Buscar

585023402-Novas-Vilas-Para-o-Brasil-Colonia-Planejamento-Espacial-e-Social-No-Seculo-Xviii-8586774022-Compress

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 77 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 77 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 77 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

>-• A.V a ■ 'h
- ' « A .
P L A N T A
DA NOVA POVOACAO DB CA/AL VAS
\ i CO
Situvxia nu marõem O riental ouilirvit.iJo 
R io Barbradoí A ía L o n g lT d cS í^ tt cou 
TiioM cndiauocíu ttw dorcrro. cl/atitude
Auitnd de I5!ll%’
Engrianoanoude t78‘À pelo
Í U T e I ^ S E N H O R LUlZOALBl 
QUK RqtE DB ME LLO I^BCACHR»
, u u u u u u
CIORD
C íitrtf Irtcgròdo 
de Qrdenowento Terrifonol
- r V , - - - ■ • ■ . . - - ■.
0 A publicação de New Towns for Colonial Brazil, 
W da Dra Roberta Marx Delson; em 1979, foi um 
A fe ito pioneiro. Naquela época poucos 
* > estudiosos admitiam a idéia de que 
^historicamente houvera pma padronização 
■ das vilas no Brasif-colônia, , a concepção 
0 revolucionária de tím planejamento no nível 
g macroeconômico nd sécuío XVill era ainda 
- mais impensável
0 No entanto, hoje as idéias da Dra: Delsori'
_ são encaradas como um ponto crítico 
™ no âmbito mais amplo do estudo 
0 do urbanismo português. Aquilo oue foi 
A praticado no Brasil naturafmente teve ■, I ■ 
W a sua correspondência em Portugal 
^ | e foi experimentado em menor escala 
^ em outras colônias do reino.
Mas foi o Brasil, cóm seu território 
' - aparentemente infindo e suas massas 
errantes, gue atraiu os administradores 
^portugueses.
2 Eles encaravam a sua colônia como um vasto 
laboratório espacial no qual eles deveríam criar 
> um cidadão novo e socialmente aceitável, 
alojado em composições arquitetônicas 
_ . perfeitamente alinhadas e homogêneas.
Não é absurdo afirmar que suas idéias ainda 
r hoje têm repercussão.
E com imenso prazer que damos a lume, 
pela primeira vez em português, esta obra 
de imensurável valor.
NOVAS ViLAS PARA O BRASIL-COLÔNIA
Planejamento Espadai e Sodal no Século XVIII
Um livro das edições ALVA-CIORD
O que é o CIORD
O Centro Integrado de Ordenamento Territorial - CIORD é resultado de um Convênio assinado entre 
a Universidade de Brasília - UnB e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República - 
SAE/PR, em 16.09.95. Está voltado para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar no campo do 
Ordenamento Territorial, em colaboração com Faculdades, Institutos, Departamentos e Centros da UnB e 
de outras Universidades Brasileiras e Estrangeiras, orgãos governamentais, ONG’s e Empresas.
O que são as Edições ALVA
As Edições ALVA têm por objetivo agilizar a divulgação de conhecimento produzido sobre questões 
práticas e conceituais de territorialidade e da adequação social à mesma, de geopolítica, das relações cidade/ 
campo e cidade/região, de arquitetura e urbanismo, bem como de sua história.
Roberta Marx Delson
Novas Vilas para o 
Brasil-Colônia
Planejamento Espacial e Social 
no Século XVIII
CIORD
Centro Integrado 
de Ordenomento Territorial Edições ALVA
© Roberta Marx Delson, 1979.
Título do original em inglês: New Towns for Colonial Brazil. Spalial and Social Planning of 
the 18th Century
Dellplain Latin-Ametican Studies 2 
Editor: David j. Robinson
Departamento de Geografia da Universidade de Syracuse,
Estado de Nova York, 1979
Edição para o Brasil:
Tradução e Revisão de texto: Fernando de Vasconcelos Pinto 
Composição gráfica: Frank Svensson 
Capa: Adriana Tavares de Lyra 
Miriam Vargas
Apoio: CIORD Centro Integrado de Ordenamento Territorial - Universidade de Brasilia
Editoração: Editora ALVA Ltda. ©
SCLN 406 Bloco E Sala 110 
70 910-900 Brasília DF 
Fone: (061) 347 45 33 
Fax (061) 347 35 33
Ficha catalográfica elaborada pela 
Biblioteca Central da Universidade de Brasília
Delson, Roberta Marx
Novas vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no Século 
XVIII/Roberta Marx Delson; [tradução e revisão, Fernando de Vasconcelos Pinto; 
composição gráfica, Frank Svensson; capa Adriana Tavares de Lyra, Miriam Vargas]. 
- Brasília : Ed. ALVA-CIORD, 1997, Cl 979.
Traduzido de: New towns for colonial Brazil: spatial and social planning 
of the 18th Century.
ISBN 85-86774-02-2
1.72”17’(81)I. Titula II. Título: Planejamento espacial e social no Séculoxvin
ISBN 85-86774-02-2
^ 1 h 5W 4
À memória do erudito 
Professor E. Bradford Burns, 
detentor da comenda da 
Ordem do Rio Branco e 
meu mentor e amigo.
S u m á r i o
Dedicatória I
Sumário III
Relação das ilustrações IV
Abreviaturas V
Prefácio à edição brasileira 
Prefácio à edição em inglês 
Frase-chave
Capítulo I : O mito da cidade brasileira sem planificação ---------- ----- 1
~ C a p í t u l o II : A formulação de um programa de construção de vilas ^ ----- --------* 9
Capítulo III : Aplicando o modelo: primórdios experimentais no Nordeste-----— 17
Capítulo IV : A expansão da autoridade: novas vilas no Centro e no Oeste r- 27
Capitulo V : Um repertório dos princípios de construção: São Paulo e o Sul 41
—— 5̂ Capítulo VI : O Marquês de Pombal e a política portuguesa de “europeização”^ - --------- 49
Capítulo VII : Planificadores e reformadores- ------- 69
Capítulo VIII : A arborização das cidades brasileiras do fim da era colonial 89
Capítulo IX : O programa de novas vilas numa visão panorâmica____ 95
Bibliografia 107
Apêndice 118
índice onomástico remissivo 120
III
R elação das ilustrações
Figura L egenda
1 Planta básica de São João de Parnaíba, 1798
2 Croqui de Fortaleza, Ceará, aproximadamente 1730
3 Planta de Sumidouro, em Minas Gerais, 1732
4 Planta básica de Cuiabá, Mato Grosso, 1777
5A Planta básica de Vila Boa, Goiás, 1782
5B Planta de Vila Boa mostrando o realinhamento, aproximadamente 1782 
6A Detalhe de Vila Bela, 1773 
6B Planta básica de Vila Bela, 1780
7 Planta de Mariana, em Minas Gerais, depois da reconstrução de 1746-1747, sem 
data
8A Planta básica de Barcellos, no rio Negro, tal como foi redesenhada por Felipe 
Sturm, 1762
8B O novo projeto para Barcellos, sem data
9 Planta básica de São Miguel, 1765
10 Planta básica de Balsemão, 1768
11 São José de Macapá, no Amapá, 1761, mostrando o desenho da praça dupla
12 São José de Macapá: detalhe da disposição das habitações, 1759
13A Esquema inicial de Nova Mazagão, no Amapá, sem data
13B Nova Mazagão, aproximadamente 1800
14A Detalhe de Lisboa no século XVI
14B O novo projeto de Lisboa depois do terremoto de 1“/H /1 7 5 5 (1755)
15 Planta básica de Vila Viçosa, aproximadamente 1769
16 Planta básica de Portalegre, aproximadamente 1772
17 Planta básica de Prado, aproximadamente 1772
18 Planta básica de Guaratuba, Paraná, final do século XVIII
19 Planta da praça forte de Iguatemy, aproximadamente 1785
20 Planta básica de Albuquerque (atualmente Corumbá), Mato Grosso do Sul, 1784
21A Planta básica e situação de Vila Maria do Paraguay, em Mato Grosso, 1784
21B Ilustração do dia-a-dia em Vila Maria do Paraguay
22 Planta básica de Casalvasco, em Mato Grosso do Sul, 1782
23 Planta básica de Corumbá (antiga Albuquerque), Mato Grosso do Sul, 1786
24 Planta básica da Aldeia Maria para os índios caiapós, Goiás, 1782
25A Detalhe de São José de Mossamedes, Goiás, 1801
25B Planta básica em perspectiva de São José de Mossamedes, 1801
26 Planta básica de Linhares, no Espírito Santo, 1819
27 Localização de aglomerações urbanas planificadas no Brasil-colônia
IV
i
1
i
A breviaturas •
ABAPP Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará, Belém •
ABN RJ Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro M
AHI Arquivo Histórico do Itamaratv, Rio de Janeiro /
AHI-IA Catálogo da mapoteca do Arquivo Histórico do Itamaratv, de Isa Adonias, Rio 
de Janeiro
•
AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa •
AHU-CA Catálogo de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino de Castro Almeida
AHU-Iria Catálogo do acervo de mapas relativos ao Brasil de Alberto Iria, Lisboa 9
ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro 0
APM Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte
BA Biblioteca da Ajuda •
BMSP Biblioteca Municipal de São Paulo
BNL-AP Biblioteca Nacional, Lisboa, Acervo Pombalino •
BNRJ-RC Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Registro de Cartas de Luiz Antônio de 
Souza •
BNRJ-SI Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Seção de Iconografia •
CLB Colecção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro
DH-BNRJDocumentos Históricos, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro •
D1HSP Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, São Paulo A
H AH R Hispanic-American Historical Review •
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro m '\
IHGB-CU Reproduções de documentos do Conselho Ultramarino guardadas pelo 
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro 9
MCM Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado contida em A 
Amazônia na Era Pombalina, de Marcos Carneiro de Mendonça, 3 volumes •
MIGE Mapoteca do Instituto de Geografia do Exército, Rio de Janeiro
MU-CI Ministério de Ultramar, Lisboa, acervo de reproduções fotográficas de mapas 
da Casa da Insua
W
m
RIC Revista do Instituto do Ceará
RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro •
RSPH AN Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro
SGL Sociedade de Geografia, Lisboa •
V
it
iii
I
í
i
Introdução à edição brasileira
Transcorreram quase 20 anos desde que es­
creví Novas Vilas para o Brasil-Colónia. Não pude 
deixar de sorrir ao constatar que o livro acabara 
me transformando numa espécie de grands dame 
de uma nova geração de intelectuais que agora 
iniciavam o estudo sistemático da urbanização 
no âmbito mais amplo da totalidade do império 
português, numa escala nunca antes imaginá­
vel. Uma parte desse esforço intelectual resultou 
de estudos promovidos e financiados pela Co­
missão Nacional para as Comemorações dos 
Descobrimentos Portugueses. A CNDP, inteli­
gentemente, criou uma subdivisão de estudiosos 
que neste mom ento estão coordenando uma 
comparação inédita de todos os escritos existen­
tes sobre a expansão e o desenvolvimento urba­
no português, em conexão com a meta mais abran­
gente da comemoração do quinto centenário dos 
grandes descobrimentos portugueses. Fiquei 
satisfeita de o organizador desse empreendimen­
to, o Professor Walter Rossa, da Universidade 
de Coimbra, erudito arquiteto português, ter ti­
do conhecimento do meu livro e, depois de mui­
ta dificuldade em me localizar, ter me incluído 
nesse novo projeto empolgante.
Igualmente gratificante foi a proposta ex­
tremamente generosa que o Professor Frank 
Svensson, da Universidade de Brasília, me fez 
há algum tempo de relançar o meu livro numa 
edição em língua portuguesa. Naturalmente eu 
aceitei a sua proposta com muita satisfação. Ao 
que parecia, ele também conhecia o meu livrinho 
e, sem eu saber, eu tivera leitores no Brasil, bem 
como em Portugal. Muito a propósito para con­
firmar isso, bem recentemente aconteceu algo 
numa sessão sobre planejamento urbano nos 
encontros da Brazilian Studies Association, em 
Washington, DC. Quando me aproximei de um 
jovem colega brasileiro para felicitá-lo pela sua
preleção, ele reconheceu-me imediatamente 
“Ah” - disse ao ver o meu crachá -, “Novas Vilas...”
Evidentemente sinto-me satisfeita e lison- 
jeada de ser considerada um dos fundadores 
desse novo campo de estudos que é a história 
do urbanismo e da planificação portuguesa, que 
não para de crescer. j^ n o entanto, com toda a 
devida modéstia, devo confessar que fiquei 
tomada de emoção por ser subitamente “desco­
berta”. Quando realizei a minha pesquisa no 
Brasil e em Portugal, há muitos anos, é claro 
que eu tinha pouca consciência de que o meu 
estudo era “pioneiro”1, mesmo reconhecendo 
que estava desafiando o saber convencional. 
Certamente eu tive o privilégio de conhecer al­
guns dos mais eminentes estudiosos da maté­
ria, como Otávio Ianni, Pedro Pinchas Gei­
ger, Sérgio Buarque de Holanda, Artur Cézar 
Ferreira Reis, Nestor Goulart Reis Filho, Jorge 
Hardoy e Graziano Gasparini, entre outros, e 
de discutir o meu projeto com eles. Na Universi­
dade de Colúmbia, estudei com E. Bradford 
Burns, Lewis Hanke, Charles Wagley, George 
Collins e, exatamente no seu último ano na 
faculade, com o legendário Frank Tannenbaum.
Quando o livro foi publicado, graças aos 
bons ofícios de David Robinson (da Universi­
dade de Syracuse, no estado de Nova York, onde 
me bacharelei), ainda encontrei algum cepticis- 
mo, principalmente entre os meus colegas dos 
Estados Unidos. Como é que eu sabia que Vila 
Bela fora construída conforme eu descrevera, 
ou que Cazal Vasco (sic), cuja planta ilustrava a 
capa original, havia sido ajustada à retilineidade 
prescrita? Retruquei-lhes que os documentos 
existentes atestavam que a legislação de planeja­
mento urbano havia sido realmente obedecida. 
Além do mais, eu havia palmilhado pessoalmente 
as ruas de várias comunidades coloniais plani-
VII
ficadas remanescentes, como Mariana, em Mi­
nas Gerais, e Viamâo. no Rio Grande do Sul, sem 
falar em Lisboa, e podia afirmar, de visu, que 
ainda existiam provas daquilo que fora uma 
tendência. Ainda assim as dúvidas persistiam. 
Será que tudo aquilo era apenas uma abordagem 
fantasiosa?
Talvez convencer os outros leve anos. No 
verão passado eu tive o prazer quase insuportá­
vel de ouvir uma jovem arquiteta brasileira dizer- 
me que havia “descoberto” as ruínas de Vila Bela 
e que as medições que ela efetuara nos restos 
das edificações estavam exatamente de acordo 
com as especificações de Rolim de Moura. Além 
disso, ela havia localizado a “verdadeira” Cazal 
Vasco (não a nova aglomeração de mesmo no­
me), e esta também oferecia provas de que as 
ordens originais de planejamento haviam sido 
cumpridas. Estou imensamente penhorada a Re­
nata Malcher de Araújo pelas suas explorações 
corajosas e por ela ter dissipado qualquer resquí­
cio de dúvida que eu possa ter tido.
Como era esperável, junto com os inevitá­
veis desgastes do tempo, eu experimentei um ine­
vitável amadurecimento das minhas idéias. Ain­
da estou firmemente convicta de que o plano 
diretor português para o Brasil do século XVIII 
era tão maravilhoso por seus objetivos quanto 
eu o havia considerado anos atrás, mesmo que 
a sensibilidade dos estudiosos modernos rejei­
te as bases dessa abordagem. Porém igualmente 
intrigante, eu acho, é uma conclusão a que che- 
guei paulatinamente. Concentrando-me nova­
mente nos dados originais e com o auxílio de 
pesquisas ulteriores, eu consegui compreender 
como a cultura material se desenvolveu no Bra­
sil colonial e apreciar as suas relações com o 
fenômeno mais amplo do colonialismo. Antes 
de tudo, estou convicta de que os portugueses 
tinham uma compreensão racional e claramente 
definida do que eles podiam e do que não po­
diam realizar. Com isso eu quero dizer que pare­
ce que eles estavam dispostos a transigir na sua 
maneira de proceder e mesmo a adaptar às for­
mas culturais locais, se isso favorecesse a acei­
tação global das normas portuguesas. Sugeri
isso no meu livro quando afirmei que, embora 
houvesse uma regulamentação das fachadas ex­
ternas das casas nas novas comunidades cons­
truídas no sertão, em muitas localidades os ad­
ministradores permitiam aos habitantes porem 
em prática suas próprias idéias no tocante ao 
interior de seus lares.
Embora alguns colegas possam considerar 
isso apenas um “verniz de europeização”, ainda 
me inclino a encará-lo como uma disposição de 
aceitar uma cultura “híbrida”. Essa hibridação 
conduziu a conciliações que atendiam tanto à 
contribuição local como às exigências da metró­
pole, e que resultaram em soluções admiráveis 
e muitas vezes notavelmente adequadas para a 
localidade em questão. Como as ilustrações da 
época indicam, era perfeitamente possível cons­
truir uma casa em estilo europeu nas comunida­
des interioranas, mesmo utilizando, por exem­
plo, folhas de palmeira em vez de paredes de 
pedra e cal. Presentemente também me sinto 
propensa a dar maior destaque ao papel dos imi­
grantes das ilhas do Atlântico (na maior parte 
açorianos), pelo seu trabalho de adaptação e cria­
ção de uma nova cultura colonial. Em vista dis­
so, meus estudos afastam-me cada vez mais de 
concepções de dominação total (ou do fenôme­
no aposto, a repressão) e conduzem-me àquilo 
que acho que identifiqueiinstintivamente (e in­
sinuei neste livro), a saber adaptabilidade e for­
mas híbridas.2
Tudo isso alcança esse grau de maior clare­
za quando colocado no âmbito mais amplo dos 
estudos do colonialismo português em escala 
global. Parece que a adaptação, a remodelação e 
a fusão da cultura local com formas puramente 
européias são reconhecidas universalmente 
como sinônimos do colonialismo português.3 
Desconfio que os portugueses sabiam que nun­
ca poderíam dominar completamente o Brasil, 
nem moldar a sua cultura de maneira inteira­
mente européia, porém a cultura rural que eles 
procuraram criar (por meio da pequena proprie­
dade rural e das redes agrícolas regionais) certa­
mente era um passo naquela direção. Isso real­
mente ainda tem repercussões no Brasil de ho­
VIII
je, exatamente como eu observei há quase 20 
anos.
Quero externar o meu agradecimento ao 
Professor David Robinson, ainda hoje editor da 
Série Dellplain de Geografia, por sua anuência 
para a republicação deste estudo. Como sempre, 
sou reconhecido ao meu esposo, Dr. Erik Del­
son, invariavelmente paciente pela sua ajuda e 
incentivo durante todos esses anos, e à sua cole­
ga Lorraine Mesker, pela sua ajuda no que se 
referiu às ilustrações. Estou grata igualmente a 
Wolney Unes, da Universidade de Brasília, pela 
sua atuação como intermediário no andamento 
das providências e pela gentileza de expedir mi­
nhas interm ináveis mensagens pelo correio 
eletrônico. Sobre a tradução extraordinaria­
mente perspicaz de Fernando de Vasconcelos 
Pinto, só posso dizer que mal posso crer que 
ele conseguiu captar todas as nuances do meu 
trabalho. Acho que o maior elogio que lhe posso 
fazer é que o livro está mais bem escrito em por­
tuguês do que em inglês.
Finalmente, quero agradecer ao Professor 
Frank Svensson por me proporcionar a opor­
tunidade de atingir um círculo de leitores brasi­
leiros ainda mais vasto. Só posso esperar que 
esta edição em português da minha obra conti­
nue a encorajar estudiosos mais jovens a pros­
seguirem as pesquisas que empreendí.
Roberta M arx Delson 
Fort Lee, Nova Jersey 
Junho de 1998
(1) Essa foi a apreciação benevolente de minha obra 
que Walter Rossa fez na sua monografia apre­
sentada no IV Seminário de História da Cidade 
e do Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro em 
novembro de 1996, intitulada “O urbanismo re­
gulado è as primeiras cidades coloniais portugue­
sas”.
(2) Ver Nicholas Thomas, Colonialism’s Culture: An­
thropology, Travel and Govemement. Princeton Uni­
versity Press, Princeton, Nova Jersey, 1994. Ver 
também Roberta Marx Delson, “Between Im­
perial Domination and Resistance: The process 
of creating material culture in the late colonial 
Amazon” , em fase de elaboração.
(3) Urs Betterli, Cultures in Conflict: Encounters between 
Euyropean and Non-European Cultures, 1492-1800. 
Polity Press, Cambridge, Inglaterra, 1989.
I
Prefácio da edição em inglês
Para muitos brasileiros, a criação da nova 
capital federal, Brasília, significou o início da pla- 
nificação urbana formal no seu país. Na melhor 
das hipóteses, quando questionados sobre a exis­
tência de planos diretores para suas cidades, os 
brasileiros, na sua maioria, dizem que tais planos 
não existem, e lembram a miséria das favelas 
sem previsão e sem estrutura. Essa visão absolu­
tamente não se restringe ao vulgo; ela também 
é característica dos mais ilustrados.
Assim sendo, quando fui admitida na Uni­
versidade Columbia como estudante de pós- 
graduação, como de praxe, logo fui familiarizada 
com o “fato” de que não houvera planejamento 
para a cidade do Brasil-colônia como uma pre­
missa importante da história latino-americana. 
Em bora eu evidentem ente não tivesse con­
dições de questionar as conclusões de especia­
listas no assunto, fiquei a imaginar por que os 
portugueses da era colonial, ao contrário dos 
seus contemporâneos espanhóis, não tinham 
nenhum desejo preconcebido de estabelecer um 
ordenamento urbano. Eu não compreendia co­
mo os dois impérios ibéricos, que tinham forma­
ções, culturais tão acentuadamente semelhantes, 
poderíam diferir tanto nas suas respecrivas abor­
dagens da povoação colonial. As implicações 
de uma suposta diferença como essa são enor­
mes: se os espanhóis eram zelosos no seu empe­
nho em introduzir um ordenamento racional nas 
cidades coloniais das Américas, em comparação 
com os portugueses, tende-se naturalmente a 
concluir que estes devem ter sido relaxados e 
irresponsáveis com relação ao desenvolvimento 
municipal brasileiro.
Decidindo dedicar-me a essa questão na 
minha pesquisa de doutoram ento, eu cedo 
percebi que a consabida “falta de planejamento” 
para as cidades do Brasil colonial na realidade
era um mito. Desde os primeiros anos do po­
voamento português, quando o governador-ge- 
ral Tomé de Souza chegou para construir a capi­
tal de Salvador da Bahia com uma planta já traça­
da no bolso', há indícios da preocupação da Co­
roa portuguesa com o desenvolvimento de cen­
tros urbanos primários, preocupação essa que 
no século XVIII foi sistematizada numa filosofia 
completa de planejamento urbano. Enquanto 
eu aprofundava a minha compreensão do tema 
e acumulava dados, evidenciou-se que o prin­
cipal problema intelectual na minha investigação 
não era caracterizar os dois sistemas coloniais 
ibéricos, nem mesmo refutar o mito de que a ci­
dade brasileira não era planificada, mas sim ana­
lisar o surgimento de códigos de urbanização 
no Brasil setecentista como reflexo do absolu- 
tismo português na colônia.
Quando a minha tese começou a evoluir 
para um manuscrito da extensão de um livro, 
eu me concentrei cada vez mais em questões de 
política e metas administrativas, em vez de limi­
tar o meu tema a estilos arquitetônicos. Em con- 
seqüência, a proposição dominante nesta obra 
é que o programa de construção de cidades do 
século XVIII não constituía apenas uma prova 
do conhecimento rigoroso das técnicas arquite- 
tônicas da época por parte dos administradores 
coloniais, mas revelava uma mudança de atitude 
da Coroa para com o Brasil. Examinando os do­
cumentos e mapas de planejamento urbano ana­
lisados até agora, eu consegui distinguir um 
padrão que depõe fortemente em favor da exis­
tência de um “plano diretor” português abran­
gente para o povoamento no século XVIII. 
Minhas investigações conduziram-me a analisar 
áreas povoadas distantes dos centros urbanos 
tradicionais, como o Rio de Janeiro e Salvador 
da Bahia (os quais já foram bem estudados). Mi-
XI
nha arencão foi atraída para o desenvolvimento 
de cidades t viias em regiões muito afastadas da 
faixa litorânea e situadas bem dentro da vastís­
sima hinterlândia brasileira.
O planejamento urbano no Brasil chegou 
equivaler à política de controle e absolutismo: a 
configuração urbana caprichosamente regula­
mentada que orientou a construção interiorana 
no século XVIII desenvolveu-se como uma re­
presentação simbólica de “bom governo”, uma 
indicação de que a sociedade estava funcionando 
dentro de limites predeterminados e disciplina­
dos. Essa fórmula imbuiu o pensamento dos 
administradores coloniais em toda a década de 
1780, e na realidade as preferências estilísticas 
pela simetria barroca predominaram até uma 
época bem avançada no século seguinte.
E difícil agradecer a todas as pessoas que 
me ajudaram nesse esforço. Sem dúvida o Pro­
fessor E. Bradford Burns merece uma menção 
especial, por seu interesse constante pela Histó­
ria do Brasil. Estou reconhecida aos Professores 
John Mundy e Herbert Klein, da Universidade 
Colúmbia, pelo seu encorajamento e apoio aos 
meus planos durante a fase de dissertação. No 
decorrer da minha pesquisa, o Professor Nestor 
Goulart Reis Filho, da Faculdade de Arquitetura 
e Urbanismo da Universidade de São Paulo, deu- 
me sugestões valiosas que posteriormente eu 
pude incluir no contexto deste estudo. O Pro­
fessor Robert M. Levine, da Universidade Esta­
dual de Nova York, em Stony Brook, prestou- 
me valiosa consultoria e apoio intelectualem 
períodos particularmente árduos. O Professor 
Jorge E. Hardoy, do Instituto Di Telia, de Bue­
nos Aires, também me assistiu no decorrer do 
meu estudo.
Durante o período em que a exposição evo­
luiu para um livro, muitas vezes fui orientada 
pelos meus colegas do Departamento de Histó­
ria da Universidade Rutgers de Newark (Califór­
nia). Agradeço com especial empenho ao Pro­
fessor Samuel Bailey, do Departamento de His­
tória da Universidade Rutgers de New Bruns­
wick (Nova Jersey), pela leitura rigorosa do ma­
nuscrito original. O entusiasmo do Professor
David J. Robinson, editor da série em que esta 
obra se inclui, pelo meu es-tudo também foi 
imensamente importante.
Enquanto eu realizava a pesquisa para esta 
monografia, em 1970 e 1971, fui subvencionada 
por uma bolsa de estudo de língua estrangeira 
da Defesa Nacional dos Estados Unidos, e tam­
bém recebi um subsídio da Fundação Calouste 
Gulbenkian, de Lisboa. A essas duas institui­
ções, o meu reconhecimento. Além disso, quero 
registrar a minha gratidão às equipes de funcioná­
rios dos muitos arquivos cujos acervos eu con­
sultei, sempre muito solícitas. Em Lisboa, esses 
arquivos compreendem: o Arquivo Histórico Ul­
tramarino, a Torre do Tombo, a Biblioteca Na­
cional de Lisboa, a Biblioteca da Ajuda e a Socie­
dade Geográfica de Lisboa. No Rio de Janeiro, 
atenciosamente, abriram suas portas para mim 
as seguintes bibliotecas e arquivos: Biblioteca 
Nacional do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Pa­
trimônio Histórico e Artístico Nacional, Mapo- 
teca do Serviço Geográfico do Exército e Arqui­
vo Histórico e Mapoteca do Itamaraty. O Sr. 
Marcos Carneiro de Mendonça, bondosamente, 
permitiu-me consultar seus arquivos particu­
lares relativos à Amazônia. Em outras cidades 
do Brasil, fiquei grata pela ajuda das equipes do 
Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, 
da Biblioteca Municipal de São Paulo e dos 
arquivos da Câmara Municipal de Porto Alegre. 
A viagem suplementar que fiz ao Brasil em 1973, 
financiada pelo Conselho de Pesquisa da Univer­
sidade Rutgers, permitiu-me complementar a 
pesquisa para este livro e assistir ao Seminário 
sobre a Urbanização Latino-Americana em Belo 
Horizonte, no âmbito do Programa de Bolsas 
de Estudo para o Exterior do governo dos EUA. 
Fico penhorada a essas duas instituições pelo 
apoio financeiro que me deram.
Finalmente, dentre todas as pessoas a quem 
devo agradecimentos especiais, meu esposo, Eric 
Delson, é merecedor da minha mais profunda 
gratidão. Sem a sua boa vontade em me conceder 
tempo para a minha pesquisa, apesar dos seus 
próprios compromissos acadêmicos, esta obra
XII
não teria sido possível. Dedico este livro a ele e 
a meus pais, pelas suas incontáveis horas de 
paciência e pela confiança que em mim depo­
sitaram. Naturalmente a responsabilidade por 
eventuais erros cabe a mim.
A A u t o r a
quiteto nomeado pela Corca. Embora não reste 
nenhuma cópia da planta inicia! da cidade, exa­
minando-se o mapa mais anúgo existente (cerca 
de 1620),verifica-se que na construção original 
foi utilizada uma planta urbana muito seme­
lhante à de uma cidade renascentista ideal. 
Veja-se a análise feita por Nestor Goulart Reis 
Filho na sua obra Contribuição ao Estudo da Ero- 
lução Urbana do Brasil: 1500-1720 (livraria Pio­
neira, São Paulo, 1968), pp. 68-69 et passim.
(1) Tomé de Souza chegou ao sítio da futura Salva­
dor em 1549, acompanhado por Luís Dias, ar-
XIII
■ "'M
UD
Em bora na nossa sociedade moderna nós ou­
çamos falar muito em planejamento urbano, é im por­
tante compreender que a arte de projetar e constru ir 
uma cidade a partir do nada não é um avanço científi­
co m oderno como a engenharia aeronáutica ou a físi­
ca nuclear. Ao contrário, essa arte é uma das habili­
dades profissionais mais antigas do mundo civilizado.
Richard Currier em City Planning in Ancient Times
Capítulo I
O mito da cidade brasileira sem planifícação
Os historiadores da América Latina há mui­
to tempo vêm ensinando aos seus alunos que 
os espanhóis construíram cidades planificadas 
no Novo Mundo. Tornou-se quase axiomático 
falar entusiasticamente das ruas admiravelmente 
traçadas em cruz e das praças centrais em qua­
drado que caracterizavam as aglomerações urba­
nas da América espanhola, chamando-se a aten­
ção do estudante para a legislação de planeja­
mento bem elaborada que acompanhava a cria­
ção dessas comunidades.
. Entretanto, esses mesmos historiadores 
tendem a infamar as vilas e cidades construídas 
pelos portugueses no Brasil. Segundo as opi­
niões geralmente aceitas, as cidades brasileiras 
originaram-se de povoações espontâneas não 
planificadas, em vez de obedecer a normas de 
planejamento metropolitano. A sapiência con­
vencional conclui que esse crescimento alea­
tório só foi contestado no final da década de 
1950, quando a criação da nova capital federal, 
Brasília, anunciou uma nova era de consciên­
cia urbana no Brasil. Poucos leigos (e mesmo 
historiadores) se lembram dos esforços de plani- 
ficação envidados na construção de Goiânia, nos 
anos 1930, ou da utilização de um plano diretor 
na construção de Belo Horizonte no final do 
século XIX. Para os que aceitam o mito de que 
tradicionalmente não havia nenhuma regulamen­
tação para a cidade brasileira, a idéia de que hou­
ve antecedentes de um planejamento urbano 
abrangente no Brasil datando do século XVIII 
deve parecer algo como uma anormalidade. É 
visando a documentar a história desse planeja­
mento e analisar a sua motivação geopolítica que 
apresentamos a presente monografia.
■>- Essa não é uma tarefa simples. O estudante 
sequioso de conhecimento profundo da origem
e evolução das vilas e cidades brasileiras verifi­
caria que a sua investigação estaria terminada 
antes de começar, já que historiadores, arquite­
tos e geógrafos, indistintamente, têm tendido a 
descartar sumariamente o assunto. Típica das 
afirmações vulgares encontradiças sobre esse 
tema é esta opinião superficial de um arquiteto bra­
sileiro: “As cidades [do Brasil] cresceram um tan­
to desordenadamente em torno de igrejas, que 
geralmente se localizavam na área mais alta dis­
ponível. As ruas e travessas... ramificavam-se e 
serpeavam.”1 Igualmente dogmática é a asserção 
de que as vilas e cidades brasileiras foram fundadas 
“segundo uma configuração realmente extrava­
gante”.2 Entretanto, o mais prejudicial de todos 
é o conceito aventado por um célebre intelectual 
brasileiro de que “a cidade que os portugueses 
construíram no Brasil não é produto de uma 
reflexão, nem ela contradiz a conformação natu­
ral do terreno. ... [Ela não tem] nenhum rigor, 
nenhuma metodologia, nenhuma previsão.”3 
As poucas tentativas sérias de resgatar a 
imagem~hegadva das vilas e cidades primitivas 
do Brasil têm mostrado uma tendência de racio­
nalizar a “predominância” da disposição espon­
tânea da cidade, em vez de contestar essa suposi- 
ção infundada. Numa extremidade da gama de 
eruditos envolvidos nessa discussão está o histo­
riador da arte Robert C. Smith, que sustentava 
que os centros urbanos do Brasil colonial eram 
essencialmente recriações das cidades medievais 
portuguesas, completas com ruas tortuosas e 
bairros congestionados.4 Todavia, uma analogia 
como essa lança uma sombra nefasta sobre todo 
o processo da urbanização do Brasil, pois induz 
o estudioso a considerar os centros urbanos 
brasileiros historicamente retrógrados e artisti­
camente atávicos.
1
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÀO
Outros, numa posição mais intermediária, 
afirmam que os primeiros centros urbanos brasi­
leiros funcionavam bem do ponto de vista admi­
nistrativo, mas visivelmente careciam de qual­
quer plano diretor. Um comentarista dessa esco­
la opinou que . .as vilas maiores dó Brasil colo­
nial, qualquer que seja o grau em que a sua plan­
ta física tenha sido ajustada às condições locais 
e à topografia, representavam, como as vilas da 
América espanhola, a intromissão de uma ordemmetropolitana já pronta”.5
Finalmente, situado na extremidade oposta 
dessa gama de sábios, Luís Silveira observou que 
a característica espontânea das cidades e vilas bra­
sileiras na realidade era uma bênção disfarçada: 
A relutância dos planejadores portugueses de 
além-mar em adotarem um sistema geométrico 
regular, contrariamente ao que Robert Smith 
escreveu,... não me parece um arcaísmo, mas 
resultou de uma longa experiência metódica 
na criação sistemática de cidades.... Eu diría... 
que a cidade estruturada portuguesa, com a 
sua característica medieval, tende para a cidade 
perfeita, aquela em que cada elemento exerce 
uma função natural, e é superior às cidades 
com planta em xadrez..., que muitas vezes 
denotam uma clara falta de compreensão do 
conceito da cidade como um organismo vivo, 
funcional e intelectuamente ativo e, conse- 
qüentemente, sujeito aos princípios gerais da 
biologia e da sociologia.6 
Entretanto, independentemente de se ade­
rir a um ou ao outro partido dessa controvérsia, 
a análise crítica do processo da urbanização ini­
cial do Brasil ainda permanece largamente into­
cada pelos versados no período colonial. Em 
vez disso, os estudos levados a efeito concentra- 
ram-se no estabelecimento de tipologias heurís­
ticas dos centros urbanos brasileiros, as quais, 
embora intrinsecamente úteis, proporcionam 
uma compreensão limitada da dinâmica do cres­
cimento urbano. Um dos pioneiros nesse campo 
foi o geógrafo francês Pierre Deffontaines, que 
classificou as comunidades consoante uma análi­
se funcional, ;. e.,: arraiais de mineração, .vilas 
de estrada de ferro, aldeias indígenas, etc.7 Utili­
zando um critério diferente, Rubens Borba de
Morais diferenciou entre centros urbanos que 
se desenvolveram espontaneamente (e. g., arrai­
ais de mineração) e os que deram mostras de 
intervenção direta (e. g., colônias militares).8 
Certamente não se pode questionar a utilidade 
de divisões hierárquicas desse tipo para enfocar 
as variações estruturais no sistema urbano do 
Brasil. Porém essas tipologias são incapazes de 
fornecer uma análise processual em profundi­
dade dentro de um arcabouço verdadeiramente 
histórico. Essa crítica aplica-se também à clas­
sificação de Marvin Harris e Charles Wagley9, 
muito citada, bem como à obra que traz o título 
ambicioso de Como Nasceram as Cidades do Brasil\ 
uma tipologia altamente conjetural de autoria 
de um antigo político brasileiro.10
Uma direção intelectual inteiramente dife­
rente na pesquisa da urbanização do Brasil é a 
tendência de encarar as cidades e vüas como anti- 
téticas da corrente principal da cultura brasileira. 
Os proponentes desse ponto de vista afirmavam 
que, historicamente, o Brasil tem sido dominado 
pela classe dos latifundiários, cuja visão era clara­
mente rural, e não citadina. Fernão de Azevedo, 
por exemplo, focalizou o relacionamento discor­
dante contínuo da cidade brasileira com o cam­
po, em sua análise mais ampla do fenômeno da ci­
vilização industrial numa sociedade agrária11, en­
quanto Gilberto Freyre escreveu com extraordi­
nário entusiasmo sobre o papel do sobrado como 
difusor do sistema de valores da oligarquia lati­
fundiária, sempre dentro do contexto urbano.12
Além do grande número de intelectuais que 
se concentraram na influência supostamente oni­
presente dos latifundiários, há um grupo bastan­
te numeroso que mostrou um interesse constan-
> outroste pelas i _______________
grupos sociais (e. g., imigrantes europeus ou ga­
rimpeiros) para o processo de urbanização. Fi­
nalmente, há uma literatura bastante vasta de­
dicada à história específica de cidades grandes e 
pequenas. Esses estudos tradicionais amiúde 
fornecem excelentes antecedentes históricos, 
mas não conseguem situar o exemplo individual 
dentro do contexto mais amplo da proliferação 
urbana no Brasil.13
2
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANJFICAÇÂO
\9'
0
Independentcmente das obras menciona- 
das nesta breve resenha literária, existem apenas 
quatro grandes estudos dedicados ao exame do 
panorama histórico e arquitetônico global do 
desenvolvimento urbano brasileiro dos primei­
ros tempos. Esses quatro exames são imensa­
mente diferentes na abordagem, em conseqüên- 
cia das disciplinas muito diferentes que seus 
autores representam. Vilas e Cidades do Brasil- 
, Colônial6, por exemplo, é um inventário geográ­
fico e cronológico de vilas e cidades fundadas 
no Brasil do século XVI ao século XIX. Cada 
século é estudado separadamente, e a obra forne­
ce dados sobre a localização e a data de fundação 
de cada centro urbano criado oficialmente na­
quele período. Entretanto, ela concede pouca 
atenção ao planejamento e à forma das comuni­
dades resultantes.
Em contrapartida, A Formação de Cidades no
® Brasil Colonial1, ensaio escrito por um arquiteto praticante, compreensivelmente, preocupa-se 
mais com a forma e o traçado urbano. Nesse es­
tudo, o autor examina diversos documentos im­
portantes referentes à criação de vilas coloniais 
e conclui que a aplicação de planos diretores 
formais na realidade foi um sinal de urba-niz^ção 
retrógrada. De uma maneira inteiramente errô­
nea (como mostraremos a seguir), ele afirma que 
os portugueses, oportunisticamente, simples­
mente copiaram as plantas das cidades espanho­
las, quando as duas potências se reuniram pa­
ra a assinatura do Tratado de Madri, em 1750. 
Ironicamente, vários dos códigos de construção 
que o autor apresenta no seu estudo (fora do 
contexto) foram elaborados no princípio do 
século XVIII, antecedendo assim o Tratado de 
Madri de várias décadas!
O terceiro estudo é mais precisamente uma 
interpretação convencional da evolução da cul­
tura brasileira16, em que os autores reproduzem 
diversos documentos de planejamento criativos 
e sugerem vagamente a existência de um código 
de construção abrangente. Infelizmente eles não 
vão além dessa tímida observação, deixando o 
leitor curioso, mas não apreciavelmente escla­
recido.
O último estudo deste quarteto sem dúvida 
é o mais perceptivo e, claramente, o mais bem 
pesquisado. Valendo-se de material de arquivo 
relativo a questões municipais tais como pavi­
mentação das ruas e alinhamento, o traçado de 
praças públicas, etc., N estor Goulart Reis Fi­
lho17, bem fundamentado, defende a existência 
de uma legislação portuguesa de construção de 
vilas para o Brasil, aplicada com sucesso variável 
desde a época da fundação de Salvador da Bahia, 
em 1549, até.1720. O autor desse estudo é ar­
quiteto, mas sua obra, Evolução Urbana do Brasil, 
representa um avanço pioneiro na investigação 
histórica das comúnidades brasileiras de anta- 
nho, pois lança mão de dados inovadores e deci­
sivos para a história urbana que até então haviam 
sido ignorados pelos outros investigadores.
Não obstante, mesmo aceitando a asserção 
de Reis Filho de que existia um planejamento 
form al incipiente nos prim eiros séculos da 
colonização portuguesa, seu estudo ainda deixa 
sem resposta diversas questões históricas funda­
mentais. Por exemplo, conjetura-se: até que 
ponto a política urbana estava estreitamente liga­
da aos objetivos mais gerais do governo? Além 
disso: os portugueses redigiram um código de 
planejamento abrangente, ou os exemplos cita­
dos representam apenas casos isolados? As vilas 
e arraiais situados fora do alcance geopolítico 
dos centros de governo primários, que consti­
tuem o enfoque principal da obra de Reis Filho, 
recebiam igual atenção da Coroa portuguesa? O 
que õ pèííodo posterior a 1720 (ano em que a 
análise de Reis Filho termina e que na presente 
pesquisa consideramos crítico para a história do 
desenvolvimento urbano brasileiro) revela acerca 
dos problemas e exigências de um processo urbano 
que estava evoluindo rapidamente nas regiões inte- 
rioranas do País, longe do litoral povoado? Final­
mente, o planejamento urbano sistemático era con- 
ceitualmente excepcional, ou as preferências por­
tuguesas eram um reflexo dos estilos artísticos em 
voga na Europa?
Por conseguinte, oobjeto principal da minha 
exposição será um exame tanto dos requisitos admi­
nistrativos do Brasil do século XVIII corno das
3
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIF1CAÇÀO
predileções arquitetônicas. A pesquisa sobre imagem “civilizada” e “europeizada” que Portu- 
esse assunte lançou mais dúvidas sobre a idéÍ2 gai esperava projetar no interior da colônia.' Para 
romântica de que o interior do Brasil foi pene- o administrador barroco, a regularidade equivalia 
trado principalmente por aventureiros. Seguin- v a beleza, sofisticação, civilização e progresso (se 
do os garimpeiros e caçadores de tesouros, a bem que por interpretações estritamente juno- 
Coroa portuguesa ia estabelecendo a sua auto- ccntricas). Como nos planos atuais de moder- 
ridade por meio de um sistema de comunidades nização e desenvolvimento, os portugueses espe- 
criteriosamente planejadas construídas em re- ravam mudar completamente - e conseguiram- 
giões remotas. Influenciados pela 'descoberta no em parte - os sistemas de valores. Outras 
de ouro na década de 1690 e diretamente amea- nações européias podem ter se apaixonado pela 
cados. os administradores metropolitanos busca- imagem pintada por J.-J. Rousseau19 da ingenui- 
ram ansiosamente os meios de ampliar o seu dade da sociedade primitiva, mas os portugueses 
controle; um sistema racional de distribuição de estavam decididos a elevar a população autóc- 
terras, combinado com a construção supervisio- tone acima do seu estado de ignorância sem ne- 
nada de vilas, constituiu o processo pelo qual o nhuma ordem, não importando o custo nem 
interior podia ser protegido contra um cresci- quão ditosa a inocência pudesse ter sido. Por 
mento independente e descontrolado. extensão, exigia-se que todos os colonos, indu-
75- Nessas condições, a partir de 1716, quase sive os europeus, se ajustassem às novas regras 
todas as novas comunidades construídas no ser- urbanas e de comportamento; o programa era 
tão foram subordinadas a um protótipo de pia- decididamente obrigatório. A época da “cons- 
nejamento de vilas, promulgado naquele mesmo cientização”20 e da mobilização das massas que 
ano para a criação da municipalidade de Mocha, estavam por trás dos planos de desenvolvimento 
na zona norte do Piauí.18 O conceito geral do do governo estava muito adiante no tempo, 
traçado desse plano diretor era barroco, com 
ênfase em ruas retilíneas, praças bem delineadas 
(amiúde orladas por fileiras de árvores plantadas 
simetricamente) e numa uniformidade de ele­
mentos arquitetônicos. O resultado do uso rei­
terado desse modelo foi um tipo de vila padro­
nizado que podia ser facilmente adaptado a re­
giões geográficas brasileiras muito diferentes.
A mão-de-obra indígena não especializada (res­
ponsável pela maior parte das construções inte- 
rioranas) podia ser empregada eficientemente, 
porquanto o domínio das técnicas de construção 
de um único conjunto de edificações básico per­
mitiría a ereção de um número ilimitado de uni­
dades habitacionais e administrativas, embora as 
edificações pudessem ser sobremodo monóto­
nas.
Fisicamente, a construção de arraiais e vilas
planificados no interior do Brasil ho século ___ ______
XVIII representava o compromisso de Portugal no final do século XVIII (mais precisamente de
com o absolutismo e com o Iluminismo. O xa- 1777 a 1792, quando ela começou a apresentar
drez da malha urbana não era apenas um requin- sinais de loucura e seu filho, D. João,depois 
te artístico, mas sim uma clara representação da D. João VI, assumiu a regência), embora os capí-
Embora o ponto mais salientado neste li­
vro sejam os projetos de povoamento do século 
XVIII, minha pesquisa começa na década de 
1690, quando a descoberta de ouro nas monta­
nhas de Minas Gerais precipitou uma importante 
reconsideração do valor da terra, do seu uso e 
da sua distribuição. Começando com um exame 
dos motivos e pressupostos subjacentes ao pro­
grama de construção de vilas dos portugueses, 
eu passo a apresentar um estudo de casos parti­
culares das comunidades efetivamente construí­
das durante esse espaço de tempo, as quais são 
analisadas em ordem cronológica e por região 
geográfica (o Nordeste, o Centro-Oeste e o Sul). 
Nos Capítulos VI e VII são examinadas as refor­
mas do período pombalino (1750-1777), com 
destaque para os administradores responsáveis 
pelo cumprimento das novas diretrizes urbanas. 
O estudo termina com o reinado de D*
4
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLAN IFICAÇÃO
tuios finais contenham uma descrição sumária 
da direção que o planejamento urbano no Brasil 
seguiría posteriormente.
A maior parte dos casos de planificaçâo exa- 
minados na exposição do livro referem-se ao tra­
çado de comunidades relativamente pequenas, 
oü seja, povoados, aldeias e vilas. Entretanto, nu­
ma amostragem de casos mais limitada, será apre­
ciado o planejamento urbano de grande escala, 
no nível de cidade. Lamentavelmente, não existe 
nenhum termo de uso corrente na América para 
denominar a gama de atividades de planificaçâo 
para aglomerações variando de 50 a mais de 10 
mil habitantes. Empregar o termo “planejamen­
to urbano” (ou seu eqüivalente “desenho urba­
no”) para este caso pode ser desorientador, por­
que, embora geralmente ele seja aceitável, traz a 
conotação de centro urbano de grande porte, 
que claramente não se aplica à maioria das comu­
nidades do Brasil antigo. Uma alternativa seria 
inventar uma perífrase que abrangesse todos os 
tipos de planejamento21, como o termo eqüística 
do arquiteto grego Konstantinos Apostolos Do- 
xiadis (1913-1975); porém isso podería revelar- 
se contraproducente, pois tendería a tornar a 
questão ainda mais confusa, A rubrica “planeja­
mento urbano”, ou “planejamento de vilas”, é pre­
ferível a qualquer uma das opções supracitadas, 
uma vez que define o fenômeno do planejamen­
to sem discriminar o fator demográfico.
Por conseguinte, em todo o resto desta dis­
sertação, o termo “projeto de vila” será substi­
tuído por “planejamento urbano”, significando 
uma abordagem do traçado de elementos arqui­
tetônicos num centro habitado, sem conside­
ração do seu tamanho ou função. A única distin­
ção importante que se deveria fazer seria entre 
as comunidades que receberam um planejamen- 
to sistemático subsequente (i. e., depòis de fún- 
dadas) e as que foram construídas obedecendo 
desde o início a uma regulamentação.
Visto que os critérios empregados para dis­
tinguir entre vilas e cidades no período colonial 
eram no mínimo arbitrários, não procurei esta­
belecer categorias demográficas diferentes para 
umas e outras; apenas baseei-me no reconheci-
cimento oficial da Coroa portuguesa. Em incon-- 
tát eis .casos, o critério pgr? elevar oticialmente 
uma aldeia à categoria de vila baseava-se apenas 
na necessidade de instalar funcionários do go­
verno numa área ainda não superintendida. En­
tretanto, em outras coniunturas, a criação legai 
de uma vila marcava o início de um grande pro-
çâo da administração governamental. Num nível 
mais alto, quando as vilas eram promovidas a 
cidade, com frequência sofriam uma ampla re­
modelação urbana com a finalidade de lhes dar 
uma aparência consentânea com seu novo título. 
n > Por conseguinte, o verdadeiro significado 
das cartas régias que conferiam formalmente o 
título de vila não era o reconhecimento do cres­
cimento físico do arraial ou aldeia, mas sim a 
percepção pragmática de que, dentro daquela 
área específica, era preciso assumir determinadas 
responsabilidades administrativas. As vilas titu­
ladas ganhavam o privilégio de uma câmara mu­
nicipal, cujos membros eram incumbidos de de­
veres que foram delineados originariamente na 
Idade Média:
As câmaras tinham patrimônio e fonte de ren­
da próprios e não dependiam do Tesouro Real, 
ou seja, dos fundos públicos das suas respec­
tivas capitanias. O patrimônio era constituído 
de terras que lhes haviam sido concedidas no 
ato de criação da vila, terras reservadas para o 
rossio (passeio público), para a construção deprédios públicos e para a criação de parques 
públicos e de uma gleba comunal. As câmaras 
eram autorizadas a conceder algumas dessas 
terras a particulares ou arrendá-las. Ruas, pra­
ças, vias de acesso, pontes, fontes públicas e 
outras infra-estruturas também eram considera­
das partes do seu patrimônio.
As rendas da câmara provinham dos aluguéis 
que ela tinha o direito de receber sobre terras 
arrendadas e de tributos locais (taxas), autori­
zados por lei ou por permissão especial do rei. 
A câmara podia reter dois terços da renda muni­
cipal, porém um terço dnha de ser entregue 
aos representantes do Tesouro na capitania.22
Embora fuja aos objetivos deste livro estudar 
o papel da câmara municipal, os dados apresenta-
5
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÃO
dos aqui dão a entender que, pelo menos com 
referência ao século XVIII, a incumbência tra- 
dicional da câmara de supervisionar a distri­
buição de terras foi eliminada. Outros privilé­
gios tradicionais foram reduzidos pelas intro- 
missões reais nos direitos municipais de distri­
buição de rendas, no traçado da sede municipal, 
etc., e, visto que a própria Coroa se encarregava 
cada vez mais de empatar capital em projetos 
de construção no interior, a independência rela­
tiva da câmara como uma unidade auto-admi- 
nistrada diminuiu proporcionalmente. Só no 
final do século as câmaras locais fariam valer os 
seus direitos novamente, reassumindo lenta­
mente a iniciativa no desenvolvimento da vila, 
independentemente do governo metropolitano. 
Então, com toda evidência, qualquer discussão 
sobre o desenvolvimento urbano traz à baila não 
apenas a questão da configuração topográfica, 
mas atinge algumas das questões políticas mo- 
mentosas do Brasil do século XVIII.
As provas documentais utilizadas neste 
estudo foram colhidas em arquivos municipais, 
na correspondência oficial (tanto dentro do Bra­
sil como com a metrópole) e no currículo das 
academias militares que formavam os enge­
nheiros responsáveis pela maior parte das novas 
construções urbanas. Nos casos em que as pro­
vas documentais eram inadequadas ou obscuras, 
lancei mão de fontes cartográficas para confir­
mar as minhas conclusões; as excelentes plantas 
de cidades disponíveis nas mapotecas tanto de 
Portugal como do Brasil fornecem provas notá­
veis da homogeneidade dos projetos de planifi- 
cação das vilas do Brasil colonial.
(1) Henrique Mindlin, Modem Architecture in Brazil 
(Reinhold Publishing Co., Nova York, 1956), 
p .l.
(2) Richard M. Morse, Formação Histórica de São Paulo: 
De Comunidade a Metrópole (Difusão Européia 
do Livro, São Paulo, 1970), p. 10.
(3) Sérgio Buarque de Holanda, A s Raivei do Brasil 
(José Olympio, Rio de Janeiro, 3* edição,
1956), p. 152. Além dessa obra, uma relação 
parcial dos livros cuios autores aceitam o mito 
da vila colonial brasileira não planificada com­
preende: Blake McKelvey, American Urbanisa­
tion: A Comparative History (Scott, Foresman & 
Co., Illinois, 1973); Nelson Omegna, A Cidade 
Colonial (José Olympio, Rio de Janeiro, 1961); 
Walter D. Harris,Jr., The Growth of Latin-Ameri- 
:an Cities (University of Ohio Press, Athens, 
Ohio, 1971); e João Boltshauser, Noções da 
Evolução Urbana nas Americas (Faculdade de 
Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, 
Belo Horizonte, 1968).
(4) Robert C. Smith, “Colonial Towns of Spanish 
and Portuguese America”, in]ouma!of the Society 
of Architectural Historians, volume XTV, n1 2 3 4, 
1956, pi 7. Este autor, em “Baroque Architec­
ture”, in Portugal and Brazil, H. Livermore, editor 
(Oxford University Press, Londres, 1953), pp. 
349-384, defende a tese de que as cidades brasi­
leiras têm um caráter medieval.
(5) Richard M. Morse, From Community to Metropolis: 
A Biography of São Paulo, Brazil (University of 
Flonda Press, Gainesville, 1958), p. XVII.
(6) Esta citação está contida numa pequena sinopse 
em Luís Silveira, Ensaio de Iconografia das Cidades 
Portuguesas de Ultramar (4 volumes, Lisboa, sem 
data), volume I, p. 24.
(7) Pierre Deffontaines, “The Origin and Growth 
of the Brazilian Network of Towns”, in Geogra­
phical Review, vol. XXVIII, julho de 1938, pp. 
379-399.
(8) Rubens Borba de Morais, “Contribuições para 
a história do povoamento em São Paulo até 
fins do século XVffl”, reeditado em Boletim 
Geográfico, ano III, n° 30, setembro de 1945, 
pp. 821-829.
(9) Charles Wagjey e Marvin Harris, “A Typology 
of Latin-American Subcultures”, in Dwight B. 
Heath e Richard N. Adams, editores, Con­
temporary Cultures and Societies of Latin-America 
(Nova York, 1956), pp. 42-69.
(10) Plínio Salgado, Como nasceram as cidades brasileiras 
(Edições Ática, Lisboa, 1946). Uma tipologia 
comparativa que coteja as comunidades urba­
nas da América espanhola, da portuguesa e da 
inglesa pode ser encontrada em João 
Boltshauser, Noções de Evolução Urbana nas 
Américas, 3 volumes (Universidade de Minas 
Gerais, Belo Horizonte, 1968).
6
O MITO DA CIDADE BRASILEIRA SEM PLANIFICAÇÃO
(11) Fernào de Azevedo, “A cidade e o campo na 
civilização industrial”, in Obras Completas, vol. 
XVIII, pp. 213-229. Ver também: Waidemiro 
Bazzanella, “Industrialização e urbanização no 
Brasil”, in América Latina, vol. VI, n“ 1, janeiro- 
março de 1963, pp. 3-26; e Manuel Diegues 
Júnior, Imigração, Urbanização e Industrialização 
(Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 
série VI, “Sociedade e Educação”, vol. 5, 
Ministério da Educação e Cultura, Rio de 
Janeiro, 1964).
(12) Gilberto Freyre, The Mansions and the Shanties: 
The Making of Modem Brazil (Sobrados e Mo­
cambos: A Formação do Brasil Moderno), edi­
ção e tradução de Harriet de Onis (Alfred A. 
Knopf, Nova York, 1966).
(13) Na bibliografia constante do final deste livro 
será encontrada uma relação de muitos desses 
estudos. Informamos o leitor de que as revistas 
geográficas do Brasil constituem uma rica fonte 
de material sobre o desenvolvimento de muitas 
cidades, grandes e pequenas, menos bem 
conhecidas. Um exemplo desse tipo de trabalho 
é Paulistas e Mineiros: Plantadores de Cidades, de 
Mário Leite (EdArt, São Paulo, 1961).
(14) Aroldo Azevedo, “Vilas e cidades do Brasil co­
lonial”, in Boletim n° 208, Geografia n° 11,1956, 
pp. 1-96, da Faculdade de FUosofia, Ciência e 
Letras da Universidade de São Paulo. A obra 
Evolução da Rede Urbana Brasileira, de Pedro 
Pinchas Geiger (Centro Brasileiro de Pesquisas 
Educacionais, Rio de Janeiro, 1963), é uma aná­
lise pioneira do desenvolvimento urbano bra­
sileiro sob o aspecto da geografia humana. 
Todavia, o exame do período colonial da Histó­
ria do Brasil constitui meramente uma parte 
secundária da obra, que trata principalmente 
do crescimento urbano mais recente.
(15) Paulo F. Santos, “A formação de cidades no
Brasil colonial”, V Cotóquio Internacional de estudos 
- lusc-brasiieiros, Coimbra, 1968.
(16) Tito Lívio Ferreira e Manoel Rodrigues Ferrei- • 
ra, História da Civilização Brasileira: 1500-
1822 (Gráfica Biblio Ltda., São Paulo, 1959).
(17) Nestor Goulart Reis Filho, op. cit. A obra A 
Cidade Colonial, de N. Omegna (José Olympio, 
Rio de Janeiro, 1961), foi excluída desta análise, 
porque o seu tema é mais precisamente um 
exame da estrutura social colonial com matizes 
francamente românticos. Da mesma maneira, 
A Evolução da Rede Urbana Brasileira, de Pedro 
Pinchas Geiger (Centro Brasileiro de Pesquisas 
Educacionais, Ministério da Educação e Cul­
tura, Rio de Janeiro, 1963), não foi considerada, 
porque aborda apenas sumariamente a urba­
nização do período coloniaL
(18) Veja-se a análise detalhada no capítulo III.
(19) Jean-Jacques Rousseau, Social Contract, 1762. 
Reeditado por Modern Library, Nova York.
(20) Em oposição ao conceito de educação de adul­
tos por meio da experiência cotidiana, o termo 
conscientização é empregado aqui com o signifi­
cado de “a transformação completa da cons­
ciência das pessoas que as faria compreenderem 
os parâmetros políticos da sua existência e as 
possibilidades de mudarem a sua situação pela 
açãopolítica”. Essa definição foi extraída de The. 
Homeless Mind: Modernization and Consciousness, 
de Peter Berger, Brigitte Berger e Hansfried Kell­
ner (Vintage Books, Nova York, 1974), pt 76.
(21) Veja-se o exame das definições de planejamen­
to urbano na obra de Charles Abrams The Lan­
guage of Cities: A Glossary of Terms (Avon Books, 
Nova York, 1972), p. 48.
(22) Caio Prado Júnior, The Colonial Background of Mo­
dern Brazil (versão para o inglês de Suzette 
Macedo, University of California Press, Berke­
ley, 1969)
7
Capítulo II
A formulação de um 
programa de construção de vilas
■N
N o final do século XVII foi descoberto ou­
ro no interior acidentado a oeste da província 
do Rio de Janeiro. Esse acontecimento acarretou 
a avaliação do potencial da colônia por parte de 
Portugal e mostrou claramente que o governo 
precisava agir com presteza pára garantir o con­
trole imediato do rico território interiorano. Ás~ 
terras do sertão não podiam mais ficar sem su- 
pervisâo, c os administradores, cientes disso, lo- 
go estabeleceram as primeiras medidas de um 
programa legislativo para redefinir os direitos 
sobre a terra e, ao mesmo tempo, estender a au­
toridade real.
> - Na formulação desse programa, foram le­
vadas em conta quatro questões básicas. A pri­
meira delas dizia respeito ao estabelecimento de 
uma regulamentação para áreas auríferas, pre- 
vendo-se a nomeação de funcionários reais. Isso 
visava a garantir o recebimento pela Coroa de 
uni quinto das receitas oriundas da mineração, 
o “quinto” de praxe, e possivelmente evitar ven­
das ilegais a grupos estrangeiros. A segunda ta­
refa que se impunha era estabelecer uma iuris- 
diçâo sobre os aventureiros (bandeirantes1 e boia- 
deiros) que no decorrer do século XVII baviam 
sido os primeiros a explorar o agora precioso 
sertão, na sua maior parte sem nenhuma res- 
trição da administração real. Em ligação com 
essa necessidade prioritária de reforma da lei e 
da ordem, havia a vontade da Coroa de conter a 
força crescente dos poderosos do sertão, indiví- 
duos aue se haviam enriquecido ampliando as 
suas concessões de terras originais como grilei­
ros, fazendo valer os direitos de posse. Com o 
avanço do século, as autoridades da Coroa iam
não só desafiar esses barões fundiários, mas pro­
curar desbancá-los mediante a criação de mini­
fúndios para lavradores. Estes compunham-se 
principalmente de colonos europeus oriundos 
das possessões insulares atlânticas superpo- 
voadas do reino, os quais eram considerados 
mais confiáveis e também mais propensos à agri­
cultura do que seus contemporâneos bandei­
rantes.
Por último, os portugueses pretendiam 
ampliar os seus domínios territoriais à custa dos 
espanhóis, compreendendo que, com o estabele­
cimento de colônias lusas nas regiões recém- 
exploradas do Oeste e do Sul longínquos, seus 
rivais hispânicos na América ficariam em nítida 
desvantagem. Embora as reivindicações espa- 
nholas sobre a região a oeste do rio Tocantins 
(e a leste dos Andes) tivessem sido aceitas pelo 
Tratado de Tordesilhas (em 1494, na pequena 
cidade espanhola de Tordesillas, fixou-se o meri­
diano situado a 370 léguas a oeste das ilhas Cabo 
Verde como limite entre as possessões espanho­
las e as portuguesas), esse patrimônio remoto 
nunca havia sido suficientemente colonizado pa­
ra garantir a hegemonia espanhola. A Coroa por­
tuguesa raciocinou corretamente (muito antes 
da aceitação internacional do princípio do uti 
possi de tis [como te apossaste]) que, se os lusita­
nos “ocupassem efetivamente” as terras recla­
madas pela Espanha, no final das contas pode­
ríam assegurar essas regiões para si.
(Sfo Portanto, esses quatro objetivos condicio­
naram a política portuguesa para as regiões inte- 
rioranas do Brasil durante a maior parte do sécu­
lo XVIII. Os administradores lisboetas resolve-
9
A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS
ram que uma ampliação da autoridade e uma 
redefinição dos direitos sobre a terra finjdmen,t& 
tinham de ser incorporadas a um plano de de­
senvolvimento intensivo para a hinterlàndia bra­
sileira.. O mecanismo pelo qual o sertão seria 
subordinado à autoridade real baseava-se na fun-
dacão de comunidades supervisionadas pela 
Coroa, as quais, com o tempo, formariam redes 
urbanas integradas, localizadas em pontos estra­
tégicos do interior. Assim, o planejamento e o 
desenvolvimento desses novos núcleos interiora- 
nos orientariam o processo de urbanização du­
rante todo o século.2
A penetração no interior iniciou-se no final 
do século XVI. Até então os esforços de coloni­
zação dos portugueses tinham se confinado de 
modo geral às zonas litorâneas, o que inspirou 
a Frei Vicente do Salvador a famosa metáfora 
dos caranguejos agarrados à linha costeira.3 En­
tre os anos de 1532 e 1536, a Coroa portuguesa 
dividiu o litoral do Brasil em 15 capitanias (ou 
donatarias), largas faixas de terras concedidas a 
12 homens de alto prestígio no reino. O donatá­
rio era obrigado a assinar uma escritura formal 
com a Coroa. De forma quase medieval, ele tor­
nava-se diretamente responsável pelo cresci­
mento e desenvolvimento do seu patrimônio e 
praticamente recebia carta branca no tocante à 
urbanização. No estágio de capitanias hereditá­
rias, não havia nenhuma diretriz para o cresci­
mento das povoações, e aos concessionários re­
comendava-se apenas que eles podiam:
...estabelecer todas as aldeias que quiserem 
além das povoações que se situarem ao longo 
da costa da dita terra e nas margens dos rios 
navegáveis, mas no interior eles não podem 
construí-las a menos de seis léguas de distância 
uma da outra, de maneira que possa haver pelo 
menos três lé guas de terra de cada aldeia até 
o limite territorial da outra.4
A sorte estava lançada. Ao longo da costa, 
os donatários tomavam posse de imensos talhões 
de terra, ficando até 50 léguas ( ! ) nas mãos de 
um único homem.5 Cada beneficiário, ou capi- 
tão-mor, por sua vez, tinha o direito de conceder 
terras de sesmaria a colonos dentro da sua capi­
tania, cuja extensão o próprio donatario fixava. 
A prática da concessão de sesmos (grandes 
extensões de terras) teve origem na Idade Média, 
quando os senhores feudais buscavam avida­
mente voluntários para colonizarem os seus 
territórios. As novas comunidades assim forma­
das, o soberano concedia cartas, e um sesmeiro 
distribuía terra aos recém-chegados.6
Entretanto, o sistema de sesmarias foi mais 
amplamente utilizado no Brasil (onde grandes 
áreas de terras devolutas estavam imediatamente 
disponíveis), e a sua importância para o desen­
volvimento do País não devia ser subestimado. 
Conjugada com a influência senhorial do sistema 
de donatarias, a prática da concessão de sesma­
rias literalmente institucionalizou o fenômeno 
dos latifúndios. Mesmo com a decadência da 
política da capitania particular e a tentativa bem- 
sucedida da Coroa de recomprar essas terras e 
estabelecer o controle real, processo que foi 
concluído no século XVIII, a configuração das 
concessões de terras das sesmarias persistiu. 
Acresce que muitas das terras concedidas gratui­
tamente no interior foram ampliadas pelo usuca­
pião, ou direito de posse efetiva. Os funcioná­
rios do governo permaneciam nas cidades lito­
râneas, longes demais para intervir deçisivamen- 
te nessa flagrante quebra da autoridade. Na au­
sência de fortes sanções governamentais, surgi­
ram poderosas famílias interioranas, que tiravam 
o seu prestígio e influência da “propriedade” de 
vastos domínios particulares.7
Nessas condições, o sertão amava como um 
poderoso ímã para aventureiros e habitantes das 
populosas comunidades litorâneas sedentos de 
terras. O célebre historiador brasileiro João 
Capistrano de Abreu foi o primeiro a assinalar 
a força de atração das terras do interior na sua 
obra-prima do final do século XIX Os Caminhos 
Antigos e o Povoamento do Brasit. Nessa obra origi­
nal, o autor salientou que as entradas (expedi­
ções de exploradores destemidos ao sertão) 
poderíam ser mapeadasem ciclos cronológicos, 
começando com os boiadeiros, seguidos pelos 
caçadores de escravos silvícolas e depois pelos 
garimpeiros. Em vista disso, o século XVII po-
M
A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO D E VILAS
deria ser estudado como uma série de invasões 
não planejadas do sertão.
De acordo com a cronologia de Capistrano 
de Abreu, o estudo da história do interior do 
Brasil começa propriamente no final do século 
XVI, quando decretos proibindo o pastoreio nas 
redondezas dos centros urbanos litorâneos for­
çaram os boiadeiros a migrarem para a caatinga 
do Nordeste. As primeiras boiadas a penetrar 
no sertão foram conduzidas ao longo do rio São 
Francisco, em busca da preciosa água necessária 
aos animais.9 Embora os boiadeiros não tives­
sem a intenção preconcebida de colonizar a área, 
seus complexos pecuários, instalados em terras 
ocupadas ao longo do rio, logo cresceram e se 
transformaram em pequenas povoações, com a 
incorporação de ajudantes da fazenda e de 
famílias. Por todo o interior da Bahia, para o 
norte, em direção a Pernambuco, e, por fim, mais 
ao norte, até o Maranhão, o processo foi o mes­
mo: as boiadas realizavam a penetração inicial, 
e atrás delas pequenos grupos de colonos estabe­
leciam-se. Os currais resultantes desse povoa­
mento (aldeias de criação de,gado)10 proporcio­
navam uma renda escassa aos criadores seden­
tários, que vendiam os seus limitados excedentes 
aos boiadeiros que passavam.
Enquanto àquela altura a produção pecuá­
ria se ümitava essencialmente ao Nordeste, o 
ciclo da caça de escravos amerígenas estava con­
centrado no Sul em geral. O objetivo dos aven­
tureiros escravistas que, partindo do altiplano 
ondulado de São Paulo, penetravam no sertão 
era incursionar pelas missões do Sul, onde os 
jesuítas haviam agrupado facilmente seus prote­
gidos índios em prósperas comunidades agríco­
las. Os caçadores de escravos vendiam então 
os índios capturados nas cidades costeiras já 
fundadas, aumentando assim a sua população e 
contribuindo muito pouco para o povoamento 
do interior.
Em meados do século XVI, a caça de es­
cravos começou a diminuir em conseqüência de 
um programa de armamento levado a efeito pe­
los jesuítas, e um novo grupo de aventureiros 
surgiu, disposto a explorar o desconhecido. Este
último grupo também teve origem em São Paulo, 
porém o seu intuito era a descoberta de minerais 
preciosos, e não a obtenção de escravos indíge­
nas. Os paulistas pareciam particularmente bem 
adaptados à vida rude e penosa dos garimpeiros: 
certamente a vida na capital da sua província 
não os havia habituado aos padrões relativamen­
te luxuosos do Rio de janeiro ou da Bahia. 
. Acresce que muitas vezes eles eram produto do 
caldeamento entre portugueses e índias, e ha­
viam assimilado a experiência indígena de sobre­
vivência no interior agreste.
Organizados em grupos denominados ban­
deiras, os paulistas (junto com elementos de ou­
tras regiões costeiras) penetravam profundamen­
te na hinterlàndia e não raro eram recompensa­
dos com o achado de ouro em regiões que hoje 
fazem parte do estado de Minas Gerais. Em se­
guida às primeiras descobertas de ouro e pedras 
preciosas da década de 1690, um número cres­
cente de bandeirantes mineradores vagueavam 
pelos planaltos ondulados do interior, tentando 
repetir os sucessos dos primeiros achados; en­
quanto isso, iam deixando atrás de si uma trilha 
de pequenos campos de mineração construídos 
atabalhoadamente. Não obstante, esses campos 
precários constituíram os núcleos dos primeiros 
povoados realmente permanentes da região.
Nessas condições, a abertura inicial do 
sertão brasileiro ocorreu sem qualquer interfe­
rência da fiscalização reaf Os aventureiros que 
buscavam fortuna no tráfico de cativos indíge­
nas, na criação de gado ou no garimpo de ouro 
prosseguiam tranqüilamente nas suas ativida­
des, certos de que aquelas regiões remotas esta
£A
«Vy
iA \ f O
vam fora do alcance do braço da lei. Impor qual- q(J' »&
quer controle ah, no século XVII, era uma tarefa
irrealizável pela Coroa, pois simplesmente não 
existiam vilas nem cidades onde os delinqüen- ' r x-S9*
tes pudessem ser julgados e, se preciso fosse, p 
segregados do convívio social. Na falta de cen­
tros administrativos apropriados, a atitude da 
Coroa foi simplesmente ignorar por completo 
aquela situação. Só quando a atração exercida 
pelos achados de ouro despertou o interesse da 
metrópole e quando, concomitantemente, a hin-
cy
ii
A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS
oí>
terlândia começou a seduzir um grande número 
de aventureiros é que os portugueses puseram 
em prática as primeiras providências necessárias 
para assegurar o controle do interior.
A década de 1690 marcou uma virada na 
História do Brasil: na mesma época em oue cor­
reu a notícia da descoberta de ouro no sertãor o 
governo colonial proclamou a intenção de abrir 
“oficialmente” o interior.. Uma batalha inevitá­
vel começou a delinear-se: o poder real em guar- 
da contra a “aristocracia” agrária, essencialmente 
uma repetição da luta bem conhecida entre a 
Coroa e os donatários e. coincidentemente, um 
claro reflexo do tempo muito curto transcor­
rido desde a Idade Média. Entretanto, na passa­
gem para o século XVIII, com a prática da ses- 
maria ainda gravada tão profundamente no inte­
rior, a luta assumiu aspectos mais parecidos com 
a situação de nossos dias, pois o interesse públi­
co, aqui representado pela Coroa, desafiou os 
detentores da propriedade privada. A preferên- 
J cia declarada dos portugueses pelos pequenos 
fazendeiros, e não pelos grandes latifundiários, 
fazia parte do seu ambicioso programa de rees­
truturação fundiária iniciado nos anos 1690. A 
Coroa ia implantar um projeto visionário e tão 
radical para a época que implicava em nada me­
nos que “uma reformulação completa da situa- 
'' ção jurídica do solo colonial”.11
Certamente não foi por mera coincidência 
que a primeira lei agrária formal foi elahorada 
na década em que se descobriu ouro em Minas 
Gerais. A lei de 1695, que limitava as concessões 
dê- jsesmarias a uma extensão de quatro léguas 
de comprimento por uma légua de largura, visa- 
va a atingir não só as zonas de mineração, mas 
também áreas de terras agricultáveis. Embora 
essa medida tenha sido interpretada pelos admi­
nistradores coloniais como um dispositivo para 
assegurar a ocupação efetiva da terra, seu efeito 
capital consistia em impedir que se reivindicas­
sem propriedades extensas em zonas que pudes­
sem revelar-se de valor pecuniário inestimável 
para a Coroa.
Dois anos depois a Coroa promulgou uma 
lei ainda mais restritiva, reduzindo as sesmarias
para três léguas por uma légua e prescrevendo, 
além disso, que entre uma concessão e outra se 
deveria deixar uma área de uma légua quadrada 
sem ocupação. Dessa maneira, a Coroa reserva- 
va-se um direito de via de acesso, ou um domínio 
público potencial, no caso de uma ocupação total 
da terra. O acesso assim obtido seria de imensu­
rável importância na eventualidade de um confli­
to motivado por litígios em torno de estremas 
de terras (o que não era raro) e, ao mesmo tem­
po, garantiría o acesso a futuras zonas auríferas 
ainda não descobertas, acesso esse que podería 
ser cortado por um conluio dos beneficiários 
de duas sesmarias contíguas.
Á última lei do século XVII foi baixada em 
1699.12 Ela fazia referência específica - e isso 
tem um viso bem moderno - ao “cultivo útil” 
como critério para manter a posse das terras de 
concessão, e ameaçava de expropriação quem 
deixasse de cumprir a prescrição. Conquanto 
esse corpo de leis provavelmente representasse 
mais uma veleidade do que uma determinação 
expressa da Coroa, e na realidade precisasse ser 
revisto depois, as leis revelam uma completa 
mudança da postura oficial. A burocracia portu­
guesa reconhecera que a colonização metódica 
do sertão só poderia ser levada a efeito se a terra 
fosse distribuída eqüitatívamentê em pequenas 
parcelas a um grande númerode indivíduos; a 
manutenção de grandes propriedades particula­
res no interior teria o efeito negativo de desenco­
rajar o futuro povoamento.
Inequivocamente, era do interesse dos por­
tugueses fazer cumprir essas leis tão rigorosa­
mente quanto possível. Durante as primeiras 
décadas do século XVIII, houve múltiplos casos 
de processos do Estado contra grandes proprie­
tários de terras que se recusavam a permitir que 
colonos se instalassem nas “suas” terras.13 Igual­
mente demoradas eram as demandas motivadas 
por questões de limites entre vilas vizinhas, um 
transtorno inevitável, em decorrência do qual a 
terra em litígio não podia ser facilmente adjudi­
cada para fins de colonização.14
Conjuntamente com seu empenho em re­
gularizar a distribuição da terra, os portugueses
12
A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS
procuraram resolver a questão da propriedade 
das áreas de mineração reclamadas. Logo em 
1700 o governador do Rio de Janeiro elaborou 
um código de mineração, que estabelecia o pro­
cedimento para a distribuição das áreas auríferas 
entre os garimpeiros. A lei determinava que to­
do aquele que descobrisse ouro tinha o direito 
de demarcar 60 braças quadradas (uma braça = 
seis pés = l,8288m; 60 braças = 109,728m) para 
si, uma superfície igual sendo reservada para a 
Coroa e seu representante no distrito de minera­
ção. Outros lotes auríferos eram delimitados e 
adjudicados de acordo com o número de escra­
vos que o minerador tinha a seu serviço.
Todavia, como o historiador Charles Boxer 
salientou, mesmo com esse sistema de loteamen- 
ço claramente definido, os casos de corrupção 
eram comuns nas regiões de mineração.15 O su­
borno de funcionários da Coroa para obter lotes 
suplementares era notório. Mesmo onde a terra 
já havia sido distribuída de conformidade com 
as prescrições legais, não havia meio de impedir 
que os mineiros anexassem as concessões de 
outros aos seus lotes, ou que eles os vendessem 
por um bom preço. No caso da outorga de terra 
agricultável, a área de mineração tinha de ser 
severamente vigiada para impedir a incorporação 
de terras em larga escala e trapaças.
Mas a terra em si não era o único problema 
com que a Coroa se via a braços. Igualmente 
perturbadores eram os indivíduos que enxamea- 
vam sertão adentro, considerados uma casta par- 
ticularm ente detestável pelos observadores 
portugueses. O potencial de conflito aberto sal­
tava aos olhos, principalmente porque os cana- 
vieiros do Nordeste, fortemente premidos pelas 
recentes recessôes provocadas pela concorrência 
do Caribe1*, abandonavam os seus canaviais aos 
bandos para tentar a sorte na mineração. Os 
paulistas eram infensos a esses intrusos (tanto 
aos plantadores como aos escravos) quase tanto 
quanto aos reinóis, portugueses que chegavam 
em grandes contingentes da metrópole com o 
fito de compartilhar da riqueza da terra. Se se 
quisesse evitar lutas armadas e fazer valer a lei e 
a ordem, era preciso tomar providências drás­
ticas. Assim sendo, o governador do Rio de 
Janeiro (sob cuia jurisdição a área de mineração 
estava) em 1682 foi encarregado de controlar as 
atividades dos vagabundos e desordeiros, seguin­
do o exemplo das ordens religiosas e agrupando 
tais elementos à força em povoações adrede cria­
das. Com efeito, a fraseologia das instruções 
oficiais reforça a impressão de comunidades cle­
ricais, pois nelas se faz referência explícita a “re­
duzir” a população errante, exatamente a mesma 
terminologia empregada pelos missionários nas 
suas “reduções” (aldeias).17 Agrupando-se esses 
andarilhos em povoações facilmente administra­
das, os infratores potenciais provavelmente se­
riam desencorajados e, ademais, os resultados 
positivos que se deveríam colher da administra­
ção fo n e e da ação da justiça podiam set coadju- 
vados pela atuação de párocos. Pela sua lógica 
intrínseca, as instruções devem ter recebido forte 
apoio dos administradores coloniais, porque três 
anos depois, em 1696, o novo governador da 
capitania recebeu diretrizes semelhantes, desta 
vez instruindo-o a ampliar o programa mediante 
a construção de tribunais em que juizes itineran­
tes pudessem dar audiências.18
Evidentemente nem todos os governadores 
eram conscienciosos no cumprimento das novas 
diretrizes, ou então eram incapazes de pô-las em 
prática de modo a concretizar todas as suas po­
tencialidades. Em consequência disso, em 1709 
a Coroa foi obrigada a renovar o edito para “re­
duzir toda a gente que anda nas minas e povoa- 
çoens”.19 Por todo o século XVIII, ordens se­
melhantes para reunir os “espalhados” foram re­
cebidas pelas autoridades regionais. O princí­
pio era o mesmo, não importando a região onde 
a legislação determinasse a criação de comuni­
dades, se na bacia amazônica, no Sul ou no Cen- 
tro-Oeste da colônia. Como observou um famo­
so historiador, os portugueses estavam “convic­
tos, com justa razão, de que a construção de tais 
municipalidades era o melhor meio de civilizar 
e promover o povoamento do agreste sertão”.20
A lógica da política da construção de vilas 
subsidiada pelo governo também era patente no 
trato do problema de manter o controle sobre o
1 3
A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE VILAS
escoamento do ouro que estava sendo extraído. 
Era conveniente que povoações e viias locali­
zadas em zonas produtoras de minerais precio­
sos sediassem casas de fundição e instalações 
reais de cunhagem de moedas, enquanto funcio­
nários residentes realizariam uma escrituração 
metódica das contas da mmeracàq restringindo 
assim as possibilidades do tráfico de contta- 
bando. Aiém disso, se alguma fraude fosse come­
tida, os portugueses disporiam de autoridades 
judiciárias no próprio local, capazes de exercer 
a justiça.
I— j> Por essa mesma lógica pecuniária, também 
era evidente para os representantes da Coroa que 
as novas povoações iam facilitar o recebimento 
de impostos dos habitantes agora agrupados, 
que indubitavelmente haviam escapado a esses 
inconvenientes enquanto não houvera nenhum 
controle no sertão Ademais, o próprio ato da 
criação de uma vila geraria renda suplementar 
para os cofres reais, porquanto a taxa devida pelo 
recebimento de um título de vila ia diretamente 
para o Tesouro Real. Assim, admira pouco que 
muitos acampamentos de mineração improvisa­
dos tenham sido oficialmente convertidos em 
vilas; essas novas “vilas” eram “necessárias para 
aumentar as rendas do Tesouro Real”.21
Como já foi assinalado, uma última razão 
para a decisão portuguesa de assumir o patrocí­
nio de um programa de urbanização nas regiões 
interioranas derivava do desejo luso-brasüeiro 
de ampliar os domínios territoriais em detrimen­
to dos espanhóis. A pedra angular desse progra­
ma foi assentada em 1680, quando os portugue­
ses fundaram a colônia de Sacramento na mar­
gem oriental (esquerda) do rio da Prata, no seu 
estuário, exatamente do lado oposto da cidade 
espanhola de Buenos Aires. Os espanhóis revi­
daram imediatamente, criando o núcleo urbano 
de Montevidéu a jusante de Sacramento (e tam­
bém na margem oriental), e uma luta pelo con­
trole foi desencadeada. Os portugueses perce­
beram que, se quisessem sustentar a sua-reivin- 
dicação da extremidade sul, era indispensável 
criar uma sólida linha de comunicação entre Sa­
cramento e a povoação mais próxima sob o do-
minio da Coroa (em São Paulo). Como ficou 
comprovado no interior do -Noroeste e na zona 
de mineração, a solução mais eficaz para manter 
a autoridade era fundar uma série de comuni­
dades com habitantes permanentes, uma verda­
deira fortificaçào humana responsável pela segu­
rança da região. Muitas das povoações de Santa 
Catarina e do Rio Grande do Sul devem a sua 
origem a esse esforço. Nos anos 1740 e nas dé­
cadas ulteriores, a Coroa procuraria incremen­
tar a população adotando um programa de imi­
gração oficial para a região, pelo qual colonos 
dos Açores superpovoados e de outras posses­
sões portuguesas seriam reassentados no Sul.
Se o território

Continue navegando