dá a educação, ou seja, os problemas da formação, da remuneração, da falta de escolas e de condições mínimas para o exercício digno da profissão. O aspecto da formação dos professores foi amplamente debatido e foi con- siderado de suma importância a ponto de figurar com destaque na reforma da Escola Normal de São Paulo de 1890. Saviani ressalta o Decreto 27 de 12 de março que estipulava que: “sem professores bem preparados, praticamente ins- truídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequa- do às necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz” (SAVIANI, 2005, p. 13). Percebam que as palavras regenerador e eficaz estão de acordo com a ideia da educação como portadora da transformação social, re- generando as pessoas para que pudessem se adequar à meta civilizatória do Estado; além disso, e de acordo com Saviani, o decreto dá ênfase à formação prática do ensino. É interessante que se analise o relatório de Caetano de Campos apresentado ao governador do Estado em 1891. Caetano assumira a direção da escola normal um ano antes, e neste relatório podemos perceber todas as diretivas da mudança que se propunha através da reforma; além disso, e de forma mais ampla, temos o reflexo das transformações do paradigma científico que tiveram o final do século XIX e início do XX como um ponto crucial. Novas cadeiras foram criadas. Às matemáticas juntou-se o estudo da álgebra e escrituração mercantil: às ciências físico-químicas adicionaram-se as ciências biológicas; o estudo da língua materna foi ampliado; e a parte artística profundamente modificada no estudo do desenho, foi alargada com a cadeira de música (solfejo e canto escolar); a educação física foi criada com as aulas de calistenia, ginástica e exercícios militares; finalmente, a geografia foi separada da cadeira de história, para maior latitude do ensino; e as ciências sociais contempladas com o acréscimo da cadeira de economia política e educação cívica, na qual se dão noções de direito e administração. (REIS FILHO4, 1995, p. 52, apud SAVIANI, 2005, p. 14) Talvez uma das questões mais importantes neste relatório seja a presença das chamadas “ciências biológicas”, as quais influenciaram grandemente na foração 4 REIS FILHO, Casemiro. A Educação e a Ilusão Liberal. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1995. História da profissão docente 33 das ciências sociais durante o século XIX e início do XX. Principalmente ciências como a Antropologia, que utilizou conceitos advindos da Biologia para estrutu- rar suas primeiras interpretações sobre as diferenças culturais da humanidade. O determinismo biológico, que atribuía capacidades inatas às diferentes “raças” humanas foi largamente utilizado para interpretar e oferecer explicações cien- tíficas para as desigualdades existentes entre as sociedades, internamente e em relação a outros países. Também podemos apontar a educação cívica, que acabou incorporando a ideia de que a educação serviria também para a cons- tituição de cidadãos respeitadores da ordem. Se a ênfase recai, como se pode perceber, sobre o treinamento prático neste modelo de educação as escolas nor- mais conhecerão mudanças significativas a partir da década de 1930 no Brasil. As reformas de 1932, no Distrito Federal, e de 1933, em São Paulo, marcaram a educação brasileira pelas suas iniciativas de renovação do ensino baseadas na experimentação pedagógica de bases científicas (SAVIANI, 2005, p. 16). Trajetória da profissão docente durante o século XX A profissão docente no Brasil viveu durante o século XX um período de in- tensas transformações que principiaram com as reformas de 1932, direcionadas por Anísio Teixeira e de 1933, de iniciativa de Fernando de Azevedo. Para além das diferenças existentes entre estas duas propostas, o ponto em comum foi a consciência de que a escola normal não estava cumprindo com sua obrigação primordial: a qualificação do profissional docente. A crítica recaía na ambiguida- de presente na estrutura curricular das escolas normais que, “pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos” (VIDAL, 2001, p. 79-80, apud SAVIANI, 2005, p. 16). Dessa forma, as reformas tiveram como fundamento a reestruturação cur- ricular da escola normal, que passava a oferecer uma formação de base científica aliada à experimentação destinada a cada área específica de atuação profissio- nal, licenciaturas e cursos de Pedagogia. A citação de Saviani resume bem como ficou a formação dos professores no Brasil a partir das reformas empregadas: Em 1935, com a criação da Universidade do Distrito Federal, também por iniciativa de Anísio Teixeira, a Escola de Professores a ela foi incorporada com o nome de Escola de Educação. Algo semelhante ocorreu em São Paulo quando, em 1934, com a criação da USP, o Instituto de Educação Paulista a ela foi incorporado. E é sobre essa base que, em 1939, foram instituídos os Cursos de Pedagogia e de Licenciatura na Universidade do Brasil e na Universidade de São Paulo. [...] Aos cursos de Licenciatura coube a tarefa de formar professores para as disciplinas específicas que compunham os currículos das escolas secundárias; e os Cursos de Pedagogia ficaram com o encargo de formar os professores das Escolas Normais. (SAVIANI, 2005, p. 17) 34 Profissão Docente As coisas permaneceriam desta forma até o advento da Ditadura Militar a partir de 1964. As principais mudanças ocorreram na legislação do ensino, refor- mulando o Ensino Superior, com a Lei 5.540/68 e o Ensino Primário e Médio, com a Lei 5.692/71. Uma consequência direta para a formação dos professores foi o desaparecimento das Escolas Normais, substituídas pela Habilitação Específica de 2.º grau para o exercício do magistério de 1.º grau (SAVIANI, 2005, p. 19). Porém, muitos problemas surgiram com esta nova estrutura, pois a educação passa a atender ao modelo tecnicista, relegando a formação dos professores a simples executores de objetivos pré-programados por especialistas, cujo princi- pal objetivo seria a formação do homem ideal para o mercado de trabalho, para a produtividade. Fusari (1992) aponta algumas consequências negativas que o tec- nicismo deixou no sistema educacional brasileiro que persistem na atualidade: uma visão da educação muito economista e imediatista, em que o compromisso maior seria com a formação do homem para o mercado de trabalho (posto de trabalho); uma visão de educação escolar descolada dos problemas fundamentais da sociedade brasileira; uma fragmentação no processo ensino-apendizagem, em que o professor, juntamente com os especialistas, dividiram o espaço da educação escolar, cada um cuidando do seu espaço, reforçando assim a falta de uma visão de totalidade e, principalmente, uma atuação fragmentada e competitiva no interior da escola; uma falsa impressão de que as tecnologias resolveriam os problemas fundamentais da educação escolar, caso estes recursos chegassem de fato à escola e fossem bem utilizados pelos educadores; uma visão de tecnologia como um fim, quando, na realidade, é um meio para; uma ideia de planejamento educacional, especificamente de ensino, como algo burocrático, supérfluo e desnecessário, descartando assim um meio importante e necessário ao bom desenvolvimento do ensino (FUSARI, 1992, p. 21-22). Muitos autores se referem aos resquícios que este modelo educacional deixou no sistema educacional brasileiro. É inegável que o tecnicismo ainda permeia os currículos de formação de professores, e muito mais ainda a prática de muitos professores, que tiveram uma formação nesses moldes e que não passaram por um processo de atualização, afastados da vida acadêmica, da pesquisa e das pu- blicações mais recentes. Outras tentativas foram feitas para se mudar a situação da educação e da formação dos professores no Brasil. Saviani comenta que a Constituição