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ESTUDOS SOCIAIS AULA 6 Profª Máira Nunes Prof. Guilherme Carvalho 2 CONVERSA INICIAL Antes, estudamos aspectos da sociedade como quem a observa do alto, analisando diferentes grupos sociais e diferentes dinâmicas entre atores, ao longo de vários séculos. Agora, vamos nos aproximar das pessoas, do seu dia a dia e da sua cultura, aspectos que também são importantes para a sociologia. CONTEXTUALIZANDO Os processos de urbanização são fatores dos que mais influenciaram na mudança da sociedade e do indivíduo. Nesta aula, vamos pensar nas influências dessas mudanças em um nível mais pessoal. Em primeiro lugar, vamos falar de processos urbanos e das diferentes maneiras de pensar a cidade e seus processos. Será que toda cidade cresce da mesma maneira? Provavelmente não, mas há pontos em comum que aconteceram (e acontecem) com várias cidades. Esses processos, relacionados também à industrialização, têm impacto no meio ambiente, com consequências diretas e indiretas para as pessoas. Também vamos falar de educação, por meio da abordagem de algumas visões sobre seu conceito e sua utilidade; de vida cotidiana, analisando como nos relacionamos com outras pessoas da nossa cidade; e de aspectos culturais. É importante refletir sobre eles, pois muitas vezes acabam passando desapercebidos, já que acabam fazendo parte da nossa rotina. Por último, trataremos das subculturas. Vamos ver como um objeto de estudo aparentemente sem importância nos revela aspectos sociais interessantes. O foco agora é no indivíduo. Confira a seguir quais são os temas desta aula: 1. Processos urbanos 2. Impacto humano e meio ambiente 3. Educação e formação do indivíduo 4. Vida cotidiana 5. Subculturas TEMA 1 – PROCESSOS URBANOS 3 Começamos esta aula com um gráfico que aponta a relação entre as populações urbana e rural, no mundo. Gráfico 1 – População mundial nos meios urbano e rural Fonte: World (2018). Perceba que, até os anos 2000, a maior parte da população do globo vivia em áreas rurais. A partir de então, essa proporção se inverteu, apontando um crescimento das populações urbanas e uma redução da população rural, como mostra o Gráfico 1. Os dados indicam um crescimento populacional em grandes centros urbanos, formando grandes cidades, também conhecidas como megalópoles. Na Grécia Antiga, Megalopolis designava a cidade-estado que era o centro administrativo e cultural das civilizações. Atualmente, esse termo perdeu um pouco dessa conotação idealista e foi retomado para designar áreas densamente populosas, como a Costa Leste dos Estados Unidos, que reúne grandes cidades como Boston, Nova York e Washington, a capital do país. Londres foi uma das primeiras cidades cuja população aumentou, graças às pessoas que iam trabalhar nas fábricas. Na maioria das grandes cidades europeias e nos Estados Unidos, esse processo demorou um pouco mais. Havia uma polarização em relação às cidades. Alguns consideravam que elas eram os centros culturais e financeiros, onde se concentravam riquezas e oportunidades para todos. Outros, viam as cidades como concentrações de pessoas que não se relacionavam entre si e como espaços com problemas de criminalidade e poluição. 4 Entre os anos 1920 e 1940, surgiu a base dos estudos modernos das cidades, na Universidade de Chicago: a “ecologia urbana”, ideia segundo a qual as cidades funcionavam de maneira bem similar a de um ecossistema, sendo que seu crescimento seguia padrões similares. É comum, por exemplo, que cidades se situem perto de rios, e que indústrias se instalem em locais de fácil acesso à matéria-prima. A população que trabalha nessa indústria se instala ao redor dela. Com o crescimento da cidade, as indústrias e o comércio se diversificam, os imóveis se valorizam e as pessoas passam a morar mais longe, porém, o mais próximo possível de estradas e/ou estações de trem, deixando o centro da cidade para o comércio e o entretenimento (Giddens, 2005, p. 576). Ou seja, de maneira resumida e generalizada, essa pode ter sido a história da maioria das cidades, o que resulta numa estrutura comum: Um centro que combina comércio com áreas decadentes. Bairros próximos para pessoas de classes cada vez mais altas, já que os imóveis vão se valorizando. Subúrbios para a classe média. Periferia para as classes mais baixas. Autores mais recentes que seguem a linha da ecologia urbana, como Amos Hawley, falam na interdependência dessas partes, de como todos esses setores e essas pessoas são necessários para o funcionamento das cidades. Vale notar uma crítica feita a esses estudiosos: eles se basearam no estudo de cidades dos Estados Unidos, o que pode não se aplicar a cidades em outros lugares do mundo. Dessa forma, é possível tomar seus conceitos como base, mas se deve ter o cuidado de adaptá-los a cada realidade. Outro aspecto abordado pela Escola de Chicago, particularmente por Louis Wirth, é o urbanismo como modo de vida. Wirth fala de como as relações sociais nos centros urbanos são efêmeras e práticas, sem serem necessariamente gratificantes. Elas acontecem de outras maneiras, mas também há lugar para a criação de comunidades, como grupos de imigrantes (Giddens, 2005, p. 577). Teóricos mais recentes, como David Harvey e Manuel Castells, afirmam que o urbanismo não é um processo autônomo, por isso deve ser analisado junto de mudanças políticas e econômicas. A cidade é constantemente Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 5 reestruturada, por exemplo, a partir de uma empresa que se instala em uma região ou que encerre suas atividades, por meio da especulação imobiliária ou, ainda, por múltiplos fatores. Quer um exemplo? Na expansão dos subúrbios que aconteceu nas cidades americanas depois da Segunda Guerra Mundial, além das pessoas rejeitarem viver em cidades (talvez pela discriminação étnica), o governo dos Estados Unidos concedeu benefícios fiscais às construtoras e aos compradores. Há também questões políticas e de movimentos sociais que buscam se impor, para que a cidade seja pensada a partir de suas necessidades. Em resumo, teóricos mais modernos dão mais importância aos habitantes da cidade do que à ideia da ecologia urbana, segundo a qual cidades têm um desenvolvimento linear que pode até ser previsto. Há muitos pontos a serem considerados para entender como uma cidade funciona: a forma com que as pessoas constroem suas redes sociais, o papel da política e da economia, entre outros. O ponto principal é saber combinar as teorias apresentadas, utilizar essas ideias para analisar nossas realidades e tentar entender de onde nossas cidades vêm, como estão agora, em que direção podem se desenvolver e quais as consequências disso. Leitura complementar “Toda cidade é única, especial. Cada cidade tem um aspecto próprio, que pode ser uma forte minoria étnica, podem ser diferenças religiosas, em outros lugares você vai encontrar diferentes ideologias políticas.” Assim começa a entrevista com o geógrafo David Harvey, referência em questões urbanas. Repare no que ele fala sobre o lugar para onde vai o capital produzido na cidade, sobre o conceito de “direito à cidade” e sobre por que as manifestações acontecem principalmente em grandes centros urbanos. Leia a entrevista de Harvey para o escritor Pedro Sibahi no link a seguir. SIBAHI, P. David Harvey fala de urbanização, alienação e movimentos sociais. Medium, 7 jul. 2015. Disponível em: <http://tiny.cc/7c87fz>. Acesso em: 13 nov. 2019. TEMA 2 – IMPACTO HUMANO E MEIO AMBIENTE Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 6 Seja nas cidades ou no campo, a população mundial cresce cada vez mais. Demoramos 10 mil anos para chegar a um bilhãode pessoas e apenas 100 anos para duplicar esse número. Durante o século XX, chegamos aos 6 bilhões de pessoas. Gráfico 2 – População mundial (em bilhões de pessoas) Fonte: World (2019). O aumento da população mundial, somado a fatores como a industrialização e a globalização, acabam tendo um forte impacto na natureza e no meio ambiente. Nós consumimos, direta ou indiretamente, recursos naturais, que muitas vezes não são explorados de maneira sustentável. A preocupação com a questão ambiental começou a ter importância nos anos 1970, com a divulgação do relatório Os limites do crescimento, elaborado a pedido do Clube de Roma, uma organização de industriais, consultores e funcionários públicos. A conclusão desse estudo foi que as taxas de crescimento industrial não eram compatíveis com os recursos que o planeta oferece, além de que fatores sociais e naturais limitariam a capacidade do planeta de absorver as consequências do desenvolvimento econômico (Giddens, 2005, p. 612-613). Em 1987, foi divulgado um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), intitulado Nosso futuro comum, no qual é usado pela primeira vez o termo desenvolvimento sustentável, que defende um desenvolvimento a partir de recursos renováveis e um comprometimento com a proteção da biodiversidade, a fim de evitar a poluição. Ambos os relatórios foram alvo de várias críticas, mas a principal é que somente países desenvolvidos conseguiriam aplicar esses princípios sem 7 comprometer sua renda. Muitos países subdesenvolvidos dependem da exploração de recursos naturais para gerar riqueza. Esse comprometimento com políticas de desenvolvimento sustentável implicaria gerar menos riqueza e, portanto, manter-se na posição de país subdesenvolvido, com todas as consequências que isso gera, a fim de solucionar problemas causados principalmente por países desenvolvidos. Saiba mais A jornalista Eliane Brum entrevistou a filósofa Déborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. A visão deles integra ecologia, economia e política. É interessante particularmente o posicionamento em relação ao índio brasileiro e como eles conseguiam um equilíbrio ecológico que já não existe mais. Acesse o link a seguir e leia o texto na íntegra! VIVEIROS DE CASTRO, E.; DANOWSKI, D. Diálogos sobre o fim do mundo. Entrevista concedida à Eliane Brum. El País, 29 set. 2014. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.html>. Acesso em: 13 nov. 2019. Os problemas do meio ambiente continuam os mesmos, apesar de alguns deles terem outros nomes. Resumiremos aqui os considerados mais importantes pela ONG Deep Green Resistance (2016): Aquecimento global: a mudança climática, causada pela liberação de gases como o dióxido de carbono na atmosfera, impacta na agricultura, na saúde e nos ecossistemas, afetando consequentemente a vida das pessoas. Poluição dos oceanos: nos oceanos há cada vez mais “zonas mortas” causadas pela poluição: fertilizantes descartados estimulam a reprodução de plâncton, que consome o oxigênio da água. A fauna marinha está morrendo pela poluição, pela acidificação da água e pela falta de fitoplâncton, alimento de muitas espécies. Espécies em extinção: metade das espécies estão ameaçadas de extinção, principalmente por consequências da atividade industrial. Mais de cem espécies deixam de existir a cada dia. Desflorestamento e desertificação: florestas previnem erosão do solo e ajudam a remover gases carbônicos da atmosfera. Porém, o planeta já Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 8 perdeu 80% da cobertura original de florestas tropicais, e o desmatamento continua ao ritmo de 30 hectares por minuto. Substâncias tóxicas: processos industriais estão contaminando os corpos das pessoas. Embora os níveis de contaminação ainda sejam aceitáveis, há indicadores de aumento de incidência de doenças que poderiam estar relacionadas a essas substâncias, que são cancerígenas, mutagênicas, tóxicas ou causam algum tipo de mal. Esses assuntos podem parecer alheios à sociologia, mas temos de considerar que o desenvolvimento tecnológico e industrial não aconteceu sozinho, e sim a partir de certas instituições sociais. Por isso, as consequências dos problemas ambientais incluirão também consequências sociais. Ou seja, para salvar o planeta são necessárias não somente mudanças tecnológicas, mas também mudanças sociais, como no consumo e nos meios de produção. Leitura complementar No livro Sociologia do consumo e indústria cultural, leia, no capítulo “Consumo e cidadania”, o tópico “Consumo, meio ambiente e aquecimento global” (páginas 213 a 215). SOUZA, M. Sociologia do consumo e indústria cultural. Curitiba: InterSaberes, 2017. TEMA 3 – EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO Nos dias de hoje, parece inconcebível que haja pessoas sem acesso à educação, apesar de ainda existirem dificuldades. Durante vários séculos, a educação como conhecemos hoje não existia, isso porque saber ler era um luxo para poucos, e os livros, que até o século XV eram copiados à mão, eram raríssimos. Em comunidades medievais não havia a necessidade de saber ler e escrever. As crianças desde cedo trabalhavam com os pais e ajudavam nas tarefas domésticas, assim, os conhecimentos necessários para essas atividades eram transmitidos de pais para filhos. Na atualidade, os conhecimentos são aprendidos em escolas, que também têm sua função na socialização das pessoas e na transição do ambiente familiar para o trabalho. Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 9 Com a industrialização, as empresas exigiam que os funcionários soubessem executar as tarefas, que também ficavam cada vez mais específicas. Consequentemente, o conhecimento não poderia mais ser transmitido de pais para filhos. Na Holanda, Suíça e nos estados alemães, a educação primária já era obrigatória em meados do século XIX. 3.1 Teorias da escolarização A questão das implicações sociais da educação pode ser pensada a partir de diversos autores. Aqui, apresentaremos quatro deles, citados por Giddens (2005, p. 514-519). 3.1.1 Basil Bernstein (1924-2000) Nos anos 1970, Bernstein apresentou a teoria de que crianças criam diferentes maneiras de desenvolver e usar códigos linguísticos. Segundo ele: Crianças mais pobres têm um discurso que pressupõe que o interlocutor sabe do que se está falando. Esse discurso é mais adequado para descrever experiências práticas e materiais. Crianças de classes mais altas têm discursos menos ligados a experiências particulares e usam palavras adaptando-as a diferentes contextos. Uma situação típica que levaria a essas diferenças seria que as crianças de classes mais altas têm acesso a maiores explicações por parte de seus pais. Crianças mais pobres, por exemplo, seriam simplesmente proibidas de comer doces, enquanto crianças mais ricas teriam essa proibição justificada por uma explicação. Ter essa capacidade de abstração facilitaria a adaptação ao ambiente escolar. A falta dela, por outro lado, tornaria a criança menos informada e curiosa, o que acarretaria dificuldade em absorver os conhecimentos abstratos ensinados na escola. 3.1.2 Ivan Illich (1926-2002) Também nos anos 1970, temos as questões levantadas por Ivan Illich, afirmando que as escolas, tal como as conhecemos, servem para perpetrar o Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 10 lugar de cada pessoa na sociedade, perpetrando em consequência a desigualdade social, o que ele chamava de “currículo oculto”. Illich defendia uma “desescolarização”, já que a educação universal, tão desejada, não seria possível nos moldes atuais,ainda que de forma muito modificada. O aprendizado ideal seria através de “redes de conhecimento”, nas quais cada um procuraria os conhecimentos que quisesse. As ideias de Illich foram resgatadas quando a internet começou a ganhar popularidade, já que seria uma maneira de colocá-las em prática. 3.1.3 Pierre Bourdieu (1930-2002) As diferenças entre crianças pobres e ricas apontadas por Bernstein podem servir de partida para o terceiro teórico que apresentaremos aqui, Pierre Bourdieu. Ele fala em “reprodução cultural”, que seria a maneira que a escola perpetraria desigualdades sociais (algo similar ao conceito de “currículo oculto”, de Illich) particularmente entre os alunos pobres que não conseguiriam uma conexão com seus professores. O que, como demonstrado na pesquisa de Paul Willis, não quer dizer que crianças pobres simplesmente desistam. Elas vão se apropriar da escola à sua maneira, descobrindo os pontos fracos das autoridades, o suficiente para poder terminar os estudos e chegar ao mercado de trabalho. 3.1.4 Paulo Freire (1921-1997) Ainda nos anos 1970, temos o trabalho do brasileiro Paulo Freire, reconhecido mundialmente. Em A pedagogia do oprimido, Freire situa a desumanização causada pelo opressor aos oprimidos, mostrando qual o papel da educação para reverter isso e para a busca da liberdade do oprimido, levando em consideração que o próprio sistema de educação foi concebido pelo “opressor”. O pedagogo compara o sistema tradicional de educação com um banco, no qual o conhecimento é apenas “depositado” nas pessoas, sem diálogos nem debates. Segundo Freire, cabe ao professor quebrar essas regras. Uma vez que os alunos entenderem sua condição de oprimidos, irão querer se libertar dela. Suas propostas de renovação estão resumidas no seguinte quadro: Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce Giovanna Realce 11 Quadro 1 – Propostas de Paulo Freire para a educação Fonte: Medeiros (2017). Os métodos de Freire incluem usar “temas geradores” para fomentar o diálogo e quebrar o silêncio, levando em consideração as experiências dos alunos. Ele também aponta as diferenças entre a sua “ação dialógica” e o que se opõe a ela: Quadro 2 – Ação dialógica e ação antidialógica Fonte: Medeiros (2017). É importante destacar que as teorias aqui apresentadas se aplicam no cotidiano das diferentes realidades ao nosso redor. A dificuldade de implementar métodos ou tecnologias também precisa ser observada. Se essas teorias não forem aplicadas, e se não houver acesso a mudanças tecnológicas que favoreçam educadores e educandos, então não haverá melhorias. 12 Saiba mais O sistema educacional da Finlândia é referência mundial. Esta reportagem apresenta alguns aspectos desse sistema e aponta também algumas críticas sofridas por ele. O SEGREDO da educação na Finlândia. Casa da Joanna [Trans]Formação Educativa, 15 jul. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0Zw94i4vVEg>. Acesso em: 13 nov. 2019. TEMA 4 – VIDA COTIDIANA A sociedade não é estudada somente a partir dos grupos sociais. O estudo do indivíduo e da subjetividade também é importante. Uma análise macro, que considera a sociedade como um todo e seus contextos, é importante para fazer uma análise micro, ou seja, do cotidiano das pessoas nesse contexto e das consequências dos fatores maiores na vida de cada uma. Estudar a interação social em um nível pessoal diz muito sobre questões mais amplas, como os grupos sociais aos quais essas pessoas pertencem. O que fazemos no dia a dia estrutura nossas atividades, através, por exemplo, da rotina e da repetição. Mas as pessoas também modificam sua situação. É nesse mesmo cotidiano que elas vão se apropriar da realidade e do material, modificando-os de acordo com seus interesses e possibilidades (Giddens, 2005, p. 82). 4.1 Linguagem e interações Um aspecto importante do cotidiano são as interações entre pessoas por meio de palavras, gestos, linguagem corporal ou por meio do esforço em não prestar atenção nas pessoas ao redor, o que Erving Goffman chama de desatenção civil (Giddens, 2005, p. 81). Essas interações são, em maior ou menor grau, construídas socialmente e “aprendidas” durante a socialização. Vários estudos apontam que expressões faciais – como sorrir ou levantar as sobrancelhas para demonstrar surpresa – são as mesmas entre indivíduos de diferentes culturas. Também há outros sinais que comunicam o que a pessoa sente e talvez não queira dizer, como quando o rosto fica vermelho ou quando a pessoa começa a suar devido ao nervosismo. 13 Já os gestos não são universais. O “joinha” com o polegar levantado não quer dizer a mesma coisa em todo o mundo. Também podemos ofender alguém acidentalmente caso não conheçamos o repertório de gestos de sua cultura. É importante analisar também a conversa. Diferentes grupos sociais têm repertórios distintos, que são a base para que possam ser usadas diferentes linguagens, gírias de diferentes épocas, termos em outros idiomas, entre outros. Cada pessoa também se comunicará de maneiras diferentes com pessoas de outros grupos sociais, como pessoas mais velhas. Outro fator é o contato físico. É típico de culturas do Oriente Médio que as pessoas fiquem mais próximas entre si. Já outras culturas podem prezar por manter uma distância maior, reservando gestos como abraços para situações mais específicas. 4.2 A cultura do cotidiano Outros estudos importantes do cotidiano dizem respeito aos hábitos. Assim como há diferentes maneiras de interagir com pessoas, também há diferentes maneiras de cozinhar, trabalhar e habitar uma casa. Na Inglaterra, é costume colocar a máquina de lavar roupas na cozinha, por exemplo. Na Holanda, é comum que ela fique no banheiro, enquanto as casas brasileiras costumam ter um cômodo, por menor que seja, destinado exclusivamente para a lavação de roupas. As diferenças não aparecem somente entre países. Cada pessoa terá seus próprios hábitos e maneiras de viver, com os quais vai construindo os significados de cada ato e de cada objeto que ela usa. Essas atitudes do cotidiano podem estar relacionadas, sim, ao grupo social que a pessoa pertence, assim como à identidade que ela constrói para si. 14 Saiba mais Gestos são parte de nossa cultura e de nosso repertório. Alguns são mais universais que outros e muitos dos que usamos podem até ser ofensivos para outras culturas. Confira uma lista de gestos e suas interpretações nos diversos lugares do mundo: DO “JOINHA” à figa, gestos comuns podem ofender no exterior; saiba como usar. Viagem, 21 out. 2014. Disponível em: <http://viagem.uol.com.br/album/2014/10/21/do-joinha-a-figa-gestos-comuns- podem-ofender-no-exterior-saiba-como-usar.htm>. Acesso em: 13 nov. 2019. Quais outros aspectos do seu cotidiano poderiam surpreender pessoas de outras culturas? Você já se deparou com algum hábito que o surpreendeu? TEMA 5 – SUBCULTURAS O sociólogo Mike Brake (citado por Amaral, 2005, p. 5) aponta a urbanização como um ponto importante no surgimento de subculturas, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial e também graças a transformações no comportamento, como a entrada de mulheres no mercado de trabalho. As subculturas, através de um sentimento de revolta, refletiriam então os problemas específicos de uma geração. Por muito tempo, as culturas “jovens” e as subculturas foram consideradas apenas sob o aspecto mercadológico ou talvez como uma fase que iria passar quando os jovens chegassem à vida adulta. Até que o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lançou uma coletânea de estudos chamada Resistência através de rituais, em 1976. O objetivo era se afastar das antigas concepções do que seria a cultura jovem (inclusivedas dúvidas sobre se essa cultura existia) e levar a sério as questões culturais e de produção de significados por parte dessa parcela da população e dos grupos sociais aos quais ela pertencia, levando em consideração também as vinculações com o trabalho e as relações de produção e de poder (Freire Filho, 2005). O objetivo da escola de Birmingham era construir um retrato mais meticuloso das origens – sociais, culturais e econômicas – das diferentes subculturas juvenis. Parte dessa investigação implicava observar o uso que 15 essas pessoas faziam de artefatos da cultura de consumo, o que inclui roupas, acessórios, computadores, livros, revistas, bicicletas, carros, enfim, praticamente qualquer coisa. Esses artefatos, e mais especificamente o uso que fazemos deles, são a própria matéria-prima da nossa identidade (Mackay, 1997, p. 2). É por meio da reapropriação e da ressignificação que identidades, e consequentemente subculturas, são construídas. Posteriormente, houve pesquisadores que criticaram uma excessiva importância política que a escola de Birmingham deu às subculturas. A atitude e revolta de uma subcultura não teria poder diante de atores sociais mais poderosos, como governos e mídia. Para David Hebdige (citado por Freire Filho, 2005, p. 144), não seria possível que uma subcultura construída a partir de elementos de uma cultura hegemônica pudesse desafiar as relações de poder. Ainda segundo Hebdige, a insubordinação de pertencer a uma subcultura também implica reconhecer a impotência do próprio indivíduo. Sendo assim, muitas subculturas acabam perdendo importância e retornam ao submundo – desconhecido ou conhecido por poucas pessoas. O estilo e o aspecto estético, presentes em muitas subculturas e por vezes sua manifestação mais visível, também passam por várias etapas. Elas são reapropriadas e ressignificadas, por exemplo, pela moda, que toma para si elementos das subculturas, ou pela mídia, que vai espetacularizar o surgimento de uma “nova” subcultura, talvez até debochando dos princípios ou associando- a a “perigos” para a sociedade. A pesquisadora Adriana Amaral afirma que Brake (citado por Amaral, 2005, p. 6) propõe uma divisão em quatro grandes tipos de subcultura: Juventude “respeitável”: não fazem de nenhuma subcultura um estilo de vida, vivem a cultura mainstream e são vistos como “conformistas”. Juventude delinquente: tem relação com questões sociais. Inclui jovens relacionados com atividades ilegais. Rebeldes culturais: tendem a ser de classes mais privilegiadas, têm educação formal e costumam se envolver em manifestações culturais. Juventude politicamente militante: jovens envolvidos em grupos políticos dos mais variados, defendendo causas diversas. 16 Essas tipologias podem servir para começar a pensar certas questões relacionadas às subculturas. Como adverte Amaral (2005, p. 6): É importante ressaltar que essas tipologias se misturam entre si, influenciando uma a outra, sendo bastante permeáveis e sem muitas regras fixas, em constante transformação. O caso do punk, por exemplo, agrega um pouco de cada uma dessas tendências. Saiba mais Apesar dos esforços iniciados pela Escola de Birmingham, ainda hoje há muito preconceito com relação ao estudo de subculturas. Exemplo recente disso é a pesquisa sobre o funk e a representação feminina da pesquisadora Mariana Gomes Caetano, que foi apresentada de forma preconceituosa e sem informação pela apresentadora de telejornal Rachel Sheherazade, como se subculturas de periferia não merecessem a atenção de universidades. ALUNA passa em 2º lugar em mestrado com projeto sobre Valesca Popozuda – Rachel Sheherazade. Sistemas de Afiliados, 22 abr. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QuKuI2edI8c>. Acesso em: 13 nov. 2019. Estudar a sociedade não implica somente estudar o que acontece no mundo, considerando grupos de pessoas como se fossem homogêneos, mas analisando seus hábitos, o que elas consomem… enfim, estudar a cultura é parte importante da sociologia. Leitura complementar Leia o artigo da pesquisadora Adriana Amaral para saber mais sobre sua pesquisa de doutorado a respeito da subcultura cyberpunk. AMARAL, A. Uma breve introdução à subcultura cyberpunk. Estilo, alteridade, transformações e hibridismo na cibercultura. Compós, v. 3, 2005. Disponível em: <https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/36>. Acesso em: 13 nov. 2019 TROCANDO IDEIAS O canal do YouTube Amor Gastronômico convidou a chef Paola Carosella para fazer uma receita de molho de tomate. Tanto ela como a jornalista Francine Lima, apresentadora do canal, têm uma preocupação com a origem dos alimentos. 17 Saiba mais MOLHO de tomate caseiro. Amor Gastronômico, 13 jun. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T7xZ4QtABfU>. Acesso em: 13 nov. 2019. Reparem na camiseta que Carosella está usando, com uma estampa que diz: “natureza, cozinha, cultura” – termos que podem ser relacionados com os assuntos abordados aqui: sustentabilidade, cotidiano, culturas. Nosso objetivo é partir de algo aparentemente trivial, como um molho de tomate, para discutir as questões abordadas nesta aula. Preste atenção nas observações feitas por Carosella e reflita um pouco. A ideia que inspirou a sugestão desse vídeo é a de pensarmos sobre como questões maiores, como sustentabilidade e urbanismo, relacionam-se com nosso cotidiano e ajudam na construção de identidades e de culturas. Pretendemos mostrar, também, a importância de considerar que o pessoal deve ser objeto de estudo da sociologia. Além de todas essas informações, você aprendeu a fazer molho de tomate! NA PRÁTICA A partir das reflexões feitas sobre o vídeo do molho de tomate, procure algum hábito seu que traga problemas para o meio ambiente e escreva um pequeno plano de ação para mudar esse comportamento. Pode ser algo que você consuma com muita frequência, algo que seja conhecido por ser poluente ou qualquer outro tipo de artefato. Liste as consequências positivas da sua ação, e pesquise sobre outras possíveis vantagens que essa mudança de hábito traria. FINALIZANDO Chegamos ao fim da nossa última aula! Você se lembra de tudo que foi visto? Começamos relembrando os processos de industrialização e apresentamos algumas maneiras de conceber e estudar as cidades e os processos pelos quais elas passam. Falamos sobre como a superpopulação e a industrialização causam vários problemas ao meio ambiente e, em consequência, às pessoas. 18 Contextualizamos o surgimento da educação formal na história e apresentamos algumas visões sobre para que serve a educação e os desafios dos modelos educativos tradicionais. Falamos da vida cotidiana e de como nos relacionamos com pessoas que não conhecemos em ambientes urbanos. Mostramos as pequenas e grandes diferenças ente o cotidiano de pessoas de diferentes culturas. Finalmente, mostramos como as subculturas, principalmente as juvenis, passaram a ser levadas a sério como objeto de estudo para a sociologia. 19 REFERÊNCIAS ALUNA passa em 2º lugar em mestrado com projeto sobre Valesca Popozuda – Rachel Sheherazade. Sistemas de Afiliados, 22 abr. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QuKuI2edI8c>. Acesso em: 13 nov. 2019. AMARAL, A. Uma breve introdução à subcultura cyberpunk. Estilo, alteridade, transformações e hibridismo na cibercultura. Compós, v. 3, 2005. Disponível em: <https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/36>. Acesso em: 13 nov. 2019. DO “JOINHA” à figa, gestos comuns podem ofender no exterior; saiba como usar. Viagem, 21 out. 2014. Disponível em: <http://viagem.uol.com.br/album/2014/10/21/do-joinha-a-figa-gestos-comuns- podem-ofender-no-exterior-saiba-como-usar.htm>. Acesso em: 13 nov. 2019. FREIRE FILHO, J. Das subculturas àspós-subculturas juvenis: música, estilo e ativismo político. Contemporânea – Revista de Comunicação e Cultura, v. 3, n. 1, 2005. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/3451/2 517>. Acesso em: 13 nov. 2019. GIDDENS, A. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. INDICATORS of Ecological Collapse. Deep Green Resistance, 2016. 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WORLD Urbanization Prospects 2018. United Nations, 2018. Disponível em: <https://population.un.org/wup/>. Acesso em: 13 nov. 2019.