personagens representam. 
alguém tinha de fazer o que precisava ser feito, 
esse povo [e outros mais] foi lá e fez. 
muito + havia por se fazer – e as gerações seguin-
tes, cê vai ver, foram além.
os filhos
século XX, anos 1930, EUA e Europa. 
na França e em Portugal, cavalheiros ostentando 
fumos fidalgos das cartolas às polainas causavam espé-
cie em saraus quando, retorcidos os bigodes, raspadas 
as úvulas, declamavam versos de conceituados poetas 
pátrios e de quando em vez, também os gregos e latinos 
– no original, provocando sob as demais ceroulas presen-
tes um profundo, digamos, acanhamento, e, simultanea-
mente, ferozes calores sob anáguas e espartilhos, seguidos 
de algo discretinhas interjeições de u-la-lás! e céusss…
hoje, graças ao acervo de algumas gibite-
cas, sabe-se que muitos desses ‘covers’ de Verlaine, 
Camões, Homero, Horácio e afins, na + segura intimi-
dade, deliciavam-se qual crianças em sorveteria, só que 
lambuzando-se com a tinta usada para imprimir – lá 
vai… – revistinhas artesanais sobre quadrinhos! e ima-
gine aí: se, à época, quadrinhos já eram considerados 
coisa de marginal, o que diriam as gentes sobre gala-
laus bem nascidos fanáticos não só pela coisa, mas – 
merde! raios! – também por uma publicação vagabunda 
especializada naquilo?
o preconceito leva à clandestinidade, donde é 
impossível creditar autoria a essas revistinhas.
nos EUA, porém, o preconceito [só que de 
outra ordem] tornou-se a motivação para certos gru-
pos darem a revistinhas similares uma outra e menos 
hedonista finalidade.
por lá, as primeiras publicações também se dedi-
cavam ao universo dos quadrinhos, especialmente de fic-
ção científica. a partir dos anos 1940, entretanto, pessoas 
vistas pela sociedade, quando descobertas, como “alie-
nígenas” passaram a produzir suas revistinhas: os gays.
embora de forma ainda + clandestina, as publi-
cações pipocavam, mobilizando e informando o público 
para discussões sobre preconceito e dicas de lugares 
minimamente + seguros pra encontros.
cada qual a seu modo, com propósitos distintos, 
essas revistinhas foram fundamentais ao desenvolvi-
mento, formal e de abrangência de conteúdo, das zines 
tais como se nos apresentariam pouco tempo depois. 
pode-se dizer que, a partir daí, as zines teriam uma cara 
– ou melhor: caraS.
os espíritos [nada] santos
recapitulando: fanzines são publicações feitas de forma 
artesanal por e para interessados em temas específicos, 
com tiragem limitada e periodicidade incerta.
seus parentes + remotos são as revistinhas sobre 
[ou de] quadrinhos. assim, pode-se dizer que as protozi-
nes brasileiras foram as revistinhas eróticas produzidas 
pelo carioca Carlos Zéfiro, de 1949 até 1970, na + rigo-
rosa clandestinidade. vai lendo.
nas bancas, ficavam escondidas sob o balcão, ven-
didas apenas quando adolescentes, comprovados os 18 
anos, faziam o pedido usando a nomenclatura adotada 
em divertido contraponto ao conteúdo: “catecismo”… 
adquirida a edição, seguia-se o rictus: o dono se aben-
çoava 1°, depois promovia a comunhão, alugando a edi-
ção [por hora] para hordas de moleques em busca de, 
digamos, redenção…
na produção, Zéfiro foi genial também na dis-
crição, conseguindo criar cerca de 500 edições [que 
desenhava e escrevia sozinho] sob o + absoluto anoni-
mato, do qual só saiu em 1991, 1 ano antes de morrer, 
apenas pra desmascarar 1 quadrinista baiano que vinha 
tentando se promover apresentando-se publicamente 
como “o verdadeiro Zéfiro”.
o verdadeiro autor se nos apresentou numa entre-
vista à revista Playboy: Alcides Aguiar Caminha, apo-
sentado do Ministério do Trabalho, emprego com o qual 
sustentou casa, mulher e 5 filhos, que também ignora-
vam a verdadeira identidade de Zéfiro!
algumas edições do “catecismo” vendiam até 30 
mil exemplares, mas isso não enchia a despensa, com 
o que, pra evitar demissão por “incontinência pública 
escandalosa”, portava-se como servidor exemplar em 
todos os sentidos, preservando, além do salário, sua 
imagem – e olhe que não bastasse a produção margi-
nal, ainda era boêmio, parceiro de Nelson Cavaquinho 
em copos e canções, e como encontrava tempo pra ser 
tantos, e sempre bom, é mais 1 mistério que soube man-
ter preservado.
liberto do anonimato que se impôs, o reconheci-
mento, inclusive internacional, não tardou: em 1992 [ano 
em que morreu] recebeu o Troféu HQ Mix, pela impor-
tância de sua obra; e, em 2011, seus trabalhos integra-
ram uma exposição de quadrinhos eróticos, no Museu 
do Sexo, em Nova York.
(abre parêntese)
as zines surgiram no Brasil em 1965, como resposta dos 
quadrinistas nacionais ao glacial descaso das grandes 
editoras, com olhos exclusivamente à produção estran-
geira, afirma 1 dos maiores especialistas em fanzine, 
o cearense Henrique Magalhães, que doutorou-se na 
França sobre o tema, autor do iniciático “O que é Fan-
zine”, da Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos.
(fecha parêntese)
até aqui, viu-se que produzir zines compreendia, pelos 
+ variados graus de autopreservação, anonimato, 
32 33 | jan-fev 2012 |
clandestinidade. a transgressão, até então, dialogara 
apenas com quem a ansiava, e para, no mínimo, sacu-
dir as coisas, era preciso +. incomodar, dar as caras 
[inclusive a tapas, fosse o caso]. e 1 bando de garotos 
nos EUA e na Inglaterra, nos 1970, deu. zines e zineiros 
– ufa… –, também.
o espírito do punk rock veio pra libertar todos de 
paradigmas, e a oração redentora era simples: DIY – ou, 
“do it yourself”. faça você mesmo. do seu jeito. como der. 
saber não importa. importa fazer.
certo, integrar uma banda tinha + apelo, mas havia 
fanáticos incapazes de distinguir 1tacape de 1 contra-
baixo… mas queriam participar de alguma maneira do 
movimento. então, munidos de máquinas de escrever, 
nanquim, cola e tesoura, passaram a cobrir a cena, repor-
tando-a em fotocópias que saíram à imagem e semelhança 
de seus criadores: toscas, desengonçadas, e o principal: 
cheias da energia e da ousadia abundantes em jovens, 
que seriam vitais pra acompanhar seus pares nos palcos.
ainda na marginalidade, mas livres da clandes-
tinidade, chegaram em Londres, em 1977, para onde 
o punk rock se mudara, cresceram e ficaram fortes o 
bastante pra, necessariamente nesta ordem, cobrir a 
cena quando a mídia, passado o encanto [e extraído o 
lucro] com o charme marginal do movimento, rompeu 
o namoro com o punk rock [e ainda passou a difamá-lo, 
associando-o a vandalismo de terceiros], tornar-se A voz 
da cena, com credibilidade crescente, já que músicos e 
bandas lhes davam entrevistas exclusivas, esvaziando as 
calúnias da mídia corporativa, e o principal: virar exem-
plo de meio de comunicação acessível [para produção 
ou leitura] a qualquer 1.
nenhuma outra zine, até então, encarnara esse 
espírito e cumprira essa função melhor do que a britâ-
nica Sniffin’ Glue, criada pelo então bancário Mark Perry, 
em julho de 1976.
o nome lhe veio da canção “Now wanna sniff Some 
glue”, dos Ramones, remetendo, ainda, ao cheiro de cola 
usada na diagramação das edições. 
começou vendendo míseras 50 cópias, mas saltou 
rapidamente pra 15 mil, no vácuo da omissão/deforma-
ção midiática sobre a cena – por exemplo, por ela soube-
se que a porradaria ocorrida durante o Jubileu de 25 anos 
da rainha foi provocada pela polícia, em simultâneo reco-
nhecimento à chegada da debochada “God save the Queen” 
ao topo das paradas britânicas, e não pelos Sex Pistols, 
autores da canção, que, ainda + malucos do que o habi-
tual, aceitaram o convite pruma festa em homenagem à 
rainha a bordo dum barco zanzando pelo Tâmisa. 
toda a mídia responsabilizou a banda, Johnny 
Rotten em especial, mas sem lhes dar linha para sua 
versão dos fatos. a Sniffin’ entrevistou outros convida-
dos, e soube-se que Rotten nada fez além do que até 
mesmo quem o convidou esperava que ele fizesse: ser o 
bobo mau da corte, divertindo e chocando a plateia, o 
que bastou pra polícia massagear com cacetetes as gen-
givas dele, dos outros Pistols, de quem ria com eles e de 
quem a eles se solidarizou na hora da coça.
por essas e tantas outras [ajudar a catapultar do 
anonimato bandas como, além de Sex Pistols, The Dam-
ned, The Stranglers, Eddie & The Hot Rods e – já ouviu 
falar? – The Clash], algumas publicações convencionais 
acharam por bem não negar reconhecimento à SG [e, 
claro, a seu público]. caso da conceituada revista musi-
cal NME [New Music Express], que saudou a zine como 
“a melhor, mais saudável e mais engraçada publicação 
na história do Rock ‘n’ Roll”. arisco, Perry, sentindo 
ao longe o cheiro de tentativa de cooptação pela mídia, 
decidiu, em 1977 mesmo, depois de 12 edições, parar 
de produzir a zine. na última edição, valendo-se de seu 
prestígio, estimulou seus leitores a não permitirem que 
as zines morressem, para o que deveriam, + que presti-
giar outras zines, produzir, cada 1, a sua.
e muitos atenderam seu pedido. muitos mesmo. 
mundo afora – o que inclui, claro, o Brasil.
(abre parêntese)
origem do termo punk: inspirado no tira Kojak, do 
seriado homônimo, que, ao prender os bandidos, dizia 
“Hey, punk”, Legs McNeil, da Punk Magazine, batizou 
a revista; depois, identificando [numa moda aqui, num 
modo ali] em alguns dos músicos que se apresentavam 
no CBGB semelhanças com os marginais do seriado, 
McNeil batizou também o gênero, unindo o termo àquele 
rock cru, ruidoso e ‘sujo’: punk rock.
mas tal inspiração não seria possível se, no século 
XVII, num dos diálogos da peça “Medida por medida”, 
o autor, para aludir ao infortúnio reservado à mocinha 
que se apaixonara por 1 tipo vulgar, marginal e desagra-
dável, não tivesse usado o termo que, já à época, sinte-
tizava todos esses adjetivos: 
— Casar com um punk, meu senhor, é apressar 
a morte.
o autor? ah, sim: William Shakespeare.
(fecha parêntese)
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o movimento punk chegou ao Brasil no final dos 
anos 1970.
a princípio, limitou-se à extrema periferia de SP. 
aos poucos, via largo de São Bento, punhados de mole-
ques [ófici bois, maioria] vestidos de preto, com moica-
nos coloridos ou cabeças raspadas, começam a chegar 
e ocupar quebradas. delas pra Galeria do Rock, pulinho 
só. de repente, bum!
tanto quanto espantavam alguns, atraíam outros 
– muitos, do ABC paulista, que, por essencialmente pro-
letário, já concebe seus filhos com o gene da atração à 
contestação e a transgressão, os ovários do punk.
qual se deu nos EUA e na Inglaterra, no princí-
pio, era o som; depois, veio a palavra [em fotocópia ou, 
pros poucos que podiam, em offset], publicando mani-
festos, festas, chous, enfim, divulgando e sacudindo 
o movimento.
qual se deu na Inglaterra, a mídia pátria, a prin-
cípio, deixou-se encantar. mais pelo exotismo, verdade, 
mas, um e outro preconceito fora, o aprouchi foi cor-
dial. enquanto era uma coisa de periféricos, óquei; mas, 
quando os filhos de seus assinantes começaram a se assa-
nhar, a coisa mudou – e tome-lhe associar vandalismo, 
vagabundagem e afins “àquilo”…
mas as zines cumpriram seu papel, mantendo e 
ampliando o movimento.
dada a escassez de recursos de seus criadores, + 
a despreocupação com o amanhã, impossível dar cré-
dito a todos que produziram. assim, citar 3 que tiveram 
maior duração e o cuidado de preservar seu acervo: Fac-
tor Zero, Vix Punk, e SP Punk.
juntas, ajudaram a projetar as primeiras ban-
das brasileiras de punk rock [alguma delas ainda aí, na 
ativa]: Olho Seco, Cólera [r.i.p., Redson], Suburbanos, 
Inocentes, Ratos de Porão, Ulster, as femininas Domi-
natrix, Skizitas, Zona X, Banda sem Nome, por aí vai, 
por aí foram. 
ao contrário do que se deu nos EUA e na Ingla-
terra, aqui as zines não serviram apenas à música, mas 
também a outras expressões culturais, como a poesia – 
marginal, óbvio –, e, nessa, poucos souberam explorar 
todas as possibilidades como fez Glauco Mattoso na zine 
Jornal Dobrabil [provocação ao Jornal do Brasil + o for-
mato dobrável da publicação que manteve de 1977 a 1981].
no final dos anos 90, perdeu a visão em decorrên-
cia do glaucoma [doença que converteu em inspiração 
para seu pseudônimo], mas continua na ativa, colabo-
rando para a revista Caros Amigos.
X-paper – ou, mais do 
[quase] mesmo, com mais poderes
mundo, anos 1990.
as fanzines, talvez, nunca justificaram tanto a 
inclusão de fanático em sua etmologia, pois passaram a 
ser produzidas por alguns grupos resistentes à cena que 
sucedeu o punk e durou até o final dos 1980, a new wave, 
que, sim, gerou bandas honestas, que sacudiram quadris 
e comportamentos, como o próprio punk fizera, e que 
também teve bandas picaretas, como o punk também 
tivera – ou como definir generation x, do billy idol? –, 
mas ai de quem tentasse convencer os puristas disso…
eis que surge, da chuvosa Seattle, a [nova] salva-
ção da lavoura.
o Nirvana adubou searas que o neoliberali$mo 
arrasara também na cultura [logo, no comportamento], 
entupindo rádios e tevês com tipos bundinhas os + 
variados – e se isso, + que 1 nome de canção, não foi 1 
sopro de vida pro punk voltar a chutar a caretice eliti-
zada, eu mudo de profissão e vou vender copos plásti-
cos em Caxambu.
o bum! do grunge emanou ondas que se fizeram 
sentir não só em couros de baterias e cordas de baixos e 
guitarras, mas também na retomada de fanzines, e, desta 
feita, em larga escala, porque, além das impressas, pas-
saram a surgir, com outro bum!: o da informática, do 
qual, com os computadores pessoais e o acesso ao infi-
nito da uébi, nasceram as zines eletrônicas.
sai a tinta, entra o silício. fim dos limites de 
alcance [e de custos] dopapel – e + e melhor: antes, 
pra se apresentar uma banda ou 1 filme pros leitores, só 
mesmo com chuvas de adjetivos. com a nova plataforma 
podia-se oferecer clipes e trailers. sem falar na edição 
de imagens pra ilustrar as edições.
sejamos, sei lá, justos: obrigado, bundinhas. 
a subserviência de vocês [especialmente os da 
tropinha rai téqui] ao phoder serviu pra alguma coisa – 
ainda que, ao menos até agora, apenas praquela camada 
social que podemos definir com o nome da cia teatral 
criada pelo Antonio Abujamra: os Fodidos Privilegiados…
apenas estes podem acessar irrestritamente, 
quando bem entendem, o universo de informações 
compartilhado via cabos. aquele ainda imenso ‘resto’, 
não, e taí 1 anacronismo da migração e ou transmutação 
das fanzines pra uébi: conseguem interagir de alguma 
maneira com 1 trabalhador na Bósnia, mas não se fazem 
ouvir por aqueles com quem + precisam trocar ideias, 
dividir informação – porque é batata: toda e qualquer 
transformação se dá, 1º, pela informação.
mas, já se disse aqui, viva a hibridez.
há zines de todos os tipos, para todos os públicos 
– salve, Mark Perry, profeta punk inspirador. 
dentre as eletrônicas, há as que se transmutaram 
em çaites, blogues, videoblogues e poudiquéstis, e pronto, 
há as que são isso tudo, ou parte, e ainda têm versão 
impressa, e há, por fim, aquelas cujos criadores produ-
zem de forma totalmente original, no papel, em fotocó-
pia ou offset, enviada pelo correio.
o designer gráfico cearense Azriel mantém assim a 
produção da fanzine The Funeral of Tears, especializada 
na cena gótica. mas diversificou as atividades: paralela-
mente, administra o selo virtual Schatten Projekt, que 
abriga várias das bandas divulgadas na zine. também 
criou, em Caucaia, onde mora, a Zineteca Resistência, 
para preservação da memória zineira.cré
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produzindo no papel e divulgando 
na uébi, e vice-versa.
Leandro garante o lado A, pra pagar as contas, na uébi, 
como redator de publicidade on laini. zineiro desde 2006 
[seu lado B], fundiu as duas zines que criou no blogue 
Dissolve Coagula, do qual extraiu alguns dos textos que, 
somados a material inédito, integram seu 1º livro, lan-
çado em dezembro de 2011, “Tudo o que é grande se 
constrói sobre mágoa”, que não hesitou em editar ao 
modo duma zine, produção que confiou à Ugra Press, e a 
afinidade conceitual entre autor e editor resultou numa 
parceria satisfatória a ambos.
“fizemos de modo totalmente artesanal, como se 
fosse uma zine, mas evitando cair naquele clichê de que 
zine tem que ser tosco. acho bem possível fazer algo de 
qualidade, bonito, e, mesmo assim, não transformar esse 
objeto em algo luxuoso, para mercados hipsters.”
Jamer fez duas migrações: uma, como os demais 
citados, pra uébi, mas não pra produzir zines, e sim pra 
criar 1 acervo virtual com as + de 300 zines que, entre 
compras e trocas, colecionou ao longo do tempo, e as 
quais compartilha no blogue Zinescópio. a outra migra-
ção foi mesmo de atividade, quando deixou de fazer zines 
pra meter cara no mestrado em Educação, pela UFRGS, 
concluído em 2010, com a tese Arte, Filosofia, Ciên-
cia e a Estética dos Fanzines. emendou 1 doutorado em 
Comunicação, com o que o tempo está curto, mas não o 
bastante pra comprometer a outra migração: de zineiro 
a oficineiro de “Produção de Fanzines e sua Inserção no 
Campo da Educação”
zines e educação juntas. quem diria? 
resposta: qualquer ser não obtuso demais pra não ver a 
conexão uterina entre cultura e educação.
por fim, mas não menos importante, Law Tissot. 
zineiro desde 1984, quando criou a zine Mutação, 
tornou-se 1 dos artistas gráficos + disputados no under-
ground brasuca. 
como traçar dúzias de quadrinhos por dia não lhe 
aplaca o vício em produzir, tornou-se, também, arte-edu-
cador. não bastou, então inscreveu 1 projeto num edital 
da Funarte, em 2009. aprovado, montou [com as pró-
prias mãos e as de outros zineiros amigos] a Fanzinoteca 
Mutação, agregando-a ao Ponto de Cultura ArteEstação, 
em Rio Grande [RS], na qual passou a receber, catalogar 
e organizar edições de fanzines do país inteiro [e algu-
mas do exterior], de todos os tempos.
a sua iniciativa colocou o Brasil entre os 3 paí-
ses que investiram em espaços pra memória da produ-
ção zineira.
a 1ª fanzinoteca do mundo é a Fanzinothèque de 
Poitiers, na França – Poitiers, até então, era conhecida 
apenas como terra natal do filósofo Foucault.
a 2ª foi criada na comunidade autônoma galega 
de Ourense, na Espanha, mas a Fanzinoteca da Casa 
da Xuventude de Ourense peca por não catalogar os + 
de 1,5 mil títulos oriundos de cerca de 30 países, Brasil 
aí incluído. em compensação, promove, há 23 anos, as 
Xornadas de Banda deseñada en Ourense, com a reali-
zação de oficinas e palestras de zineiros e quadrinistas 
de tudo quanto é canto do mundo.
em São Vicente [SP], também há uma fanzinoteca, 
que seus criadores dizem ter sido a 2ª criada no mundo 
e a 1ª no Brasil, mas não há dados para comprovar. peca 
por ainda não ter criado nem sequer 1 çaite pra compar-
tilhar seu acervo, composto por 205 fanzines.
incansável, Law criou e atualiza constantemente 
um blogue para a Fanzinoteca Mutação. nele, pode-se ver 
o espaço, as trocentas produções de Law, de outros zinei-
ros, entrevistas, + agenda de eventos do e para o meio.
com a legitimidade de quem atua na linha de 
frente dos 2 meios, conclui:
“não importa onde e nem como se faça, desde que 
traduza a liberdade criativa de seus autores”.
atitude semelhante foi adotada por Flávio Grão, 
servidor público [educador infantil dos quadros da pre-
feitura de SP] ilustrador e zineiro em atividade desde o 
começo da cena punk no ABC, que mantém uma zine 
eletrônica sobre cultura pop, Zinismo, mas criou e pro-
duz a zine impressa Manufatura, por acreditar que o 
excesso de informações na internet resulta num trans-
bordamento de estímulos que acaba afetando a capaci-
dade sensorial das pessoas. 
“com a zine impressa, quero que as pessoas ‘leiam’ 
calmamente as imagens, voltando as páginas, sentadas 
num sofá, ou embaixo duma árvore, enfim, saindo um 
pouco desse ambiente da rede.”
outro que tem se dedicado à preservação da cul-
tura zineira é o paulistano Márcio Sno, orientador peda-
gógico que, criando ou colaborando, trampou zines até 
2007, quando passou a se dedicar às pesquisas para o 
documentário”Fanzineiros do século passado” – que aca-
bou virando uma série de 3 capítulos –, feito, como 99% 
das zines, de forma totalmente independente; logo, sem 
a uébi como plataforma de exibição, dificilmente seria 
acessível para além de seus contatos.
“atualmente, estou editando a segunda parte, que 
virá acompanhada de uma zine que será o pontapé pra 
eu voltar às atividades impressas.”
o lançamento da 2ª parte do doc e da zine é no 
dia 10/3, na Casa do Fazer, Vila Mariana, SP, durante a 
II Ugra Zine Fest, uma das ações do projeto Ugra Press, 
criado pelo designer gráfico Douglas Utescher, para pro-
dução, fomentação e disseminação de cultura alternativa 
e marginal – e valei-nos, dicionário: marginal é quem 
está à margem [no caso, do istabli$himen], não quem 
vive de crimes, inclusive no istabli$himen…
o projeto, hoje, compreende a edição do Anuário 
de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas, o já citado 
festival e também uma editora, publicando livros qual 
zines fossem, porque, sem desconsiderar a uébi, o pro-
jeto valoriza o impresso. 
“nosso foco são as publicações impressas. fazemos 
uso da web para divulgar nossos projetos e fazer con-
tatos. acreditamos que impresso e virtual podem coe-
xistir, cada qual com sua especificidade, sem que um 
suplante o outro.”
assim como Utescher, Sno e Grão, o paulistano 
Leandro Márcio Ramos e os gaúchos Jamer Guterrez e 
Law Tissot investem na atividade anfíbia, construindo 
pontes entre as produções artesanal e eletrônica, fortale-
cendo a difusão e o compartilhamento de uma na outra. 
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(abre parêntese)
não de agora, há prêmios para a produção zineira. 
não se criou, ainda, nenhum específico, mas a 
categoria passou a ser contemplada em premiações pro-
movidas por associações, editoras e salões de quadri-
nhos. alguns deles:
verbo poderoso
é compreensível que muit@s não alcancem o que move 
tant@s a isso, e a troco de ‘nada’. 
as zines, com toda a liberdade de que gozam, 
desde sempre cumpriram o papel de ousar, buscando 
novas possibilidades, novos caminhos, novos modos 
de fazer – e nem mesmo a mídia que tanto estigmati-
zou seus criadores ignora isso. bastou algo parecer-lhe 
atraente, comercialmente, das duas, uma: ou coopta os 
criadores, ou fabrica simulacros para $eu$ espaços, ou 
como explicar que 1 dos jornalõe$ deste país tenha 1 
suplemento semanal de nome megazine [sic], em que 
termos como “independente”, “alternativo” e afins são 
atirados aos rebeldes sem causa qual pirulitos?
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com a uébi, e sua capacidade ilimitada de propa-
gação seja lá do que for, as zines ampliaram seu poder 
de provocar transformações de comportamento cultural 
[pincípio ativo para qualquer avanço], contrapondo-se, 
de forma mais equilibrada em volume, e plural em essên-
cia, àquilo que sempre combateram – e quem representa 
as razões de tanta contestação e crítica sabe muito bem 
desse equilíbrio de forças – e tome-lhe “sopa”, “ai-5 digi-
tal” e outras tentativas de manobras prenhes de censura.
o recibo tá passado.
faça você mesmo.
faça você também.
faça.
fazer zines é trepar com a liberdade. 
e gozar [e fazer gozar] gostoso. 
juntinho.
permita-se.
na real e/ou no virtual.
Saló del Cómic de Barcelona, para hq, mas premiando 
fanzines desde 1980; 
Angouleme, criado em 1974, destinado à premiação de 
hq, inclui fanzine desde o início;
Hugo Awards, criado para premiar fanzines de ficção 
científica. a princípio, apenas impressas, mas incluiu 
um prêmio também para zine eletrônica;
HQMix, que premia incluiu prêmios para melhor fan-
zine do ano e melhor revista independente.
na Espanha, especificamente na autônoma província 
basca de Bilbao, há subvenção governamental para a 
produção de fanzines, por meio do Ayuntamiento [uma 
espécie de ‘prefeitura’ da província] de Bilbao. 
(fecha parêntese)
40 41 | jan-fev 2012 |
Em cinco séculos, o livro pouco 
mudou. Mas, na última década, novas tecnologias vie-
ram quebrar a linearidade da página impressa, acres-
centar diferentes mídias e efeitos visuais, oferecer uma 
interatividade inédita entre autor e leitor. Há toda uma 
série de ferramentas que vêm sendo utilizadas por artis-
tas para dialogar, poeticamente, entre o virtual e o real.
Do encontro entre a tecnologia, a criatividade e a 
subjetividade, nasceram a poesia eletrônica e experiên-
cias como a twitteratura, a wikiliteratura, entre outros. 
Pelo mundo, escritores e artistas como Robert Coover, 
Noah Wardrip-Fruin e John Cayley revolucionam a ideia 
de literatura, expandindo os horizontes para além da 
escrita. No Brasil, vários autores também vêm fazendo o 
mesmo esforço, aproveitando-se dos recursos mais sim-
ples aos mais elaborados para criar uma literatura que 
salta ao papel e encontra seu lugar no universo virtual.
As primeiras produções nacionais de fôlego datam 
da década de 1990, e caracterizam-se pelo predomínio 
de autores consagrados e da exploração multimídia do 
texto poético. Os poetas Lenora de Barros, Arnaldo Antu-
nes e Andre Vallias são alguns nomes desse período que 
viu nascerem e ganharem vida poemas cinéticos. Tam-
bém produções anteriores, de poetas concretistas, como 
Augusto de Campos e Ferreira Gullar foram reforma-
tados e animados em flash, como “Poema Bomba” e 
“Girassol”, respectivamente. Marcou época a instalação 
multimídia “A contribuição multimilionária de todos 
os erros”, de Arnaldo Antunes, Lenora de Barros e Wal-
ter Silveira, que combinava transcrições do Manifesto 
Antropofágico com ambientes sonorizados e vídeos.
As criações demonstram originalidade ao incorpo-
rar vídeo e texto, resultando em poesias cinéticas famo-
sas, como “Oratório”, de Andre Vallias. O designer e 
poeta dedicou-se ao que chama de poesia como “design 
de linguagem”, em uma época pré-web, na qual os recur-
sos multimídia eram escassos. “A principal dificuldade, 
no período, era ter acesso ao hardware. Outro problema 
crucial era a veiculação dos trabalhos, que se restringia, 
em um primeiro momento, a plotagens, reproduções 
fotográficas, exibição em terminais de computador ou 
distribuição nos precários disquetes”, lembra Vallias.
Com os avanços nas tecnologias digitais e a popu-
larização das redes sociais e softwares online, a litera-
tura eletrônica alcançou outros novos gêneros e mídias, 
abrindo caminho para experiências narrativas inova-
doras. Levando ao extremo o conceito de interativi-
dade, seus desdobramentos estão agora na área dos 
Eles 
escrevem 
sem  
papel
—
A tecnologia transformou 
os livros, criando diferentes 
formas narrativas. No 
Brasil, o interesse pela e-lit 
cresce, destacando autores 
inovadores e um público 
ávido por originalidade
—
Luiza Miguez
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ao oferecer pelo dispositivo Google Docs uma criação 
poética aberta, na qual o leitor pode colaborar. O mis-
terioso perfil “Julia”, no Google Maps, narra uma his-
tória em imagens cartográficas, ao mapear e catalogar 
suas interações amorosas. As atualizações de Julia em 
“De onde vieram os homens que beijei”, “De onde vie-
ram os homens com quem dormi” e “De onde vieram 
os homens que eu amei” são narrativas curiosas, e tam-
bém divertem por seus recursos visuais. Pode-se ver, 
por exemplo, onde mora o homem que Julia amou no 
Rio de Janeiro, andar pelas ruas que o casal apaixonado 
passou, juntando cenário e história em uma brincadeira 
do que é – e do que não é – real. O YouTube também 
é espaço para criações, misturando vídeo e narrativas, 
como nas performances poéticas do paulista Wilton 
Azevedo e os vídeos-poemas do escritor pernambucano 
Marcelino Freire.
As experimentações literárias tornam-se cada vez 
mais elaboradas, com a inserção de tecnologia avançada. 
É o caso das produções do escritor e perfomer carioca 
Eduardo Kac, que impressionam em seu conceito e forma. 
Os dispositivos de Kac permitiram a criação da poesia 
holográfica (holopoesia) e da biopoesia, que mistura poe-
mas, biotecnologia e organismos vivos. Escritas com áto-
mos, DNA, amebas, linguagem das abelhas, suas obras 
abrem um novo horizonte de possibilidades literárias, no 
campo da e-lit. Outros criadores exploram softwares de 
animação e de armazenamento, e os portais online, para 
construir narrativas hipertextuais 2.1 que possibilitam 
experiências de co-autoria. No site “A história de Selma”, 
da professora paulista Maria Cristina Costa, o leitor é 
apresentado à narrativa e é convidado a direcioná-la. Já o 
livro Eros & Psique.com.br, do escritor e ilustrador Guto 
Lins, combina literatura impressa e interações virtuais. 
O site dispões de um retrato falado a ser montado pelo lei-
tor, textos abertos à colaboração e códigos de leitura QR 
(os QR-Codes, que apontam para novas páginas que só 
existem no mundo virtual). A experiência foi um desafio 
para o carioca, que nunca havia feito um livro “híbrido”. 
“Antes de tudo, foi preciso entender aquela dinâmica com 
que estava trabalhando. Pelo ineditismo do projeto, o 
levantamento de dados e a pesquisa de soluções foram 
parte do trabalho. Você precisa conhecer como funciona 
para poder pirar em uma produção que seja factível”, diz. 
“Em um livro eletrônico, a equipe de trabalho triplica; o 
tempo inteiro a narrativa foi construída com a colabo-
ração dos parceiros do design, da gráfica e da programa-
ção”, conta Guto. “A gente vai atirando a esmo e vendo 
no que acerta. É precisoser curioso.”
O campo da literatura eletrônica é muito novo, e 
seus desdobramentos na criação literária ainda são difí-
ceis de medir. Enquanto na web surgem obras e auto-
res de todos os lugares, nos veículos de comunicação, 
o debate ainda se prende ao futuro do livro impresso.
Com escassa reflexão teórica, poucos são os pes-
quisadores que acompanham e apresentam ao público 
o desenvolvimento da produção literária brasileira em 
mídia digital. O escritor e professor Jorge Luiz Antonio 
destaca-se pelo ambicioso mapeamento que preparou 
para o livro Poesia digital: teoria, histórias e antologias, 
no qual levanta esse tipo de experiência no Brasil. O pio-
neiro O livro depois do livro, da pesquisadora Giselle 
Beiguelman, uma combinação de livro e site, lança luzes 
sobre os novos suportes de leitura e as possibilidades da 
criação virtual, experimentando ela mesma a escrita em 
uma plataforma híbrida. Também dedicado à pesquisa e 
produção na área de literatura e tecnologia, o professor e 
poeta Alckmar Luiz dos Santos publicou Leituras de nós: 
ciberespaço e literatura, no qual explora o universo da 
literatura eletrônica e das criações disponíveis da web, 
além de apresentar um poema em hipertexto de sua auto-
ria. Tanto o livro de Giselle Beiguelman, quanto o de Alck-
mar Luiz podem ser baixados gratuitamente na internet.
A totalidade deste universo tecnológico, no 
entanto, precisa ainda de muito mais pesquisa e divul-
gação. Não existe nada parecido à biblioteca de obras, 
textos de referência e ensaios da Eletronic Literature 
Organization (ELO) ou da Biblioteca Virtual Miguel de 
Cervantes. Das obras de referência brasileiras, a Enciclo-
pédia Itaú Cultural é uma das poucas que fazem levan-
tamento deste universo em expansão, que vem sendo 
sistematicamente ignorado pela crítica literária tradi-
cional. É que, enquanto alguns buscam um novo papel, 
esses autores continuam escrevendo…
autores-criadores, que exploram recursos comuns como 
Google Maps, Twitter, blogs e a Wikipedia, para gerar 
literatura. Houve também os que foram em busca de 
formas expressivas mais sofisticadas, misturando pro-
gramação, algoritmos e arte. Assim nasceram os tex-
tos generativos, a literatura mobile, os enhanced books, 
chatbots, a versão 2.1 das ficções hipertextuais, os vooks, 
entre outros.
Novas linguagens pedem novos autores. Na rede, 
se destaca o blog MixLit, do escritor carioca Leonardo 
Villa-Forte (assunto na Revista Overmundo nº 2), uma 
espécie de DJ da literatura, que brinca com experimenta-
ções e mixagens de textos consagrados, criando verdadei-
ros mashups literários. “É uma provocação às fronteiras 
entre leitor e autor. A intenção é de fazer um jogo com a 
literatura, para ressaltar a possibilidade de criação sem 
limites, explorando o leque infinito de interpretações ao 
deslocar e encaixar trechos de uma forma que, em novo 
conjunto, produzam novos significados”, explica Leo-
nardo. O projeto, como outros da literatura eletrônica, 
coloca em questão a propriedade intelectual e o pró-
prio conceito de autoria, ao fazer um remix de frases de 
outros autores. “Com essas ligações, pretendo proporcio-
nar algo como uma vida bastarda aos trechos utilizados, 
jogando-os entre irmãos de diferentes pais, e de alguma 
forma tentando ver nisso a máxima de que a literatura 
nasce do mundo para o mundo”, completa o escritor.
Já o portal “Poesia Aleatória”, da jornalista 
mineira Raquel Camargo, explora recursos interativos, 
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44 45 | jan-fev 2012 |
Overmundo 
em Pílulas
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Em todas as edições, 
a Revista Overmundo 
seleciona o que de mais 
bacana circulou e gerou 
discussão entre os 
conteúdos do site nos 
últimos meses. Leia mais 
em overmundo.com.br
—
01
Discípulo de Coltrane
Promessa da noite fria paulistana, 
discípulo de Coltrane no sax, Vinícius 
Chagas honra os grandes mestres do 
jazz como uma criança falando de seus 
heróis dos gibis.
—
03
Beco das cultura
Buscando movimentar a cena 
do Vale do Mucuri (MG), o Beco 
das Cultura (isso mesmo, “das”!) 
concentrou manifestações tão diversas 
quanto fotografia, teatro, música, 
cinema, grafite e quadrinhos.
—
06
Artistas de rua em Manaus
Também explorando o espaço 
público, Rosiel M. expõe um olhar 
apurado sobre os artistas de rua de 
Manaus, concentrando-se no trabalho 
do retratista Amós Pereira e nas 
cerâmicas de Cleudison Palhaço, 
que faz de tudo um pouco. Até 
malabarismo!
—
05
Videomapping e cartografias 
imaginárias
Mapeamento de paisagens urbanas, 
intervenções, videomapping e 
cartografias imaginárias estão no 
cardápio do projeto carioca Vide Urbe, 
idealizado por Moana Mayall, em texto 
de Renato Rezende.
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02
Hare...
Dois hareburgueres, alface 
intergalática, queijo cósmico, molho 
espacial... Você já comeu Hareburguer 
na praia? E na Harelanchonete? Do 
posto 9 de Ipanema para o Universo, 
Raphael Kras investe no ‘festifud’ 
vegetariano e faz sucesso!
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04
Qui Xita Bacana
O carnaval de rua potiguar está se 
revitalizando. Conheça um pouquinho 
mais da história recente desse 
movimento e desfile com o bloco 
Qui Xita Bacana.
—
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Levar o teatro para o cinema, salas 
de vídeo, computadores e celulares em qualquer lugar 
do mundo. É com esse objetivo que o ator, autor, pro-
dutor e roteirista piauiense Franklin Pires brinca, “com 
paixão e seriedade”, de fazer cinema. Conhecido no 
Piauí principalmente pela realização de paródias de 
filmes da saga hollywoodiana Crepúsculo, Franklin 
aproveita as facilidades da era digital para inves-
tir na produção audiovisual e divulgar seu trabalho 
multimidiático.
 “Trabalhei com vídeo desde o início da minha 
carreira. Morei no Rio de Janeiro e lá fiz um curso de 
interpretação para a TV. Voltei com a ideia de fazer 
algo relacionado à TV. Fui a primeira pessoa a fazer 
um seriado na TV piauiense, As aventuras de Nino. 
Também fiz a primeira web-novela do Piauí e uma das 
primeiras do Brasil, chamada Os segredos da Mona-
lisa, em um site independente que tinha como pro-
posta ser um canal de TV só com vídeos na internet”, 
relata Franklin sobre suas primeiras experiências com 
o audiovisual. 
Integrante da Cia. de Teatro da Tribo, Franklin 
começou a experimentar a mistura entre teatro e cinema 
com o infantil Franklinstein Júnior. “Desenvolvi uma 
animação para essa peça, feita quadro a quadro. Dese-
nhei e pintei mais de mil quadros para fazer a sobrepo-
sição na tela”, explica.
Na sátira Corpúsculo, Franklin levou para o teatro 
projeções de paisagens do filme Crepúsculo, que fizeram 
grande sucesso entre o público. Mas foi com Eclampse, 
quando passou a produzir as imagens projetadas, que 
Franklin aproximou-se do mundo das filmadoras, ilhas 
de edição e programas de efeitos especiais. “Foi daí que 
surgiu a idéia de fazer filmes. Fizemos o Corpúsculo, 
que pegou muito e está rodando em todo o estado. Em 
seguida fiz o curta Coração Saltimbanco, sobre educa-
ção. Depois fiz um longa sério, no sentido de ser mais 
profissional, o Mocambinho, o filme”, enumera o pro-
dutor cultural. 
Sério, nesse caso, quer dizer, segundo Franklin 
Pires, com maiores recursos de captação de imagem 
e som, de edição e finalização; mas, ainda assim, com 
dificuldades técnicas. “Todo o recurso vem do meu 
bolso. Fiz esse filme com R$ 12 mil, que eu usaria para 
fazer um intercambio em Nova York. Aluguei casa no 
Mocambinho [o título do filme é o nome de um bairro 
de Teresina, onde se entrelaçam as histórias do enredo], 
comprei filmadora digital que filma em HD, computador, 
uma boa ilha de edição, boom [microfone direcional]. 
Ele tem um aspecto caseiro, mas tem todo um lado pro-
fissional. Tenho orgulho de dizer que foi feito aqui. Muita 
gente elogia porque sabe que a gente não tem dinheiro, 
mas faz. Para fazer em película, sairia o preço de vários 
intercâmbios em Nova York”, conta.
A receita bem-sucedida da sátira

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