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DOCÊNCIA EM SAÚDE DIREITO AMBIENTAL 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de Setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842d Direito ambiental / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 143p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-66104-08-0 1. Direito. 2. Direito ambiental. 3. Meio ambiente. I. Portal Educação. II. Título. CDD 344.046 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA AMBIENTAL .............................................................. 8 1.1 RELAÇÃO HOMEM E MEIO AMBIENTE: ORIGENS HISTÓRICAS DA CRISE AMBIENTAL ....................................................................................................................... 8 1.2 A CRISE AMBIENTAL PLANETÁRIA ....................................................................... 13 1.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................... 18 1.4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ÉTICA AMBIENTAL ..................................................... 22 1.5 O DIREITO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL ............................................................... 27 2 O DIREITO AMBIENTAL: NOÇÕES GERAIS E CONCEITOS ................................ 29 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL ........................... 29 2.1.1 Fase colonial ............................................................................................................ 32 2.1.2 Fase imperial ............................................................................................................ 33 2.1.3 Fase republicana ...................................................................................................... 35 2.2 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE PARA O DIREITO .............................................. 37 2.3 CLASSIFICAÇÃO DE MEIO AMBIENTE PARA O DIREITO .................................... 40 2.3.1 Meio Ambiente Natural ............................................................................................. 40 2.3.2 Meio Ambiente Artificial ............................................................................................ 41 2.3.3 Meio Ambiente Cultural............................................................................................. 42 2.3.4 Meio Ambiente do Trabalho ...................................................................................... 43 2.4 CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL .................................................................... 43 2.5 RECURSOS NATURAIS E BENS AMBIENTAIS ...................................................... 45 3 2.6 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL .................................................................. 47 2.7 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA AMBIENTAL ........................................................... 50 3 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL: PRIMEIRA PARTE ....................... 53 3.1 O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA ......................... 53 3.2 A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E SEUS INSTRUMENTOS ............ 60 3.2.1 Objeto da Política Nacional do Meio Ambiental ........................................................ 61 3.2.2 Princípios da Política Nacional do Meio Ambiental ................................................... 61 3.2.3 Objetivos da Política Nacional do Meio Ambiental .................................................... 62 3.2.4 Composição do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) ............................ 62 3.2.5 Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiental .............................................. 63 3.2.6 Responsabilidade Civil na Política Nacional do Meio Ambiente ................................ 64 3.3 O MEIO AMBIENTE NATURAL ................................................................................ 65 3.3.1 Flora ......................................................................................................................... 65 3.3.1.1 Conceito ................................................................................................................. 65 3.3.1.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 66 3.3.1.3 Legislação ordinária ............................................................................................... 67 3.3.1.3.1 Código Florestal .................................................................................................. 67 3.3.1.3.2 Lei de Crimes Ambientais ................................................................................... 72 3.3.1.3.3 Lei da Mata Atlântica ........................................................................................... 73 3.3.1.3.4 Lei de Gestão das Florestas Públicas ................................................................. 74 3.3.2 Fauna ....................................................................................................................... 75 3.3.2.1 Conceito ................................................................................................................. 75 3.3.2.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 76 4 3.3.2.3 Legislação ordinária ............................................................................................... 76 3.3.2.3.1 Código de Proteção à Fauna .............................................................................. 76 3.3.2.3.2 Código de Pesca e outras leis de proteção ......................................................... 77 3.3.2.3.3 Lei de Crimes Ambientais ................................................................................... 79 3.3.3 Solo .......................................................................................................................... 80 3.3.3.1 Conceito ................................................................................................................. 80 3.3.3.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 81 3.3.3.3 Legislação ordinária ............................................................................................... 82 3.3.3.3.1 Agrotóxicos ......................................................................................................... 82 3.3.3.3.2 Mineração ........................................................................................................... 83 3.3.3.3.3 Lei de Crimes Ambientais ................................................................................... 84 3.3.4 Atmosfera ................................................................................................................. 85 3.3.4.1 Conceito ................................................................................................................. 85 3.3.4.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 85 3.3.4.3 Legislação ordinária ............................................................................................... 86 3.3.4.3.1 Lei de emissão de poluentes por veículos automotores...................................... 86 3.3.4.3.2 Lei de Crimes Ambientais ................................................................................... 87 3.3.5 Recursos hídricos ..................................................................................................... 88 3.3.5.1 Conceito ................................................................................................................. 88 3.3.5.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 89 3.3.5.3 Legislação ordinária ............................................................................................... 90 3.3.5.3.1 Código de Águas ................................................................................................ 90 3.3.5.3.2 Política Nacional de Recursos Hídricos ............................................................... 90 5 3.3.5.3.3 Lei de Crimes Ambientais ................................................................................... 93 3.3.5.3.4 Lei de Poluição Causada por Lançamento de Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional............................................................................................................................. 93 3.3.6 Biodiversidade e patrimônio genético ....................................................................... 95 3.3.6.1 Conceito ................................................................................................................. 95 3.3.6.2 Fundamento constitucional .................................................................................... 95 3.3.6.3 Legislação ordinária e internacional ....................................................................... 96 3.3.7 Unidades de conservação ........................................................................................ 98 3.4 O MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL ............................................................................ 101 3.4.1 Conceito .................................................................................................................. 101 3.4.2 Fundamento constitucional ...................................................................................... 102 3.4.3 Legislação ordinária ................................................................................................. 103 3.4.3.1 Lei de Parcelamento do Solo Urbano .................................................................... 103 3.4.3.2 Estatuto da Cidade ............................................................................................... 104 3.5 O MEIO AMBIENTE CULTURAL ................................................................................ 106 3.5.1 Conceito .................................................................................................................. 106 3.5.2 Fundamento constitucional ...................................................................................... 107 3.5.3 Legislação ordinária e internacional ......................................................................... 108 3.5.3.1 Tombamento ......................................................................................................... 108 3.5.3.2 Bens culturais de natureza imaterial ..................................................................... 110 3.5.3.3 Lei de Crimes Ambientais ..................................................................................... 111 3.6 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ...................................................................... 112 3.6.1 Conceito .................................................................................................................. 112 6 3.6.2 Fundamento constitucional ...................................................................................... 113 3.6.3 Legislação ordinária ................................................................................................. 114 3.6.3.1 Consolidação das Leis Trabalhistas ...................................................................... 114 4 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL: SEGUNDA PARTE ...................... 116 4.1 TUTELA ADMINISTRATIVA DO MEIO AMBIENTE: LICENCIAMENTO AMBIENTAL ..................................................................................................................... 116 4.1.1 Poder de Polícia Ambiental ...................................................................................... 116 4.1.2 Infrações administrativas e processo administrativo ................................................ 118 4.1.3 Sanções administrativas .......................................................................................... 120 4.1.4 Licenciamento ambiental ......................................................................................... 121 4.1.4.1 Conceito ................................................................................................................ 121 4.1.4.2 Licenças ambientais .............................................................................................. 123 4.1.4.3 Competência para licenciar ................................................................................... 124 4.1.4.4 Estudos ambientais para o licenciamento ............................................................. 125 4.2 TUTELA CIVIL DO MEIO AMBIENTE: RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA AMBIENTAL ..................................................................................................... 127 4.2.1 Dano ambiental ....................................................................................................... 127 4.2.2 Formas de reparação do dano ambiental ................................................................ 129 4.2.3 Responsabilidade civil e dano ambiental ................................................................. 130 4.2.3.1 Teoria subjetiva ..................................................................................................... 130 4.2.3.2 Teoria objetiva ...................................................................................................... 131 4.2.4 Responsabilidade objetiva por dano ambiental ........................................................ 132 4.3 TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE: CRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS E ATIVIDADES DEGRADADORAS ..................................................................................... 133 7 4.3.1 Responsabilidade penal ambiental na Constituição Federal .................................... 133 4.3.2 Crimes ambientais ................................................................................................... 134 4.3.2.1 Sujeitos do crime ambiental e sanções penais ...................................................... 135 4.3.2.2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica .......................................................... 136 4.3.2.3 Dos crimes contra o Meio Ambiente ...................................................................... 138 4.4 TUTELA PROCESSUAL DO MEIO AMBIENTE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR ........................................................................................................................ 139 4.4.1 Ação Civil Pública .................................................................................................... 140 4.4.2 Ação Popular ........................................................................................................... 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 143 8 1 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA AMBIENTAL “Terra, és o mais bonito dos planetas, estão te maltratando por dinheiro...” (“O sal da Terra”, cantada por Beto Guedes) 1.1 RELAÇÃO HOMEM E MEIO AMBIENTE: ORIGENS HISTÓRICAS DA CRISE AMBIENTAL O surgimentoda vida no planeta Terra, desde a estrutura mais simples – um amontoado de células com alguma organização e função – ao organismo mais complexo – o Ser Humano –, sempre foi objeto da curiosidade e investigação humanas. Certamente cada um de nós, ao menos uma vez em nossas vidas, fez as seguintes perguntas: De onde viemos? De onde vieram todas as criaturas que habitam este planeta? Como surgiu e se desenvolveu a vida, em todas as suas formas? À medida que o Homem passou a observar, compreender e interpretar o mundo a sua volta, foi formulando hipóteses sobre a origem de nossas raízes biológicas e dos seres viventes na Terra, e sobre a própria formação e constituição deste planeta e de todo o Universo, todas com o propósito de aplacar os nossos anseios existenciais. Um exemplo disso é que diversos filósofos e estudiosos ocidentais, em épocas distintas, tentaram explicar a origem da vida e da Terra por meio de suas teorias. Segundo Tales de Mileto (final do século VII a.C. a meados do século VI a.C.), considerado o primeiro filósofo, a Terra era constituída por água, que uma vez resfriada, tornava-se uma massa densa. Para Platão, “Demiurgo” (“artesão”), um deus, 9 usou de um material para modelar todos os seres do mundo. Para os cristãos, Deus criou o mundo e fez o Homem à sua imagem e semelhança. O fato é que o Homem, tendo tomado ao logo do tempo ciência de suas capacidades intelectuais, nunca parou de perguntar, investigar e de buscar por respostas. A fim de desvendar o mundo que se revelava a sua volta, nos menores detalhes possíveis, entender a forma como ele funcionava, porque e como ocorreriam os fenômenos naturais e os relativos aos seres humanos. Em certo momento da História, a gana por conhecimento, a ânsia em descobrir e entender o mundo cada vez mais, fez com que o Homem construísse uma nova imagem de si próprio. Há uma mudança na identidade desse Homem comparativamente àquele que viveu na Idade Média, que era “um homem anônimo que, despojando-se das vaidades pessoais, coloca-se a serviço de Deus” (ABRÃO; COSCODAI, 2003). Para Capra (apud PELIZZOLI, 2004, p. 16), “os cientistas medievais, investigando os desígnios nos fenômenos naturais, tinham enorme consideração pelas questões relativas a Deus, à alma e à ética”. Já o novo Homem se autovaloriza como em nenhuma outra época ousou fazer. Essa é a característica que marca a época do Renascimento. Surge o Humanismo. Segundo Abrão e Coscodai (2003): O homem renascentista busca moldar o mundo à sua imagem e semelhança, como em um empreendimento seu. [...] Ao descobrir a própria individualidade frente à ordem do mundo, ele não se conforma mais com a certeza medieval de uma vida cujos princípios e fim encontram em Deus. (grifo nosso) Leonardo da Vinci traduz muito bem o que era e como se sentia o Homem renascentista em sua célebre frase “o homem é o modelo do mundo”. De acordo com essa concepção, o Homem passa a ser o parâmetro para tudo que cria nas artes, na educação, nas ciências... Ele tem orgulho de ser o que é, e sabe-se capaz de tomar as rédeas de seu destino, que já não é apenas uma designação divina. Em razão dessa perspectiva, inicia-se um processo de distanciamento do Homem com a natureza, pois ele não mais se vê meramente como parte integrante 10 dela. Se o mundo agora é visto e criado a partir da ótica do Homem, todas as suas ações são justificáveis para legitimar esse propósito. Sendo assim, a natureza se transforma em objeto da investigação humana. As relações afetivas e espirituais desse Homem com a natureza são rompidas aos poucos e começam a mudar. O Homem se apropria da natureza e realiza experimentos com ela, com base na razão. Por trás da investigação da natureza há um considerável desenvolvimento da matemática (ABRÃO; COSCODAI, 2003, p. 148). Para os estudiosos e filósofos da natureza daquela época, os fenômenos naturais eram regidos por leis universais, e deveriam ser explicados, necessariamente, por cálculos matemáticos. A análise matemática poderia revelar como esses fenômenos ocorriam. A chamada “matematização da natureza” deu origem a inúmeros trabalhos, de vital importância para toda a humanidade, que mudaram o rumo da História. Um dos grandes responsáveis por algumas inovações nesse campo foi Nicolau Copérnico (1473-1543), que apontou ser o Sol o centro do Universo e descobriu que a Terra é um planeta que orbita ao seu redor. Johannes Kepler (1571-1630), autor de estudos sobre o movimento dos planetas, usando como instrumento a matemática, comparou o funcionamento da natureza ao de um relógio com mecanismo perfeito. Com esse entendimento, Kepler reduziu a natureza à condição de mero objeto, passível de investigação e experiências. Entretanto, foi com os estudos e descobertas de Galileu Galilei (1564-1642) que se iniciou uma verdadeira revolução na maneira do Homem de pensar e tratar a natureza, com a inauguração de uma fase inimaginável na ciência moderna. Galilei desenvolveu teorias que explicavam o movimento da Terra ao redor do Sol e que confirmavam o heliocentrismo de Copérnico. Afirmou que “a natureza está escrita em linguagem matemática”. Lamentavelmente, foi obrigado a retratar-se perante a Igreja Católica. Mas o seu legado científico não pôde ser apagado por seu ato de negação. A barreira entre a ilusão e a verdade havia sido rompida definitivamente. O século XVII marca a origem da chamada Revolução Científica na Europa, 11 muito embora essa “revolução” no pensar e agir humanos já viesse ocorrendo desde o Renascimento, culminando com as essenciais descobertas de Galileu Galilei. Com a Revolução Científica, derradeiramente a postura do Homem perante a natureza adquire um contorno diferenciado, pois uma nova visão de mundo foi instituída: materialista, racionalista, mecanicista, instrumentalista e antropocêntrica. Pelizzoli (2004) descreve com maestria as características da Revolução Científica em relação à natureza: É bem outra a postura frente à Natureza, nunca antes requerida pelos Antigos e Medievais, bem como por várias comunidades humanas, sejam do Oriente, indígenas ou africanas... que faz perder o caráter de ligação (espiritual e de sentido) com a multiplicidade de formas de vida e da organização do mundo pautado em torno da grandeza da Natureza. O que ocorre é que uma racionalidade (sentido) antes vista no mundo divino e espelhado no mundo hierarquizado (Cosmos) vai sendo expurgada. Vão sendo abolidos os mistérios, os encantos, a poesia natural dos seres, e se começa a construir um grande aparato matemático, ligado à física, à engenharia e depois à química, para mostrar que a Natureza segue leis rígidas, como um mecanismo [...]; e assim ela pode ser dividida em várias substâncias, sempre físico-químicas, e se inferem leis para imitar, alterar, manipular e transformar as várias formas da “matéria” naquilo que pode servir e enriquecer materialmente o ser humano como homo faber. (grifo nosso) O expoente da Revolução Científica foi o cientista e filósofo René Descartes, que com suas teorias estabeleceu o chamado paradigma cartesiano. Com a obra O Discurso do Método e sua máxima “penso, logo existo”, a visão de mundo, o sistema de valores, o pensar e o agir humanos nunca mais foram os mesmos e seus preceitos determinaram “as formas de viver” da sociedade contemporânea. Segundo a filosofia de Descartes, tudo é separado: o corpo da alma, o ser humano da natureza, o sujeito do objeto. Ademais, “o ser humano, para ele, é essencialmente um ser racional (e dotado de alma), isolado e dominador de objetos de conhecimento” (PELIZZOLI, 204, p. 19). Em decorrência do pensamento de Descartes, Pelizzoli (2004) afirma que passou a ocorrer: “[...] o reducionismo dos ‘fenômenos físicos a relações matemáticas exatas’; a análise decompositora e fragmentadora da realidade em face deobjetos; 12 impera o método reducionista que só aceita o que se ajusta à razão ‘cartesiana’”. Muito do que conhecemos e vivenciamos na sociedade, na ciência, na educação, na forma de lidar com a natureza, etc., é projetado com base no paradigma cartesiano. O estudo do corpo humano é fragmentado, o aprendizado das disciplinas na escola é fragmentado, a compreensão humana sobre o Meio Ambiente é fragmentada. Além, é claro, da natureza em si, ser tratada ainda como um objeto, pois os Homens, segundo Descartes, não fazem parte dela. O paradigma cartesiano fixou as raízes do Antropocentrismo (o Homem é centro do mundo), que hoje impera e tem grande parcela de responsabilidade pela crise ambiental por qual a humanidade atravessa. Quanto mais o Homem se distanciava da natureza, separando-se de suas origens, acreditando ser o “senhor de todas as coisas do mundo”, mais passou a intervir de maneira danosa no Meio Ambiente. Evidentemente não se pode negar que a Revolução Científica possibilitou grandes avanços científicos e trouxe benefícios à humanidade. Contudo, é necessário reconhecer também que houve inúmeras consequências negativas, as quais afetaram e afetam a todos, o que indica que o modelo cartesiano não é mais tão adequado e eficaz para sustentar as demandas do planeta no contexto atual de crise ambiental. Por isso, todos os Homens são responsáveis, enquanto cidadãos e profissionais conscientes, pela instauração de uma nova ordem mundial no sentido de garantir a continuidade da Vida na Terra, seja ela humana ou não, e a manutenção de um Meio Ambiente saudável; com base em um paradigma não só Antropocêntrico, e sim Ecocêntrico, no qual haja um equilíbrio entre razão e emoção, em que o conhecimento seja integrado e não fragmentado e o Homem reaproxime-se da natureza enquanto parte dela e não como seu proprietário, e impere a Justiça Social e Ambiental. 13 1.2 A CRISE AMBIENTAL PLANETÁRIA A crise ambiental, há algum tempo, é assunto constantemente presente no cotidiano dos cidadãos em todo o mundo. Diariamente as pessoas sentem na pele os efeitos da pressão das atividades humanas sobre o Meio Ambiente, e compreendem que esses efeitos não estão restritos a uma única região do planeta Terra, mas estão ocorrendo em todos os lugares. A Terra existe há quase 5 bilhões de anos, e vidas na Terra existem há mais de 3,5 bilhões de anos, sendo que o Homem a habita há quase 3 milhões de anos. Há 200 anos é que o Meio Ambiente passou a ser afetado consideravelmente com a ação humana, e há apenas 40 anos é que esses impactos passaram a ser considerados muito graves ao planeta (MACEDO, 2000, p. 55). Os impactos da ação humana sobre o Meio Ambiente pioraram em razão dos avanços científicos e tecnológicos ao longo do tempo. Foi com a explosão da bomba atômica, ao final da Segunda Guerra Mundial, que a humanidade tomou consciência da manifestação mais significativa e ao mesmo tempo nefasta do poder do Homem sobre o Meio Ambiente. Em poucas horas, além da morte de milhões de pessoas, a água foi contaminada, a Fauna e a Flora do local foram exterminadas, etc. Depois da Segunda Guerra Mundial foram empreendidos muitos esforços e destinados muitos bilhões de dólares, inclusive internacionalmente, à causa do desenvolvimento econômico (MACEDO, 2000, p. 57). O modelo social e econômico que passou a vigorar desde então agravou os problemas ambientais, pois aumentou a exploração dos recursos naturais para atender às demandas nos processos produtivos, cada vez mais eficientes tecnologicamente. Segundo os ensinamentos de Macedo (2000): Os problemas dos recursos ecológicos e sociais da Terra são intimamente interdependentes. Pobreza, crescimento acelerado da população, destruição dos recursos e degradação do Meio Ambiente estão profundamente relacionados. O crescimento da 14 raça humana e as largas disparidades entre poder econômico e político contribuem para a destruição dos recursos e danificam o Meio Ambiente; e recursos e Meio Ambiente degradados afetam a vida das pessoas. A degradação ambiental pode contribuir para a instabilidade política e econômica. (grifo nosso) Para Corson (apud MACEDO, 2000, p. 57), as principais causas dos problemas ambientais atuais são “crescimento populacional insustentável, acentuado aumento da pobreza e desigualdade social, métodos de produção de alimentos insustentáveis, uso de energia insustentável e produção industrial insustentável”. Cada um desses fatores será analisado brevemente a seguir, para que a crise ambiental planetária possa ser entendida em termos globais, conforme dados indicados por Macedo (2000). 1) “Crescimento populacional insustentável” É nos países mais pobres que o índice de crescimento populacional fica maior a cada ano que passa. E pesquisas apontam que justamente nesses países os índices de qualidade de vida são reduzidos e os de sofrimento humano são aumentados. Por sua vez, o crescimento populacional constante vem sempre acompanhado pela degradação ao Meio Ambiente, pois aumenta a pressão sobre os recursos naturais destinados a suprir as necessidades alimentares e produtivas da população. O crescimento populacional sem planejamento gera um déficit na capacidade do Poder Público quanto ao fornecimento dos serviços públicos básicos aos indivíduos (educação, saúde, alimentação), o que compromete a possibilidade de melhoria da qualidade de vida. De acordo com Macedo (2000, p. 65): Esta defasagem entre o número de pessoas e recursos é ainda mais premente porque grande parte do aumento populacional se concentra em países de baixa renda, em regiões desfavorecidas do ponto de vista ecológico e em áreas de pobreza. (grifo nosso) Nos países em desenvolvimento, o crescimento populacional tem enfraquecido sua capacidade de satisfazer as necessidades socioeconômicas básicas 15 e proteger os recursos naturais, causando problemas de ordem ambiental, econômica, política e social, tais como: escassez de água, esgotamento de fontes energéticas, desmatamento, poluição, desemprego, desnutrição e doenças por falta de saneamento básico, entre outros. Por fim, Macedo (2000, p. 65) esclarece que: O problema não está apenas no número de pessoas, mas na relação entre esse número e os recursos disponíveis. Assim, o “problema populacional” tem de ser solucionado por meio de esforços para eliminar a pobreza generalizada, a fim de garantir um acesso mais justo aos recursos e, por meio da educação, aprimorando o potencial humano para administrar esses recursos. É mais fácil buscar o desenvolvimento sustentável quando o tamanho da população se estabiliza num nível coerente com a capacidade produtiva do ecossistema. (grifo nosso) 2) “Aumento da pobreza e desigualdade social” A quantidade de pessoas consideradas pobres no mundo inteiro é alarmante. Sabe-se que milhões delas vivem atualmente em grau de miséria absoluta. A degradação ambiental nos países pobres é incessante porque a maioria deles depende da exportação de produtos agrícolas para aumentar a sua receita. Para expandir as fronteiras agrícolas é preciso desmatar. O acesso desigual às terras e aos serviços públicos (educação, alimentação, saúde) também acentua a pobreza, pois os lavradores tradicionais cederam suas terras para a exploração comercial em larga escala. A maioria desses lavradores, que até então viviam das suas lavouras de subsistência, foi obrigada a deixar o campo por não possuir mais condições de se manter por lá. Em razão da distribuição desigual da renda e da falta de oportunidades de trabalho, os pobres constituem uma grande massa populacional nas grandes cidades e, com isso, agravam-se os impactos sobre o Meio Ambiente, principalmente de infraestrutura urbana como saneamento básico, moradia, abastecimento de água, geração de lixo, doenças, ocupaçãode áreas de encostas e mananciais, etc. 3) “Métodos de produção de alimentos insustentáveis” O modelo dominante de produção de alimentos é insustentável e, sobretudo, 16 causador de grandes danos ao Meio Ambiente. Esse modelo baseia-se em métodos que buscam alta produtividade em um curto espaço de tempo. Para que essas metas sejam atingidas, milhões de hectares de florestas têm sido devastados para dar lugar às plantações ou aos enormes pastos. O desmatamento, além de provocar perda significativa da biodiversidade do local, causa outros danos, como erosão do solo, assoreamento de rios e desaparecimento de nascentes, aumento da temperatura e alterações climáticas, etc. Paradoxalmente, à medida que a produção de alimentos cresce, cresce também a quantidade de pessoas que não têm qualquer acesso a uma alimentação digna e saudável, já que considerável parcela dos alimentos produzidos em larga escala são grãos, destinados à alimentação de rebanhos. 4) “Uso de energia insustentável” A energia é um dos recursos mais essenciais ao ser humano. Mas a produção e o consumo de energia têm um impacto devastador sobre o Meio Ambiente, tomando por base o modelo energético mais utilizado no mundo: a queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gasolina). O consumo de energia e a queima de combustíveis fósseis, desde a Segunda Guerra Mundial, cresceram vertiginosamente, em razão do desenvolvimento econômico tão almejado pelos países. Não há desenvolvimento sem energia. Ocorre que a queima de combustíveis fósseis é uma atividade altamente poluidora porque lança enormes quantidades de compostos químicos na atmosfera, responsáveis pelo aquecimento global, um dos maiores problemas ambientais que a humanidade enfrenta, degradando a saúde humana e a saúde dos ecossistemas. No entanto, esse modelo energético já dá sinais de esgotamento, porque os combustíveis fósseis são recursos naturais exauríveis. O desperdício de energia é outro fator que contribui negativamente com a crise de energia. Outra fonte geradora de energia são as usinas hidrelétricas, que também causam danos ao Meio Ambiente devido aos impactos das obras para construção desse tipo de empreendimento. 17 5) “Produção industrial insustentável” A produção industrial insustentável baseia-se em modelos inadequados e degradadores, funcionando na mesma lógica que a produção de alimentos: alta produtividade em curto espaço de tempo. Caracteriza-se pelo desperdício de matéria-prima e de energia no processo produtivo, geração de grande quantidade de resíduos, disposição inadequada dos resíduos (como o lançamento de efluentes nos corpos d’água sem tratamento, emissão de poluição atmosférica), não reaproveitamento de materiais e ausência de reciclagem, de segurança e de salubridade do ambiente de trabalho, etc. Outro fator que pode ser considerado como principal causa dos problemas ambientais e que vem sendo muito discutido é o consumismo. A sociedade contemporânea vive segundo a lógica capitalista, que privilegia o “ter” em detrimento do “ser”. Tudo que existe é produzido para ser consumido rapidamente, para que outros bens sejam consumidos, instaurando-se assim um ciclo ininterrupto, especialmente nos países ricos. É para atender a demanda do consumo da sociedade que a agricultura e a indústria exploram os recursos naturais, degradando o Meio Ambiente. Na outra ponta do problema, o consumo inconsciente e desenfreado daquilo que se produz gera quantidades enormes de resíduos, que descartadas no ambiente, causam dano ambiental. Veja, por exemplo, o problema do descarte de pneus e de garrafas PET. O discurso presente nas campanhas de Educação Ambiental e na mídia incentiva a reciclagem como forma de solucionar o problema dos resíduos e do lixo no ambiente. Contudo, quase nenhuma delas faz uma abordagem realista da questão: reciclar é necessário, mas a humanidade precisa aprender ou habituar-se a consumir de maneira consciente. Isso quer dizer consumir em menor quantidade, consumir produtos ecologicamente corretos e reutilizar sempre que possível. A reciclagem, tomada como medida isolada, não é capaz de conter as consequências devastadoras do consumo em massa e da geração de lixo. 1.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 18 O primeiro alarme oficial sobre a crise ambiental veio com a publicação do relatório The limits of growth (Os limites do crescimento), em 1972, pelo chamado Clube de Roma, formado por um grupo de especialistas em diversas áreas. Até então, havia dois grupos que sustentavam posições contrárias quanto à questão do crescimento econômico: o primeiro apontava que o crescimento econômico ilimitado, da forma como estava ocorrendo, era incompatível com a disponibilidade dos recursos naturais, e por essa razão sugeriam frear o crescimento econômico; o segundo grupo afirmava que a crise ambiental era uma invenção dos países ricos para impedir a ascensão dos países do Terceiro Mundo. O relatório do Clube de Roma chamou atenção para os riscos de um crescimento a todo custo, sem pensar nas consequências sociais e ambientais que ele poderia causar. As conclusões do relatório foram elaboradas a partir de um modelo “econométrico que previa o esgotamento dos recursos renováveis e não renováveis, dados os modelos de crescimento, o padrão tecnológico e a estrutura da demanda internacional” (AMÂNCIO, 2001, p. 24-25). O relatório foi bastante criticado na época, mas as discussões que ele levantou continuaram e não saíram da pauta de debates de muitos outros grupos e eventos da agenda ambiental mundial. Não era mais possível discutir a questão ambiental sem falar de desenvolvimento econômico. Ainda em 1972, foi realizada em Estocolmo (na Suécia) a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Conferência de Estocolmo. Em sua fase preparatória, um grupo de especialistas em Ciências Naturais e Sociais declarou que “para se atingir o desenvolvimento econômico, a prioridade ambiental era fundamental e que, desta, dependia não somente a qualidade de vida, mas a própria vida humana” (AMÂNCIO, 2001, p. 25). Da Conferência de Estocolmo participaram representantes de 113 países. Seus resultados: a aprovação da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, a qual continha a posição declarada inicialmente pelos especialistas; o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, criado na ocasião, endossou a posição da Declaração; houve o estabelecimento de um plano de ação mundial e recomendou-se a elaboração de um programa internacional de Educação Ambiental. 19 Uma curiosidade: os países em desenvolvimento que participavam da Conferência, entre eles o Brasil, foram contrários aos resultados da Conferência. Representantes do Brasil afirmaram não se importar com a poluição e tampouco em pagar o preço da degradação ambiental. É clássica a frase escrita em um cartaz mostrado na Conferência: Bem-vindos à poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrições. Temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos são empregos, são dólares para o nosso desenvolvimento. (grifo nosso) A Conferência de Estocolmo foi um evento de extrema relevância na história do ambientalismo mundial, sobretudo para a criação, a partir das diretrizes e princípios que dela resultaram, de políticas ambientais nos países participantes. Em 1983, foi criada pela ONU a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, um organismo independente, composto por 22 membros, cujos objetivos eram: 1) reexaminar as questões críticas relativas ao Meio Ambiente e Desenvolvimento, formulando propostas realistas para abordá-las; 2) propor novas formas de cooperação internacional nessa área; 3) dar à sociedade internacional uma maior compreensão desses problemas, incentivando-a a uma atuaçãomais firme. O estudo abordou temas variados como desenvolvimento, sustentabilidade, segurança alimentar, crescimento populacional, produção industrial, produção de energia, estrutura urbana, entre outros. O resultado desse estudo foi o Relatório Our Common Future ou Relatório Brundtland (em referência à presidente da Comissão, a primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland), apresentado à ONU e publicado em 1987 – tornando-se imediatamente um dos documentos oficiais mais importantes, do mundo, que aborda a problemática ambiental. O Relatório Brundtland identificou os diferentes tipos de desenvolvimento dos países, ao mesmo tempo, como causa e efeito dos problemas ambientais. A comissão entendeu que haveria uma tendência crescente de diferenciação entre países pobres 20 e países ricos, de difícil inversão. Para tentar amenizar essa tendência, sugeriram realizar um “redimensionamento dos vínculos entre economia e ecologia global” (AMÂNCIO, 2001, p. 50): Os problemas ambientais com o que nos defrontamos não são novos, mas recentemente sua complexidade começou a ser entendida. Antes, nossas maiores preocupações voltavam-se para os efeitos do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Hoje, temos de nos preocupar também com o modo como a deterioração ambiental pode impedir ou reverter o desenvolvimento econômico [...]. (grifo nosso) Ainda no Relatório Brundtland foi cunhado o termo Desenvolvimento Sustentável, definido como sendo “aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas necessidades”. De acordo com Amâncio (2001, p. 28): O conceito de Desenvolvimento Sustentado, no informe em questão, tem três vertentes principais: crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico, induzindo um “espírito de responsabilidade comum” como processo de mudança no qual a exploração de recursos naturais, os investimentos financeiros e as rotas de desenvolvimento tecnológico deverão adquirir sentido harmonioso. O desenvolvimento tecnológico deverá ser orientado para metas de equilíbrio com a natureza e de incremento da capacidade de inovação tecnológica de países em desenvolvimento. O progresso é entendido como maior riqueza, maior benefício social equitativo e equilíbrio ecológico. (grifo nosso) Conforme o Relatório Brundtland, o Desenvolvimento Sustentável exige (AMÂNCIO, 2001, p. 51): a) um sistema político que assegure aos cidadãos a efetiva participação no processo decisório; b) um sistema econômico capaz de gerar excedente e know-how técnico em bases confiáveis e constantes; c) um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um 21 desenvolvimento não equilibrado; d) um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento; e) um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções; f) um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento; g) um sistema administrativo flexível e capaz de se autocorrigir. O desenvolvimento sustentável entrou oficialmente e com força na pauta das discussões brasileiras sobre Meio Ambiente com a realização, em 1992, no Rio de Janeiro, da ECO-92 ou Cúpula da Terra, sendo um evento relevante na história do ambientalismo mundial, apesar das críticas sofridas quanto ao conteúdo dos documentos que dele resultaram e à certa inexpressividade dos acordos firmados entre países participantes. Mesmo assim, a maioria dos analistas reconhece que a ECO-92 teve um papel decisivo no processo de conscientização ambiental no tocante à crise ambiental global. A ECO-92 foi precedida por uma série de reuniões preparatórias. Foram formados grupos de trabalho para discutir temas como: biodiversidade, florestas e desmatamento, recursos hídricos, tecnologia, instrumentos jurídicos e instituições, entre outros. Ao final, os grupos de trabalho elaboraram propostas de acordo para serem apresentadas e novamente discutidas durante o evento oficial. As atividades da ECO-92 tiveram início em 3 de julho de 1992, com representantes de quase todos os países do mundo, e teve como objetivos (MACEDO, 2000, p. 43): a) examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois da Conferência de Estocolmo; b) identificar estratégias regionais e globais para ações apropriadas referentes às principais questões ambientais; c) recomendar medidas a serem tomadas nacional e internacionalmente referentes à proteção ambiental por meio de política de desenvolvimento sustentado; d) promover o aperfeiçoamento da legislação ambiental internacional; e) examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentado e 22 eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento. Da ECO-92 resultaram cinco acordos, que se constituíram verdadeiros manuais de princípios e recomendações de proteção ambiental à humanidade: a) Agenda 21 – é um conjunto de proposições que visam estimular a implantação de planos de ação locais pelos Municípios para alcance do Desenvolvimento Sustentável, abordando várias áreas: recursos hídricos, geração de resíduos, desmatamento, qualidade de vida, planejamento urbano, legislação etc.; b) Declaração do Rio – consiste em uma declaração com 27 princípios ambientais, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável. Também é conhecida por Carta da Terra; c) Convenção da Biodiversidade – acordo ratificado por 112 países, comprometendo-se a proteger a biodiversidade, principalmente nas áreas de florestas; d) Convenção sobre o Clima – acordo ratificado por 152 países, comprometendo-se a preservar a atmosfera global, por meio do controle da emissão de CO2 e utilização de tecnologias mais limpas; e) Declaração de Princípios sobre as Florestas – documento que estabelece que as florestas do mundo devam ser protegidas devido à sua relevância ecológica. 1.4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ÉTICA AMBIENTAL A primeira referência sobre a implantação da Educação Ambiental como instrumento formador da consciência ambiental nos cidadãos foi feita na Conferência de Estocolmo, em 1972. Mas somente em 1977, na cidade de Tbilisi (na Geógia – país surgido com o fim da antiga URSS), foi realizado um evento exclusivo para tratar de Educação 23 Ambiental: a 1ª Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, em cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Dessa Conferência resultaram diretrizes que destacam, na abordagem ambiental, segundo Lanfredi (2003, p. 125): A importância da perspectiva interdisciplinar, do aspecto histórico, do desenvolvimento do sentido participativo e crítico, da garantia de um processo contínuo e permanente de educação e de uma visão do ambiente, em sua totalidade e sob um prisma global. (grifo nosso) O Brasil não enviou nenhum representante à 1ª Conferência de Educação Ambiental, mas durante a ECO-92 assinou o Tratado de Educação Ambiental, aprovado pelo Fórum Internacional das ONGs, em evento paralelo ao principal. Vale esclarecer que a Constituição Federal de 1988 já havia consagrado a promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino como incumbência do Poder Público, para assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no artigo 225, § 1º, inciso VI. A Educação Ambiental despontou como política pública em território brasileiro apenas em 1999, com a aprovação da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei Federal nº 9.795), que define a natureza da Educação, seus objetivos e princípios. E diferencia Educação Ambiental formal e não formal. De acordo com a Política Nacional, entende-se por Educação Ambiental: Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bemde uso comum do povo, essencial à qualidade de vida e sua sustentabilidade. (grifo nosso) A Educação Ambiental não deve ser entendida meramente como uma disciplina formal de ensino, nem para o ensino formal (exercida no ambiente escolar) 24 nem para o ensino não formal (exercida em outros espaços sociais, como ONGs, empresas etc.), porque o seu conteúdo transcende essa limitação. É por meio da Educação Ambiental que se forma uma consciência individual e social sobre os problemas ecológicos. Justamente por ser o seu campo de atuação e alcance tão extenso é que não se pode aprisionar a Educação Ambiental no formato de disciplina, porque ela precisa ser compreendida, praticada, vivenciada por todos os seres humanos, todos os dias, a todo o momento, independentemente da raça, idade ou condição social; uma vez que a sobrevivência da Terra depende de uma nova postura dos Homens com relação ao Meio Ambiente. É por isso que a Educação Ambiental é detentora de uma especificidade, que a distingue das disciplinas comuns: a transversalidade. Ela perpassa por todas as outras disciplinas, espaços sociais e áreas do conhecimento humano: a Biologia, a Ecologia, o Direito, a Arquitetura e Urbanismo, a Economia, a Administração, os métodos produtivos, projetos e programas socioambientais, o consumo consciente etc. Para Barbosa (2001, p. 39), a Educação Ambiental: Está presente, portanto, em todas as instâncias de reprodução da cultura socioeconômica atual, passando a ser valorizada e enfaticamente estudada por profissionais que acreditam na educação como uma via de transformação socioambiental, ou seja, uma ação teórica e muito concreta contra ações danosas ao meio ambiente. E, suas populações cada vez mais pobres e exploradas pelo sistema de reprodução da vida em vigor. (grifo nosso) Barbosa (2001, p. 39) complementa sobre a Educação Ambiental: É preciso que se afirme a postura contra visões ingênuas e que a educação ambiental valorize, sim, ações integrais, preocupadas na base com a degradação natural e social. Em correspondência sistêmica com o meio ambiente sendo, portanto, necessária uma nova forma de pensar e agir para reproduzir a vida, não simplesmente no uso que faremos desta velha forma de pensar e agir. (grifo nosso) A transformação socioambiental pretendida pela Educação Ambiental necessita de uma mudança de paradigmas, com a perpetuação de princípios e valores 25 humanos que exaltem a preservação da Vida, o respeito, a justiça social e ambiental, a igualdade entre os povos, e muitos outros. Para isso, o pensar e o agir humanos precisam de uma reorientação, do modo como ocorreu a partir do Renascimento. Nos dias atuais, todo nosso sistema de valores está pautado em uma Ética Antropocêntrica e, sendo assim, nossa visão de mundo é por ela orientada. O Homem resiste à ideia de que para sobreviver precisa mudar radicalmente sua relação com o Meio Ambiente. Cada ser humano é uma parte que integra o Meio Ambiente em sua imensidão e variedade. Certamente, o fato de possuir racionalidade faz do Homem um ser diferente, mas não mais importante que as demais criaturas. E justo por ser racional, não deveria ser tão difícil para ele compreender que não há alternativa senão a preservação do Meio Ambiente para que a Vida possa subsistir, e para que haja um desenvolvimento, no mínimo, sustentável. A humanidade necessita pensar e agir apoiada nos princípios e valores de uma Ética Ambiental. A Ética “é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos” (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 9). Por sua vez, a Ética Ambiental ou Ecológica deve orientar as ações humanas quanto às questões ambientais. A Ética Ambiental conduz o Homem pelo caminho da harmonia e do respeito com a Terra e os seres vivos, fazendo com que ele se reconcilie com a natureza, afetiva e espiritualmente, mantendo uma visão holística e integrada do mundo. Todas as decisões e práticas humanas que afetem ou venham a afetar futuramente o Meio Ambiente devem ser feitas com fundamento na Ética Ambiental. Até mesmo um juiz de Direito, para decidir determinado litígio que envolva um dano ambiental, deve pautar sua decisão nos princípios dessa Ética, sob pena de legitimar, no Judiciário, as ações degradadoras. Entretanto, ao contrário do que parece, a Ética Ambiental é bastante antiga e dela se originaram outras correntes éticas, como a ecologia profunda, o ecofeminismo, a bioética. O fundador da Ética Ambiental foi o engenheiro florestal e naturalista Aldo Leopold. Ele nasceu em 1887, no estado norte-americano de Iowa, e dedicou sua vida 26 aos estudos e conservação da vida selvagem. Foi escritor, acadêmico, filósofo e cientista. Publicou inúmeros estudos e artigos sobre a conservação da natureza. Mas foi com a obra denominada A Sand County Almanac que lançou as bases da Ética Ambiental, principalmente com o texto The land ethic (A ética da terra). Aldo Leopold faleceu em 1948, um ano antes da publicação de sua grande obra. Aldo Leopold escreveu: A ética da terra simplesmente amplia as fronteiras da comunidade para incluir o solo, a água, as plantas e os animais, ou coletivamente: a terra. Isto parece simples: nós já não cantamos nosso amor e nossa obrigação para com a terra da liberdade e lar dos corajosos? Sim, mas quem e o que propriamente amamos? Certamente não o solo, o qual nós mandamos desordenadamente rio abaixo. Certamente não as águas, que assumimos que não têm função exceto para fazer funcionar turbinas, flutuarem barcaças e limpar os esgotos. Certamente não as plantas, as quais exterminaram comunidades inteiras, num piscar de olhos. Certamente não os animais, dos quais já extirpamos muitas das mais bonitas e maiores espécies. A ética da terra não pode, é claro, prevenir a alteração, o manejo e o uso destes ‘recursos’, mas afirma os seus direitos de continuarem existindo e, pelo menos em reservas, de permanecerem em seu estado natural. (grifo nosso) Outro estudioso e filósofo de grande significado para a Ética Ambiental foi o alemão Hans Jonas, nascido na década de 20 e morto em 1993. Jonas publicou em 1979 a obra O princípio responsabilidade, abordando questões éticas suscitadas pelo progresso da tecnologia. Tendo lutado na Segunda Guerra Mundial e presenciado os efeitos da bomba atômica, Hans Jonas propôs uma nova ética para nortear as ações humanas. Uma ética de responsabilidade para com o Meio Ambiente, por meio da proposição de um novo imperativo age de tal maneira que os feitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica na Terra. Para Hans Jonas, o Meio Ambiente, a natureza, passa a integrar a esfera de responsabilidade e do agir humanos, pelo fato de o Homem ter se tornado uma ameaça a sua preservação e equilíbrio natural, e consequentemente, à própria humanidade. A responsabilidade, então, assume outra dimensão: a de um dever para com 27 o futuro. As ações humanas do presente surtirão efeito no futuro, e serão sentidas pela geração de seres que ainda virão; por isso, temos a obrigação de garantir que essas ações permitam a continuidade de uma Vida digna, saudável e possível para todos aqueles que ainda habitarão a Terra. O Homem não possui o direito de negar-lhes o direito à existência futura. A nova ética proposta por Hans Jonas contempla a coletividade, a vulnerabilidade da natureza, a responsabilidade e o agir humanos pautados na ideia de limite, comedimento e bom senso. 1.5 O DIREITO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL Desde os primórdios da humanidade, as relações humanas são objeto de normatização. É uma necessidade social o estabelecimento de regras para disciplinar a conduta das pessoas, que confiram certa ordem, estabilidade e segurança aos cidadãos e às relações sociais. À medida que as ações humanas passarama causar impactos cada vez mais significativos ao Meio Ambiente, interferindo na sua qualidade e ameaçando sua existência, foi sendo construído um arcabouço jurídico-legal para conferir-lhe efetiva tutela e proteção. Concomitantemente, um novo ramo da ciência jurídica surgiu, com objetivos, princípios e diretrizes próprias para cuidar dos problemas ambientais: o Direito Ambiental. O Direito Ambiental, tal como conhecemos hoje, carrega a visão antropocêntrica, visto que as normas de proteção ambiental são voltadas para o atendimento das demandas humanas. É a pessoa humana a detentora do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e também é ela quem exerce, em conjunto com o Poder Público, a responsabilidade de preservá-lo para o presente e futuras gerações. 28 Ou seja: o Meio Ambiente é tratado pela lei como sendo um direito fundamental, constitucionalmente assegurado, cujo titular é a pessoa humana. Direito esse que pode e deve ser exercido dentro de certos limites. Embora as normas ambientais não atribuam direitos aos seres e aos elementos que integram o Meio Ambiente, porque isso configuraria uma impossibilidade jurídica, eles gozam de resguardo integral. A Política Nacional do Meio Ambiente (a ser estudada em outro capítulo deste material), em 1981, assegurou a proteção da Vida em todas as suas formas. A atribuição de um valor à norma ambiental é uma prerrogativa do ser humano, pois só ele tem condições, por meio de estudos técnicos, instrumentos de avaliação, análise, métodos científicos e outros, de determinar como, quando e o porquê de se preservar o Meio Ambiente. 29 2 O DIREITO AMBIENTAL: NOÇÕES GERAIS E CONCEITOS “[...] devem ensinar às crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que a terra é enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que ocorrer com a terra, ocorrerá aos filhos da terra”. (Cacique Seattle, no Manifesto pela Preservação do Meio Ambiente, em 1855). 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL As primeiras leis ambientais brasileiras foram importadas de Portugal, fato esse que segue na contramão do pensamento equivocado de que nosso país colonizador não tinha nenhum tipo de preocupação com as questões ambientais. Sabe-se que, em terras brasileiras, Portugal foi responsável pela devastação que deixou como legado impactos ambientais de grande extensão: o massacre da cultura indígena tradicional, a derrubada de florestas nativas, a extração indiscriminada de recursos naturais (madeira e minérios), a monocultura, etc. No entanto, naquela época, Portugal já possuía um conjunto de leis de proteção dos seus próprios recursos naturais, e por essa razão o Brasil, mesmo na condição de país colonizado, acabou sendo inserido nesse contexto e foi beneficiado, de certo modo, por algumas normas de caráter ambiental. 30 Segundo Wainer (apud MAGALHÃES, 2002, p. 3), a legislação ambiental portuguesa era bastante evoluída. Da qual se destacam algumas disposições importantes, como, por exemplo, a proibição do corte deliberado de árvores frutíferas em 12 de março de 1393, e a proteção das aves pela Ordenação de 9 de novembro de 1326, que equiparava o furto dessas aves a qualquer espécie de crime. Wainer (apud MAGALHÃES, 2002, p. 3) relata ainda que essas medidas de proteção ambiental “foram compiladas nas Ordenações Afonsinas e introduzidas no Brasil por ocasião de seu descobrimento”. Para concluir, Magalhães (2002) afirma que: Desde então, podemos observar que a legislação ambiental teve grande progresso em terras brasileiras. Desenvolveu-se de tal forma, na fase colonial, que podemos considerar esse período como a fase embrionária de nosso Direito Ambiental. A partir daí, esse novo ramo jurídico não parou de crescer, chegando aos nossos dias como um direito especializado, de forte tendência publicista, destacando-se como um dos mais importantes da era contemporânea. (grifo nosso) Entretanto, a evolução do Direito Ambiental no Brasil não se deve somente à introdução das leis portuguesas em nosso país, sendo devida, em especial, à própria evolução social e cultural da sociedade brasileira. Notadamente pelos questionamentos, pelas manifestações e intervenções de nobres brasileiros, importantes personagens da nossa História, em face da situação em que se encontrava o Brasil após a fase colonial. Esses homens “tiveram sensibilidade para antever os efeitos negativos da ocupação predatória de nossas terras” (MAGALHÃES, 2002, p. 14). Magalhães (2002, p. 14) explica que os pensadores brasileiros não falavam de ecologia, tampouco de proteção ambiental, pois a Ecologia, enquanto ciência, sequer existia. Naquela época, os problemas ambientais eram tratados por outro ramo da ciência, a Economia da Natureza. Logo, a degradação ambiental no Brasil era considerada sob a ótica econômica, mas, mesmo assim, não passou imune aos olhos desses cidadãos. 31 Nesse ínterim, cita-se como exemplo José Bonifácio, um dos homens que se mostrou bastante preocupado com a problemática do desmatamento desenfreado e seus impactos em terras brasileiras, manifestando seu pensamento por volta de 1823: [...] nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, e nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos. (sic) (grifo nosso) Outro ilustre brasileiro merecedor de destaque foi o abolicionista Joaquim Nabuco, ao afirmar, referindo-se à depredação dos recursos naturais no Rio de Janeiro, que: “[...] a fertilidade do solo já se esgotou e a inércia deixou que os férteis vales se transformassem em lagoas profundas. Nas quais intoxicam aqueles que dela se avizinham” (MAGALHÃES, 2002, p. 17). Posteriormente, Euclides da Cunha também escreveu suas impressões sobre a devastação da floresta pelas queimadas quando cumpriu missões na Amazônia, demonstrando revolta e desolamento com as cenas que presenciou: Mais violentas ao norte, onde se firmou o regime pastoril nos sertões abusivamente sesmados, e desbravados a fogo – incêndios que duravam meses derramando-se pelas chapadas em fora – ali contribuíram para que se estabelecesse, em grandes tratos, o regime desértico e a fatalidade das secas. (grifo nosso) Esses são alguns exemplos de brasileiros que expressaram claramente suas preocupações com a devastação ambiental no Brasil e com as graves consequências da exploração indiscriminada e irresponsável dos nossos recursos naturais, contribuindo assim com a formação do pensamento e do engajamento preservacionista em nosso país, e consequentemente com a instituição de leis que 32 conferissem efetividade à proteção ambiental, ainda que, inicialmente, voltadas ao aspecto econômico. O desenvolvimento do Direito Ambiental e a criação das leis de proteção ambiental brasileiras, nas várias fases da nossa História, serão abordados resumidamente nos tópicos a seguir. 2.1.1 Fase colonial Na fase colonial, se ressaltam dois fatos importantes que direcionaram as primeiras leis de proteção ambiental vigentes no Brasil: o comércio clandestino, estimulado por conta da variedade de espécies nativas (principalmente da flora) e pelo alto preço da madeira em toda a Europa, por sua vez facilitado pelo extenso litoral brasileiro; e os incêndios, cujos resultados eram altamente devastadores (MAGALHÃES,2002, p. 24). A ocorrência do comércio clandestino e dos incêndios florestais preocupava os colonizadores portugueses, e por isso medidas de proteção ambiental da flora foram adotadas a fim de reprimir essas práticas, preservando-se e defendendo a fonte de riquezas naturais brasileiras de outras nações, para assegurar, evidentemente, o fornecimento a Portugal. A primeira legislação adotada no Brasil colônia foi uma compilação, as Ordenações Afonsinas, vigente em Portugal desde 1446. Em 1514, foi concluída a compilação de leis denominada Ordenações Manuelinas, que passou a vigorar no Brasil. Sob a vigência das Ordenações Manuelinas aconteceram fatos históricos importantes, entre os quais se destaca a instituição do Governo Geral, em 1548, pois esse novo regime teve por objetivos, entre outros, o combate ao contrabando do pau- brasil e a contenção dos ataques ingleses à Amazônia (MAGALHÃES, 2002, p. 26). 33 Para Magalhães (2002), o período após 1548 é considerado o marco de nascimento do Direito Ambiental Brasileiro. Porque a partir dessa data, o governador geral passou a expedir normas e leis próprias, impulsionando o desenvolvimento da legislação ambiental. De acordo Wainer (apud MAGALHÃES, 2002, p. 27), a primeira lei de proteção florestal do Brasil foi o Regimento do Pau-Brasil, de 1605. Esse regimento exigia autorização real expressa para o corte do pau-brasil e impunha outras restrições à exploração dessa espécie tipicamente brasileira. Depois dessa lei em específico, desenvolveu-se a legislação de proteção florestal no Brasil. A fase colonial brasileira encerrou-se, conforme pontua Magalhães (2002), como tendo sido um período “[...] extremamente rico em providências de caráter protecionista, deixando uma legislação ambiental abundante e consideravelmente avançada para a época”. 2.1.2 Fase imperial Apesar de a fase colonial brasileira ter sido marcada pelo avanço de leis ambientais para combater os incêndios florestais e fundamentalmente o comércio clandestino de madeira, a legislação vigente priorizava os aspectos econômicos relacionados ao meio ambiente. Assim, a preservação dos ambientes e dos recursos naturais por si só foi relegada a um segundo plano, para não dizer o último. Nossas riquezas naturais foram objetos de leis protecionistas em face de terceiros, ou seja, das nações que investiam contra os bens de propriedade portuguesa. Defendeu-se o pau-brasil do comércio clandestino, mas sua exploração era feita incessantemente por nossos colonizadores. As nossas florestas foram derrubadas e queimadas para dar lugar às extensas plantações de cana-de-açúcar, com a implantação em 1530 do regime das 34 sesmarias (concessão de terras). Essa forma de exploração das terras brasileiras causou danos irreparáveis ao Meio Ambiente. Na fase imperial, o regime das sesmarias encontrava-se em decadência e devido às consequências políticas e econômicas que esse fato causou, as leis de proteção florestal foram afrouxadas, e a devastação do que restou continuou sem freios, para ampliar as plantações e alimentar o comércio de madeira. Já em 1824, após a Proclamação da Independência, foi promulgada a primeira Constituição Federal Brasileira. O Brasil continuava imerso na situação de degradação ambiental. Mesmo diante desse quadro, nossos constituintes não elaboraram nenhuma disposição sobre proteção ambiental na Constituição. Fizeram apenas uma referência quanto à proteção da saúde (MAGALHÃES, 2002, p. 34). Somente em 1850 houve a promulgação de uma lei que instituiu inovações em matéria ambiental: a Lei nº 601, a primeira Lei de Terras do Brasil, “produto das ideias avançadas de José Bonifácio” (MAGALHÃES, 2002, p. 35). A Lei de Terras foi responsável pela formação da pequena propriedade rural no Brasil, e contemplou a proteção ambiental, haja vista a gravidade do problema da exploração dos nossos recursos naturais, atribuindo penas severas ao degradador ambiental, conforme o seu artigo 2º: Art. 2º - Os que se apossarem de terras devolutas ou alheias, e nelas derrubarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e demais, sofrerão as penas de dois a seis meses de prisão e multa de cem mil réis, além da satisfação do dano causado [...]. Afirma Magalhães (2002) sobre a Lei de Terras: “Essa legislação trouxe inovações de grande importância ecológica, pois instituiu o princípio da responsabilidade por dano ambiental, fora do âmbito da legislação civil”. Vale ressaltar que esse princípio é de suma relevância e vigora nas leis atuais de proteção ambiental (ele será abordado oportunamente neste material). Outra inovação trazida por essa lei é a imputação, para o degradador ambiental, de sanções nas esferas administrativa, civil e penal. O legislador “foi 35 cauteloso e procurou evitar qualquer possibilidade de se agredir a natureza a pretexto da utilização de terra” (MAGALHÃES, 2002, p. 36). Até o final da fase imperial, nenhuma outra lei de tamanha importância ecológica foi promulgada, em comparação com a Lei de Terras. Em compensação, aconteceu um evento ecológico que marcou o encerramento do Brasil Império: o reflorestamento, iniciado em 1862, da Floresta da Tijuca, empreendido pelo imperador D. Pedro II. 2.1.3 Fase republicana Magalhães (2002) relata que a fase republicana apresentou três períodos bem delimitados: a) período de evolução do Direito Ambiental; b) período de consolidação do Direito Ambiental; c) período de aperfeiçoamento do Direito Ambiental. Estes períodos serão detalhados um a um a seguir. 1) O período de evolução do Direito Ambiental, na fase republicana, foi o compreendido entre os anos de 1889 e 1981, no qual o legislador já possuía uma preocupação em legislar no sentido de promover a proteção ambiental, considerando aspectos genuinamente ecológicos relativos ao Meio Ambiente. Vários foram os acontecimentos de relevância ambiental do período, dos quais listamos os mais significativos: 1895 – o Brasil foi signatário do Convênio das Egretes, celebrado em Paris, que assegurou a preservação de garças que povoavam os rios e lagos da Amazônia; 1911 – foi instituído o Decreto nº 8.843, de 26 de junho, criando a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo território do Acre, de grande 36 extensão. Esse decreto proibiu a entrada nas áreas da reserva, bem como a extração de madeira e outros produtos florestais, e a caça e pesca. Lamentavelmente, a reserva não foi implantada; 1934 – é promulgada a Constituição Federal Brasileira. Dentre suas disposições, destaca-se: atribuição de competência privativa à União e supletiva ou complementar aos Estados para legislar sobre riquezas do subsolo, mineração, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca; atribuição de competência concorrente à União e aos Estados para protegerem as belezas naturais e monumentos de valor artístico e histórico; década de 30 – Código Florestal (1934), Código de Águas (1934), criação do primeiro Parque Nacional Brasileiro (o Parque do Itatiaia, em 1937), criação dos Parques Nacionais do Iguaçu e das Serras dos Órgãos (1939); 1965 – novo Código Florestal; 1967 – edição da Lei nº 5.197, que dispunha sobre a proteção à fauna. No mesmo ano, para fazer-se cumprir os preceitos dessa lei, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF); 1971 – criação da primeira associação ecológica do Brasil e da América Latina, não governamental, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN); 1973 – criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). 1975 – Decreto-Lei nº 1.413, dispondo sobre o controle da poluição do ambiente provocada por atividades industriais; 1981 – Lei nº 6.902, que criou as Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental.2) Período de consolidação do Direito Ambiental: 1981 – Lei nº 6.938, a Política Nacional do Meio Ambiente, uma das mais significativas até os dias atuais. Criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), previsto na Lei nº 6.938/81; 1985 – Lei nº 7.347, que criou uma ação específica para a defesa do Meio Ambiente, a Ação Civil Pública. Por meio de uma Ação Civil Pública é possível exigir dos infratores reparação pelos danos causados ao Meio Ambiente. Ademais, essa lei conferiu legitimidade a Ministério Público, União, 37 Estados, Municípios, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações para intentar a Ação Civil Pública em Juízo pela defesa do Meio Ambiente. 3) Período de aperfeiçoamento do Direito Ambiental Teve início em 1988, a partir da promulgação da Constituição Federal em vigor no Brasil, que trouxe em seu bojo um capítulo dedicado ao Meio Ambiente. Fatos e outras legislações ambientais também foram instituídos posteriormente a essa data, no ordenamento jurídico do País, em especial a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que tratou a respeito do Código Florestal Brasileiro. Essa Lei (como veremos a seguir) alterou as Leis 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revogando as Leis 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. 2.2 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE PARA O DIREITO Para que se possa estudar, compreender e, sobretudo, aplicar o Direito Ambiental nos casos práticos, é necessário um entendimento do que seja Meio Ambiente e quais são seus elementos formadores. Como funcionam os processos e interações ecológicas, sob pena de se elaborar e utilizar leis e normas ambientais sem a sensibilidade necessária e sem uma visão crítica e integrada da problemática que as envolve. Os diversos conceitos existentes de Meio Ambiente surgiram a partir das transformações da relação do Homem e o ambiente e da elaboração de novas teorias científicas com base em estudos de caráter biológico, ecológico e social. Milaré (2002) 38 bem pontua: “O Meio Ambiente pertence a uma daquelas categorias cujo conteúdo é mais facilmente intuído que definível, em virtude da riqueza e da complexidade do que encerra”. No entender de Antunes (apud PAULA, 2001, p. 67), Ambiente quer dizer entorno, é tudo aquilo que nos cerca. Esse autor usa a palavra Ambiente em sua definição, e faz uma crítica à expressão Meio Ambiente, considerando-a redundante, pois a palavra Ambiente já conteria o sentido da palavra Meio. O posicionamento quanto à redundância da expressão Meio Ambiente, porém, não é unânime entre os estudiosos e doutrinadores da temática. Para Milaré (2002), os termos Meio e Ambiente possuem significados distintos, sendo que: Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra ambiente indique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. (grifo nosso) Nesse mesmo sentido é o entendimento de Silva (apud PAULA, 2001, p. 66), para o qual a palavra Ambiente “exprime o conjunto dos elementos, enquanto Meio Ambiente expressa o resultado da interação desses elementos”. Ainda de acordo com Silva (apud PAULA, 2001, p. 66): O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. (grifo nosso) As considerações feitas acerca da melhor expressão a ser utilizada, seja ela Ambiente ou Meio Ambiente, são importantes para fins de conhecimento e discussão, contudo não comprometem ou dificultam a compreensão das questões ambientais, tampouco a formatação e a escolha do(s) conceito(s) de Meio Ambiente (ou 39 Ambiente). Cabe ressaltar, ainda assim, que a expressão Meio Ambiente é mais comumente usada. Para os operadores do Direito, destacam-se três conceituações que, complementarmente traduzem, e de maneira bastante satisfatória, o que é Meio Ambiente, atendendo às necessidades quanto a sua compreensão geral. O primeiro conceito é o Ecológico (técnico), segundo o qual Meio Ambiente é “a combinação de todas as coisas e fatores externos aos indivíduos ou população de indivíduos em questão” (NEBEL apud MILARÉ, 2001, p. 64). “Mais exatamente, é constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e interações” (MILARÉ, 2001, p. 64). O segundo conceito é o Legal, constante da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), para a qual Meio Ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. O terceiro conceito, Jurídico, é o formulado pelo jurista José Afonso da Silva (apud SIRVINSKAS, 2003, p. 28), o qual afirma que Meio Ambiente “é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Verifica-se que existem várias definições para Meio Ambiente, umas mais abrangentes, outras mais simples, mas não menos significativas. A verdade é que nenhuma delas é totalmente completa, precisa e acabada; fato esse que se apresenta como positivo para todos. A diversidade de conceitos amplia o conhecimento e alimenta os debates de forma saudável. Leite (apud PAULA, 2001, p. 66) expressa sabiamente sua opinião: Qualquer que seja o conceito que se adotar, o meio ambiente abrange, sem dúvida, o homem e a natureza, com todos os seus elementos. Desta forma, se um dano ocorrer ao meio ambiente, ele se estende à coletividade humana, considerando se tratar de um bem difuso independente. (grifo nosso) 40 2.3 CLASSIFICAÇÃO DE MEIO AMBIENTE PARA O DIREITO A partir dos conceitos apresentados no item anterior, é possível identificar áreas distintas que integram e formam a totalidade do que se entende por Meio Ambiente: a natural, a artificial e a cultural. Fiorillo (2003) esclarece que: A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados. (grifo nosso) Atualmente, utiliza-se uma classificação para Meio Ambiente que identifica uma quarta área de estudo: o Meio Ambiente do Trabalho. Assim sendo, o Meio Ambiente classifica-se, segundo a doutrina jurídica, em: Meio Ambiente Natural; Meio Ambiente Artificial; Meio Ambiente Cultural; Meio Ambiente do Trabalho. 2.3.1 Meio Ambiente Natural O Meio Ambiente Natural, também chamado de Meio Ambiente Físico, é composto pela atmosfera, águas (subterrâneas e superficiais, mar territorial), solo e subsolo, fauna e flora e o patrimônio genético. 41 A tutela do Meio Ambiente Natural se dá pelo artigo 225 da Constituição Federal, em seu § 1º, incisos I e VII, e § 4º: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade
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