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>-• A.V a ■ 'h - ' « A . P L A N T A DA NOVA POVOACAO DB CA/AL VAS \ i CO Situvxia nu marõem O riental ouilirvit.iJo R io Barbradoí A ía L o n g lT d cS í^ tt cou TiioM cndiauocíu ttw dorcrro. cl/atitude Auitnd de I5!ll%’ Engrianoanoude t78‘À pelo Í U T e I ^ S E N H O R LUlZOALBl QUK RqtE DB ME LLO I^BCACHR» , u u u u u u CIORD C íitrtf Irtcgròdo de Qrdenowento Terrifonol - r V , - - - ■ • ■ . . - - ■. 0 A publicação de New Towns for Colonial Brazil, W da Dra Roberta Marx Delson; em 1979, foi um A fe ito pioneiro. Naquela época poucos * > estudiosos admitiam a idéia de que ^historicamente houvera pma padronização ■ das vilas no Brasif-colônia, , a concepção 0 revolucionária de tím planejamento no nível g macroeconômico nd sécuío XVill era ainda - mais impensável 0 No entanto, hoje as idéias da Dra: Delsori' _ são encaradas como um ponto crítico ™ no âmbito mais amplo do estudo 0 do urbanismo português. Aquilo oue foi A praticado no Brasil naturafmente teve ■, I ■ W a sua correspondência em Portugal ^ | e foi experimentado em menor escala ^ em outras colônias do reino. Mas foi o Brasil, cóm seu território ' - aparentemente infindo e suas massas errantes, gue atraiu os administradores ^portugueses. 2 Eles encaravam a sua colônia como um vasto laboratório espacial no qual eles deveríam criar > um cidadão novo e socialmente aceitável, alojado em composições arquitetônicas _ . perfeitamente alinhadas e homogêneas. Não é absurdo afirmar que suas idéias ainda r hoje têm repercussão. E com imenso prazer que damos a lume, pela primeira vez em português, esta obra de imensurável valor. NOVAS ViLAS PARA O BRASIL-COLÔNIA Planejamento Espadai e Sodal no Século XVIII Um livro das edições ALVA-CIORD O que é o CIORD O Centro Integrado de Ordenamento Territorial - CIORD é resultado de um Convênio assinado entre a Universidade de Brasília - UnB e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República - SAE/PR, em 16.09.95. Está voltado para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar no campo do Ordenamento Territorial, em colaboração com Faculdades, Institutos, Departamentos e Centros da UnB e de outras Universidades Brasileiras e Estrangeiras, orgãos governamentais, ONG’s e Empresas. O que são as Edições ALVA As Edições ALVA têm por objetivo agilizar a divulgação de conhecimento produzido sobre questões práticas e conceituais de territorialidade e da adequação social à mesma, de geopolítica, das relações cidade/ campo e cidade/região, de arquitetura e urbanismo, bem como de sua história. Roberta Marx Delson Novas Vilas para o Brasil-Colônia Planejamento Espacial e Social no Século XVIII CIORD Centro Integrado de Ordenomento Territorial Edições ALVA © Roberta Marx Delson, 1979. Título do original em inglês: New Towns for Colonial Brazil. Spalial and Social Planning of the 18th Century Dellplain Latin-Ametican Studies 2 Editor: David j. Robinson Departamento de Geografia da Universidade de Syracuse, Estado de Nova York, 1979 Edição para o Brasil: Tradução e Revisão de texto: Fernando de Vasconcelos Pinto Composição gráfica: Frank Svensson Capa: Adriana Tavares de Lyra Miriam Vargas Apoio: CIORD Centro Integrado de Ordenamento Territorial - Universidade de Brasilia Editoração: Editora ALVA Ltda. © SCLN 406 Bloco E Sala 110 70 910-900 Brasília DF Fone: (061) 347 45 33 Fax (061) 347 35 33 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília Delson, Roberta Marx Novas vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no Século XVIII/Roberta Marx Delson; [tradução e revisão, Fernando de Vasconcelos Pinto; composição gráfica, Frank Svensson; capa Adriana Tavares de Lyra, Miriam Vargas]. - Brasília : Ed. ALVA-CIORD, 1997, Cl 979. Traduzido de: New towns for colonial Brazil: spatial and social planning of the 18th Century. ISBN 85-86774-02-2 1.72”17’(81)I. Titula II. Título: Planejamento espacial e social no Séculoxvin ISBN 85-86774-02-2 ^ 1 h 5W 4 À memória do erudito Professor E. Bradford Burns, detentor da comenda da Ordem do Rio Branco e meu mentor e amigo. S u m á r i o Dedicatória I Sumário III Relação das ilustrações IV Abreviaturas V Prefácio à edição brasileira Prefácio à edição em inglês Frase-chave Capítulo I : O mito da cidade brasileira sem planificação ---------- ----- 1 ~ C a p í t u l o II : A formulação de um programa de construção de vilas ^ ----- --------* 9 Capítulo III : Aplicando o modelo: primórdios experimentais no Nordeste-----— 17 Capítulo IV : A expansão da autoridade: novas vilas no Centro e no Oeste r- 27 Capitulo V : Um repertório dos princípios de construção: São Paulo e o Sul 41 —— 5̂ Capítulo VI : O Marquês de Pombal e a política portuguesa de “europeização”^ - --------- 49 Capítulo VII : Planificadores e reformadores- ------- 69 Capítulo VIII : A arborização das cidades brasileiras do fim da era colonial 89 Capítulo IX : O programa de novas vilas numa visão panorâmica____ 95 Bibliografia 107 Apêndice 118 índice onomástico remissivo 120 III R elação das ilustrações Figura L egenda 1 Planta básica de São João de Parnaíba, 1798 2 Croqui de Fortaleza, Ceará, aproximadamente 1730 3 Planta de Sumidouro, em Minas Gerais, 1732 4 Planta básica de Cuiabá, Mato Grosso, 1777 5A Planta básica de Vila Boa, Goiás, 1782 5B Planta de Vila Boa mostrando o realinhamento, aproximadamente 1782 6A Detalhe de Vila Bela, 1773 6B Planta básica de Vila Bela, 1780 7 Planta de Mariana, em Minas Gerais, depois da reconstrução de 1746-1747, sem data 8A Planta básica de Barcellos, no rio Negro, tal como foi redesenhada por Felipe Sturm, 1762 8B O novo projeto para Barcellos, sem data 9 Planta básica de São Miguel, 1765 10 Planta básica de Balsemão, 1768 11 São José de Macapá, no Amapá, 1761, mostrando o desenho da praça dupla 12 São José de Macapá: detalhe da disposição das habitações, 1759 13A Esquema inicial de Nova Mazagão, no Amapá, sem data 13B Nova Mazagão, aproximadamente 1800 14A Detalhe de Lisboa no século XVI 14B O novo projeto de Lisboa depois do terremoto de 1“/H /1 7 5 5 (1755) 15 Planta básica de Vila Viçosa, aproximadamente 1769 16 Planta básica de Portalegre, aproximadamente 1772 17 Planta básica de Prado, aproximadamente 1772 18 Planta básica de Guaratuba, Paraná, final do século XVIII 19 Planta da praça forte de Iguatemy, aproximadamente 1785 20 Planta básica de Albuquerque (atualmente Corumbá), Mato Grosso do Sul, 1784 21A Planta básica e situação de Vila Maria do Paraguay, em Mato Grosso, 1784 21B Ilustração do dia-a-dia em Vila Maria do Paraguay 22 Planta básica de Casalvasco, em Mato Grosso do Sul, 1782 23 Planta básica de Corumbá (antiga Albuquerque), Mato Grosso do Sul, 1786 24 Planta básica da Aldeia Maria para os índios caiapós, Goiás, 1782 25A Detalhe de São José de Mossamedes, Goiás, 1801 25B Planta básica em perspectiva de São José de Mossamedes, 1801 26 Planta básica de Linhares, no Espírito Santo, 1819 27 Localização de aglomerações urbanas planificadas no Brasil-colônia IV i 1 i A breviaturas • ABAPP Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará, Belém • ABN RJ Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro M AHI Arquivo Histórico do Itamaratv, Rio de Janeiro / AHI-IA Catálogo da mapoteca do Arquivo Histórico do Itamaratv, de Isa Adonias, Rio de Janeiro • AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa • AHU-CA Catálogo de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino de Castro Almeida AHU-Iria Catálogo do acervo de mapas relativos ao Brasil de Alberto Iria, Lisboa 9 ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro 0 APM Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte BA Biblioteca da Ajuda • BMSP Biblioteca Municipal de São Paulo BNL-AP Biblioteca Nacional, Lisboa, Acervo Pombalino • BNRJ-RC Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Registro de Cartas de Luiz Antônio de Souza • BNRJ-SI Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Seção de Iconografia • CLB Colecção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro DH-BNRJDocumentos Históricos, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro • D1HSP Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, São Paulo A H AH R Hispanic-American Historical Review • IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro m '\ IHGB-CU Reproduções de documentos do Conselho Ultramarino guardadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro 9 MCM Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado contida em A Amazônia na Era Pombalina, de Marcos Carneiro de Mendonça, 3 volumes • MIGE Mapoteca do Instituto de Geografia do Exército, Rio de Janeiro MU-CI Ministério de Ultramar, Lisboa, acervo de reproduções fotográficas de mapas da Casa da Insua W m RIC Revista do Instituto do Ceará RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro • RSPH AN Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro SGL Sociedade de Geografia, Lisboa • V it iii I í i Introdução à edição brasileira Transcorreram quase 20 anos desde que es creví Novas Vilas para o Brasil-Colónia. Não pude deixar de sorrir ao constatar que o livro acabara me transformando numa espécie de grands dame de uma nova geração de intelectuais que agora iniciavam o estudo sistemático da urbanização no âmbito mais amplo da totalidade do império português, numa escala nunca antes imaginá vel. Uma parte desse esforço intelectual resultou de estudos promovidos e financiados pela Co missão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. A CNDP, inteli gentemente, criou uma subdivisão de estudiosos que neste mom ento estão coordenando uma comparação inédita de todos os escritos existen tes sobre a expansão e o desenvolvimento urba no português, em conexão com a meta mais abran gente da comemoração do quinto centenário dos grandes descobrimentos portugueses. Fiquei satisfeita de o organizador desse empreendimen to, o Professor Walter Rossa, da Universidade de Coimbra, erudito arquiteto português, ter ti do conhecimento do meu livro e, depois de mui ta dificuldade em me localizar, ter me incluído nesse novo projeto empolgante. Igualmente gratificante foi a proposta ex tremamente generosa que o Professor Frank Svensson, da Universidade de Brasília, me fez há algum tempo de relançar o meu livro numa edição em língua portuguesa. Naturalmente eu aceitei a sua proposta com muita satisfação. Ao que parecia, ele também conhecia o meu livrinho e, sem eu saber, eu tivera leitores no Brasil, bem como em Portugal. Muito a propósito para con firmar isso, bem recentemente aconteceu algo numa sessão sobre planejamento urbano nos encontros da Brazilian Studies Association, em Washington, DC. Quando me aproximei de um jovem colega brasileiro para felicitá-lo pela sua preleção, ele reconheceu-me imediatamente “Ah” - disse ao ver o meu crachá -, “Novas Vilas...” Evidentemente sinto-me satisfeita e lison- jeada de ser considerada um dos fundadores desse novo campo de estudos que é a história do urbanismo e da planificação portuguesa, que não para de crescer. j^ n o entanto, com toda a devida modéstia, devo confessar que fiquei tomada de emoção por ser subitamente “desco berta”. Quando realizei a minha pesquisa no Brasil e em Portugal, há muitos anos, é claro que eu tinha pouca consciência de que o meu estudo era “pioneiro”1, mesmo reconhecendo que estava desafiando o saber convencional. Certamente eu tive o privilégio de conhecer al guns dos mais eminentes estudiosos da maté ria, como Otávio Ianni, Pedro Pinchas Gei ger, Sérgio Buarque de Holanda, Artur Cézar Ferreira Reis, Nestor Goulart Reis Filho, Jorge Hardoy e Graziano Gasparini, entre outros, e de discutir o meu projeto com eles. Na Universi dade de Colúmbia, estudei com E. Bradford Burns, Lewis Hanke, Charles Wagley, George Collins e, exatamente no seu último ano na faculade, com o legendário Frank Tannenbaum. Quando o livro foi publicado, graças aos bons ofícios de David Robinson (da Universi dade de Syracuse, no estado de Nova York, onde me bacharelei), ainda encontrei algum cepticis- mo, principalmente entre os meus colegas dos Estados Unidos. Como é que eu sabia que Vila Bela fora construída conforme eu descrevera, ou que Cazal Vasco (sic), cuja planta ilustrava a capa original, havia sido ajustada à retilineidade prescrita? Retruquei-lhes que os documentos existentes atestavam que a legislação de planeja mento urbano havia sido realmente obedecida. Além do mais, eu havia palmilhado pessoalmente as ruas de várias comunidades coloniais plani- VII ficadas remanescentes, como Mariana, em Mi nas Gerais, e Viamâo. no Rio Grande do Sul, sem falar em Lisboa, e podia afirmar, de visu, que ainda existiam provas daquilo que fora uma tendência. Ainda assim as dúvidas persistiam. Será que tudo aquilo era apenas uma abordagem fantasiosa? Talvez convencer os outros leve anos. No verão passado eu tive o prazer quase insuportá vel de ouvir uma jovem arquiteta brasileira dizer- me que havia “descoberto” as ruínas de Vila Bela e que as medições que ela efetuara nos restos das edificações estavam exatamente de acordo com as especificações de Rolim de Moura. Além disso, ela havia localizado a “verdadeira” Cazal Vasco (não a nova aglomeração de mesmo no me), e esta também oferecia provas de que as ordens originais de planejamento haviam sido cumpridas. Estou imensamente penhorada a Re nata Malcher de Araújo pelas suas explorações corajosas e por ela ter dissipado qualquer resquí cio de dúvida que eu possa ter tido. Como era esperável, junto com os inevitá veis desgastes do tempo, eu experimentei um ine vitável amadurecimento das minhas idéias. Ain da estou firmemente convicta de que o plano diretor português para o Brasil do século XVIII era tão maravilhoso por seus objetivos quanto eu o havia considerado anos atrás, mesmo que a sensibilidade dos estudiosos modernos rejei te as bases dessa abordagem. Porém igualmente intrigante, eu acho, é uma conclusão a que che- guei paulatinamente. Concentrando-me nova mente nos dados originais e com o auxílio de pesquisas ulteriores, eu consegui compreender como a cultura material se desenvolveu no Bra sil colonial e apreciar as suas relações com o fenômeno mais amplo do colonialismo. Antes de tudo, estou convicta de que os portugueses tinham uma compreensão racional e claramente definida do que eles podiam e do que não po diam realizar. Com isso eu quero dizer que pare ce que eles estavam dispostos a transigir na sua maneira de proceder e mesmo a adaptar às for mas culturais locais, se isso favorecesse a acei tação global das normas portuguesas. Sugeri isso no meu livro quando afirmei que, embora houvesse uma regulamentação das fachadas ex ternas das casas nas novas comunidades cons truídas no sertão, em muitas localidades os ad ministradores permitiam aos habitantes porem em prática suas próprias idéias no tocante ao interior de seus lares. Embora alguns colegas possam considerar isso apenas um “verniz de europeização”, ainda me inclino a encará-lo como uma disposição de aceitar uma cultura “híbrida”. Essa hibridação conduziu a conciliações que atendiam tanto à contribuição local como às exigências da metró pole, e que resultaram em soluções admiráveis e muitas vezes notavelmente adequadas para a localidade em questão. Como as ilustrações da época indicam, era perfeitamente possível cons truir uma casa em estilo europeu nas comunida des interioranas, mesmo utilizando, por exem plo, folhas de palmeira em vez de paredes de pedra e cal. Presentemente também me sinto propensa a dar maior destaque ao papel dos imi grantes das ilhas do Atlântico (na maior parte açorianos), pelo seu trabalho de adaptação e cria ção de uma nova cultura colonial. Em vista dis so, meus estudos afastam-me cada vez mais de concepções de dominação total (ou do fenôme no aposto, a repressão) e conduzem-me àquilo que acho que identifiqueiinstintivamente (e in sinuei neste livro), a saber adaptabilidade e for mas híbridas.2 Tudo isso alcança esse grau de maior clare za quando colocado no âmbito mais amplo dos estudos do colonialismo português em escala global. Parece que a adaptação, a remodelação e a fusão da cultura local com formas puramente européias são reconhecidas universalmente como sinônimos do colonialismo português.3 Desconfio que os portugueses sabiam que nun ca poderíam dominar completamente o Brasil, nem moldar a sua cultura de maneira inteira mente européia, porém a cultura rural que eles procuraram criar (por meio da pequena proprie dade rural e das redes agrícolas regionais) certa mente era um passo naquela direção. Isso real mente ainda tem repercussões no Brasil de ho VIII je, exatamente como eu observei há quase 20 anos. Quero externar o meu agradecimento ao Professor David Robinson, ainda hoje editor da Série Dellplain de Geografia, por sua anuência para a republicação deste estudo. Como sempre, sou reconhecido ao meu esposo, Dr. Erik Del son, invariavelmente paciente pela sua ajuda e incentivo durante todos esses anos, e à sua cole ga Lorraine Mesker, pela sua ajuda no que se referiu às ilustrações. Estou grata igualmente a Wolney Unes, da Universidade de Brasília, pela sua atuação como intermediário no andamento das providências e pela gentileza de expedir mi nhas interm ináveis mensagens pelo correio eletrônico. Sobre a tradução extraordinaria mente perspicaz de Fernando de Vasconcelos Pinto, só posso dizer que mal posso crer que ele conseguiu captar todas as nuances do meu trabalho. Acho que o maior elogio que lhe posso fazer é que o livro está mais bem escrito em por tuguês do que em inglês. Finalmente, quero agradecer ao Professor Frank Svensson por me proporcionar a opor tunidade de atingir um círculo de leitores brasi leiros ainda mais vasto. Só posso esperar que esta edição em português da minha obra conti nue a encorajar estudiosos mais jovens a pros seguirem as pesquisas que empreendí. Roberta M arx Delson Fort Lee, Nova Jersey Junho de 1998 (1) Essa foi a apreciação benevolente de minha obra que Walter Rossa fez na sua monografia apre sentada no IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1996, intitulada “O urbanismo re gulado è as primeiras cidades coloniais portugue sas”. (2) Ver Nicholas Thomas, Colonialism’s Culture: An thropology, Travel and Govemement. Princeton Uni versity Press, Princeton, Nova Jersey, 1994. Ver também Roberta Marx Delson, “Between Im perial Domination and Resistance: The process of creating material culture in the late colonial Amazon” , em fase de elaboração. (3) Urs Betterli, Cultures in Conflict: Encounters between Euyropean and Non-European Cultures, 1492-1800. Polity Press, Cambridge, Inglaterra, 1989. I Prefácio da edição em inglês Para muitos brasileiros, a criação da nova capital federal, Brasília, significou o início da pla- nificação urbana formal no seu país. Na melhor das hipóteses, quando questionados sobre a exis tência de planos diretores para suas cidades, os brasileiros, na sua maioria, dizem que tais planos não existem, e lembram a miséria das favelas sem previsão e sem estrutura. Essa visão absolu tamente não se restringe ao vulgo; ela também é característica dos mais ilustrados. Assim sendo, quando fui admitida na Uni versidade Columbia como estudante de pós- graduação, como de praxe, logo fui familiarizada com o “fato” de que não houvera planejamento para a cidade do Brasil-colônia como uma pre missa importante da história latino-americana. Em bora eu evidentem ente não tivesse con dições de questionar as conclusões de especia listas no assunto, fiquei a imaginar por que os portugueses da era colonial, ao contrário dos seus contemporâneos espanhóis, não tinham nenhum desejo preconcebido de estabelecer um ordenamento urbano. Eu não compreendia co mo os dois impérios ibéricos, que tinham forma ções, culturais tão acentuadamente semelhantes, poderíam diferir tanto nas suas respecrivas abor dagens da povoação colonial. As implicações de uma suposta diferença como essa são enor mes: se os espanhóis eram zelosos no seu empe nho em introduzir um ordenamento racional nas cidades coloniais das Américas, em comparação com os portugueses, tende-se naturalmente a concluir que estes devem ter sido relaxados e irresponsáveis com relação ao desenvolvimento municipal brasileiro. Decidindo dedicar-me a essa questão na minha pesquisa de doutoram ento, eu cedo percebi que a consabida “falta de planejamento” para as cidades do Brasil colonial na realidade era um mito. Desde os primeiros anos do po voamento português, quando o governador-ge- ral Tomé de Souza chegou para construir a capi tal de Salvador da Bahia com uma planta já traça da no bolso', há indícios da preocupação da Co roa portuguesa com o desenvolvimento de cen tros urbanos primários, preocupação essa que no século XVIII foi sistematizada numa filosofia completa de planejamento urbano. Enquanto eu aprofundava a minha compreensão do tema e acumulava dados, evidenciou-se que o prin cipal problema intelectual na minha investigação não era caracterizar os dois sistemas coloniais ibéricos, nem mesmo refutar o mito de que a ci dade brasileira não era planificada, mas sim ana lisar o surgimento de códigos de urbanização no Brasil setecentista como reflexo do absolu- tismo português na colônia. Quando a minha tese começou a evoluir para um manuscrito da extensão de um livro, eu me concentrei cada vez mais em questões de política e metas administrativas, em vez de limi tar o meu tema a estilos arquitetônicos. Em con- seqüência, a proposição dominante nesta obra é que o programa de construção de cidades do século XVIII não constituía apenas uma prova do conhecimento rigoroso das técnicas arquite- tônicas da época por parte dos administradores coloniais, mas revelava uma mudança de atitude da Coroa para com o Brasil. Examinando os do cumentos e mapas de planejamento urbano ana lisados até agora, eu consegui distinguir um padrão que depõe fortemente em favor da exis tência de um “plano diretor” português abran gente para o povoamento no século XVIII. Minhas investigações conduziram-me a analisar áreas povoadas distantes dos centros urbanos tradicionais, como o Rio de Janeiro e Salvador da Bahia (os quais já foram bem estudados). Mi- XI nha arencão foi atraída para o desenvolvimento de cidades t viias em regiões muito afastadas da faixa litorânea e situadas bem dentro da vastís sima hinterlândia brasileira. O planejamento urbano no Brasil chegou equivaler à política de controle e absolutismo: a configuração urbana caprichosamente regula mentada que orientou a construção interiorana no século XVIII desenvolveu-se como uma re presentação simbólica de “bom governo”, uma indicação de que a sociedade estava funcionando dentro de limites predeterminados e disciplina dos. Essa fórmula imbuiu o pensamento dos administradores coloniais em toda a década de 1780, e na realidade as preferências estilísticas pela simetria barroca predominaram até uma época bem avançada no século seguinte. E difícil agradecer a todas as pessoas que me ajudaram nesse esforço. Sem dúvida o Pro fessor E. Bradford Burns merece uma menção especial, por seu interesse constante pela Histó ria do Brasil. Estou reconhecida aos Professores John Mundy e Herbert Klein, da Universidade Colúmbia, pelo seu encorajamento e apoio aos meus planos durante a fase de dissertação. No decorrer da minha pesquisa, o Professor Nestor Goulart Reis Filho, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, deu- me sugestões valiosas que posteriormente eu pude incluir no contexto deste estudo. O Pro fessor Robert M. Levine, da Universidade Esta dual de Nova York, em Stony Brook, prestou- me valiosa consultoria e apoio intelectualem períodos particularmente árduos. O Professor Jorge E. Hardoy, do Instituto Di Telia, de Bue nos Aires, também me assistiu no decorrer do meu estudo. Durante o período em que a exposição evo luiu para um livro, muitas vezes fui orientada pelos meus colegas do Departamento de Histó ria da Universidade Rutgers de Newark (Califór nia). Agradeço com especial empenho ao Pro fessor Samuel Bailey, do Departamento de His tória da Universidade Rutgers de New Bruns wick (Nova Jersey), pela leitura rigorosa do ma nuscrito original. O entusiasmo do Professor David J. Robinson, editor da série em que esta obra se inclui, pelo meu es-tudo também foi imensamente importante. Enquanto eu realizava a pesquisa para esta monografia, em 1970 e 1971, fui subvencionada por uma bolsa de estudo de língua estrangeira da Defesa Nacional dos Estados Unidos, e tam bém recebi um subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa. A essas duas institui ções, o meu reconhecimento. Além disso, quero registrar a minha gratidão às equipes de funcioná rios dos muitos arquivos cujos acervos eu con sultei, sempre muito solícitas. Em Lisboa, esses arquivos compreendem: o Arquivo Histórico Ul tramarino, a Torre do Tombo, a Biblioteca Na cional de Lisboa, a Biblioteca da Ajuda e a Socie dade Geográfica de Lisboa. No Rio de Janeiro, atenciosamente, abriram suas portas para mim as seguintes bibliotecas e arquivos: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Pa trimônio Histórico e Artístico Nacional, Mapo- teca do Serviço Geográfico do Exército e Arqui vo Histórico e Mapoteca do Itamaraty. O Sr. Marcos Carneiro de Mendonça, bondosamente, permitiu-me consultar seus arquivos particu lares relativos à Amazônia. Em outras cidades do Brasil, fiquei grata pela ajuda das equipes do Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, da Biblioteca Municipal de São Paulo e dos arquivos da Câmara Municipal de Porto Alegre. A viagem suplementar que fiz ao Brasil em 1973, financiada pelo Conselho de Pesquisa da Univer sidade Rutgers, permitiu-me complementar a pesquisa para este livro e assistir ao Seminário sobre a Urbanização Latino-Americana em Belo Horizonte, no âmbito do Programa de Bolsas de Estudo para o Exterior do governo dos EUA. Fico penhorada a essas duas instituições pelo apoio financeiro que me deram. Finalmente, dentre todas as pessoas a quem devo agradecimentos especiais, meu esposo, Eric Delson, é merecedor da minha mais profunda gratidão. Sem a sua boa vontade em me conceder tempo para a minha pesquisa, apesar dos seus próprios compromissos acadêmicos, esta obra XII não teria sido possível. Dedico este livro a ele e a meus pais, pelas suas incontáveis horas de paciência e pela confiança que em mim depo sitaram. Naturalmente a responsabilidade por eventuais erros cabe a mim. A A u t o r a quiteto nomeado pela Corca. Embora não reste nenhuma cópia da planta inicia! da cidade, exa minando-se o mapa mais anúgo existente (cerca de 1620),verifica-se que na construção original foi utilizada uma planta urbana muito seme lhante à de uma cidade renascentista ideal. Veja-se a análise feita por Nestor Goulart Reis Filho na sua obra Contribuição ao Estudo da Ero- lução Urbana do Brasil: 1500-1720 (livraria Pio neira, São Paulo, 1968), pp. 68-69 et passim. (1) Tomé de Souza chegou ao sítio da futura Salva dor em 1549, acompanhado por Luís Dias, ar- XIII ■ "'M UD Em bora na nossa sociedade moderna nós ou çamos falar muito em planejamento urbano, é im por tante compreender que a arte de projetar e constru ir uma cidade a partir do nada não é um avanço científi co m oderno como a engenharia aeronáutica ou a físi ca nuclear. Ao contrário, essa arte é uma das habili dades profissionais mais antigas do mundo civilizado. Richard Currier em City Planning in Ancient Times Capítulo I O mito da cidade brasileira sem planifícação Os historiadores da América Latina há mui to tempo vêm ensinando aos seus alunos que os espanhóis construíram cidades planificadas no Novo Mundo. Tornou-se quase axiomático falar entusiasticamente das ruas admiravelmente traçadas em cruz e das praças centrais em qua drado que caracterizavam as aglomerações urba nas da América espanhola, chamando-se a aten ção do estudante para a legislação de planeja mento bem elaborada que acompanhava a cria ção dessas comunidades. . Entretanto, esses mesmos historiadores tendem a infamar as vilas e cidades construídas pelos portugueses no Brasil. Segundo as opi niões geralmente aceitas, as cidades brasileiras originaram-se de povoações espontâneas não planificadas, em vez de obedecer a normas de planejamento metropolitano. A sapiência con vencional conclui que esse crescimento alea tório só foi contestado no final da década de 1950, quando a criação da nova capital federal, Brasília, anunciou uma nova era de consciên cia urbana no Brasil. Poucos leigos (e mesmo historiadores) se lembram dos esforços de plani- ficação envidados na construção de Goiânia, nos anos 1930, ou da utilização de um plano diretor na construção de Belo Horizonte no final do século XIX. Para os que aceitam o mito de que tradicionalmente não havia nenhuma regulamen tação para a cidade brasileira, a idéia de que hou ve antecedentes de um planejamento urbano abrangente no Brasil datando do século XVIII deve parecer algo como uma anormalidade. É visando a documentar a história desse planeja mento e analisar a sua motivação geopolítica que apresentamos a presente monografia. ■>- Essa não é uma tarefa simples. O estudante sequioso de conhecimento profundo da origem e evolução das vilas e cidades brasileiras verifi caria que a sua investigação estaria terminada antes de começar, já que historiadores, arquite tos e geógrafos, indistintamente, têm tendido a descartar sumariamente o assunto. Típica das afirmações vulgares encontradiças sobre esse tema é esta opinião superficial de um arquiteto bra sileiro: “As cidades [do Brasil] cresceram um tan to desordenadamente em torno de igrejas, que geralmente se localizavam na área mais alta dis ponível. As ruas e travessas... ramificavam-se e serpeavam.”1 Igualmente dogmática é a asserção de que as vilas e cidades brasileiras foram fundadas “segundo uma configuração realmente extrava gante”.2 Entretanto, o mais prejudicial de todos é o conceito aventado por um célebre intelectual brasileiro de que “a cidade que os portugueses construíram no Brasil não é produto de uma reflexão, nem ela contradiz a conformação natu ral do terreno. ... [Ela não tem] nenhum rigor, nenhuma metodologia, nenhuma previsão.”3 As poucas tentativas sérias de resgatar a imagem~hegadva das vilas e cidades primitivas do Brasil têm mostrado uma tendência de racio nalizar a “predominância” da disposição espon tânea da cidade, em vez de contestar essa suposi- ção infundada. Numa extremidade da gama de eruditos envolvidos nessa discussão está o histo riador da arte Robert C. Smith, que sustentava que os centros urbanos do Brasil colonial eram essencialmente recriações das cidades medievais portuguesas, completas com ruas tortuosas e bairros congestionados.4 Todavia, uma analogia como essa lança uma sombra nefasta sobre todo o processo da urbanização do Brasil, pois induz o estudioso a considerar os centros urbanos brasileiros historicamente retrógrados e artisti camente atávicos. 1 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÀO Outros, numa posição mais intermediária, afirmam que os primeiros centros urbanos brasi leiros funcionavam bem do ponto de vista admi nistrativo, mas visivelmente careciam de qual quer plano diretor. Um comentarista dessa esco la opinou que . .as vilas maiores dó Brasil colo nial, qualquer que seja o grau em que a sua plan ta física tenha sido ajustada às condições locais e à topografia, representavam, como as vilas da América espanhola, a intromissão de uma ordemmetropolitana já pronta”.5 Finalmente, situado na extremidade oposta dessa gama de sábios, Luís Silveira observou que a característica espontânea das cidades e vilas bra sileiras na realidade era uma bênção disfarçada: A relutância dos planejadores portugueses de além-mar em adotarem um sistema geométrico regular, contrariamente ao que Robert Smith escreveu,... não me parece um arcaísmo, mas resultou de uma longa experiência metódica na criação sistemática de cidades.... Eu diría... que a cidade estruturada portuguesa, com a sua característica medieval, tende para a cidade perfeita, aquela em que cada elemento exerce uma função natural, e é superior às cidades com planta em xadrez..., que muitas vezes denotam uma clara falta de compreensão do conceito da cidade como um organismo vivo, funcional e intelectuamente ativo e, conse- qüentemente, sujeito aos princípios gerais da biologia e da sociologia.6 Entretanto, independentemente de se ade rir a um ou ao outro partido dessa controvérsia, a análise crítica do processo da urbanização ini cial do Brasil ainda permanece largamente into cada pelos versados no período colonial. Em vez disso, os estudos levados a efeito concentra- ram-se no estabelecimento de tipologias heurís ticas dos centros urbanos brasileiros, as quais, embora intrinsecamente úteis, proporcionam uma compreensão limitada da dinâmica do cres cimento urbano. Um dos pioneiros nesse campo foi o geógrafo francês Pierre Deffontaines, que classificou as comunidades consoante uma análi se funcional, ;. e.,: arraiais de mineração, .vilas de estrada de ferro, aldeias indígenas, etc.7 Utili zando um critério diferente, Rubens Borba de Morais diferenciou entre centros urbanos que se desenvolveram espontaneamente (e. g., arrai ais de mineração) e os que deram mostras de intervenção direta (e. g., colônias militares).8 Certamente não se pode questionar a utilidade de divisões hierárquicas desse tipo para enfocar as variações estruturais no sistema urbano do Brasil. Porém essas tipologias são incapazes de fornecer uma análise processual em profundi dade dentro de um arcabouço verdadeiramente histórico. Essa crítica aplica-se também à clas sificação de Marvin Harris e Charles Wagley9, muito citada, bem como à obra que traz o título ambicioso de Como Nasceram as Cidades do Brasil\ uma tipologia altamente conjetural de autoria de um antigo político brasileiro.10 Uma direção intelectual inteiramente dife rente na pesquisa da urbanização do Brasil é a tendência de encarar as cidades e vüas como anti- téticas da corrente principal da cultura brasileira. Os proponentes desse ponto de vista afirmavam que, historicamente, o Brasil tem sido dominado pela classe dos latifundiários, cuja visão era clara mente rural, e não citadina. Fernão de Azevedo, por exemplo, focalizou o relacionamento discor dante contínuo da cidade brasileira com o cam po, em sua análise mais ampla do fenômeno da ci vilização industrial numa sociedade agrária11, en quanto Gilberto Freyre escreveu com extraordi nário entusiasmo sobre o papel do sobrado como difusor do sistema de valores da oligarquia lati fundiária, sempre dentro do contexto urbano.12 Além do grande número de intelectuais que se concentraram na influência supostamente oni presente dos latifundiários, há um grupo bastan te numeroso que mostrou um interesse constan- > outroste pelas i _______________ grupos sociais (e. g., imigrantes europeus ou ga rimpeiros) para o processo de urbanização. Fi nalmente, há uma literatura bastante vasta de dicada à história específica de cidades grandes e pequenas. Esses estudos tradicionais amiúde fornecem excelentes antecedentes históricos, mas não conseguem situar o exemplo individual dentro do contexto mais amplo da proliferação urbana no Brasil.13 2 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANJFICAÇÂO \9' 0 Independentcmente das obras menciona- das nesta breve resenha literária, existem apenas quatro grandes estudos dedicados ao exame do panorama histórico e arquitetônico global do desenvolvimento urbano brasileiro dos primei ros tempos. Esses quatro exames são imensa mente diferentes na abordagem, em conseqüên- cia das disciplinas muito diferentes que seus autores representam. Vilas e Cidades do Brasil- , Colônial6, por exemplo, é um inventário geográ fico e cronológico de vilas e cidades fundadas no Brasil do século XVI ao século XIX. Cada século é estudado separadamente, e a obra forne ce dados sobre a localização e a data de fundação de cada centro urbano criado oficialmente na quele período. Entretanto, ela concede pouca atenção ao planejamento e à forma das comuni dades resultantes. Em contrapartida, A Formação de Cidades no ® Brasil Colonial1, ensaio escrito por um arquiteto praticante, compreensivelmente, preocupa-se mais com a forma e o traçado urbano. Nesse es tudo, o autor examina diversos documentos im portantes referentes à criação de vilas coloniais e conclui que a aplicação de planos diretores formais na realidade foi um sinal de urba-niz^ção retrógrada. De uma maneira inteiramente errô nea (como mostraremos a seguir), ele afirma que os portugueses, oportunisticamente, simples mente copiaram as plantas das cidades espanho las, quando as duas potências se reuniram pa ra a assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Ironicamente, vários dos códigos de construção que o autor apresenta no seu estudo (fora do contexto) foram elaborados no princípio do século XVIII, antecedendo assim o Tratado de Madri de várias décadas! O terceiro estudo é mais precisamente uma interpretação convencional da evolução da cul tura brasileira16, em que os autores reproduzem diversos documentos de planejamento criativos e sugerem vagamente a existência de um código de construção abrangente. Infelizmente eles não vão além dessa tímida observação, deixando o leitor curioso, mas não apreciavelmente escla recido. O último estudo deste quarteto sem dúvida é o mais perceptivo e, claramente, o mais bem pesquisado. Valendo-se de material de arquivo relativo a questões municipais tais como pavi mentação das ruas e alinhamento, o traçado de praças públicas, etc., N estor Goulart Reis Fi lho17, bem fundamentado, defende a existência de uma legislação portuguesa de construção de vilas para o Brasil, aplicada com sucesso variável desde a época da fundação de Salvador da Bahia, em 1549, até.1720. O autor desse estudo é ar quiteto, mas sua obra, Evolução Urbana do Brasil, representa um avanço pioneiro na investigação histórica das comúnidades brasileiras de anta- nho, pois lança mão de dados inovadores e deci sivos para a história urbana que até então haviam sido ignorados pelos outros investigadores. Não obstante, mesmo aceitando a asserção de Reis Filho de que existia um planejamento form al incipiente nos prim eiros séculos da colonização portuguesa, seu estudo ainda deixa sem resposta diversas questões históricas funda mentais. Por exemplo, conjetura-se: até que ponto a política urbana estava estreitamente liga da aos objetivos mais gerais do governo? Além disso: os portugueses redigiram um código de planejamento abrangente, ou os exemplos cita dos representam apenas casos isolados? As vilas e arraiais situados fora do alcance geopolítico dos centros de governo primários, que consti tuem o enfoque principal da obra de Reis Filho, recebiam igual atenção da Coroa portuguesa? O que õ pèííodo posterior a 1720 (ano em que a análise de Reis Filho termina e que na presente pesquisa consideramos crítico para a história do desenvolvimento urbano brasileiro) revela acerca dos problemas e exigências de um processo urbano que estava evoluindo rapidamente nas regiões inte- rioranas do País, longe do litoral povoado? Final mente, o planejamento urbano sistemático era con- ceitualmente excepcional, ou as preferências por tuguesas eram um reflexo dos estilos artísticos em voga na Europa? Por conseguinte, oobjeto principal da minha exposição será um exame tanto dos requisitos admi nistrativos do Brasil do século XVIII corno das 3 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIF1CAÇÀO predileções arquitetônicas. A pesquisa sobre imagem “civilizada” e “europeizada” que Portu- esse assunte lançou mais dúvidas sobre a idéÍ2 gai esperava projetar no interior da colônia.' Para romântica de que o interior do Brasil foi pene- o administrador barroco, a regularidade equivalia trado principalmente por aventureiros. Seguin- v a beleza, sofisticação, civilização e progresso (se do os garimpeiros e caçadores de tesouros, a bem que por interpretações estritamente juno- Coroa portuguesa ia estabelecendo a sua auto- ccntricas). Como nos planos atuais de moder- ridade por meio de um sistema de comunidades nização e desenvolvimento, os portugueses espe- criteriosamente planejadas construídas em re- ravam mudar completamente - e conseguiram- giões remotas. Influenciados pela 'descoberta no em parte - os sistemas de valores. Outras de ouro na década de 1690 e diretamente amea- nações européias podem ter se apaixonado pela cados. os administradores metropolitanos busca- imagem pintada por J.-J. Rousseau19 da ingenui- ram ansiosamente os meios de ampliar o seu dade da sociedade primitiva, mas os portugueses controle; um sistema racional de distribuição de estavam decididos a elevar a população autóc- terras, combinado com a construção supervisio- tone acima do seu estado de ignorância sem ne- nada de vilas, constituiu o processo pelo qual o nhuma ordem, não importando o custo nem interior podia ser protegido contra um cresci- quão ditosa a inocência pudesse ter sido. Por mento independente e descontrolado. extensão, exigia-se que todos os colonos, indu- 75- Nessas condições, a partir de 1716, quase sive os europeus, se ajustassem às novas regras todas as novas comunidades construídas no ser- urbanas e de comportamento; o programa era tão foram subordinadas a um protótipo de pia- decididamente obrigatório. A época da “cons- nejamento de vilas, promulgado naquele mesmo cientização”20 e da mobilização das massas que ano para a criação da municipalidade de Mocha, estavam por trás dos planos de desenvolvimento na zona norte do Piauí.18 O conceito geral do do governo estava muito adiante no tempo, traçado desse plano diretor era barroco, com ênfase em ruas retilíneas, praças bem delineadas (amiúde orladas por fileiras de árvores plantadas simetricamente) e numa uniformidade de ele mentos arquitetônicos. O resultado do uso rei terado desse modelo foi um tipo de vila padro nizado que podia ser facilmente adaptado a re giões geográficas brasileiras muito diferentes. A mão-de-obra indígena não especializada (res ponsável pela maior parte das construções inte- rioranas) podia ser empregada eficientemente, porquanto o domínio das técnicas de construção de um único conjunto de edificações básico per mitiría a ereção de um número ilimitado de uni dades habitacionais e administrativas, embora as edificações pudessem ser sobremodo monóto nas. Fisicamente, a construção de arraiais e vilas planificados no interior do Brasil ho século ___ ______ XVIII representava o compromisso de Portugal no final do século XVIII (mais precisamente de com o absolutismo e com o Iluminismo. O xa- 1777 a 1792, quando ela começou a apresentar drez da malha urbana não era apenas um requin- sinais de loucura e seu filho, D. João,depois te artístico, mas sim uma clara representação da D. João VI, assumiu a regência), embora os capí- Embora o ponto mais salientado neste li vro sejam os projetos de povoamento do século XVIII, minha pesquisa começa na década de 1690, quando a descoberta de ouro nas monta nhas de Minas Gerais precipitou uma importante reconsideração do valor da terra, do seu uso e da sua distribuição. Começando com um exame dos motivos e pressupostos subjacentes ao pro grama de construção de vilas dos portugueses, eu passo a apresentar um estudo de casos parti culares das comunidades efetivamente construí das durante esse espaço de tempo, as quais são analisadas em ordem cronológica e por região geográfica (o Nordeste, o Centro-Oeste e o Sul). Nos Capítulos VI e VII são examinadas as refor mas do período pombalino (1750-1777), com destaque para os administradores responsáveis pelo cumprimento das novas diretrizes urbanas. O estudo termina com o reinado de D* 4 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLAN IFICAÇÃO tuios finais contenham uma descrição sumária da direção que o planejamento urbano no Brasil seguiría posteriormente. A maior parte dos casos de planificaçâo exa- minados na exposição do livro referem-se ao tra çado de comunidades relativamente pequenas, oü seja, povoados, aldeias e vilas. Entretanto, nu ma amostragem de casos mais limitada, será apre ciado o planejamento urbano de grande escala, no nível de cidade. Lamentavelmente, não existe nenhum termo de uso corrente na América para denominar a gama de atividades de planificaçâo para aglomerações variando de 50 a mais de 10 mil habitantes. Empregar o termo “planejamen to urbano” (ou seu eqüivalente “desenho urba no”) para este caso pode ser desorientador, por que, embora geralmente ele seja aceitável, traz a conotação de centro urbano de grande porte, que claramente não se aplica à maioria das comu nidades do Brasil antigo. Uma alternativa seria inventar uma perífrase que abrangesse todos os tipos de planejamento21, como o termo eqüística do arquiteto grego Konstantinos Apostolos Do- xiadis (1913-1975); porém isso podería revelar- se contraproducente, pois tendería a tornar a questão ainda mais confusa, A rubrica “planeja mento urbano”, ou “planejamento de vilas”, é pre ferível a qualquer uma das opções supracitadas, uma vez que define o fenômeno do planejamen to sem discriminar o fator demográfico. Por conseguinte, em todo o resto desta dis sertação, o termo “projeto de vila” será substi tuído por “planejamento urbano”, significando uma abordagem do traçado de elementos arqui tetônicos num centro habitado, sem conside ração do seu tamanho ou função. A única distin ção importante que se deveria fazer seria entre as comunidades que receberam um planejamen- to sistemático subsequente (i. e., depòis de fún- dadas) e as que foram construídas obedecendo desde o início a uma regulamentação. Visto que os critérios empregados para dis tinguir entre vilas e cidades no período colonial eram no mínimo arbitrários, não procurei esta belecer categorias demográficas diferentes para umas e outras; apenas baseei-me no reconheci- cimento oficial da Coroa portuguesa. Em incon-- tát eis .casos, o critério pgr? elevar oticialmente uma aldeia à categoria de vila baseava-se apenas na necessidade de instalar funcionários do go verno numa área ainda não superintendida. En tretanto, em outras coniunturas, a criação legai de uma vila marcava o início de um grande pro- çâo da administração governamental. Num nível mais alto, quando as vilas eram promovidas a cidade, com frequência sofriam uma ampla re modelação urbana com a finalidade de lhes dar uma aparência consentânea com seu novo título. n > Por conseguinte, o verdadeiro significado das cartas régias que conferiam formalmente o título de vila não era o reconhecimento do cres cimento físico do arraial ou aldeia, mas sim a percepção pragmática de que, dentro daquela área específica, era preciso assumir determinadas responsabilidades administrativas. As vilas titu ladas ganhavam o privilégio de uma câmara mu nicipal, cujos membros eram incumbidos de de veres que foram delineados originariamente na Idade Média: As câmaras tinham patrimônio e fonte de ren da próprios e não dependiam do Tesouro Real, ou seja, dos fundos públicos das suas respec tivas capitanias. O patrimônio era constituído de terras que lhes haviam sido concedidas no ato de criação da vila, terras reservadas para o rossio (passeio público), para a construção deprédios públicos e para a criação de parques públicos e de uma gleba comunal. As câmaras eram autorizadas a conceder algumas dessas terras a particulares ou arrendá-las. Ruas, pra ças, vias de acesso, pontes, fontes públicas e outras infra-estruturas também eram considera das partes do seu patrimônio. As rendas da câmara provinham dos aluguéis que ela tinha o direito de receber sobre terras arrendadas e de tributos locais (taxas), autori zados por lei ou por permissão especial do rei. A câmara podia reter dois terços da renda muni cipal, porém um terço dnha de ser entregue aos representantes do Tesouro na capitania.22 Embora fuja aos objetivos deste livro estudar o papel da câmara municipal, os dados apresenta- 5 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÃO dos aqui dão a entender que, pelo menos com referência ao século XVIII, a incumbência tra- dicional da câmara de supervisionar a distri buição de terras foi eliminada. Outros privilé gios tradicionais foram reduzidos pelas intro- missões reais nos direitos municipais de distri buição de rendas, no traçado da sede municipal, etc., e, visto que a própria Coroa se encarregava cada vez mais de empatar capital em projetos de construção no interior, a independência rela tiva da câmara como uma unidade auto-admi- nistrada diminuiu proporcionalmente. Só no final do século as câmaras locais fariam valer os seus direitos novamente, reassumindo lenta mente a iniciativa no desenvolvimento da vila, independentemente do governo metropolitano. Então, com toda evidência, qualquer discussão sobre o desenvolvimento urbano traz à baila não apenas a questão da configuração topográfica, mas atinge algumas das questões políticas mo- mentosas do Brasil do século XVIII. As provas documentais utilizadas neste estudo foram colhidas em arquivos municipais, na correspondência oficial (tanto dentro do Bra sil como com a metrópole) e no currículo das academias militares que formavam os enge nheiros responsáveis pela maior parte das novas construções urbanas. Nos casos em que as pro vas documentais eram inadequadas ou obscuras, lancei mão de fontes cartográficas para confir mar as minhas conclusões; as excelentes plantas de cidades disponíveis nas mapotecas tanto de Portugal como do Brasil fornecem provas notá veis da homogeneidade dos projetos de planifi- cação das vilas do Brasil colonial. (1) Henrique Mindlin, Modem Architecture in Brazil (Reinhold Publishing Co., Nova York, 1956), p .l. (2) Richard M. Morse, Formação Histórica de São Paulo: De Comunidade a Metrópole (Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1970), p. 10. (3) Sérgio Buarque de Holanda, A s Raivei do Brasil (José Olympio, Rio de Janeiro, 3* edição, 1956), p. 152. Além dessa obra, uma relação parcial dos livros cuios autores aceitam o mito da vila colonial brasileira não planificada com preende: Blake McKelvey, American Urbanisa tion: A Comparative History (Scott, Foresman & Co., Illinois, 1973); Nelson Omegna, A Cidade Colonial (José Olympio, Rio de Janeiro, 1961); Walter D. Harris,Jr., The Growth of Latin-Ameri- :an Cities (University of Ohio Press, Athens, Ohio, 1971); e João Boltshauser, Noções da Evolução Urbana nas Americas (Faculdade de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1968). (4) Robert C. Smith, “Colonial Towns of Spanish and Portuguese America”, in]ouma!of the Society of Architectural Historians, volume XTV, n1 2 3 4, 1956, pi 7. Este autor, em “Baroque Architec ture”, in Portugal and Brazil, H. Livermore, editor (Oxford University Press, Londres, 1953), pp. 349-384, defende a tese de que as cidades brasi leiras têm um caráter medieval. (5) Richard M. Morse, From Community to Metropolis: A Biography of São Paulo, Brazil (University of Flonda Press, Gainesville, 1958), p. XVII. (6) Esta citação está contida numa pequena sinopse em Luís Silveira, Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas de Ultramar (4 volumes, Lisboa, sem data), volume I, p. 24. (7) Pierre Deffontaines, “The Origin and Growth of the Brazilian Network of Towns”, in Geogra phical Review, vol. XXVIII, julho de 1938, pp. 379-399. (8) Rubens Borba de Morais, “Contribuições para a história do povoamento em São Paulo até fins do século XVffl”, reeditado em Boletim Geográfico, ano III, n° 30, setembro de 1945, pp. 821-829. (9) Charles Wagjey e Marvin Harris, “A Typology of Latin-American Subcultures”, in Dwight B. Heath e Richard N. Adams, editores, Con temporary Cultures and Societies of Latin-America (Nova York, 1956), pp. 42-69. (10) Plínio Salgado, Como nasceram as cidades brasileiras (Edições Ática, Lisboa, 1946). Uma tipologia comparativa que coteja as comunidades urba nas da América espanhola, da portuguesa e da inglesa pode ser encontrada em João Boltshauser, Noções de Evolução Urbana nas Américas, 3 volumes (Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1968). 6 O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÃO (11) Fernào de Azevedo, “A cidade e o campo na civilização industrial”, in Obras Completas, vol. XVIII, pp. 213-229. Ver também: Waidemiro Bazzanella, “Industrialização e urbanização no Brasil”, in América Latina, vol. VI, n“ 1, janeiro- março de 1963, pp. 3-26; e Manuel Diegues Júnior, Imigração, Urbanização e Industrialização (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, série VI, “Sociedade e Educação”, vol. 5, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1964). (12) Gilberto Freyre, The Mansions and the Shanties: The Making of Modem Brazil (Sobrados e Mo cambos: A Formação do Brasil Moderno), edi ção e tradução de Harriet de Onis (Alfred A. Knopf, Nova York, 1966). (13) Na bibliografia constante do final deste livro será encontrada uma relação de muitos desses estudos. Informamos o leitor de que as revistas geográficas do Brasil constituem uma rica fonte de material sobre o desenvolvimento de muitas cidades, grandes e pequenas, menos bem conhecidas. Um exemplo desse tipo de trabalho é Paulistas e Mineiros: Plantadores de Cidades, de Mário Leite (EdArt, São Paulo, 1961). (14) Aroldo Azevedo, “Vilas e cidades do Brasil co lonial”, in Boletim n° 208, Geografia n° 11,1956, pp. 1-96, da Faculdade de FUosofia, Ciência e Letras da Universidade de São Paulo. A obra Evolução da Rede Urbana Brasileira, de Pedro Pinchas Geiger (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1963), é uma aná lise pioneira do desenvolvimento urbano bra sileiro sob o aspecto da geografia humana. Todavia, o exame do período colonial da Histó ria do Brasil constitui meramente uma parte secundária da obra, que trata principalmente do crescimento urbano mais recente. (15) Paulo F. Santos, “A formação de cidades no Brasil colonial”, V Cotóquio Internacional de estudos - lusc-brasiieiros, Coimbra, 1968. (16) Tito Lívio Ferreira e Manoel Rodrigues Ferrei- • ra, História da Civilização Brasileira: 1500- 1822 (Gráfica Biblio Ltda., São Paulo, 1959). (17) Nestor Goulart Reis Filho, op. cit. A obra A Cidade Colonial, de N. Omegna (José Olympio, Rio de Janeiro, 1961), foi excluída desta análise, porque o seu tema é mais precisamente um exame da estrutura social colonial com matizes francamente românticos. Da mesma maneira, A Evolução da Rede Urbana Brasileira, de Pedro Pinchas Geiger (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Ministério da Educação e Cul tura, Rio de Janeiro, 1963), não foi considerada, porque aborda apenas sumariamente a urba nização do período coloniaL (18) Veja-se a análise detalhada no capítulo III. (19) Jean-Jacques Rousseau, Social Contract, 1762. Reeditado por Modern Library, Nova York. (20) Em oposição ao conceito de educação de adul tos por meio da experiência cotidiana, o termo conscientização é empregado aqui com o signifi cado de “a transformação completa da cons ciência das pessoas que as faria compreenderem os parâmetros políticos da sua existência e as possibilidades de mudarem a sua situação pela açãopolítica”. Essa definição foi extraída de The. Homeless Mind: Modernization and Consciousness, de Peter Berger, Brigitte Berger e Hansfried Kell ner (Vintage Books, Nova York, 1974), pt 76. (21) Veja-se o exame das definições de planejamen to urbano na obra de Charles Abrams The Lan guage of Cities: A Glossary of Terms (Avon Books, Nova York, 1972), p. 48. (22) Caio Prado Júnior, The Colonial Background of Mo dern Brazil (versão para o inglês de Suzette Macedo, University of California Press, Berke ley, 1969) 7 Capítulo II A formulação de um programa de construção de vilas ■N N o final do século XVII foi descoberto ou ro no interior acidentado a oeste da província do Rio de Janeiro. Esse acontecimento acarretou a avaliação do potencial da colônia por parte de Portugal e mostrou claramente que o governo precisava agir com presteza pára garantir o con trole imediato do rico território interiorano. Ás~ terras do sertão não podiam mais ficar sem su- pervisâo, c os administradores, cientes disso, lo- go estabeleceram as primeiras medidas de um programa legislativo para redefinir os direitos sobre a terra e, ao mesmo tempo, estender a au toridade real. > - Na formulação desse programa, foram le vadas em conta quatro questões básicas. A pri meira delas dizia respeito ao estabelecimento de uma regulamentação para áreas auríferas, pre- vendo-se a nomeação de funcionários reais. Isso visava a garantir o recebimento pela Coroa de uni quinto das receitas oriundas da mineração, o “quinto” de praxe, e possivelmente evitar ven das ilegais a grupos estrangeiros. A segunda ta refa que se impunha era estabelecer uma iuris- diçâo sobre os aventureiros (bandeirantes1 e boia- deiros) que no decorrer do século XVII baviam sido os primeiros a explorar o agora precioso sertão, na sua maior parte sem nenhuma res- trição da administração real. Em ligação com essa necessidade prioritária de reforma da lei e da ordem, havia a vontade da Coroa de conter a força crescente dos poderosos do sertão, indiví- duos aue se haviam enriquecido ampliando as suas concessões de terras originais como grilei ros, fazendo valer os direitos de posse. Com o avanço do século, as autoridades da Coroa iam não só desafiar esses barões fundiários, mas pro curar desbancá-los mediante a criação de mini fúndios para lavradores. Estes compunham-se principalmente de colonos europeus oriundos das possessões insulares atlânticas superpo- voadas do reino, os quais eram considerados mais confiáveis e também mais propensos à agri cultura do que seus contemporâneos bandei rantes. Por último, os portugueses pretendiam ampliar os seus domínios territoriais à custa dos espanhóis, compreendendo que, com o estabele cimento de colônias lusas nas regiões recém- exploradas do Oeste e do Sul longínquos, seus rivais hispânicos na América ficariam em nítida desvantagem. Embora as reivindicações espa- nholas sobre a região a oeste do rio Tocantins (e a leste dos Andes) tivessem sido aceitas pelo Tratado de Tordesilhas (em 1494, na pequena cidade espanhola de Tordesillas, fixou-se o meri diano situado a 370 léguas a oeste das ilhas Cabo Verde como limite entre as possessões espanho las e as portuguesas), esse patrimônio remoto nunca havia sido suficientemente colonizado pa ra garantir a hegemonia espanhola. A Coroa por tuguesa raciocinou corretamente (muito antes da aceitação internacional do princípio do uti possi de tis [como te apossaste]) que, se os lusita nos “ocupassem efetivamente” as terras recla madas pela Espanha, no final das contas pode ríam assegurar essas regiões para si. (Sfo Portanto, esses quatro objetivos condicio naram a política portuguesa para as regiões inte- rioranas do Brasil durante a maior parte do sécu lo XVIII. Os administradores lisboetas resolve- 9 A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS ram que uma ampliação da autoridade e uma redefinição dos direitos sobre a terra finjdmen,t& tinham de ser incorporadas a um plano de de senvolvimento intensivo para a hinterlàndia bra sileira.. O mecanismo pelo qual o sertão seria subordinado à autoridade real baseava-se na fun- dacão de comunidades supervisionadas pela Coroa, as quais, com o tempo, formariam redes urbanas integradas, localizadas em pontos estra tégicos do interior. Assim, o planejamento e o desenvolvimento desses novos núcleos interiora- nos orientariam o processo de urbanização du rante todo o século.2 A penetração no interior iniciou-se no final do século XVI. Até então os esforços de coloni zação dos portugueses tinham se confinado de modo geral às zonas litorâneas, o que inspirou a Frei Vicente do Salvador a famosa metáfora dos caranguejos agarrados à linha costeira.3 En tre os anos de 1532 e 1536, a Coroa portuguesa dividiu o litoral do Brasil em 15 capitanias (ou donatarias), largas faixas de terras concedidas a 12 homens de alto prestígio no reino. O donatá rio era obrigado a assinar uma escritura formal com a Coroa. De forma quase medieval, ele tor nava-se diretamente responsável pelo cresci mento e desenvolvimento do seu patrimônio e praticamente recebia carta branca no tocante à urbanização. No estágio de capitanias hereditá rias, não havia nenhuma diretriz para o cresci mento das povoações, e aos concessionários re comendava-se apenas que eles podiam: ...estabelecer todas as aldeias que quiserem além das povoações que se situarem ao longo da costa da dita terra e nas margens dos rios navegáveis, mas no interior eles não podem construí-las a menos de seis léguas de distância uma da outra, de maneira que possa haver pelo menos três lé guas de terra de cada aldeia até o limite territorial da outra.4 A sorte estava lançada. Ao longo da costa, os donatários tomavam posse de imensos talhões de terra, ficando até 50 léguas ( ! ) nas mãos de um único homem.5 Cada beneficiário, ou capi- tão-mor, por sua vez, tinha o direito de conceder terras de sesmaria a colonos dentro da sua capi tania, cuja extensão o próprio donatario fixava. A prática da concessão de sesmos (grandes extensões de terras) teve origem na Idade Média, quando os senhores feudais buscavam avida mente voluntários para colonizarem os seus territórios. As novas comunidades assim forma das, o soberano concedia cartas, e um sesmeiro distribuía terra aos recém-chegados.6 Entretanto, o sistema de sesmarias foi mais amplamente utilizado no Brasil (onde grandes áreas de terras devolutas estavam imediatamente disponíveis), e a sua importância para o desen volvimento do País não devia ser subestimado. Conjugada com a influência senhorial do sistema de donatarias, a prática da concessão de sesma rias literalmente institucionalizou o fenômeno dos latifúndios. Mesmo com a decadência da política da capitania particular e a tentativa bem- sucedida da Coroa de recomprar essas terras e estabelecer o controle real, processo que foi concluído no século XVIII, a configuração das concessões de terras das sesmarias persistiu. Acresce que muitas das terras concedidas gratui tamente no interior foram ampliadas pelo usuca pião, ou direito de posse efetiva. Os funcioná rios do governo permaneciam nas cidades lito râneas, longes demais para intervir deçisivamen- te nessa flagrante quebra da autoridade. Na au sência de fortes sanções governamentais, surgi ram poderosas famílias interioranas, que tiravam o seu prestígio e influência da “propriedade” de vastos domínios particulares.7 Nessas condições, o sertão amava como um poderoso ímã para aventureiros e habitantes das populosas comunidades litorâneas sedentos de terras. O célebre historiador brasileiro João Capistrano de Abreu foi o primeiro a assinalar a força de atração das terras do interior na sua obra-prima do final do século XIX Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasit. Nessa obra origi nal, o autor salientou que as entradas (expedi ções de exploradores destemidos ao sertão) poderíam ser mapeadasem ciclos cronológicos, começando com os boiadeiros, seguidos pelos caçadores de escravos silvícolas e depois pelos garimpeiros. Em vista disso, o século XVII po- M A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO D E VILAS deria ser estudado como uma série de invasões não planejadas do sertão. De acordo com a cronologia de Capistrano de Abreu, o estudo da história do interior do Brasil começa propriamente no final do século XVI, quando decretos proibindo o pastoreio nas redondezas dos centros urbanos litorâneos for çaram os boiadeiros a migrarem para a caatinga do Nordeste. As primeiras boiadas a penetrar no sertão foram conduzidas ao longo do rio São Francisco, em busca da preciosa água necessária aos animais.9 Embora os boiadeiros não tives sem a intenção preconcebida de colonizar a área, seus complexos pecuários, instalados em terras ocupadas ao longo do rio, logo cresceram e se transformaram em pequenas povoações, com a incorporação de ajudantes da fazenda e de famílias. Por todo o interior da Bahia, para o norte, em direção a Pernambuco, e, por fim, mais ao norte, até o Maranhão, o processo foi o mes mo: as boiadas realizavam a penetração inicial, e atrás delas pequenos grupos de colonos estabe leciam-se. Os currais resultantes desse povoa mento (aldeias de criação de,gado)10 proporcio navam uma renda escassa aos criadores seden tários, que vendiam os seus limitados excedentes aos boiadeiros que passavam. Enquanto àquela altura a produção pecuá ria se ümitava essencialmente ao Nordeste, o ciclo da caça de escravos amerígenas estava con centrado no Sul em geral. O objetivo dos aven tureiros escravistas que, partindo do altiplano ondulado de São Paulo, penetravam no sertão era incursionar pelas missões do Sul, onde os jesuítas haviam agrupado facilmente seus prote gidos índios em prósperas comunidades agríco las. Os caçadores de escravos vendiam então os índios capturados nas cidades costeiras já fundadas, aumentando assim a sua população e contribuindo muito pouco para o povoamento do interior. Em meados do século XVI, a caça de es cravos começou a diminuir em conseqüência de um programa de armamento levado a efeito pe los jesuítas, e um novo grupo de aventureiros surgiu, disposto a explorar o desconhecido. Este último grupo também teve origem em São Paulo, porém o seu intuito era a descoberta de minerais preciosos, e não a obtenção de escravos indíge nas. Os paulistas pareciam particularmente bem adaptados à vida rude e penosa dos garimpeiros: certamente a vida na capital da sua província não os havia habituado aos padrões relativamen te luxuosos do Rio de janeiro ou da Bahia. . Acresce que muitas vezes eles eram produto do caldeamento entre portugueses e índias, e ha viam assimilado a experiência indígena de sobre vivência no interior agreste. Organizados em grupos denominados ban deiras, os paulistas (junto com elementos de ou tras regiões costeiras) penetravam profundamen te na hinterlàndia e não raro eram recompensa dos com o achado de ouro em regiões que hoje fazem parte do estado de Minas Gerais. Em se guida às primeiras descobertas de ouro e pedras preciosas da década de 1690, um número cres cente de bandeirantes mineradores vagueavam pelos planaltos ondulados do interior, tentando repetir os sucessos dos primeiros achados; en quanto isso, iam deixando atrás de si uma trilha de pequenos campos de mineração construídos atabalhoadamente. Não obstante, esses campos precários constituíram os núcleos dos primeiros povoados realmente permanentes da região. Nessas condições, a abertura inicial do sertão brasileiro ocorreu sem qualquer interfe rência da fiscalização reaf Os aventureiros que buscavam fortuna no tráfico de cativos indíge nas, na criação de gado ou no garimpo de ouro prosseguiam tranqüilamente nas suas ativida des, certos de que aquelas regiões remotas esta £A «Vy iA \ f O vam fora do alcance do braço da lei. Impor qual- q(J' »& quer controle ah, no século XVII, era uma tarefa irrealizável pela Coroa, pois simplesmente não existiam vilas nem cidades onde os delinqüen- ' r x-S9* tes pudessem ser julgados e, se preciso fosse, p segregados do convívio social. Na falta de cen tros administrativos apropriados, a atitude da Coroa foi simplesmente ignorar por completo aquela situação. Só quando a atração exercida pelos achados de ouro despertou o interesse da metrópole e quando, concomitantemente, a hin- cy ii A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS oí> terlândia começou a seduzir um grande número de aventureiros é que os portugueses puseram em prática as primeiras providências necessárias para assegurar o controle do interior. A década de 1690 marcou uma virada na História do Brasil: na mesma época em oue cor reu a notícia da descoberta de ouro no sertãor o governo colonial proclamou a intenção de abrir “oficialmente” o interior.. Uma batalha inevitá vel começou a delinear-se: o poder real em guar- da contra a “aristocracia” agrária, essencialmente uma repetição da luta bem conhecida entre a Coroa e os donatários e. coincidentemente, um claro reflexo do tempo muito curto transcor rido desde a Idade Média. Entretanto, na passa gem para o século XVIII, com a prática da ses- maria ainda gravada tão profundamente no inte rior, a luta assumiu aspectos mais parecidos com a situação de nossos dias, pois o interesse públi co, aqui representado pela Coroa, desafiou os detentores da propriedade privada. A preferên- J cia declarada dos portugueses pelos pequenos fazendeiros, e não pelos grandes latifundiários, fazia parte do seu ambicioso programa de rees truturação fundiária iniciado nos anos 1690. A Coroa ia implantar um projeto visionário e tão radical para a época que implicava em nada me nos que “uma reformulação completa da situa- '' ção jurídica do solo colonial”.11 Certamente não foi por mera coincidência que a primeira lei agrária formal foi elahorada na década em que se descobriu ouro em Minas Gerais. A lei de 1695, que limitava as concessões dê- jsesmarias a uma extensão de quatro léguas de comprimento por uma légua de largura, visa- va a atingir não só as zonas de mineração, mas também áreas de terras agricultáveis. Embora essa medida tenha sido interpretada pelos admi nistradores coloniais como um dispositivo para assegurar a ocupação efetiva da terra, seu efeito capital consistia em impedir que se reivindicas sem propriedades extensas em zonas que pudes sem revelar-se de valor pecuniário inestimável para a Coroa. Dois anos depois a Coroa promulgou uma lei ainda mais restritiva, reduzindo as sesmarias para três léguas por uma légua e prescrevendo, além disso, que entre uma concessão e outra se deveria deixar uma área de uma légua quadrada sem ocupação. Dessa maneira, a Coroa reserva- va-se um direito de via de acesso, ou um domínio público potencial, no caso de uma ocupação total da terra. O acesso assim obtido seria de imensu rável importância na eventualidade de um confli to motivado por litígios em torno de estremas de terras (o que não era raro) e, ao mesmo tem po, garantiría o acesso a futuras zonas auríferas ainda não descobertas, acesso esse que podería ser cortado por um conluio dos beneficiários de duas sesmarias contíguas. Á última lei do século XVII foi baixada em 1699.12 Ela fazia referência específica - e isso tem um viso bem moderno - ao “cultivo útil” como critério para manter a posse das terras de concessão, e ameaçava de expropriação quem deixasse de cumprir a prescrição. Conquanto esse corpo de leis provavelmente representasse mais uma veleidade do que uma determinação expressa da Coroa, e na realidade precisasse ser revisto depois, as leis revelam uma completa mudança da postura oficial. A burocracia portu guesa reconhecera que a colonização metódica do sertão só poderia ser levada a efeito se a terra fosse distribuída eqüitatívamentê em pequenas parcelas a um grande númerode indivíduos; a manutenção de grandes propriedades particula res no interior teria o efeito negativo de desenco rajar o futuro povoamento. Inequivocamente, era do interesse dos por tugueses fazer cumprir essas leis tão rigorosa mente quanto possível. Durante as primeiras décadas do século XVIII, houve múltiplos casos de processos do Estado contra grandes proprie tários de terras que se recusavam a permitir que colonos se instalassem nas “suas” terras.13 Igual mente demoradas eram as demandas motivadas por questões de limites entre vilas vizinhas, um transtorno inevitável, em decorrência do qual a terra em litígio não podia ser facilmente adjudi cada para fins de colonização.14 Conjuntamente com seu empenho em re gularizar a distribuição da terra, os portugueses 12 A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS procuraram resolver a questão da propriedade das áreas de mineração reclamadas. Logo em 1700 o governador do Rio de Janeiro elaborou um código de mineração, que estabelecia o pro cedimento para a distribuição das áreas auríferas entre os garimpeiros. A lei determinava que to do aquele que descobrisse ouro tinha o direito de demarcar 60 braças quadradas (uma braça = seis pés = l,8288m; 60 braças = 109,728m) para si, uma superfície igual sendo reservada para a Coroa e seu representante no distrito de minera ção. Outros lotes auríferos eram delimitados e adjudicados de acordo com o número de escra vos que o minerador tinha a seu serviço. Todavia, como o historiador Charles Boxer salientou, mesmo com esse sistema de loteamen- ço claramente definido, os casos de corrupção eram comuns nas regiões de mineração.15 O su borno de funcionários da Coroa para obter lotes suplementares era notório. Mesmo onde a terra já havia sido distribuída de conformidade com as prescrições legais, não havia meio de impedir que os mineiros anexassem as concessões de outros aos seus lotes, ou que eles os vendessem por um bom preço. No caso da outorga de terra agricultável, a área de mineração tinha de ser severamente vigiada para impedir a incorporação de terras em larga escala e trapaças. Mas a terra em si não era o único problema com que a Coroa se via a braços. Igualmente perturbadores eram os indivíduos que enxamea- vam sertão adentro, considerados uma casta par- ticularm ente detestável pelos observadores portugueses. O potencial de conflito aberto sal tava aos olhos, principalmente porque os cana- vieiros do Nordeste, fortemente premidos pelas recentes recessôes provocadas pela concorrência do Caribe1*, abandonavam os seus canaviais aos bandos para tentar a sorte na mineração. Os paulistas eram infensos a esses intrusos (tanto aos plantadores como aos escravos) quase tanto quanto aos reinóis, portugueses que chegavam em grandes contingentes da metrópole com o fito de compartilhar da riqueza da terra. Se se quisesse evitar lutas armadas e fazer valer a lei e a ordem, era preciso tomar providências drás ticas. Assim sendo, o governador do Rio de Janeiro (sob cuia jurisdição a área de mineração estava) em 1682 foi encarregado de controlar as atividades dos vagabundos e desordeiros, seguin do o exemplo das ordens religiosas e agrupando tais elementos à força em povoações adrede cria das. Com efeito, a fraseologia das instruções oficiais reforça a impressão de comunidades cle ricais, pois nelas se faz referência explícita a “re duzir” a população errante, exatamente a mesma terminologia empregada pelos missionários nas suas “reduções” (aldeias).17 Agrupando-se esses andarilhos em povoações facilmente administra das, os infratores potenciais provavelmente se riam desencorajados e, ademais, os resultados positivos que se deveríam colher da administra ção fo n e e da ação da justiça podiam set coadju- vados pela atuação de párocos. Pela sua lógica intrínseca, as instruções devem ter recebido forte apoio dos administradores coloniais, porque três anos depois, em 1696, o novo governador da capitania recebeu diretrizes semelhantes, desta vez instruindo-o a ampliar o programa mediante a construção de tribunais em que juizes itineran tes pudessem dar audiências.18 Evidentemente nem todos os governadores eram conscienciosos no cumprimento das novas diretrizes, ou então eram incapazes de pô-las em prática de modo a concretizar todas as suas po tencialidades. Em consequência disso, em 1709 a Coroa foi obrigada a renovar o edito para “re duzir toda a gente que anda nas minas e povoa- çoens”.19 Por todo o século XVIII, ordens se melhantes para reunir os “espalhados” foram re cebidas pelas autoridades regionais. O princí pio era o mesmo, não importando a região onde a legislação determinasse a criação de comuni dades, se na bacia amazônica, no Sul ou no Cen- tro-Oeste da colônia. Como observou um famo so historiador, os portugueses estavam “convic tos, com justa razão, de que a construção de tais municipalidades era o melhor meio de civilizar e promover o povoamento do agreste sertão”.20 A lógica da política da construção de vilas subsidiada pelo governo também era patente no trato do problema de manter o controle sobre o 1 3 A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS escoamento do ouro que estava sendo extraído. Era conveniente que povoações e viias locali zadas em zonas produtoras de minerais precio sos sediassem casas de fundição e instalações reais de cunhagem de moedas, enquanto funcio nários residentes realizariam uma escrituração metódica das contas da mmeracàq restringindo assim as possibilidades do tráfico de contta- bando. Aiém disso, se alguma fraude fosse come tida, os portugueses disporiam de autoridades judiciárias no próprio local, capazes de exercer a justiça. I— j> Por essa mesma lógica pecuniária, também era evidente para os representantes da Coroa que as novas povoações iam facilitar o recebimento de impostos dos habitantes agora agrupados, que indubitavelmente haviam escapado a esses inconvenientes enquanto não houvera nenhum controle no sertão Ademais, o próprio ato da criação de uma vila geraria renda suplementar para os cofres reais, porquanto a taxa devida pelo recebimento de um título de vila ia diretamente para o Tesouro Real. Assim, admira pouco que muitos acampamentos de mineração improvisa dos tenham sido oficialmente convertidos em vilas; essas novas “vilas” eram “necessárias para aumentar as rendas do Tesouro Real”.21 Como já foi assinalado, uma última razão para a decisão portuguesa de assumir o patrocí nio de um programa de urbanização nas regiões interioranas derivava do desejo luso-brasüeiro de ampliar os domínios territoriais em detrimen to dos espanhóis. A pedra angular desse progra ma foi assentada em 1680, quando os portugue ses fundaram a colônia de Sacramento na mar gem oriental (esquerda) do rio da Prata, no seu estuário, exatamente do lado oposto da cidade espanhola de Buenos Aires. Os espanhóis revi daram imediatamente, criando o núcleo urbano de Montevidéu a jusante de Sacramento (e tam bém na margem oriental), e uma luta pelo con trole foi desencadeada. Os portugueses perce beram que, se quisessem sustentar a sua-reivin- dicação da extremidade sul, era indispensável criar uma sólida linha de comunicação entre Sa cramento e a povoação mais próxima sob o do- minio da Coroa (em São Paulo). Como ficou comprovado no interior do -Noroeste e na zona de mineração, a solução mais eficaz para manter a autoridade era fundar uma série de comuni dades com habitantes permanentes, uma verda deira fortificaçào humana responsável pela segu rança da região. Muitas das povoações de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul devem a sua origem a esse esforço. Nos anos 1740 e nas dé cadas ulteriores, a Coroa procuraria incremen tar a população adotando um programa de imi gração oficial para a região, pelo qual colonos dos Açores superpovoados e de outras posses sões portuguesas seriam reassentados no Sul. Se o território
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