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Medicalização da Educação e da Sociedade

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RECOMENDAÇÕES DE PRÁTICAS 
NÃO MEDICALIZANTES PARA 
PROFISSIONAIS E SERVIÇOS DE 
EDUCAÇÃO E SAÚDE
São Paulo
1ª Edição Revista 
Julho/2013
FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO 
E DA SOCIEDADE
RECOMENDAÇÕES DE PRÁTICAS NÃO 
MEDICALIZANTES PARA PROFISSIONAIS E 
SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE
Grupo de Trabalho Educação & Saúde
Integrantes:
Alecxandra Mari Ito, Beatriz de Paula Souza, Clara Portal dos 
Santos, Claudia Perrotta, Jason Gomes, Juliana Garrido Pereira, 
Lucia Masini, Lucy Duró Matos Andrade Silva, Maria Luiza Car-
rilho Sardenberg, Maria Rozineti Gonçalves, Mariana Arantes 
Nasser, Marilda Nogueira Costa de Almeida, Mary Yoko Oka-
moto, Ricardo Cesar Caraffa, Ricardo Taveiros Brasil, Rosemar 
Prota, Rui Harayama e Vera Regina Vitagliano Teixeira.
Entidades:
Associação Palavra Criativa/IFONO, Centro de Saúde Escola 
“Samuel Barnsley Pessoa” – Butantã (Faculdade de Medicina da 
Universidade de São Paulo – FMUSP), Departamento de Pedia-
tria da Faculdade de Medicina da UNICAMP, Departamento 
de Psicologia Clínica da Faculdade de Psicologia da UNESP 
Campus Assis, Grupo Interinstitucional Queixa Escolar, Instituto 
SEDES Sapientiae, Laboratório Interinstitucional de Estudos 
e Pesquisa em Psicologia Escolar e Educacional da Universi-
dade São Paulo, Rede HumanizaSUS, Serviço de Psicologia do 
Hospital do Servidor Público Municipal e União de Mulheres do 
Município de São Paulo.
Comissão organizadora:
Alecxandra Mari Ito, Claudia Perrotta, Jason Gomes, Lucia 
Masini, Lucy Duró Matos Andrade Silva, Maria Luiza Carrilho 
Sardenberg, Maria Rozineti Gonçalves, Mariana Arantes Nasser, 
Marilda Nogueira Costa de Almeida, Ricardo Cesar Caraffa, 
Ricardo Taveiros Brasil, Rui Harayama e Vera Regina Vitagliano 
Teixeira.
Apoio:
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP 
Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa – 
Departamento de Medicina Preventiva - Faculdade de Medicina 
da Universidade de São Paulo 
São Paulo
1ª Edição Revista 
Julho/2013
SUMÁRIO
CARO PROFISSIONAL 7
QUEM SOMOS 10
OBJETIVOS GERAIS 12
CONCEITOS E CONTEXTOS 14
 1. Crítica à medicalização 14
 2. Medicalização e educação 16
 3. Sobre Sistema Único de Saúde e seus 
serviços 19
 4. Representações e práticas dos profissionais 
de saúde sobre queixas escolares 22
 5. Algumas questões relativas às famílias 25
RECOMENDAÇÕES: EXPECTATIVAS E PROPOSTAS 
DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO 28
 1. Introdução 28
 2. Aos profissionais de educação 29
 3. Aos profissionais de saúde 34
 4. Para a interação de profissionais e 
articulação em rede de serviços 46
 5. Aos profissionais de educação e saúde: 
estratégias de trabalho com leitura e escrita 50
 6. Para políticas públicas 68
DESPEDIDA 71
REFERÊNCIAS 73
6
7
CARO PROFISSIONAL
Não são raras as ocasiões em que deparamos com crianças 
e adolescentes que apresentam as chamadas “dificuldades de 
aprendizagem”. E também não são poucas as vezes que procura-
mos compreendê-las como advindas de problemas orgânicos, 
concordam? 
A verdade é que os encaminhamentos dessas demandas 
para serviços de saúde só têm crescido nos últimos tempos, e 
isso é de conhecimento de todos, além de ser prática corrente 
entre muitos de nós.
No entanto, o que muita gente desconhece é que o encamin-
hamento de escolares para serviços médicos, a fim de solucionar 
supostos problemas de aprendizagem tem um nome: MEDICALI-
ZAÇÃO da educação. 
A lógica medicalizante busca causas orgânicas para proble-
mas de diferentes ordens. Tomemos o processo de aprendizagem, 
por exemplo. Quando um estudante apresenta alguma suposta 
“dificuldade”, logo surge a questão: será que a causa está num 
mau funcionamento orgânico? Procurar saber se ele enxerga 
e ouve bem, alimenta-se de forma saudável não é equivocado: 
deve mesmo ser feito. O problema é logo determinar que a causa 
de suas questões escolares tem como ÚNICA via de explicação 
algum aspecto de ordem orgânica, geralmente atribuído a uma 
função cerebral mal desempenhada. Daí para a prescrição de 
remédios e/ou de tratamentos que se centram apenas nas dificul-
dades é um pulo bem curto. Mas, por vezes, o estrago que esse 
pulinho faz na vida dessa pessoa é do tamanho de um abismo! 
Isso porque a redução à perspectiva de problema orgânico e 
individual engessa qualquer outra possibilidade de compreensão 
e intervenção na vida escolar dessa pessoa, que, de aprendiz, 
passa a ser entendida e acolhida como doente. Será que é isso 
8
mesmo?
Com certeza, NÃO! O processo de aprendizagem é multide-
terminado; isto é, depende de vários fatores que estão relaciona-
dos às condições sociais, institucionais, políticas e econômicas 
nas quais estamos inseridos. Se algo não vai bem na aprendi-
zagem de um determinado aluno, muitos aspectos devem ser ob-
servados e relacionados. E o mais importante: o olhar do profis-
sional, tanto da área da educação como da saúde, não deve ser 
o de procurar o que falta (falta atenção, falta disciplina, falta co-
mida, falta coordenação motora...), pois, nesse caso, a lógica é a 
mesma da medicalização. O olhar deve se voltar para tudo que 
situa as condições do início e de todo o decorrer do processo que 
gerou a questão; perguntas que nos levem a entender quando, 
por quê, para quê, com quem, para quem, onde o problema se 
encontra nos mostram esse caminho. 
À medida que respostas a essas perguntas são delineadas, 
surge um sujeito singular com sua história de vida, entendida aqui 
como narrativa construída na teia de relações sociais em um de-
terminado contexto histórico. Podemos então obter parâmetros 
para estratégias de acolhimento, alívio e resolução de seu sofri-
mento. E isso sem despotencializá-lo em seu papel de aprendiz!
Convidamos você, profissional da educação e da saúde que 
também defende e respeita a diversidade humana e a possibi-
lidade de diferentes formas de aprender, a conhecer este mate-
rial que apresenta recomendações para orientação e atuação nos 
serviços.
Nas próximas páginas, você vai encontrar informações so-
bre o grupo que vem construindo este material, quais os princí-
pios que nos norteiam, quais aspectos recomendamos que sejam 
abordados em suas atuações e, ainda, algumas sugestões de tra-
balho dentro desta perspectiva.
Buscamos construir um material com uma linguagem aces-
sível, que pode ser utilizado na íntegra ou por tópicos, em difer-
9
entes arranjos e encontros entre profissionais de saúde e de edu-
cação.
Caso tenha interesse em se aprofundar nos assuntos, sug-
erimos algumas referências para leitura e materiais audiovisuais 
complementares que serão apresentados pelos seguintes ícones 
gráficos, respectivamente:
 Siga em frente, leia as recomendações, incorpore-as em 
sua prática cotidiana e compartilhe nas reuniões com sua equipe.
Esperamos que, a partir de sua leitura e reflexões, este ma-
terial pertença a todos nós e faça parte de nossas práticas cotidi-
anas.
Grupo de Trabalho (GT) Educação & Saúde
Fórum sobre a Medicalização da Educação e da 
Sociedade
10
QUEM SOMOS
Fazemos parte do Fórum sobre Medicalização da Educação 
e da Sociedade. Para saber mais sobre nossos posicionamentos 
e ações, acesse o site www.medicalizacao.org.br.
Os modelos tradicionais de atuação profissional em saúde e 
educação têm sido alvo de críticas que não só revelam os equívo-
cos e as ideologias que perpassam os encontros entre as duas 
áreas, como abrem espaço para a construção de práticas alterna-
tivas às que historicamente se constituíram como hegemônicas. 
Eis o mote a partir do qual se constitui, no interior do Fórum sobre 
Medicalização da Educação e da Sociedade, o GT Educação & 
Saúde - coletivo de profissionais que se propõe a discutir formas 
de atuação na contramão da lógica medicalizante que caracteri-za, em boa parte dos casos, os encontros entre ambas as áreas. 
O grupo é formado por profissionais de Antropologia, de 
Fonoaudiologia, de Medicina, de Pedagogia e de Psicologia. Para 
além das especificidades de cada campo de atuação, nos encon-
tramos alinhados em relação aos seguintes princípios:
• Defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente, Sistema 
Único de Saúde (SUS) e escolarização de boa qualidade para 
todas as crianças e todos os jovens;
• Posição contrária em relação aos processos de medicali-
zação na/da educação (crianças/jovens e supostos distúrbios de 
aprendizagem e transtornos de comportamento);
• Compromisso ético e político com os processos de human-
ização da vida;
• Necessidade de pensar as questões escolares encamin-
hadas aos serviços de saúde a partir de uma rede de relações na 
qual se tece sua história de produção, manutenção e superação, 
deixando de vê-las como fenômenos a serem compreendidos 
numa perspectiva individual;
11
• Necessidade de considerar, na análise dos casos em at-
endimento, os sistemas de saúde e de educação, as políticas 
públicas em ambas as áreas e os funcionamentos institucionais 
que atravessam, de diversas formas, a constituição das questões 
escolares;
• Compromisso com a contínua construção coletiva de estra-
tégias de enfrentamento, nos encontros entre saúde e educação, 
de modo a fazer frente às concepções e práticas que medicalizam 
os processos de atendimento de crianças e jovens. 
 
12
OBJETIVOS GERAIS 
O GT Educação & Saúde considera que a perspectiva não 
medicalizante do Fórum sobre Medicalização da Educação e da 
Sociedade requer atuação ético-política, acadêmico-científica e 
técnica. Ético-política, ao tomar posição e se engajar na prop-
osição de políticas públicas; acadêmico-científica, ao formular 
e apresentar estudos e argumentos teóricos sobre os aspectos 
envolvidos, e técnica, ao propor elementos conceituais e propos-
tas operacionais para as práticas cotidianas de profissionais e 
serviços. 
As recomendações que ora apresentamos dizem respeito, 
portanto, à atuação desse fórum, tendo como objetivo apoiar 
profissionais e serviços alinhados à perspectiva não medicali-
zante e que buscam atuar de forma a fazer frente a práticas he-
gemônicas. 
Trata-se de esforço coletivo, resultado do trabalho do GT Ed-
ucação & Saúde, incluindo as discussões de um minicurso oferta-
do no II Seminário “A Educação Medicalizada” (São Paulo, 2011), 
da rede de interlocução virtual com os profissionais que dele par-
ticiparam e de dois eventos realizados também em São Paulo: 
um deles em junho de 2012, no Centro Saúde-Escola Samuel 
Barnsley Pessoa, intitulado: “Seminário de Atenção Primária à 
Saúde: Medicalização da Educação, da Saúde e da Sociedade: a 
quem interessa e como enfrentamos essa questão?”, e o outro em 
outubro de 2012, na Biblioteca Monteiro Lobato, intitulado: “Medi-
calização da Educação, da Saúde e da Sociedade: há espaço na 
escola para os diferentes modos de aprender?”.
A partir disso, este material tem como objetivos: 
• Favorecer a compreensão das necessidades relativas à 
educação, saúde e vida de crianças, adolescentes, familiares e 
seus grupos sociais, a partir de uma perspectiva não medicali-
zante;
13
• Apoiar a abordagem não medicalizante dessas necessi-
dades de indivíduos e coletivos no trabalho de profissionais e 
serviços de educação e saúde;
• Fornecer instrumentos potencializadores de práticas de 
educação e cuidados em saúde que contemplem a diversidade 
nas formas de ser e aprender, respeitando os direitos das crian-
ças e dos adolescentes.
14
CONCEITOS E CONTEXTOS
1. Crítica à medicalização
Desde que o filósofo austríaco Ivan Illich passou a criticar 
as tendências de transformar as dores e questões da vida hu-
mana em temas de domínio médico (na passagem da década de 
70 para a década de 80), discursos comprometidos com a ética 
e com a dignidade das pessoas têm trazido preocupação com 
relação aos processos de medicalização engendrados na cultura 
ocidental. O filósofo Michel Foucault, o escritor Peter Conrad e os 
psiquiatras Peter Breggin e Thomaz Szasz figuram entre alguns 
dos nomes importantes que deram continuidade à crítica do fenô-
meno da medicalização.
Entende-se por medicalização o processo por meio do qual 
as questões da vida social – complexas, multifatoriais e marcadas 
pela cultura e pelo tempo histórico – são reduzidas a um tipo de 
racionalidade que vincula artificialmente a dificuldade de adap-
tação às normas sociais a determinismos orgânicos que se ex-
pressariam no adoecimento do indivíduo.
Assim, não se fala das precárias e sofríveis condições de 
trabalho, quando se observa o adoecimento do professor, mas 
sim foca-se na doença, hoje conhecida como burnout 1 não se fala 
de indivíduos questionadores, mas de portadores de “transtorno 
opositor desafiador”2 . 
A educação não fica de fora desse processo, e as dificul-
dades do processo educativo (ampliadas no interior de um sistema 
educacional problemático) são facilmente reduzidas a supostos 
transtornos que “acalmam” o mal-estar de famílias e profissionais 
de saúde e educação frente a uma série de dilemas sociais.
A racionalidade operante da medicalização nos processos 
1 Estado de esgotamento físico e mental ligado à vida profissional. 
2Transtorno caracterizado por atitudes e comportamentos negativistas, opositivos, desafiadores 
e hostis contra figuras de autoridade, como pais, familiares e professores. 
15
de avaliação e de intervenção junto a crianças e jovens com di-
ficuldades no processo de escolarização representa um retorno 
de explicações organicistas, centradas na ideia de distúrbio de 
aprendizagem para justificar o não aprender numa escola e numa 
sociedade que raramente são questionadas em sua estrutura 
(SOUZA, 2010).
Tome-se o exemplo da dislexia: tudo o que se poderia prob-
lematizar sobre leitura e escrita como representação social da 
linguagem humana e enquanto construção simbólica (portanto, 
dependente de mediação) é reduzido a uma suposta “doença 
neurológica” contra a qual pouco se pode fazer. O que nem todos 
sabem é que existe, na própria comunidade médica, uma enorme 
polêmica e um dissenso muito sério em torno deste suposto dis-
túrbio neurológico, várias vezes renomeado e frágil enquanto 
entidade nosológica nos termos da racionalidade médica e nos 
termos do rigor que se espera da ciência médica (MOYSÉS e 
COLLARES, 2010).
Pode-se dizer que os processos de medicalização pro-
movem a seguinte inversão: ao invés de se fabricarem remédios 
para doenças, fabricam-se doenças para remédios, com vistas 
ao aquecimento de um mercado que se abre para a indústria 
farmacêutica com a criação de supostas doenças. As relações 
que se estabelecem entre a indústria e a produção dos artigos 
que “comprovam” a existência das doenças, além da “eficácia” 
dos tratamentos balizados por essa lógica “terapêutica”, passam 
longe do que se espera do ponto de vista ético.
Certamente, uma das maneiras de enfrentamento do fenô-
meno da medicalização consiste no fortalecimento de políticas 
públicas em educação que favoreçam a passagem de crianças e 
jovens pela escola sem que sejam capturados pela lógica medi-
calizante.
É válido apresentar a definição de política pública: trata-se 
de “um conjunto de objetivos que informam programas de ação 
16
governamental e condicionam a sua execução, isto é, um con-
junto articulado de decisões de governo que visam aos fins pre-
viamente estabelecidos a serem atingidos por meio de práticas 
encadeadas e globalmente programadas” (AUGUSTO, 1989, p. 
106).
O tema das políticas públicas articula-se, por sua vez, ao 
dos sistemas de saúde e educação. Levar em conta a realidade 
brasileira no atual momento implica a consideração dos estados 
de precarizaçãonos quais se encontram os equipamentos públi-
cos de atendimento à população, que não possui condições de 
“pagar” por aquilo que, a bem da verdade, seriam os seus direitos 
básicos. A discussão sobre direitos (no caso específico, o direito 
de crianças e de adolescentes à saúde e educação) remete ao 
Estatuto da Criança e do Adolescente, importante conquista da 
sociedade brasileira que tem sido negada com os processos de 
medicalização em curso.
 
2. Medicalização e educação
São muitas as entradas possíveis para uma discussão que 
se atreva a colocar em questão nosso sistema educacional. Os 
parágrafos a seguir tratam de um tema polêmico, porém, rele-
vante: a participação do sistema educacional nos processos de 
medicalização da educação, tanto no que se refere à promoção 
desses processos quanto à sua negação.
O título de um texto recente, de 2009, da psicóloga esco-
lar Souza Patto, “Sob o signo do descaso”, já sugere que nossa 
política educacional deve ser analisada criticamente para que seja 
apreendida. A autora instiga o leitor a indagar-se sobre os reais 
interesses da escolarização de um povo. O fato de o acesso ao 
conhecimento constituir um direito do cidadão foi historicamente 
desconsiderado em função dos imperativos políticos e econômi-
cos do século passado, cujos desdobramentos temos acompan-
hado em nossos dias. Ou seja, o fracasso da escola é resultado 
17
inevitável de um sistema educacional congenitamente gerador de 
obstáculos à realização de seus objetivos (PATTO, 1990).
A autora aponta que uma ideologia privilegiada de explicação 
do fracasso escolar de um número considerável de usuários da 
escola é precisamente a patologização destes - ideologia porque 
localiza no indivíduo a dificuldade que lhe é praticamente imposta 
por uma política educacional que insiste em não vê-lo como ci-
dadão e, assim, justifica o existente.
As diretrizes que orientam a gestão do sistema - Nível Fed-
eral (Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação), 
Nível Estadual (Secretarias e Conselhos Estaduais) e Nível Mu-
nicipal (Secretarias e Conselhos Municipais) - balizam o trabal-
ho de conselhos e unidades escolares. Os projetos de lei que 
propõem diagnósticos e tratamentos para supostos distúrbios de 
aprendizagem ou de comportamento nas escolas influem na es-
fera macro desse sistema, promovendo processos de medicali-
zação num âmbito mais abrangente. Por outro lado, há um acento 
medicalizante nos funcionamentos institucionais das escolas que 
também necessita ser considerado. 
Um exemplo é a nota no boletim, e também a possibilidade 
de ingresso no vestibular, que são mais valorizados do que a ap-
ropriação do conhecimento. Sousa (1995, p17) aponta que “os 
alunos não discutem o que estão aprendendo, se estão apren-
dendo, o sentido do que estão aprendendo, mas que nota tiraram 
e em que disciplina estão com ou sem ‘média’”. 
Também Luckesi (2009), um dos mais respeitados espe-
cialistas em avaliação da aprendizagem, afirma que esse tipo de 
exame é autoritário e tem um fim em si mesmo. Segundo o au-
tor, trata-se de um misto de disciplinamento e punição ao invés 
de um ato pedagógico fundamental e necessário, como é o caso 
da avaliação da aprendizagem. Além disso, esse sistema expõe 
moralmente os alunos quando valoriza os “melhores” e condena 
os “piores”, tidos como mais ou menos inteligentes, respectiva-
mente. E isso tudo é feito, muitas vezes, estigmatizando-os com 
18
uma etiqueta psiquiátrica.
No texto intitulado “Funcionamentos escolares e a produção 
de fracasso escolar e sofrimento”, Paula Souza (2007) destaca 
uma série de mecanismos que favorecem concepções e práticas 
medicalizantes no interior das instituições escolares. Dentre os 
muitos aspectos elencados, o costume de encaminhar a espe-
cialistas alunos que não correspondem às expectativas/ideais de 
aprendizagem e comportamento pode e deve ser visto com muita 
cautela, pois muitos desses encaminhamentos tendem a individu-
alizar a queixa e os conflitos gerados a partir dela, fortalecendo, 
assim, os processos de medicalização.
De fato, a escola tem sido invadida pelos discursos de espe-
cialistas que impõem seus saberes aos profissionais da educação, 
e é preciso que se diga que isso não caracteriza interlocução. É 
preciso que o educador desautorize essas invasões.
Diante disso, cabe lembrar que a crítica ao sistema educa-
cional não pode abstrair seu objeto (o sistema) e deixar de pensar 
o instituído como trabalho concreto de homens concretos, isto é, 
a passagem do que se institui para o chão da escola é uma pas-
sagem sempre encarnada. Sendo assim, a crítica do sistema não 
isenta o sujeito de responsabilidade.
Embora marcado por um sem-número de obstáculos e di-
ficuldades, o contexto escolar - como lugar de contradição - é 
propício à emergência de vozes de resistência. 
Fala de Ricardo Caraffa no evento “Medicalização da ed-
ucação, da saúde e da sociedade: Há espaço na escola 
para os diferentes modos de aprender?”.
http://www.youtube.com/watch?v=h2YGK2Ny-4E
ht tp : / /evo lu i reducac iona l .com.br /wp-content /up-
loads/2013/06/Crianças-e-jovens-continuam-vítimas-do-
sistema-educacional-no-processo-de-escolarização.pdf
19
 
3. Sobre Sistema Único de Saúde e seus serviços
O Sistema Único de Saúde (SUS)3 prevê que os cuidados 
integrais à saúde são de responsabilidade dos sistemas locais 
de saúde, o que, no caso de crianças e adolescentes, significa a 
proposta de que tenham acesso a esses serviços e neles sejam 
contemplados para a promoção e atenção à sua saúde. 
O SUS é composto por serviços, sendo que a Atenção 
Primária à Saúde constitui o primeiro nível de complexidade, re-
sponsável por atender à maior parte das necessidades, além de 
atuar como porta de entrada dos usuários no sistema e na co-
ordenação de seu cuidado nos casos que requerem referencia-
mento aos demais níveis (Política Nacional de Atenção Básica, 
2006). O médico sanitarista Paim (2006, p. 50-51) discute a aten-
ção primária à saúde a partir de três principais concepções: 
• “Atenção primitiva à saúde”, conforme Testa (1992); 
• Primeiro nível, atendimento de primeira linha, “atenção 
primeira e básica”, com integração complexa de saberes e práti-
cas (SCHRAIBER e MENDES-GONÇALVES, 1996);
• Componente estratégico da proposta de saúde para todos 
em 2000 (Organização Panamericana de Saúde, 1990). 
A política nacional e as normativas dos estados e municípios 
têm maior relação com a segunda perspectiva. 
Ainda analisando o SUS segundo a organização do sistema 
em diferentes níveis de complexidade, tem-se o Nível Secundário, 
que reúne ambulatórios especializados, exames complementares 
e hospitais dirigidos a patologias de complexidade moderada. O 
Nível Terciário é representado pelos hospitais dirigidos a doenças 
3 Para saber mais sobre o SUS, confira: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/ 
20
mais complexas e serviços muito especializados. Além dessas, 
existem outras categorizações possíveis, a depender do enfoque, 
por exemplo, em regionais de saúde, locais de atendimento, sis-
tema público e privado, como descrevem Cohn e Elias (1999), 
socióloga e médica sanitarista, respectivamente. 
Segundo esses autores, além de reunir equipamentos públi-
cos de saúde, o SUS também é responsável pela regulamentação 
dos serviços privados, que atuam em caráter suplementar, o que 
está expresso na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica 
da Saúde (Lei 8080 de 1990), que instituem o SUS. 
Uma vez que a Atenção Primária à Saúde constitui relevante 
porta de acesso ao sistema, é importante destacar que cada Uni-
dade Básica de Saúde responde pela atenção de uma determi-
nada população habitante de um território. Além disso, o tipo de 
atendimento e os recursos humanos variam de acordo com mod-
elos de organizaçãoda atenção, existindo atualmente três tipos 
principais: o tradicional, composto por atenção à saúde da crian-
ça, do adulto, da mulher, saúde mental e algumas especialidades; 
a Estratégia de Saúde da Família (ESF), composta por equipes 
mínimas de saúde (médico, enfermeira, técnicas de enfermagem, 
agentes comunitários de saúde, cirurgião dentista, técnico em od-
ontologia); e as diferentes formas de arranjos mistos entre ambos. 
Em algumas situações, o acesso ao sistema se dá por serviços 
de pronto-atendimento, mas, geralmente, ocorre um encaminha-
mento dos usuários destes para as unidades básicas. 
No intuito de aumentar a potencialidade dos profissionais 
generalistas, vêm sendo desenvolvidas atualmente experiências 
de matriciamento4 e supervisão, destacadamente com os Núcleos 
de Apoio à Saúde da Família (NASF)5. Outra possível ponta da 
rede de atenção no que tange às demandas para a saúde ad-
vindas da educação podem ser os serviços especializados, com 
4 Trata-se de instrumento de apoio para a organização e a realização técnica dos trabalhos, 
com base numa estrutura de tipo matricial, cruzando projetos e funções, e sob uma gestão 
participativa, na qual estão envolvidos os diversos profissionais.
5 Para saber mais, confira: http://dab.saude.gov.br/nasf.php 
21
destaque para ambulatórios de saúde mental, como os Centros 
de Apoio Psicossocial infantis. No caso de adolescentes, existe 
também a “Casa do Adolescente”, que se caracteriza como uma 
unidade de atenção primária com foco específico nessa faixa 
etária e, por isso, quase especializada. Além disso, vale lembrar 
que a saúde não é, nem deve ser, a única responsável por lidar 
com a saúde e com a vida de seus usuários, ainda mais quando 
as questões que suscitam a procura de cuidados passam por ne-
cessidades relativas à educação, aos direitos e à vida em socie-
dade, sendo relevante a busca de parcerias e trabalhos em rede 
com outros setores, tanto para o compartilhamento de conheci-
mentos e instrumentos de ação como de responsabilidades.
O sistema suplementar de atenção à saúde, caracterizado 
por prestação particular de serviços, também recebe grande afluxo 
de crianças e adolescentes, em geral em arranjos ambulatoriais, 
que por este motivo podem se aproximar de algumas questões 
que trazemos adiante relativas ao acesso pela atenção primária à 
saúde. Essa semelhança pode acontecer principalmente quando 
as famílias buscam serviços generalistas de atenção à saúde da 
criança e do adolescente. Entretanto, com frequência, as famílias 
buscam especialistas, ou seja, já chegariam a uma atenção se-
cundária casos em que a integralidade da abordagem pode ser 
uma questão desafiadora. Características como a autonomia de 
profissionais de saúde podem ganhar maiores relevos quando 
em atuação liberal, conforme estudado pela médica sanitarista 
Schraiber e colaboradores (1999); e/ou as pressões por produtivi-
dade de atendimento dos planos de saúde, somadas à tendência 
à especialização e a alguns posicionamentos das corporações 
profissionais, podem acarretar em riscos de abordagens mais 
medicalizantes.
Considerando que este material aborda principalmente a at-
enção à saúde de crianças e adolescentes, a entrada do usuário 
no serviço de saúde é feita basicamente na Atenção Primária à 
Saúde e, destacadamente, de três formas distintas: (a) pelo próp-
rio usuário ou seu responsável na recepção da unidade de saúde; 
22
(b) por intermédio de visitas à comunidade e discussões de caso 
por agente comunitário pertencente à equipe da Estratégia de 
Saúde da Família (ESF) ou qualquer outro profissional de saúde 
da equipe desta unidade; (c) por solicitação específica de institu-
ições de outros setores (educação, justiça, etc.).
Vale dizer que nos casos a e b também existe, frequente-
mente, uma sugestão ou um encaminhamento de alguma institu-
ição para que a criança, o adolescente ou seus pais acessem o 
serviço de saúde.
 
4. Representações e práticas dos profissionais de 
saúde sobre queixas escolares
 Nos dias atuais, tem sido frequente a emergência ou o en-
caminhamento aos serviços de saúde de queixas relativas às di-
ficuldades vivenciadas durante o processo de escolarização ou às 
diferentes formas de ser e aprender de crianças e adolescentes. 
Em geral, a questão aparece como um problema individual, que 
causa sofrimento ao estudante e também à sua família. Raras 
vezes são discutidos fatores como o contexto de instauração des-
sas dificuldades ou a história de aprendizagem da pessoa; em 
lugar disso, crianças, adolescentes, pais e escolas depositam nos 
serviços de saúde a esperança de resolução da situação.
 Considerando que a medicalização requer duas posições 
complementares, sendo uma ocupada pelo adoecido e outra por 
aquele que propõe a cura, neste tópico buscamos discutir o papel 
dos profissionais de saúde, as representações que fazem sobre 
o tema e sua possibilidade de enfrentar a medicalização por meio 
de sua prática. 
 Ainda que os serviços e os profissionais de saúde não se-
jam os únicos responsáveis pelo processo de medicalização, é im-
portante refletir que, com frequência, reforçam ou deixam de prob-
lematizar esta situação ao embasarem suas ações unicamente 
23
em conhecimentos biomédicos e em procedimentos que visam 
ao êxito técnico. Essa polaridade na atuação dos profissionais de 
saúde talvez possa ser explicada pelo fato de a técnica baseada 
no conhecimento biomédico constituir núcleo central da formação 
curricular, legitimado por necessidades de saúde e finalidades do 
trabalho socialmente aceitas. Entretanto, conforme aponta o mé-
dico sanitarista Ayres (2004), o pleno cuidado em saúde depende 
da busca articulada do êxito técnico e do sucesso prático. Para 
haver sucesso prático, é importante que o encontro de saúde vise 
à identificação e à construção de projetos de felicidade do sujeito.
Um caminho para a superação deste fenômeno pode ser, 
portanto, o incremento da formação pela consideração de con-
teúdos que favoreçam a ampliação do olhar, bem como uma in-
teração mais dialógica com o usuário. E sem dúvida, esse é um 
caminho importante a percorrer. Entretanto, para além de repen-
sar a formação dos profissionais, é também possível e interes-
sante analisar as representações dos profissionais de saúde so-
bre o tema e sobre o seu trabalho, bem como rever as práticas 
atualmente em curso nos serviços de saúde. 
A teoria do trabalho em saúde pode contribuir para essa re-
visão ao aprofundar a discussão e favorecer a apreensão de in-
strumentos para transformar o questionamento da medicalização 
em ação. Segundo os médicos sanitaristas Schraiber e Mendes-
Gonçalves (2000, p. 29): “quando lidamos com a organização de 
serviços, as necessidades de saúde são o aspecto mais impor-
tante, pois suscitam os serviços e embasam a configuração geral 
de sua estrutura”. Entretanto, as práticas podem instaurar ne-
cessidades e diferentes possibilidades de condução de projetos.
Como apontam os autores, a definição de necessidades é 
muito complexa, pois pode se referir a um “carecimento” ou “uma 
falta” trazida pelo usuário, mas também se apresentam como as 
próprias intervenções em saúde. Este seria o “aspecto instaurador 
de necessidades da própria produção de serviços ou bens”. Além 
24
disso, os serviços pensam nelas como “necessidades sociais”, 
o que é uma concepção complexa, não pela origem social das 
necessidades, mas pela “pretensão de bem comum”: assume-se 
que elas são de todos e, por isso, seriam necessidades sociais, 
que precisariam ser atendidas. 
Compreender as práticas em saúde por sua dimensão de 
trabalho permite entender as ações de seus profissionais enquan-
to intervenção técnica e política na realidade de saúde e, por-
tanto, intencionalmente realizadas, com vistas a produzir trans-
formações. Assim,essas ações correspondem a processos de 
trabalho, cujo produto é a assistência. Nessa operação, as ne-
cessidades em saúde, tomadas como necessidades sociais, de 
indivíduos e grupos, são o objeto sobre o qual recai o trabalho, 
conduzido por agentes com intenção, instrumentos específicos e 
saberes competentes, com vistas a atingir a finalidade de realizar 
as necessidades humanas. Ou seja, segundo Nemes (2000), mé-
dica sanitarista, as finalidades dos trabalhos são correspondentes 
à construção sociopolítica do modo social de viver; a produção 
através do trabalho é, portanto, uma expressão técnica da direção 
dessa construção. 
É importante ressaltar que o agente do trabalho opera um 
saber; isto é, traduz um conhecimento em tecnologia, e, ao faz-
er isso, pode reiterar ou criticar a direcionalidade do trabalho 
(NEMES, 2000). Por isso, se entendidas enquanto objetivos dos 
serviços, as finalidades dirigem as ofertas, sendo, assim, instau-
radoras de necessidades (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 
2000). 
Por isso, frente ao problema da medicalização, profission-
ais de saúde e serviços de saúde podem atuar para reforçar ou 
modificar essa situação, pois, de acordo com seu posicionamen-
to, oferecerão atividades num ou noutro sentido, e essa oferta 
moldará também o tipo de necessidade que emergirá neste con-
texto. Ou seja, caso assumam uma postura a favor de práticas 
não medicalizantes, este posicionamento certamente contribuirá 
para a condução de formas de operar o trabalho que levarão à 
25
emergência do tema entre as necessidades dos usuários, bem 
como à adoção de práticas de cuidado de indivíduos e populações 
que se disponham a discuti-las.
 
5. Algumas questões relativas às famílias
Muitas vezes, problemas familiares aparecem como justifi-
cativas de supostos comportamentos sociais desviantes por parte 
de crianças e adolescentes. Famílias problemáticas, ausentes, 
difíceis, desestruturadas, disfuncionais são alguns dos vários ad-
jetivos utilizados para caracterizá-las. Mas quais seriam os crité-
rios que utilizamos para chegar a esses rótulos? 
Vamos pensar na seguinte cena: manhã de sol, a mãe põe 
a mesa do café, o pai assiste ao telejornal, as crianças acordam, 
após alguns chamados carinhosos, e o cachorro aparece ao lado 
da mesa para pedir comida. Todos estão sorridentes, tudo parece 
funcionar tão bem... Só que na TV, nas clássicas propagandas 
de margarina... Trata-se então de um tipo idealizado de família, 
bem distante da realidade brasileira contemporânea. Mas, mesmo 
assim, insistimos em usá-lo como referência ao olharmos para 
crianças e adolescentes que atendemos e educamos em nossos 
serviços. Por que reproduzimos esse modelo? 
Talvez, por estarmos inseridos em um modelo burguês, ten-
hamos nos acostumado com essa idealização, e qualquer outra 
forma de relacionamento familiar tende a nos causar certo estra-
nhamento, parecendo errada, frágil, sem sustentação, sem es-
trutura. Uma casa sem pilares, uma cadeira sem pé, nessa família 
algo falta. E essa ausência seria aquela que impossibilitaria a tal 
“normalidade” modelar. 
Na família que acriticamente nomeamos como desestrutur-
ada, falta o pai, a mãe, faltam recursos financeiros. Falta, ainda, 
aquele que deveria comparecer em nossos serviços, em nossas 
reuniões escolares, com toda a disposição para acompanhar 
26
seus filhos, mesmo que isso signifique perder um dia de trabalho 
ou enfrentar duas ou mais conduções lotadas. Quando não aten-
dem nossas solicitações, logo os julgamos desinteressados, neg-
ligentes, ainda que outros familiares, como avós, tios, ou mesmo 
vizinhos, se façam presentes.
Na verdade, a configuração de uma estrutura familiar é algo 
bem mais complexo. A família nuclear, ou seja, aquela que mora 
e convive todos os dias dentro da mesma casa, não necessari-
amente compartilha laços de consanguinidade ou o mesmo so-
brenome. 
Esse é um ponto de análise importante, que nos leva a pen-
sar no termo família como indicador de relações permeadas mais 
por laços de afinidade. É claro que, se considerarmos a etimo-
logia do termo e fizermos uma análise histórico-cultural de sua 
construção social, concluiremos que o modelo de família atual é 
a reprodução do ideal burguês da era moderna. A questão que se 
coloca é: caso não possamos flexibilizar esse conceito, consid-
erando o contexto atual e as configurações familiares pautadas 
nos laços de afetividade, estaríamos preparados para analisar, 
atender e cuidar das demandas que chegam aos serviços educa-
cionais e de saúde?
E se começarmos a conceber a família como um feixe de 
relações na qual as pessoas estão inseridas, de modo a não mais 
pensar em termos de estruturas, mas sim em relações e arranjos? 
Certamente, deixaríamos de encará-las como famílias disfuncio-
nais, passando a vê-las em sua construção singular, com suas 
estratégias de funcionamento produtoras de relações estáveis e 
saudáveis.
Aqui, podemos então começar a pensar em outras possibili-
dades que não se encaixam na “configuração padrão” da propa-
ganda de margarina: um filho sem pai, um casal que não reside 
na mesma casa, uma babá que cuida das crianças há vinte anos, 
um casal homossexual que acabou de adotar um bebê, um avô 
que cria seu neto adolescente e mais duas enteadas... Interes-
27
sante observar que vários arranjos familiares são de relações am-
pliadas. Estas são as famílias funcionais reais.
Para aprofundar a reflexão sobre o tema, podemos também 
lembrar de nossas próprias histórias de vida, ou de pessoas próxi-
mas, que não necessariamente se desenvolveram num cenário 
familiar tradicional, faltando muitas vezes elementos de “normali-
dade”, mas que nos permitiram experimentar arranjos diversos, 
construindo alternativas e formas outras de viver sob um mesmo 
teto. 
Situando essas reflexões sob a ótica das questões esco-
lares, podemos dizer que a ideia simplista de que estamos diante 
de uma família desestruturada, que seria então a causadora de 
supostas dificuldades de aprendizado, segue a lógica medicali-
zante, levando crianças e adolescentes a crer que há algo de er-
rado em seus lares. E aos que recusam essa lógica, utilizamos 
mais um rótulo: “famílias resistentes”... 
Isso não significa que deixamos de considerar aqui a possi-
bilidade de dinâmicas familiares despotencializadoras, ou de neg-
ligências reais nos cuidados básicos que devem sim ser ofertados 
a crianças e adolescentes. Apenas enfatizamos que julgamentos 
apressados, feitos a partir de padrões de comportamento, de nor-
malidade, em nada contribuem para que exerçamos nosso tra-
balho eticamente, podendo gerar, muitas vezes, conflitos intrafa-
miliares e intenso sofrimento a todos os envolvidos. 
Temos, portanto, de indagar, a todo o momento, se nossos 
olhares sobre os diversos arranjos familiares não estão carrega-
dos de preconceitos, lembrando que nem sempre as manhãs são 
tão ensolaradas, mesmo em lares habitados por casais heteros-
sexuais, com seus filhos biológicos, além do cachorrinho de esti-
mação. 
28
RECOMENDAÇÕES: EXPECTATIVAS E PROPOSTAS 
DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO
1. Introdução 
Profissionais das áreas da saúde e da educação vêm se 
questionando sobre suas condições de trabalho e os serviços 
oferecidos à população. Identificam problemas e demandas, mas 
muitas vezes se veem presos a estruturas, posturas e conceitos 
difíceis de serem transformados.
Como trabalhar no caos? Essa é uma pergunta recorrente 
de diferentes profissionais de ambas as áreas. Grades nas portas 
e nas janelas das escolas. Banheiros fechados com cadeado, ab-
ertos somente com hora marcada; quadras, bebedouros, equipa-
mentos com defeitos. Unidades Básicas de Saúde sem pessoal, 
material ou instrumentos tecnológicos suficientes para o atendi-
mento da população. Profissionais sobrecarregadospela pressão 
por produtividade e com escassas chances de conhecer e intervir 
em seu processo de trabalho.
A falta de infraestrutura necessária tanto para o processo de 
ensino e aprendizagem quanto para o acolhimento e atendimento 
da pessoa que sofre é grande e precisa ser sanada. Mas a carên-
cia não se restringe aos recursos materiais. 
Os profissionais se perguntam como fazer para que seus 
trabalhos não sejam uma vã luta contra moinhos de vento. Rec-
lamam reconhecimento e capacitação permanente. Clamam por 
fortalecimento de articulações e formação de redes interinstitucio-
nais, pois sabem que é preciso diálogo e o estabelecimento de 
novas parcerias para se ampliar a escuta dos problemas que afe-
tam a população, bem como para aumentar a oferta de propos-
tas para seu cuidado e educação. Outra questão levantada é a 
importância de se ter instrumentos práticos para a ação. Sugerem 
29
também mecanismos institucionais para a garantia de atividades 
desenvolvidas em equipe. Propõem arranjos gerenciais que visem 
o compartilhamento dos rumos da organização do trabalho em 
seus serviços.
O material aqui apresentado caracteriza-se por um conjunto 
de propostas de como podemos acolher os problemas vivenciados 
por crianças, adolescentes, familiares e cuidadores nos serviços 
de educação e saúde, sem recair, como explicitado anteriormente, 
na lógica medicalizante, favorecendo caminhos de potência nas 
formas de ser e aprender. Não se trata de um documento fecha-
do, nem de um manual para diagnósticos e condutas, mas de 
um conjunto organizado a partir de experiências e reflexões que 
desejamos compartilhar. Ressaltamos que o material está aberto 
a novas sugestões.
As propostas apresentadas dizem respeito a potencializar a 
escola e os serviços de saúde e seus profissionais, auxiliando-os 
a acolher necessidades de seus alunos e usuários sem medical-
izá-los. Ao discutir as interfaces entre educação e saúde, estamos 
propondo trabalho em rede, mas não a substituição de um serviço 
pelo outro ou alterações de seus papéis primordiais de educação 
e cuidado à saúde.
2. Aos profissionais de educação
Qualquer criança ou adolescente com dificuldades de 
aprendizagem ou de comportamento na escola provoca um sen-
timento de fracasso em todas as partes envolvidas: professores, 
coordenadores, pais e no próprio aluno. 
Devemos entender, porém, que uma pessoa em processo 
de construção do conhecimento e em desenvolvimento enfrenta 
o tempo todo impasses e dificuldades. Esse enfrentamento é, 
justamente, o motor que faz com que a aprendizagem aconteça. 
Acertos e, principalmente, erros fazem parte do processo, e a for-
30
ma que cada um encontra para refletir sobre eles pode ser difer-
ente. Mas nem sempre existe reflexão sobre os erros; são erros 
e pronto. 
Tal visão contribui para dirigirmos nossos olhares para esta 
direção: o que está errado? Lógico que essa reflexão também é 
importante, mas se não conseguirmos olhar quais os acertos, o 
que já houve de avanços, ficamos apenas nas faltas. 
Sabemos que, para alguns, as dificuldades parecem tão 
grandes que eles próprios acabam por se transformar na dificul-
dade. Quando isto acontece, o trabalho precisa se centrar no 
movimento de encontrar possibilidades. Isso porque ao lado de 
toda dificuldade existe uma facilidade. 
O enigma do porquê a criança não aprende ou age de de-
terminada maneira sempre leva à lógica das faltas individuais e 
explicações, como falta de concentração, de vontade, de autoes-
tima. Depois também aparecem as faltas de professores, do sis-
tema de ensino, da família, uma lista sem fim. Se concentrarmos 
a nossa atenção nesses aspectos, ficamos imobilizados. Não se-
ria interessante mudar a lógica da culpa para a busca de pos-
sibilidades de compreensão dos envolvidos no processo ensino-
aprendizagem e ampliar as intervenções e ações na escola?
Todos têm a capacidade de aprender. É só prestar atenção 
nas pessoas com alguma deficiência, ou que sofreram acidentes 
e perderam algumas capacidades cognitivas para ver o quanto 
aprendem e se desenvolvem. 
Para os chineses, crise significa oportunidade; levando esse 
pensamento para escola, dificuldade significa desafio. Uma cri-
ança ou adolescente que não aprende deve ser encarado como 
um desafio a ser esmiuçado e entendido, levando-se em conta 
toda a complexidade envolvida na situação analisada. Porém, ele 
não pode ser o centro do problema, porque muitos aspectos con-
tribuíram para a instalação da dificuldade. E a escola tem o papel 
31
fundamental de refletir sobre como ajudar essa criança, o que não 
deve ser feito de forma individual e sim de forma coletiva, envol-
vendo a equipe gestora, os professores, as parcerias possíveis, 
os alunos. Não devemos esquecer que é impossível a criança 
apresentar dificuldade em tudo, apesar de muitas vezes esse ser 
o sentimento que prevalece.
E pensando nessa complexidade que nos posiciona frente a 
inúmeras possibilidades, cabe a busca de estratégias que consid-
erem diferentes meios de enfrentar as dificuldades na escola. Não 
são receitas, já que elas simplesmente não existem, pois os in-
gredientes, quando misturados em proporções diferentes, dão re-
sultados diferentes. Temos a ilusão de que, se descobrimos qual 
a dificuldade, teremos ou alguém terá a solução. Mas os teóricos 
e a prática nos mostram a todo o momento que precisamos estar 
atentos, buscando contextos, pois as soluções só aparecem se 
podemos problematizá-las.
A escola é um espaço potencial de aprendizagem, e isto se 
aplica a todos que nela convivem. Todos aprendem o tempo todo 
e isso envolve situações-problemas. Encontramos comumente 
professores com dificuldades diante de sua classe, e alunos com 
sentimentos de impotência e de solidão. Trata-se de um ponto 
que merece reflexão. Ninguém está sozinho na escola; o ideal é 
a construção de estratégias em equipe, mas se isso ainda não 
acontece, a articulação pode ser iniciada com o colega da classe 
ao lado, com um pequeno grupo, com alguma pessoa disponível 
a encontrar caminhos para o enfrentamento e a transformação.
Seguem então algumas sugestões que podem contribuir 
para que o espaço escolar se torne potencializador:
• Implicar a escola como um todo na construção de pro-
jetos pedagógicos: o professor deve ter lugar e tempo para re-
fletir sua prática com outros. Diferentes experiências podem ser 
compartilhadas e levam a novas ideias. Para isso, é necessária a 
criação de espaços de planejamento e de ações, importantes para 
32
que possa haver trocas de saberes, de levantamento de hipóte-
ses, de revisão de crenças e, principalmente, de sustentação das 
ações propostas. 
• Discutir e refletir sobre iniciativas e estratégias que 
deram certo, trazê-las à tona pode despertar um novo ânimo em 
todos os envolvidos.
• Planejar estratégias em grupo: planejar oficinas entre os 
professores com atividades que possam ser aplicadas aos alu-
nos, além de muito produtivo, é uma alternativa para contemplar 
os diferentes modos de aprender.
• Incentivar cada professor a contribuir com seu talento 
ou conhecimento: a matemática, por exemplo, pode ser ensi-
nada através de jogos, e o professor que utiliza este recurso pode 
compartilhar com a equipe, que depois pode ensinar a seus alu-
nos, ampliando assim a possibilidade do aprendizado. Há aquele 
que prefere usar a música ou outras artes. Existem de fato in-
úmeros recursos que servem de estratégias para ensinar de for-
ma diferente e convidativa. 
• Aprender a conhecer, a fazer, a viver junto e a ser: es-
ses são os quatro pilares da educação que devem ser contem-
plados no espaço escolar. Quem os definiu foi Jacques Delors 
(1999), político europeu, em seu relatório sobre a Educação para 
o Século XXI. Aprender a conhecer não está relacionado, apenas, 
à aquisiçãode repertórios de saberes codificados, mas diz res-
peito a desenvolver instrumentos que ajudem a compreender o 
mundo em que vivemos, para desenvolver capacidades de comu-
nicação, com disposição para descobrir o passado, o presente e 
vislumbrar o futuro. Se tivermos em mente que uma pessoa pode 
entender como aprender, ela desenvolverá recursos próprios para 
ser criativa e curiosa. Lógico que são necessárias a mediação e a 
transmissão dos conhecimentos, mas é possível descobrir novas 
(ou velhas) linguagens para ensinar e aprender. 
• Levantar o que os alunos querem aprender: pode ser 
33
um caminho para a descoberta da curiosidade, assim como en-
sinar o que temos interesse também pode ser motivador. Dificil-
mente, para não falar impossível, conseguimos aprender o que 
não entendemos, o que não faz sentido, e o mesmo acontece 
com o ensinar. Quantas técnicas aparecem como inovadoras, 
mas não encontram ressonância em nossas crenças? Utilizá-las 
pura e simplesmente, sem contexto, não leva ao êxito. Portanto, 
ao ensinar, é importante escolher aquilo em que se acredita, ofer-
ecendo experiências de aprendizagem. 
• Oferecer experiências de aprendizagem, o que sig-
nifica levar a pensar, compreender e agir através de diferentes 
dispositivos, como: internet, imagens, livros, atividades corpo-
rais, filmes, textos, brincadeiras, jogos, visitas a museus, feiras, 
atividades artísticas, conversas, troca de papéis, oficinas, técni-
cas expressivas etc.. Tais dispositivos podem mudar a trajetória 
da aprendizagem, porque implicam, além da instrução formativa, 
a reinvenção e a construção personalizada do conhecimento. 
Voltando aos quatro pilares de Delors, essas experiências incen-
tivam o aprender a fazer, ampliam capacidades, e não apenas no 
plano racional e superficial, o que logo é esquecido, mas transfor-
mam os conteúdos em aprendizagens significativas. 
• Aprender a viver junto: trata-se do terceiro pilar, e é sem 
dúvida um dos maiores desafios da educação. Promover trabal-
hos em grupos com objetivos e projetos em comum significa pro-
mover espaços para trocar hipóteses, resolver conflitos, respeitar 
a opinião do outro, vislumbrar diferentes pontos de vista, aprender 
com o igual ou com o diferente, desenvolver a empatia. Além de 
transmitir conhecimentos, a educação deve permitir o confronto 
através do diálogo e da troca de argumentos. Deve incentivar o 
aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e 
a percepção das interdependências, assim preparando os alunos 
para refletir sobre conflitos baseados no respeito pelos valores do 
pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
34
Em síntese: pensar a escola como um lugar que respeita as 
diferenças, que busca estratégias de ensino e aprendizagem de 
modo coletivo, de parcerias na saúde, no lazer, nas comunidades, 
na política é uma forma de ir além da falta e olhar para as pos-
sibilidades que, sem dúvida, nos remete a mares revoltos, mas 
também à condição de planejar rotas, escolher portos seguros, 
enfrentar as incertezas, encontrar diferentes saberes e pessoas, 
seguir em frente em busca de novos ou melhores caminhos. Com 
isso, todos certamente poderão aproveitar a viagem e aprender a 
ser, que é o quarto pilar da educação.
 
Fala de Adriana Marcondes Machado no evento “Medi-
calização da educação, da saúde e da sociedade: a quem 
interessa e como enfrentamos essa questão?” 
http://www.youtube.com/watch?v=LWsNBnOZx1Y&feature=plcp
 
3. Aos profissionais de saúde 
A entrada de crianças e adolescentes no serviço de atenção 
à saúde tem sido múltipla, o que significa dizer que não há uma 
única porta de entrada. As sugestões de práticas não medicali-
zantes apresentadas a seguir podem ser utilizadas em qualquer 
caminho de inserção do usuário aos serviços de saúde. Trata-se 
de apontamentos para os profissionais da saúde incorporarem 
em suas práticas de acolhimento do usuário.
Queixas referentes a dificuldades de aprendizagem 
Complementando as perguntas próprias da especificidade do 
profissional que fará o primeiro atendimento, sugerimos algumas 
questões para a compreensão dos problemas de aprendizagem. 
Destacamos a importância de buscar estabelecer momentos de 
conversa específicos com os usuários crianças e adolescentes, 
35
valorizando e potencializando suas percepções e reconhecendo 
sua capacidade de participar do cuidado de si mesmo. Não ob-
stante, ouvir aos pais e familiares, envolvendo-os no cuidado, é 
igualmente fundamental.
• Quando o usuário for encaminhado pela escola, verifique 
se há algum relatório escolar sobre ele, mas não o leia imediata-
mente. É importante você construir seu próprio olhar antes de en-
trar em contato com outras avaliações.
• O relatório produzido pela escola traz dados referentes ao 
aluno, não se atendo apenas à descrição de suas dificuldades, 
mas, sobretudo, como tem sido comum ultimamente, destacan-
do também suas qualidades e potencialidades. Porém, caso o 
relatório não traga esses dados, é importante que você pergunte 
sobre eles. 
• Não inicie sua entrevista com perguntas diretas sobre a 
queixa, pois isso direciona a fala do usuário a uma faceta do prob-
lema. Prefira uma pergunta genérica, como: Por que procurou o 
serviço de saúde? Embora possa parecer óbvia, certamente o le-
vará a contar a história a partir de suas percepções. Por exem-
plo: “Porque a escola mandou” é uma resposta que aponta para 
uma possível submissão ao discurso escolar; “Porque a escola 
mandou e a gente acha que é isso mesmo” é uma resposta de 
concordância com o discurso escolar de que há um problema com 
a criança. A pergunta genérica abre para muitas possibilidades 
de respostas, algumas bem inesperadas, como “Porque ele é 
o primeiro filho, primeiro neto e foi muito mimado”, que trazem 
alguns dados sobre como a criança, o adolescente e seus re-
sponsáveis pensam e se posicionam frente ao problema. Isso é 
fundamental para a construção da compreensão das dificuldades 
apresentadas por eles.
• Se, a partir dessas falas você só obtiver dados relativos 
ao problema, procure perguntar sobre o cotidiano e a dinâmica 
36
familiar: O que costumam fazer no dia a dia? Quais são os temas 
e as atividades de interesse? Como ele e os familiares utilizam os 
momentos em que estão juntos? Observe que essas perguntas 
também são, de certo modo, genéricas. É a criança ou o adoles-
cente que vai preencher com dados de sua história. E, mais uma 
vez, isso vai trazer mais informações para a compreensão dos 
aspectos multifacetados que envolvem os problemas de aprendi-
zagem.
• Aspectos da vida social também são importantes de serem 
conhecidos. A família e/ou o usuário frequentam espaços públicos 
de lazer e cultura: parques, bibliotecas, cinemas, clubes, teatros, 
centros de convivência, centros de juventude, museus, lan-hous-
es, telecentros?
• Vamos aprofundar a queixa, a partir da contextualização 
do que o usuário ou o responsável trouxe. Como estuda? O que 
faz quando está com dificuldades? Procura ajuda e, se procura, 
encontra-a em alguém da família? Sente-se desanimado e aban-
dona as tarefas que apresentam desafios ou busca resolvê-las 
até o final? Os pais sabem se o professor já tentou ajudar a cri-
ança na escola e de que formas? A criança se interessa por outras 
atividades de escrita e de leitura além das escolares? Quais são 
as situações sociais de leitura e escrita sobre as quais se mostra 
interessada e atenta? 
• É importante saber quais são os usos que a família faz 
da leitura e da escrita. Assim, vale perguntar: o que as pessoas 
dessa família costumam ler e escrever? Também estudam? Leem 
revistas, jornais, bíblia, livros? O que gostam de ler: biografias, 
horóscopos, receitas, romances, notícias, manuais, piadas? As 
leituras são compartilhadas, por exemplo, quando o pai lê algumacoisa interessante, lembra de comentar com o filho? E sobre a 
escrita? Escrevem bilhetes, receitas, e-mails, cartas, fazem pala-
vras-cruzadas, sudokus, ou só relatórios de trabalho e lições de 
casa? Estão nas redes sociais, escrevem em blogs, sites, páginas 
do facebook?
37
O conjunto de respostas a essas perguntas traz um panora-
ma de usos sociais de leitura e escrita por parte do usuário e, com 
certeza, ajuda a entender suas dificuldades de aprendizagem. 
Seria interessante, antes de fazer seu encaminhamento, con-
versar com profissionais de outros equipamentos sociais citados 
nas respostas. Por exemplo, se há dificuldades na escola, mas 
a criança ou o adolescente frequenta centros de juventude onde 
escreve ou encena peças teatrais, é fundamental entender o que 
isso significa, antes de fechar um diagnóstico que aponte para um 
distúrbio orgânico. 
Queixas relativas ao mau comportamento na escola e/
ou dificuldade de concentração 
Seguem abaixo algumas sugestões de abordagens para 
melhor compreender esse tipo de queixa trazida pelo usuário:
• Empregar perguntas abertas, como por exemplo, “o que 
você faz na escola?”;
• Buscar saber como se relaciona com as tarefas e exigên-
cias, do que gosta ou não na escola;
• Pesquisar em que assuntos encontra mais facilidade, em 
quais tem dificuldade, e o que costuma fazer quando não entende 
alguma matéria ou tarefa;
• Perguntar como vê o próprio aprendizado na escola e se, 
em outros contextos, como cursos externos, atividades lúdicas, 
apresenta outro tipo de desempenho. Perguntar também se tem 
sugestões para melhorar seu desempenho ou a própria educação 
proporcionada pela escola;
• Perguntar como vê o próprio comportamento na escola, 
38
comparar com outras esferas da vida, e ao que atribui essa forma 
de se relacionar com colegas e professores;
• Buscar maiores informações sobre a vida familiar e social, 
o que pode ser feito por um familiograma e um sociograma, inclu-
sive explorando papéis sociais, grau de escolarização, formas de 
relação entre as pessoas, como lidam com conflitos (em alguns 
casos, este tipo de queixa pode requerer o aprofundamento do 
conhecimento da forma de vida do usuário e sua família, o que 
pode ser feito em visitas domiciliares ou à comunidade)
• Informar-se sobre o funcionamento da escola com o próprio 
usuário ou seus familiares. Caso durante o atendimento o profis-
sional perceba que seria interessante saber mais sobre a escola 
que a criança ou o adolescente frequenta, separar o prontuário 
para contato interinstitucional e articulação do trabalho em rede.
 
Adotados esses passos, será possível ter um melhor pano-
rama de como é a vivência escolar do usuário. Além disso, que-
ixas atribuídas a ele como indivíduo podem ser contextualizadas, 
e uma parte dos encaminhamentos pode dizer respeito a iniciar 
abordagens com a família ou a escola. Às vezes, ainda que ex-
istam outros fatores causais, o usuário pode estar reagindo a um 
descontentamento e manifestando, na escola, falta de interesse 
ou ainda comportamentos vistos como agitados ou agressivos. 
Neste caso, sugerimos conversar sobre isso com o usuário, ex-
por também consequências desse tipo de situação e, se possível, 
combinar com ele formas para melhorar essa vivência.
Alguns usuários, crianças e adolescentes, podem ter dificul-
dade em abordar o assunto, uma vez que vivem a naturalização 
do processo como se fosse inerente a eles e, não raras vezes, 
realmente se consideram doentes. Nestes casos, o emprego de 
ferramentas mais lúdicas, como leitura de pequenas histórias que 
discutam o tema, dinâmicas de grupo com outros usuários de 
mesma idade podem ajudar. 
39
Ainda que dependa da forma de trabalho de cada serviço e 
da complexidade de cada caso, provavelmente todas as questões 
relativas às vivências na escola que trazem a criança, o adoles-
cente ou seus familiares ao serviço de saúde certamente não 
poderão ser resolvidas em um só atendimento, sendo interessante 
programar retornos, combinando atividades individuais e grupos 
educativos sobre o tema. Além disso, entre os atendimentos, ca-
sos como estes podem ser discutidos em reuniões de supervisão, 
matriciamento, em contatos com outros serviços ou setores, em 
interlocução com a comunidade, etc. .
Em caso de visitas domiciliares, o agente comunitário 
ou outros integrantes da equipe que realizam as visitas e ações 
comunitárias estão em posição privilegiada de entender as con-
dições sociais de produção de diversos agravantes à saúde e à 
qualidade de vida dos moradores da comunidade. Quando a que-
ixa for relacionada a dificuldades de aprendizagem, é importante 
que o agente fique atento a possíveis usos de leitura e escrita fora 
da situação escolar e à disponibilidade de ambientes dentro e fora 
de casa para esses usos. Caso a queixa seja relativa a dificul-
dades de atenção ou a problemas de comportamento, é interes-
sante que o agente busque observar e perguntar como a criança 
ou o adolescente interage com a família, sobre outros espaços 
que frequenta e como é seu desempenho em outras atividades 
que realiza. Além disso, dados sobre a forma de organização da 
comunidade, de que o agente dispõe por sua inserção como mo-
rador e trabalhador, podem auxiliar na compreensão de cada situ-
ação e na busca de propostas. 
A seguir, sugerimos algumas outras questões, além das já 
apresentadas, como roteiro para a visita e a conversa.
• Observe o ambiente doméstico, do ponto de vista físico. 
Como a criança estuda e faz seus deveres da escola? Há adultos 
disponíveis para ajudar os filhos nas tarefas escolares? De que 
modo isso acontece?
40
• Pergunte e observe como as crianças brincam. As crianças 
dispõem de brinquedos? De que tipo eles são? As crianças brin-
cam sozinhas ou em grupo? Costumam construir seus próprios 
brinquedos ou modos de brincar? Pergunte e observe os hábitos 
dos adolescentes, atividades realizadas, como buscam lazer, etc..
• Pergunte sobre o cotidiano e a dinâmica da família: O que 
costuma fazer no dia a dia? Quais são os temas e atividades de 
interesse? Como os membros utilizam os momentos em que estão 
juntos? Observe que estas perguntas são, de certo modo, genéri-
cas, justamente para que o usuário ou seu responsável preencha 
com dados de sua história. Isso também vai trazer mais dados 
para a compreensão dos aspectos multifacetados que envolvem 
os problemas de aprendizagem e de comportamento.
• Converse com a criança e o adolescente, perguntando-
lhes sobre seus temas de interesse. Há pontos comuns entre o 
que gosta de fazer fora e dentro da escola? Aquilo que aprende 
na escola relaciona com algo da sua vida cotidiana? Observe em 
que assuntos se mostram mais animados para falar. Veja também 
se o que colocam como sendo de interesse recebe o apoio da 
família. 
Algumas vezes, tanto as escolas como as próprias famílias 
projetam em suas crianças e adolescentes o desejo de que “se-
jam alguém na vida”. Ainda que a intenção seja boa, pode levar a 
pressões difíceis de serem vivenciadas pela criança e pelo ado-
lescente e, além disso, podem existir contradições entre a reali-
dade vivida e os planos de futuro, incluindo uma vivência restrita 
da família com o estudo. Identificação de situações como esta 
pode favorecer a condução dos casos, inclusive pela explicitação, 
que contribui para a construção de expectativas que considerem 
também as situações vividas. 
Em alguns casos, as crianças e os adolescentes são apon-
tados como “problemas”, como se tivessem mau comportamen-
to, mas vale compreender a dinâmica familiar e social (rede de 
relações vividas na vizinhança, equipamentos sociais utilizados, 
41
grupo de amigos), pois são dados que auxiliam no raciocínio. Es-
sas informações são ricas para as discussões posteriores do caso 
em equipe.O conjunto de respostas a essas perguntas traz um pano-
rama de usos sociais de leitura e escrita da família e também 
ajuda a entender as dificuldades escolares do aprendiz. Seria in-
teressante, antes de fazer seu encaminhamento ao serviço de 
saúde, sugerir aos pais que participem mais de situações sociais 
de leitura e escrita com seus filhos, sobretudo com os que apre-
sentam dificuldades de aprendizagem. Por exemplo, incentive os 
pais a lerem ou comentarem sobre alguma leitura com seus fil-
hos, algo que também os interesse, e também a lerem o que os 
filhos eventualmente escrevem, além das tarefas escolares, e a 
compartilharem o que eles próprios escrevem. Ações como essas 
podem ajudar muito na compreensão das dificuldades escolares 
apresentadas pela criança ou adolescente, potencializando a to-
dos, pais e aprendizes, a reverterem a lógica de que só remédio 
e/ou tratamento individual dão conta de resolver o problema. 
Algumas vezes, o caso de uma criança ou adolescente che-
ga ao serviço de saúde por solicitação específica de institu-
ições de outros setores, com destaque para a educação e 
instâncias da justiça.
Nesses casos, com frequência, os encaminhamentos 
trazem não apenas descrições dos problemas que consideram 
em relação à aprendizagem e ao comportamento da criança e 
do adolescente, mas também anúncios de diagnósticos e pedi-
dos fechados de condução dessas situações em atendimentos 
em saúde. Por esse motivo, é particularmente importante que o 
profissional de saúde busque, antes de tudo, conhecer a situação 
concreta e, particularmente, o lado da criança/do adolescente e 
de sua família neste problema que se atribui a ele e a sua situ-
ação de saúde. 
42
Assim, sugerimos:
• Convidar a criança/o adolescente e seus responsáveis para 
uma consulta ou uma atividade presencial no serviço de saúde;
• Adotar os demais passos descritos anteriormente;
• Completar a abordagem com uma visita para conhecer 
melhor a situação de vida, saúde e condições de aprendizagem 
deste indivíduo e sua família, se necessário e caso exista a pos-
sibilidade de visita domiciliar ou à comunidade, conforme explici-
tado acima;
• Estabelecer contato interinstitucional, considerando que a 
demanda emergiu a partir de uma solicitação de outros serviços 
ou setores, o que poderá se dar para este caso específico, tam-
bém contribuindo para situações futuras, bem como para a ar-
ticulação de redes de trabalho. Este tema será abordado adiante 
no item 4: Para a interação de profissionais e articulação em 
rede de serviços. 
Entretanto, em alguns casos, a primeira demanda trazida 
pelos usuários, crianças e adolescentes ou seus familiares, não 
se relaciona diretamente à vivência de questões em relação à 
aprendizagem ou ao comportamento. Mas a importância que 
este tema vem adquirindo em nossa sociedade, bem como a ex-
periência com muitos casos individuais (nos quais sugerimos as 
abordagens anteriormente descritas) mostram a relevância de 
que profissionais e serviços de saúde pautem ativamente essas 
questões para permitir sua emergência no coletivo de usuários 
que atendem e, então, trabalhá-las. 
Como abordar ativamente essa questão quando não consti-
tui queixa a priori ou demanda explícita? Sugerimos:
• Inclusão de perguntas sobre o tema da escola, vivências 
em relação à aprendizagem em roteiros para o trabalho individual 
com crianças e adolescentes. Um exemplo é a pergunta: “quais 
as histórias e acontecimentos mais importantes com a escola?”, 
43
que integra a ficha “Vida e Cuidado com a Saúde”, utilizada no 
trabalho com adolescentes no Centro de Saúde Escola Butantã. 
Essa pergunta possibilita que apareçam diferentes conteúdos so-
bre o tema, além de ajudar a identificar adolescentes que vivem a 
escolarização de forma prazerosa e aqueles que possam ter um 
sofrimento em relação ao processo.
• Organização de grupos de educação em saúde nos 
serviços de saúde em que a temática da medicalização da edu-
cação e da sociedade seja trabalhada. Uma possibilidade inter-
essante é a realização também de grupos de pais e familiares, 
chance para ouvir suas angústias quanto ao tema e as vivências 
com o cuidado dos filhos, mas também para sensibilizá-los para 
possibilidades de atuarem de forma a favorecer a transformação 
dessa situação. 
• Realização de atividades educativas em sala de espera 
em que este tema seja enfocado, que constituem oportunidades 
de abordar o público em geral, ou seja, crianças, adolescentes, 
adultos, idosos, que tenham ou não preocupação com o assunto. 
Constituem momentos de sensibilização, mas também a possibi-
lidade de mostrar a quem frequenta o centro de saúde que este 
assunto é relevante para o serviço e que, caso queiram abordá-lo 
em atendimento, encontrarão espaço.
• Realização de atividades de educação em saúde na comu-
nidade, por exemplo, em escolas da região ou em outros equipa-
mentos sociais, como ONGs, clubes esportivos, associações de 
moradores, etc.. A forma e o conteúdo da abordagem dependerão 
do tempo disponível, dos participantes, mas, de modo geral, po-
dem se assemelhar ao que foi descrito no segundo e terceiro item.
Em algumas situações, os profissionais responsáveis pelo 
atendimento podem ficar em dúvida, pensando, por exemplo, se 
pode haver algum problema, como uma dificuldade cognitiva. 
Destacamos que essa situação não corresponde à maioria dos 
44
usuários com queixas aparentes relativas à escolarização. Mas, 
quando a dúvida existe, sugerimos acionar mecanismos de su-
pervisão dos casos, para discussão de critérios e verificação de 
situações que possam requerer acompanhamento especializado 
em saúde ou condições específicas para a aprendizagem.
De modo a garantir que em um determinado serviço de 
saúde o tema da medicalização da educação e da sociedade seja 
trabalhado, é imprescindível lançar mão de mecanismos geren-
ciais para a institucionalização da discussão. Para tanto, sugeri-
mos fundamentalmente:
• Realização de reuniões de equipe sobre o tema, detalha-
das a seguir e que são fundamentais para os outros itens que 
recomendamos para a incorporação do tema na agenda de tra-
balho;
• Identificação de profissionais que possam lidar com o tema 
nos diferentes momentos de atividades e de acordo com o fluxo 
dos usuários pela unidade;
• Identificação de instrumentos de trabalho já existentes na 
unidade ou busca de recursos e ferramentas de outros serviços;
• Articulação com outros serviços e setores e trabalho em 
rede. 
 Para a montagem de reuniões sobre o tema da medicali-
zação da educação e da sociedade, sugerimos elencar um caso 
para o estudo e tomar o roteiro a seguir como orientação. Destaca-
mos que o objetivo da reunião é aumentar a sensibilização para o 
tema, identificar necessidades de saúde subjacentes, finalidades 
para o trabalho, possibilidades de fluxos, atividades, formas de 
interações entre profissionais e destes com usuários, articulações 
com outros setores.
• Quais foram as demandas e necessidades da criança ou 
do adolescente, de sua família, da escola ou de outras instituições 
45
trazidas ao serviço? O grupo imagina outras possíveis queixas, 
bem como outras pessoas, grupos e instituições que as apre-
sentem como questão ao serviço de saúde?
• No caso, que profissionais receberam e lidaram com a de-
manda? Que condições propiciaram ou dificultaram a abordagem 
e como esta foi feita? Em que atividades? Você identificou outras 
possibilidades? 
• Para a condução do caso, foi desenrolada uma conversa. 
Quais foram seus conteúdos? De que modo foram tratados? Que 
conhecimentos e instrumentos foram utilizados? Você sugere no-
vas perguntas e formas de abordagem?
• Para a abordagem deste caso, qual foi o plano de trabalho 
e como foi desenvolvido? Você sugere outras possibilidades (pen-
sando na continuidadeou na mudança da proposta de acompan-
hamento)? 
• Neste caso, como foi a integração de profissionais e setores 
dentro do serviço? E fora (outros serviços, níveis do sistema de 
saúde, outras áreas de atuação)? Quais são as sugestões do 
grupo para a articulação?
• No caso discutido, a pessoa atendida trouxe questões es-
pecíficas relacionadas ao tema da medicalização para o serviço? 
Pensando no conjunto dos usuários que frequentam o serviço e 
cuja demanda não tem este foco em particular, como a temática 
da medicalização da educação e da sociedade poderia ser trabal-
hada? Em que contexto, atividade e por quais profissionais? 
• Para sintetizar, quais princípios e propostas gerais para o 
trabalho com o tema da medicalização em serviços de saúde o 
grupo sugere?
 
46
Fala de Maria Aparecida Affonso Moysés no evento “Medi-
calização da educação, da saúde e da sociedade: a quem 
interessa e como enfrentamos essa questão?” 
http://www.youtube.com/watch?v=Eb1kJk6dJTo
 
4. Para a interação de profissionais e articulação 
em rede de serviços
Ao longo da construção deste documento, nos diferentes 
momentos de trabalho, foi frequente a consideração por parte 
dos profissionais participantes das atividades propostas pelo GT 
Educação & Saúde que uma recomendação importante é buscar 
trabalhar em equipe e em parceria com outros serviços, setores 
e também com a comunidade. Por favorecer o acionamento de 
diferentes saberes e perspectivas para a contemplação do prob-
lema, este seria um caminho para ajudar a superar a fragmen-
tação existente na explicação das questões escolares e de seu 
processo de constituição. Além disso, o enfrentamento de pos-
síveis dificuldades vivenciadas no processo de escolarização e, 
particularmente, a intenção de que as abordagens transcendam a 
esfera individual requerem o trabalho em equipe dos profissionais 
de um determinado serviço, bem como a articulação em rede de 
diferentes setores e equipamentos sociais.
Na área da saúde, por exemplo, tem-se adotado o conceito 
operacional de integralidade como imprescindível para práticas 
de cuidado compromissadas tanto com o êxito técnico das ações 
como também com o sucesso prático, isto é, com as repercussões 
para o projeto existencial dos indivíduos. Considera-se que, para 
haver integralidade no cuidado, é preciso alinhavar a contem-
plação das necessidades das pessoas, a busca das finalidades 
dos serviços e os eixos relativos aos modos de interação dos su-
jeitos e da articulação de saberes e equipamentos. Uma pesquisa 
sobre os caminhos para a integralidade na atenção primária à 
47
saúde de adolescentes e jovens apontou que as interações e ar-
ticulações constituem um dos principais desafios.
Sabemos que as interações de diferentes personagens e a 
articulação de cenários diversos não é tarefa fácil. Isso pode ocor-
rer pela frequente sobrecarga de cada equipamento, entidade ou 
setor, mas também pela dificuldade de trabalhar em grupo, pelo 
desafio de compartilhar cuidados, e mesmo pelo anseio de dividir 
chances de reconhecimento e exercício de autoridade. Em alguns 
casos, o principal fator limitante pode ser a gestão pouco par-
ticipativa de alguns serviços e a resultante pequena autonomia e 
possibilidade de engajamento em projetos de seus profissionais. 
Entretanto, raras vezes são buscadas as causas da dificuldade 
de trabalhar em parceria e, em geral, um serviço reclama que não 
consegue trabalhar com o outro.
Consideramos que o primeiro passo pode ser buscar en-
tender as dificuldades para a o trabalho em equipe e a parceria e 
buscar formas de estreitar laços. Para tanto, não bastam apenas 
boas intenções de pessoas de ambos os lados, sendo necessári-
os mecanismos gerenciais de estímulo, incluindo, por exemplo, a 
alocação de tempo específico no trabalho dos profissionais para 
a construção e a manutenção de redes. Além disso, o compartil-
hamento de responsabilidades requer divisões de funções e, em 
alguns momentos, pode ser necessário que um dos elementos 
exerça a função de coordenador. Vem-se estudando que uma for-
ma de favorecer o trabalho em equipe e em rede é a identificação 
de um objeto de trabalho comum, bem como de uma finalidade 
compartilhada. 
Para o fortalecimento do trabalho em equipe, sugerimos:
• Identificação de projetos comuns para o trabalho, incluindo 
reconhecimento do objeto e também escolha de objetivos. To-
mando como exemplo a temática e a perspectiva proposta neste 
documento, o projeto seria a construção e o desenvolvimento de 
ações não medicalizantes de educação e de cuidado em saúde 
dirigidas a crianças e adolescentes;
48
• Eleição e desenvolvimento de instrumentos para o trabalho 
em equipe, como, por exemplo, reuniões periódicas para organi-
zação do trabalho e discussão de casos, compartilhamento de in-
strumentos de registro, fluxogramas integrados de atividades para 
os usuários.
Para buscar trabalhar de modo mais articulado e, aos pou-
cos, estabelecer parcerias e redes, recomendamos:
• Reconhecer e mapear os diferentes serviços, instituições, 
órgãos gestores e grupos comunitários de um território.
• Convidar para uma reunião de aproximação e proposição 
de trabalho comum. Esta reunião pode ser temática, com a con-
templação de assunto de interesse comum, ou, se possível, ser 
organizada a partir da discussão de um ou mais casos já trabal-
hados ou futuros que envolvam ações dos diferentes parceiros 
presentes. Trata-se de um tipo de estratégia que pode favorecer a 
construção da rede, uma vez que a busca de atender as necessi-
dades dos indivíduos funcionaria como fator propulsor.
Se tomarmos escolas e unidades de saúde como exemplos 
de serviços de diferentes setores, algumas possibilidades de con-
tato suscitadas por casos ou temas compartilhados são: 
• Uso de registro escrito de motivos para o compartilhamen-
to de casos, ações desenvolvidas em cada local;
• Conversas por telefone entre profissionais/coordenadores 
de cada serviço para esclarecimento de dúvidas, para combinar 
etapas no atendimento, etc.; 
• Uso de casos de um indivíduo para trabalhar questões do 
contexto ou de grupos coletivos, lembrando que a medicalização 
em geral localiza em uma pessoa, tida como doente, processos 
que são gerais e relativos à outra ordem de questões (educa-
cionais, sociais, culturais). Uma sugestão é o emprego de instru-
mentos que possam favorecer a ampliação do olhar, como, por 
49
exemplo, o questionário adotado pelo Grupo Interinstitucional 
Queixa Escolar detalhado no livro: “Orientação à Queixa Escolar” 
(SOUZA, 2007.); 
• Visitas dos profissionais de saúde à escola e dos profes-
sores e coordenadores à unidade de saúde, com vistas a con-
hecer cada espaço e o trabalho que desenvolvem;
• Encontros entre profissionais de saúde e educadores se-
diados por um dos dois equipamentos;
• Estímulo à participação de gerentes dos serviços de saúde 
e diretores/coordenadores da escola;
• Busca pela participação dos órgãos responsáveis pela 
gestão da educação e da saúde naquela localidade ou região.
Considerando o enfoque em crianças e adolescentes, é 
importante também procurar articulação com outros serviços e 
setores, particularmente aqueles que já tenham em algum mo-
mento feito encaminhamentos ou solicitações referentes ao tema 
para as escolas e unidades de saúde. Listamos, sem ser exaus-
tivos, alguns exemplos: Conselho Tutelar, Vara da Infância e da 
Adolescência, Centro de Atenção Psicossocial Infantil, Centros de 
Referência em Assistência Social, Igrejas, associações de mora-
dores, entre outros. 
Para interações com a comunidade, é importante não ap-
enas mapear os grupos organizados e equipamentos do território, 
como também reconhecer a legitimidade de suas demandas, 
além de favorecer espaço para que participem dos serviços de 
educação

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