Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TUTORIA 03 – SERÁ TÃO FREQUENTE QUANTO EM MINHA FAMÍLIA? Objetivo 01 – Discorrer sobre DM (tt tipo 2 / correlacionar sinais e sintomas com os distúrbios metabólicos) Em 2017, a Federação Internacional de Diabetes estimou que 8,8% da população mundial com 20 a 79 anos de idade vivia com diabetes. Se as tendências atuais persistirem, o número de pessoas com diabetes foi projetado para ser superior a 628,6 milhões em 2045. O aumento da prevalência do diabetes está associado a diversos fatores, como rápida urbanização, transição epidemiológica, transição nutricional, maior frequência de estilo de vida secundário, maior frequência de excesso de peso, crescimento e envelhecimento populacional e, também, à maior sobrevida dos indivíduos com diabetes. A OMS estima que glicemia elevada é o terceiro fator, em importância, da causa de mortalidade prematura, superada apenas por pressão arterial aumentada e uso de tabaco. Como resultado de uma combinação de fatores, o que inclui baixo desempenho dos sistemas de saúde, pouca conscientização sobre diabetes entre a população geral e os profissionais de saúde e início insidioso dos sintomas ou progressão do DM tipo 2, essa condição pode permanecer não detectada por vários anos, dando oportunidade ao desenvolvimento de suas complicações. O diabetes mellitus (DM) consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na produção de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos. A classificação do DM baseia-se em sua etiologia. • Diabetes mellitus tipo 1 – é uma doença autoimune, poligênica, decorrente de destruição das células B pancreáticas, ocasionando deficiência completa na produção de insulina. Estima-se que mais de 88 mil brasileiros tenham DM1 e que o Brasil ocupa o terceiro lugar em prevalência de DM1 no mundo. É frequentemente mais diagnosticado em crianças, adolescentes e, em alguns casos, adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres. Subdivide-se em DM tipo 1A e DM tipo 1B, a depender da presença ou da ausência laboratorial de autoanticorpos circulantes, respectivamente. o Diabetes Mellitus tipo 1A Forma mais frequente de DM1, confirmada pela positividade de um ou mais autoanticorpos. Em diferentes populações, descreve-se forte associação com antígeno leucocitário humano DR3 e DR4. Embora sua fisiopatologia não seja totalmente conhecida, envolve, além da predisposição genética, fatores ambientais que desencadeiam a resposta autoimune. Entre as principais exposições ambientais associadas ao DM1 estão infecções virais, componentes dietéticos e certas composições da microbiota intestinal. Os marcadores conhecidos da autoimunidade são: -Anticorpo anti-ilhota (ICA) -Autoanticorpo anti-insulina (IAA) -Anticorpo antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65) -Anticorpo antitirosina-fosfatase IA-2 e IA-2B -Anticorpo antitransportador de zinco (Znt8) Geralmente, esses autoanticorpos precedem a hiperglicemia por meses a anos, durante um estágio pré-diabético. Quanto maior o número de autoanticorpos presentes e mais elevados seus títulos, maior a chance de o indivíduo desenvolver a doença. Na fase clinicamente manifesta do DM1, o início é, em geral, abrupto, podendo ser a cetoacidose diabética a primeira manifestação da doença em um terço dos casos. Embora a maioria dos pacientes com DM1 tenha peso normal, a presença de sobrepeso e obesidade não exclui o diagnóstico da doença. O DM1 é bem mais frequente na infância e na adolescência, mas pode ser diagnosticado em adultos, que podem desenvolver uma forma lentamente progressiva da doença, denominada latente autoimune diabetes in adult (LADA). Na prática clínica, não se recomenda rotineiramente a investigação de autoimunidade com dosagem de autoanticorpos. • Diabetes mellitus tipo 1B A denominação 1B, ou idiopático, é atribuída aos casos de DM1 nos quais os autoanticorpos não são detectáveis na circulação. O diagnóstico apresenta limitações e pode ser confundido com outras formas de DM diante da negatividade dos autoanticorpos circulantes, de modo concomitante com a necessidade precoce de insulinoterapia plena. As recomendações terapêuticas são as mesmas do DM tipo 1A e não há evidências de riscos distintos para as complicações crônicas entre os subtipos. • Diabetes mellitus tipo 2 Corresponde a 90-95% de todos os casos de DM. Possui etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genéticos e ambiental. Geralmente, o DM2 acomete indivíduos a partir da quarta década de vida, embora se descreva, em alguns países, aumento na sua incidência em crianças e jovens. Trata-se de doença poligênica, com forte herança familiar, ainda não completamente esclarecida, cuja ocorrência tem contribuição significativa de fatores ambientais. Dentre eles, hábitos dietéticos e inatividade física, que contribuem para a obesidade, destacam-se como os principais fatores de risco. O desenvolvimento e a perpetuação da hiperglicemia ocorrem concomitantemente cm hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina, aumento da produção hepática de glicose, disfunção incretínica, aumento de lipólise e consequente aumento de ácidos graxos livres circulantes, aumento da reabsorção renal de glicose e graus variados de deficiência na síntese e na secreção de insulina pelas células B pancreáticas. Sua fisiopatologia, diferentemente dos marcadores presentes no DM1, não apresenta indicadores específicos da doença. Em pelo menos 80 a 90% dos casos, associa-se ao excesso de peso e a outros componentes da síndrome metabólica. Na maioria das vezes, a doença é assintomática ou oligossintomática por longo período, sendo o diagnóstico realizado por dosagens laboratoriais de rotina ou manifestações das complicações crônicas. Com menor frequência, indivíduos com DM2 apresentam sintomas clássicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento inexplicado). Raramente a cetoacidose diabética consiste na manifestação inicial do DM2. Os consagrados fatores de risco para DM2 são: história familiar da doença, avançar da idade, obesidade, sedentarismo, diagnóstico prévio de pré-diabetes ou diabetes mellitus gestacional (DMG) e presença de componentes da síndrome metabólica, tais como hipertensão arterial e dislipidemia. É mandatório para indivíduos com sinais e sintomas coleta de exames para confirmação diagnóstica de DM2. Ainda que assintomáticos, a presença de fatores de risco já impõe rastreamento para diagnóstico precoce. Se a investigação laboratorial for normal, sugere-se repetição do rastreamento em intervalos de 3 anos ou mais frequentemente, se indicado. Na presença de pré-diabetes, recomenda-se reavaliação anual. Desde 2017, a ADA vem propondo questionário de risco para DM2 na sua diretriz, que leva em consideração idade, sexo, história prévia de DMG ou hipertensão arterial, história familiar de DM2 e nível de atividade física. • Diabetes Mellitus gestacional A gestação consiste em condição diabetogênica, uma vez que a placenta produz hormônios hiperglicemiantes e enzimas placentárias que degradam a insulina, com consequente aumento compensatório na produção de insulina e na resistência à insulina, podendo evoluir com disfunção das células β. O DMG trata-se de uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se inicia durante a gestação atual, sem ter previamente preenchido os critérios diagnósticos de DM. O DMG traz riscos tanto para a mãe quanto para o feto e o neonato, sendo geralmente diagnosticado no segundo ou terceiro trimestres da gestação. Pode ser transitório ou persistir após o parto, caracterizando-se como importante fator de risco independente para desenvolvimento futuro de DM2 • Outras formas de diabetes mellitus As formas de DM associadas a defeitos genéticos na funçãodas células β incluem maturity-onset diabetes of the young (MODY), diabetes neonatal, diabetes mitocondrial e outras. MODY é uma forma monogênica de DM e caracteriza-se por herança autossômica dominante, idade precoce de aparecimento (em geral, antes dos 25 anos) e graus variáveis de disfunção da célula β. Estima-se que represente 1 a 2% de todos os casos de DM; na maioria das vezes, é diagnosticado inicialmente como DM1 ou DM2. É clínica e geneticamente heterogêneo, e pelo menos 13 subtipos de MODY já foram identificados, decorrentes de mutações em diferentes genes. Os subtipos têm diferenças em idade de apresentação da doença, padrão de hiperglicemia, resposta ao tratamento e manifestações extrapancreáticas associadas. As causas mais comuns de MODY são derivadas de mutações nos genes HNF1A (MODY 3) e GCK (MODY 2). MODY 2 apresenta- -se com hiperglicemia leve, encontrada desde o nascimento, e não progressiva, geralmente não requerendo tratamento com agentes orais ou insulina, sendo tratado exclusivamente com mudança de estilo de vida. Em vista do comportamento da hiperglicemia, leve e não progressiva, as complicações crônicas do DM são raras. Já indivíduos com MODY 3 apresentam falência progressiva da função das células β, o que resulta em hiperglicemia no decorrer da vida. Tal DM costuma ser diagnosticado na adolescência ou no adulto jovem, e a frequência de suas complicações crônicas, de forma semelhante à dos indivíduos com DM1 e DM2, é relacionada com o controle glicêmico. Indivíduos com MODY 3 têm sensibilidade à ação hipoglicemiante das sulfonilureias, sendo essa classe a medicação de escolha para esses indivíduos. O diabetes neonatal é uma forma monogênica da doença, diagnosticado, normalmente, nos primeiros 6 meses de vida. Cerca de 50% dos casos são transitórios, ocorrendo a remissão em semanas ou meses, podendo o diabetes recidivar por volta da puberdade, e os demais são permanentes. O diabetes neonatal transitório é, na maioria dos casos, associado a anormalidades no cromossomo 6q24. Os pacientes afetados apresentam baixo peso ao nascimento, e a hiperglicemia desenvolve- se nas primeiras semanas de vida. Indivíduos com diabetes neonatal permanente também têm peso reduzido ao nascimento, e a idade de aparecimento da hiperglicemia é variável, em geral nos primeiros 3 meses de vida. Habitualmente, o diabetes ocorre de maneira isolada, mas, em uma minoria dos casos, pode estar acompanhado de outras alterações em síndromes específicas. Em comparação com as pessoas com diabetes neonatal permanente, os pacientes com a forma transitória apresentam hiperglicemia em idade mais precoce, menor peso por ocasião do diagnóstico e necessitam de doses menores de insulina para o controle metabólico; existe, porém, considerável sobreposição do quadro clínico, não sendo possível, ao diagnóstico, definir se a forma é transitória ou permanente. Na história natural do DM, alterações fisiopatológicas precedem em muitos anos o diagnóstico da doença. A condição na qual os valores glicêmicos estão acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes. A resistência à insulina já está presente e, na ausência de medidas de combate aos fatores de risco modificáveis, ela evolui frequentemente para a doença clinicamente manifesta e associa-se a risco aumentado de doença cardiovascular e complicações. Na maioria dos casos de pré- diabetes ou diabetes, a condição é assintomática e o diagnóstico é feito com base em exames laboratoriais. As categorias de tolerância à glicose são definidas com base nos seguintes exames: • Glicemia em jejum: coletada em sangue periférico após jejum calórico de no mínimo 8 horas; • TOTG: previamente à ingestão de 75g de glicose dissolvida em água, coleta-se uma amostra de sangue em jejum para determinação da glicemia; coleta-se outra, então, após 2horas da sobrecarga oral. Importante reforçar que a dieta deve ser a habitual e sem restrição de carboidratos pelo menos nos 3 dias anteriores à realização do teste. Permite avaliação da glicemia após sobrecarga, que pode ser a única alteração detectável no início do DM, refletindo a perda de primeira fase da secreção de insulina. • Hemoglobina glicada (HbA1c): oferece vantagens ao refletir níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses e ao sofrer menor variabilidade dia a dia e independer do estado de jejum para sua determinação. Vale reforçar que se trata de medida indireta da glicemia, que sofre interferência de algumas situações, como anemias, hemoglobinopatias e uremia, nas quais é preferível diagnosticar o estado de tolerância à glicose com base na dosagem glicêmica direta. A confirmação do diagnóstico de DM requer repetição dos exames alterados, idealmente o mesmo exame alterado em segunda amostra de sangue, na ausência de sintomas inequívocos de hiperglicemia. Pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia, tais como poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento, devem ser submetidos à dosagem de glicemia ao acaso e independente do jejum, não havendo necessidade de confirmação por meio de segunda dosagem caso se verifique glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL. Critérios laboratoriais para diagnóstico de DM2 e pré-diabetes Critérios Normal Pré-DM DM2 Glicemia de jejum (mg/dL) < 100 100 a 125 > 125 Glicemia 2h após TOTG (mg/dL) < 140 140 a 199 >199 HbA1c (%) <5,7 5,7 a 6,4 >6,4 É recomendado que pacientes que irão iniciar medicações com potencial efeito hiperglicemiante, como glicocorticoides ou antipsicóticos, sejam rastreados para diabetes antes e após o início do tratamento. Os fatores de risco descritos para hiperglicemia induzida pelo uso de glicocorticoide são: uso de doses mais altas (prednisolona > 20 mg, hidrocortisona > 50 mg, dexametasona > 4 mg), longa duração de tratamento, idade avançada, IMC elevado, intolerância à glicose prévia, história de diabetes gestacional, história anterior de hiperglicemia induzida por glicocorticoide, história familiar de DM, HbA1c ≥ 6%. O uso de antipsicóticos tem sido associado ao risco de DM possivelmente por mecanismos ≥ diretos (sensibilidade e secreção de insulina) ou indiretos (ganho de peso). As drogas mais associadas a esse risco são: clorpromazina (primeira geração), clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona (segunda geração). O risco de DM tipo 1 é aumentado em parentes de primeiro grau de pessoas acometidos por essa condição. Entretanto, a maioria das pessoas com DM tipo 1 não apresenta história familiar positiva para a doença. A presença de autoanticorpos associados a DM autoimune identifica indivíduos com risco aumentado de desenvolvimento de DM1, tanto em parentes de primeiro grau de pessoas com DM1, quanto na população. FASES DO DM1: • FASE 1. Múltiplos anticorpos positivos, glicemia normal, pré-sintomático • FASE 2. Múltiplos anticorpos positivos, hiperglicemia, pré-sintomático • FASE 3. Múltiplos anticorpos positivos, hiperglicemia, sintomático • FASE 4. DM1 de longa duração. É o objetivo do paciente com DM o bom controle metabólico, diminuindo, assim, os riscos de complicações micro e macrovasculares. No arsenal disponível à avaliação do controle glicêmico, encontram-se a hemoglobina glicada (HbA1c), as glicemias capilares diárias (que permitem o cálculo da glicemia média estimada), o desvio-padrão da média da glicemia (que ilustra a variabilidade glicêmica) e o tempo no alvo, isto é, aquele em que o paciente esteve dentro da faixa recomendada de glicemia. ➔ Metas glicêmicas • HbA1c A HbA1c é considerada o exame padrão-ouro para avaliar o controle metabólico do indivíduo com DM1, já que ficou consistentemente demonstrada a relação entre níveis aumentados e risco de complicação microvascular. A determinação da HbA1c possibilita estimar quão elevadas as glicemias estiveramnos últimos 3 a 4 meses. Tal estimativa torna-se possível pelo fato de a glicose sanguínea ligar-se de maneira irreversível à hemoglobina durante o período de vida da hemácia, que tem essa duração. A porcentagem da hemoglobina que sofreu glicação será tanto maior quanto maior a concentração de glicose sanguínea. Esse resultado expresso em porcentagem refere-se à média das glicemias diárias, sendo 50% correspondente ao mês que precedeu o exame, 25% ao mês anterior à coleta e 25% ao terceiro e quarto meses anteriores. Assim, o valor de HbA1c obtido corresponderá, sobretudo, ao controle glicêmico do último mês e, secundariamente, dos 2 a 3 meses precedentes. Para adultos, as recomendações de HbA1c variam de 6,5 a 7,0%, dependendo da sociedade científica, mas sempre é importante individualizar o tratamento. Em casos selecionados, entretanto, a meta pode ser mais rígida (< 6,5%), desde que isso seja seguro ao paciente e com baixa frequência de hipoglicemias. O uso de metas mais rígidas nesses casos, sem doença cardiovascular e, preferencialmente, desde o início do tratamento, embasa-se na redução do risco microvascular. Em outras situações clínicas, como insuficiência renal ou hepática, que predispõem ao aparecimento de hipoglicemia, o alvo glicêmico pode ser um pouco mais elevado do que o habitual. O mesmo pode ser preconizado para indivíduos com hipoglicemias assintomáticas ou graves, idosos e pacientes com baixa expectativa de vida ou complicações micro ou macrovasculares significativas. Recomenda-se que a HbA1c seja realizada a cada 3 a 4 meses em crianças e adolescentes, com no mínimo duas medidas anuais. Para adultos, com controles estáveis, sugerem-se duas medidas de HbA1c ao ano, embora estudo recente com mais de 15 mil adultos com DM1 tenha mostrado benefícios da medida trimestral da HbA1c e da automonitorização da glicemia capilar no controle metabólico • Automonitorização diária da glicemia capilar A monitorização da glicemia capilar diariamente por indivíduos com DM1 de qualquer faixa etária traz grandes benefícios, por diminuir o risco de complicações agudas, tais como cetoacidose e hipoglicemia, e por permitir que o paciente entenda os determinantes de sua glicemia ao correlacionar os resultados glicêmicos em tempo real com a ingestão de alimentos ou com a prática de atividade física, por exemplo. Glicemia Sem diabetes (mg/dL) Crianças e adolescentes com DM1 (mg/dL) Adultos com DM1 (mg/dL) Jejum ou pré- prandial 65 a 100 70 a 145 70 a 130 Pós- prandial 80 a 126 90 a 180 < 180 Ao deita 80 a 100 120 a 180 Na madrugada 65 a 100 80 a 162 A análise das glicemias deve ser discutida com o paciente durante a consulta, sendo cada vez menos necessária a instituição dos livrinhos de anotação de glicemias (logbook), tão sujeitos a valores fictícios, especialmente na faixa etária puberal. A maioria dos glicosímetros disponíveis no mercado permite o upload (envio) dos dados e a impressão ou a visualização de gráficos que ficam armazenados na nuvem (computacional), estando as glicemias expostas de acordo com o horário do dia, com o dia da semana ou com a tendência no decorrer do mês. Além disso, são fornecidos dados como: média e desvio-padrão da glicemia no período de dias ou meses, média de glicemias capilares realizadas no período, a menor ou a maior glicemia apresentada no período, além de índices que mostram risco de hipo ou hiperglicemia. Estudos demonstram que o mínimo seriam quatro medidas ao dia, sempre antes das refeições principais, ao deitar e, idealmente, antes e 2 horas depois das refeições para ajuste da insulina bolus (portanto, um total de seis vezes ao dia), havendo pelo menos uma vez por mês uma medida de madrugada (entre 3 e 4 horas). Ao realizar o upload dos glicosímetros para análise dos gráficos ou diários de glicemias, é possível obter duas outras ferramentas para o controle glicêmico: o desvio-padrão da média das glicemias e o tempo no alvo. O desvio-padrão avalia a variabilidade glicêmica, que, idealmente, deve ser inferior a 50 mg/dL ou de, no máximo, 1/3 da média das glicemias. Quanto maior o desvio- padrão, mais instável é a glicemia, muitas vezes produzindo HbA1c próxima dos valores ideais, às custas de muita hipoglicemia. Uma outra métrica adotada especialmente nos pacientes que realizam monitorização contínua de glicose, mas também nos que realizam glicemias capilares frequentes (mais de 5x ao dia), é o coeficiente de variação. Ele é o resultado da divisão do desvio padrão pela média das glicemias, multiplicado por 100. Valores maiores que 36% estão associados a maior risco de hipoglicemia e maior variabilidade glicêmica E finalmente o tempo no alvo ou time in range (TIR), é uma nova modalidade, cada vez mais valorizada, que resulta da incorporação do uso de sensor contínuo de glicose. Ela indica por quanto tempo – no último mês, semana ou período selecionado – o paciente permaneceu com as glicemias entre 70 e 180 mg/dL. O consenso de monitorização contínua de glicose também atualizou a classificação de hipoglicemia e hiperglicemia padronizando em níveis de alerta de 1 a 3. • Monitorização contínua de glicose Nos últimos anos, tem sido cada vez mais frequente a monitorização contínua de glicose, realizada por um sensor posicionado no interstício que faz a leitura da glicose a cada 5 minutos. Isso é muito útil, em especial, no paciente que apresenta hipoglicemia assintomática, pois é possível programar os alarmes para que sejam ativados quando determinado limite (escolhido previamente) de glicemia for atingido ou, nas bombas mais modernas, quando houver queda esperada da glicemia, antes que o paciente atinja o limiar de hipoglicemia. ➔ Resistência à insulina: espectro clínico de variação A insulina exerce um papel importante no metabolismo dos lipídios e aminoácidos em diferentes órgãos, tecidos e células. Contudo, o conceito de resistência à insulina na prática clínica é mais utilizado para se referir aos efeitos estimulantes da insulina sobre a captação de glicose periférica, principalmente pelos músculos esqueléticos e tecido adiposo, e aos efeitos inibidores da insulina sobre a produção hepática de glicose. A regulação desses processos metabólicos faz que a insulina seja responsável pela manutenção da homeostase da glicose dentro de uma estreita faixa de variação ao longo dos estados alimentados e jejum. Durante o curso normal do desenvolvimento humano, a puberdade é um período de resistência à insulina transitória fisiológica, explicado parcialmente pelo aumento dos hormônios esteroides sexuais e do hormônio de crescimento, que levam ao desenvolvimento das características sexuais secundárias, ao aumento acentuado da estatura e à mudança na composição corporal. No período pós-púbere, os adolescentes retornam aos níveis de resistência à insulina observados nas fases pré-puberal e adulta. A gestação é outro momento de mudança fisiológica nos níveis de resistência à insulina. Com o envelhecimento, o acúmulo aumentado de gordura visceral associado à diminuição da atividade física, à presença de sarcopenia e à redução da função mitocondrial favorecem o aumento da resistência à insulina. Em situações patológicas, a resistência à insulina é reconhecida como componente de diversas doenças e alterações metabólicas, como as síndromes de resistência à insulina severas de etiologia autoimune, síndrome dos ovários policísticos, quadros de estresse fisiológico e infecção, uso de glicocorticoides e inibidores de protease, além dos quadros de obesidade, principalmente com acúmulo de gordura visceral, hipertensão arterial, hiperlipidemias e o próprio diabetes tipo 2. • Avaliação da Resistência à insulina Didaticamente esses métodos podem ser separados em três categorias O teste de tolerância oral à glicose (TTOG)é um teste simples, amplamente utilizado na prática clínica para o diagnóstico de intolerância à glicose e diabetes tipo 2. Para a avaliação da resistência à insulina, utiliza-se um protocolo com um número maior de coletas de sangue. Após 8 a 12 horas de jejum são coletadas amostras de sangue antes e depois da ingestão oral, em 5 minutos, de uma solução contendo 75 g de glicose diluída em 300 mL de água. O protocolo mais tradicional inclui coletas de sangue nos tempos 0, 30, 60, 90 e 120 minutos, para a determinação das concentrações de glicose e insulina. Por ser um teste oral, as variabilidades nas taxas de esvaziamento gástrico, de absorção e utilização de glicose do trato gastrintestinal, e no grau de captação e produção hepáticas de glicose resultam em alta variabilidade nos resultados do teste; tornando-se impossível estimar com precisão o consumo de glicose induzido pela insulina. O índice HOMA-IR se baseia na relação de retroalimentação que existe entre produção hepática de glicose e produção de insulina pelas células beta para a manutenção da homeostase glicêmica no estado de jejum. O fígado é responsável por produzir cerca de 90% da glicose no estado de jejum, cujos 2/3 são utilizados por tecidos não dependentes da insulina, principalmente o sistema nervoso central. Os tecidos dependentes da insulina, musculatura esquelética e fígado utilizam o terço restante. A insulina, por sua vez, regula a produção hepática de glicose e a captação de glicose para prevenir hiper ou hipoglicemia. Níveis elevados de glicose ou insulina sugerem resistência à insulina. Nesse contexto, o índice HOMA-IR expressa a resistência à insulina hepática e pressupõe que a resistência à insulina hepática e a periférica são equivalentes. O seu cálculo requer a mensuração da glicemia e da insulinemia obtidas em uma mesma amostra de sangue, após jejum de 8 a 12 horas, a partir das fórmulas: O fenótipo cintura hipertrigliceridêmica se baseia na presença concomitante de circunferência da cintura (CC) e triglicérides (TG) aumentados. Nos anos 2000, pesquisadores canadenses demonstraram que a combinação desses dois componentes da síndrome metabólica era capaz de predizer risco cardiovascular em homens, já que a circunferência da cintura se correlacionava positivamente com os níveis de apolipoproteína B e insulina; e que os níveis de triglicerídeos plasmáticos se correlacionavam positivamente com a concentração de partículas pequenas e densas de colesterol LDL. Cerca de 80% dos indivíduos que apresentavam o fenótipo (CC ≥ 90 cm e TG ≥ 177 mg/dL) apresentavam simultaneamente essa tríade aterogênica. Posteriormente, o mesmo achado foi confirmado em mulheres, considerando a CC ≥ 85 cm e TG ≥ 133 mg/dL A quantidade de tecido adiposo visceral acumulada na região abdominal apresenta relação direta com o grau de resistência à insulina. Na prática clínica, uma alternativa bastante acessível e pouco invasiva é a predição de resistência à insulina a partir da utilização de algumas medidas antropométricas. A circunferência da cintura e o diâmetro abdominal sagital ou “altura abdominal” estão entre os melhores indicadores antropométricos de gordura visceral e resistência à insulina. ➔ Tratamento do Diabetes Mellitus O cuidado nutricional em diabetes mellitus (DM) é uma das partes mais desafiadoras do tratamento e das estratégias de mudança do estilo de vida. O controle metabólico é apontado como a pedra angular do manejo do diabetes, pois alcançar um bom controle reduz o risco de complicações microvasculares e pode, também, minimizar as chances de doenças cardiovasculares. Indivíduos com DM, tipos 1 e 2, e seus familiares devem ser inseridos em programas de educação nutricional desde o diagnóstico, com abordagem sobre a importância do autocuidado e da independência quanto a decisões e atitudes ligadas à alimentação e ao controle metabólico. A distribuição ideal de macronutrientes, incluindo os carboidratos, pode variar de acordo com os objetivos e metas individualizados. Embora existam inúmeros estudos com diferentes proporções de carboidratos, ainda não é possível afirmar uma proporção específica desse nutriente para pessoas com diabetes e se essa proporção é diferente da população em geral. Vale destacar que a OMS não recomenda concentrações inferiores a 130 g/dia para adultos, por ser uma importante fonte de substrato energético cerebral e para outros processos metabólicos. Muitos estudos têm sido conduzidos a fim de fixar uma quantidade ótima de carboidratos para pessoas com diabetes. Revisões sistemáticas e metanálises com estudos que avaliaram dietas entre 4 e 45 g por dia não demostraram efeitos consistentes na redução da HbA1c. Entretanto, o consumo reduzido de carboidratos, quando associado a gorduras monoinsaturadas, fibras e atividade física, trouxe resultados em relação ao perfil lipídico, à pressão arterial e perda de peso em pessoas com DM2. Os açúcares livres referem-se aos monossacarídeos (glicose, galactose e frutose) e aos dissacarídeos (sacarose ou açúcar de mesa) adicionados a alimentos e bebidas, estando naturalmente presentes no mel, nos xaropes e nas frutas. Pesquisas demonstram que a substituição de sacarose por amido (até 35% do valor energético) pode não afetar o controle glicêmico e os níveis lipídicos. Como, entretanto, as preparações com sacarose são geralmente hipercalóricas, a substituição, quando realizada, deve ser cuidadosa. Sacarose e alimentos contendo sacarose não são proibidos para indivíduos com diabetes, uma vez que não aumentam a glicemia mais do que outros carboidratos, quando ingeridos em quantidades equivalentes. Dessa forma, a sacarose pode ser inserida no contexto de uma alimentação saudável. No entanto, se adicionada à refeição, deve ser substituição de outras fontes de carboidratos e compensada com doses adicionais de insulina. Algumas fibras dietéticas podem atenuar a resposta à insulina e, assim, auxiliar na prevenção do DM2. Diversas evidências epidemiológicas apontam para esse efeito protetor da fibra e revelam que os efeitos benéficos são decorrentes, principalmente, da ingestão de fibras solúveis. trole do diabetes. As solúveis apresentam efeitos benéficos na glicemia e no metabolismo dos lipídios, enquanto as insolúveis agem contribuindo para a saciedade e para o controle de peso. Além disso, ambas atuam na preservação da saúde intestinal. As fibras são encontradas nos vegetais, principalmente em folhas, talos, sementes e bagaços. As principais fontes alimentares são frutas, verduras, legumes, farelo de aveia e de cevada, semente de linhaça, além de leguminosas como feijão, ervilha, grão de bico e lentilha. As principais diretrizes internacionais não se fundamentam exclusivamente na recomendação alimentar baseada no percentual de gorduras da dieta, mas sugerem o seguimento de padrões alimentares saudáveis. Estes contemplam a retirada de ácidos graxos trans, a inclusão de alimentos fontes de ácidos graxos monoinsaturados (MONO) e poli-insaturados (POLI) e o controle no consumo de ácidos graxos saturados, priorizando o consumo de carnes magras, leite desnatado e consumo mínimo de carnes processadas. A dieta do Mediterrâneo e a dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), as quais têm, respectivamente, aumento da razão entre ácidos graxos monoinsaturados e saturados e menor percentual de lipídios totais, são aquelas que melhor representam as características do tipo de alimentação recomendada atualmente. No momento do diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), além de orientar mudanças no estilo de vida (educação em saúde, alimentação e atividade física), o médico costuma prescrever um agente antidiabético oral. A escolha desse medicamento baseia-se nos seguintes aspectos: mecanismos de resistênciaà insulina (RI), falência progressiva da célula beta, múltiplos transtornos metabólicos (disglicemia, dislipidemia e inflamação vascular) e repercussões micro e macrovasculares que acompanham a história natural do DM2. Idealmente, no tratamento do DM2 é preciso tentar alcançar níveis glicêmicos tão próximos da normalidade quanto viável, minimizando sempre que possível o risco de hipoglicemia. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em alinhamento com as principais sociedades médicas da especialidade, recomenda que a meta para a hemoglobina glicada (HbA1c) seja < 7%. Ressalte-se, ainda, que a SBD mantém a recomendação de que os níveis de HbA1c sejam mantidos nos valores mais baixos possíveis, sem aumentar desnecessariamente o risco de hipoglicemias, sobretudo em paciente com DCV e em uso de insulina, considerando valores individualizados de HbA1c. Nesse sentido, indica- se o início de uso dos agentes antidiabéticos quando os valores glicêmicos encontrados em jejum e/ ou pós-prandiais estão acima dos requeridos para o diagnóstico de diabetes. →Agentes antidiabéticos Os agentes antidiabéticos orais são medicamentos que reduzem a glicemia, a fim de mantê-la em níveis normais (em jejum < 100 mg/dL e pós- prandial < 140 mg/dL) Os antidiabéticos podem ser agrupados do seguinte modo: 1. Aqueles que incrementam a secreção pancreática de insulina (sulfonilureias e glinidas); 2. Os que reduzem a velocidade de absorção de glicídios (inibidores das alfaglicosidases); 3. Os que diminuem a produção hepática de glicose (biguanidas); e/ou os que aumentam a utilização periférica de glicose (glitazonas); 4. Aqueles que exercem efeito incretínico mediado pelos hormônios GLP-1 (peptídio semelhante a glucagon 1, glucagon-like peptide-1) e GIP (peptídio inibidor gástrico, gastric inhibitory polypeptide), considerados peptídios insulinotrópicos dependentes de glicose. Esses fármacos incretinomiméticos são capazes de aumentar a secreção de insulina apenas quando a glicemia se eleva. Em contrapartida, controlam o incremento inadequado do glucagon pós-prandial observado nos pacientes com diabetes. O efeito incretínico é o responsável pela maior redução de glicemia verificada após a ingestão oral de glicose, em comparação com a mesma quantidade injetada por via venosa em indivíduos que não têm diabetes. Pertencem a essa família medicamentos de ação parecida com a do GLP-1 (miméticos [exenatida] e análogos [liraglutida, lixisenatida, dulaglutida e semaglutida]) e, ainda, os inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) (gliptinas). O bloqueio da enzima DPP-4 reduz a degradação do GLP-1, aumentando, assim, a sua vida média, com promoção das principais ações, como liberação de insulina, redução da velocidade de esvaziamento gástrico e inibição da secreção de glucagon. Por fim, existem aqueles que inibem o contratransporte sódio/glicose 2 nos túbulos proximais dos rins. Essa nova classe de fármacos – inibidor do cotransportador de sódio/ glicose tipo 2 (sodium/glucose cotransporter 2, SGLT2) – reduz a glicemia pela inibição da reabsorção de glicose nos rins, promovendo glicosúria. Dessa maneira, pode controlar a glicemia independentemente da secreção e da ação da insulina, com consequente menor risco de hipoglicemia, podendo favorecer a perda de peso. Com finalidade prática, os antidiabéticos são classificados em quatro categorias: • Os que aumentam a secreção de insulina (hipoglicemiantes); • Os que não aumentam a secreção de insulina (anti-hiperglicemiantes); • Os que aumentam a secreção de insulina de maneira dependente da glicose, além de promover a supressão do glucagon; • Os que promovem glicosúria (sem relação com a secreção de insulina). • Agentes que aumentam a secreção de insulina As sulfonilureias e as glinidas (ou metiglinidas) são secretagogos de insulina. As primeiras desenvolvem uma ação hipoglicemiante mais prolongada durante todo o dia (clorpropamida, glibenclamida, gliclazida, glipizida e glimepirida) e promovem queda de 1,5 a 2% na HbA1c. Já as últimas apresentam menor tempo de ação, cobrindo principalmente o período pós-prandial, com redução de 1% da HbA1c com a nateglinida e de 1,5 a 2% com a repaglinida. Os eventos adversos mais comuns são ganhos de peso e maior frequência de hipoglicemia. • Agentes que não aumentam a secreção de insulina Esses medicamentos associam-se a um menor risco de hipoglicemia (se usados em monoterapia), portanto podem ser utilizados desde o início da doença. Fazem parte desse grupo acarbose (inibidor da alfaglicosidase), metformina (biguanida) e pioglitazona (tiazolidinediona ou glitazona). A acarbose atua predominantemente na redução da velocidade de absorção intestinal de glicose, agindo, portanto, em uma fase mais precoce, ainda no tubo digestivo, com maior efeito na glicemia pós-prandial (e, posteriormente, também na glicemia de jejum), com redução de 0,5 a 1% da HbA1c. Os comprimidos devem ser tomados antes de cada refeição. Pode causar efeitos adversos gastrintestinais. A metformina tem efeito anti-hiperglicemiante, reduzindo a produção hepática de glicose, além de ação sensibilizadora periférica mais discreta. É a primeira opção de tratamento, quando o paciente não apresenta contraindicação. Em média, a metformina reduz a HbA1c em 1,5 a 2%, mas pode promover intolerância gastrintestinal e é contraindicada na insuficiência renal grave (TFG < 30 mL/min). Na insuficiência renal moderada, deve ter a sua dose reduzida em 50% (TFG entre 30 e 45 mL/min). A apresentação de liberação prolongada (extended release, XR) causa menor incidência de efeitos gastrintestinais. O uso de metformina em longo prazo pode associar-se à deficiência de vitamina B12. Dessa forma, recomenda-se a dosagem periódica dos níveis de vitamina B12 nos pacientes tratados com essa medicação, principalmente aqueles com anemia ou neuropatia periférica. As glitazonas são sensibilizadores de insulina e atuam predominantemente na resistência insulínica periférica em músculo, adipócito e hepatócito. Em teoria, como melhoram o desempenho da insulina endógena, sem necessariamente aumentar sua secreção, as glitazonas teriam o potencial de preservar a célula beta e de postergar a deterioração pancreática (embora tais evidências ainda careçam de comprovação em humanos). As glitazonas reduzem a HbA1c em 1 a 1,4%, em média. Os possíveis eventos adversos são retenção hídrica e ganho de peso, com aumento do risco de insuficiência cardíaca e de fraturas. • Agentes que aumentam a secreção de insulina dependente de glicose e que diminuem a secreção de glucagon Os inibidores da DPP-4, conhecidos como gliptinas (sitagliptina, vildagliptina, saxagliptina, linagliptina e alogliptina), constituem uma nova classe de antidiabéticos orais, cujo principal mecanismo de ação é, essencialmente, a estabilização do GLP-1 endógeno pela inibição da enzima que o degrada, a DPP-4. O glucagon, hormônio produzido pela célula alfa pancreática, tem como função manter a glicemia no período de jejum, devendo ter seus níveis reduzidos no pós- prandial. Pacientes com DM2 apresentam diminuição dos níveis de GLP-1 no estado pós- prandial, contribuindo para a redução do estímulo fisiológico da secreção de insulina e impedindo a supressão do glucagon. Como o GLP-1 é inativado pela enzima DPP-4, sua meia-vida média é extremamente curta, e, com o uso de inibidores dessa enzima, os níveis de GLP-1 ativo aumentam em duas a três vezes. Podem ser utilizados em pacientes com insuficiência renal grave com o ajuste da dose, exceto a linagliptina, a única que não o requer. A utilização das gliptinas em monoterapia pode promover redução da HbA1c em 0,6 a 0,8%; no entanto, conforme a população estudada e os valores iniciais de HbA1c (> 9%), as reduções observadas podem ser maiores. São neutras em relação a efeitos no peso.Esses medicamentos podem ser usados em associação a metformina, glitazonas, sulfonilureias, inibidores do SGLT2 e insulina, conforme alguns novos estudos. O Food and Drug Administration (FDA) lançou um alerta sobre a família de inibidores da DPP-4, informando que ela pode causar, em alguns pacientes, dor articular, podendo ser severa e incapacitante. Nesses casos, o paciente deve ser orientado a não suspender a medicação e entrar em contato com seu médico, que avaliará o benefício da manutenção. A saxagliptina e a alogliptina foram associadas a um maior risco de insuficiência cardíaca, principalmente nos indivíduos com insuficiência cardíaca preexistente ou disfunção renal, devendo ter atenção especial nesse grupo. Outros agentes incretínicos são a exenatida, liraglutida, lixisenatida, dulaglutida e semaglutida: a primeira, um mimético do GLP-1; as quatro últimas, análogos do GLP-1. São indicadas como terapia adjunta para melhorar o controle da glicose em pacientes com DM2 que estejam em tratamento com metformina, sulfonilureia, pioglitazona, inibidores do SGLT2 ou em combinação com esses medicamentos. Devem ser considerados no paciente com diabetes obeso em monoterapia, em associação a metformina ou em combinação de agentes orais com HbA1c > 7%, em razão da possibilidade de perda de peso, associada a melhor controle glicêmico com menor risco de hipoglicemia. Além disso, estudos recentes mostraram uma possível redução de risco cardiovascular com alguns desses agentes. Todos eles promovem intolerância gastrintestinal; no início do tratamento, portanto, deve-se utilizar a menor dosagem, fazendo aumentos progressivos de acordo com a tolerância; além disso, todos são de aplicação subcutânea (SC). • Agentes que promovem a glicosúria Os inibidores de SGLT2 impedem a reabsorção de glicose pela inibição das proteínas SGLT2 nos túbulos proximais dos rins, representando uma nova opção terapêutica oral para o DM2. Têm baixo risco de hipoglicemia, promovem perda de peso de 2 a 3 kg e reduzem a pressão arterial sistólica de 4 a 6 mmHg. Podem ser combinados com todos os agentes orais e com a insulina; apesar disso, têm risco aumentado para infecções genitais e de trato urinário. Apresentam, ainda, ação diurética (glicosúria, natriurese) e podem levar a depleção de volume (no caso de paciente específico com risco de depleção de volume, deve- se reduzir a dose ou não usar a medicação). São representantes dessa classe canagliflozina, empagliflozina e dapagliflozina →Recomendações gerais com base nos objetivos do controle glicêmico • Pacientes com manifestações leves: quando a glicemia é inferior a 200 mg/dL, com sintomas leves ou ausentes (sem a presença de outras doenças agudas concomitantes), estão indicados os medicamentos que não promovem aumento da secreção de insulina, principalmente se o paciente for obeso. No caso de intolerância à metformina, as preparações de ação prolongada podem ser úteis. Persistindo o problema, um dos demais agentes antidiabéticos orais pode ser escolhido; • Pacientes com manifestações moderadas: quando a glicemia de jejum é superior a 200 mg/dL, mas inferior a 300 mg/dL na ausência de critérios para manifestações graves, devem-se iniciar modificações de estilo de vida e uso de metformina associada a outro agente hipoglicemiante. A indicação do segundo agente dependerá do predomínio de RI ou de deficiência de insulina/falência da célula beta. Dessa maneira, o inibidor da DPP4, a acarbose, os análogos do GLP-1, a glitazona e os inibidores de SGLT2 poderiam constituir a segunda ou a terceira medicação. No paciente com perda ponderal, poderia ser combinada uma sulfonilureia ou glinidas • Pacientes com manifestações graves: para os demais pacientes com valores glicêmicos superiores a 300 mg/dL e manifestações graves (perda significativa de peso, sintomas graves e/ ou cetonúria), deve-se iniciar insulinoterapia imediatamente. →Recomendações gerais com base no quadro clínico Pacientes com DM2 apresentam, em sua maioria, o fenótipo clínico de obesidade, hipertrigliceridemia, baixo colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), hipertensão arterial, dentre outros estigmas típicos da RI. Nesse caso, recomenda-se o uso de medicamentos anti-hiperglicemiantes, que atuam melhorando a sensibilidade da insulina endógena, com melhor controle metabólico, evitando ganho ponderal excessivo. Outra opção são as gliptinas. Para um paciente obeso com controle inadequado em monoterapia ou combinação oral, a associação de exenatida, liraglutida, lixisenatida, dulaglutida ou semaglutida pode ajudar na melhora do controle e na perda de peso. Inibidores de SGLT2 também podem ser uma opção para o paciente obeso. A paciente com doença cardiovascular estabelecida, em associação a metformina, estão indicados os análogos do GLP-1 e/ou os inibidores do SGLT2. Nos casos em que houver a prevalência de insuficiência cardíaca, os inibidores de SGLT2 demonstrarão maior benefício, devendo ser preferidos em associação à metformina, caso não haja contraindicação. Pacientes com doença renal crônica diabética devem utilizar inibidores de SGLT2 e/ou agonistas do GLP-1, pois reduziram a progressão da proteinúria/insuficiência renal (C), caso não haja contraindicações. Com o tempo de evolução do DM2, ocorre falência progressiva das células beta pancreáticas secretoras de insulina, podendo a monoterapia falhar na manutenção do bom controle metabólico. Nessa fase, recomenda-se a associação de dois ou mais medicamentos (idealmente, com mecanismos de ação diferentes). Algumas vezes, é preciso acrescentar um terceiro medicamento oral ou insulina basal caso o paciente não esteja na meta de HbA1c. Em qualquer momento, se o paciente apresentar sintomas de insulinopenia (poliúria, polidipsia, perda ponderal significativa), o tratamento com insulina já poderá ser recomendado, devendo ser iniciado com insulina basal de ação intermediária ou prolongada, aplicada por via subcutânea antes do jantar ou de dormir, em associação às demais medicações antidiabéticas orais. →Insulinoterapia no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 Diferentemente do que ocorre no diabetes mellitus tipo 1 (DM1), em que 100% dos pacientes precisam de insulina exógena no tratamento, a maioria dos pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) não utiliza insulina inicialmente após o diagnóstico. A frequência de uso da insulina no tratamento do DM2, seja em combinação com outros hipoglicemiantes, seja isoladamente, aumenta progressivamente à medida que se prolonga o tempo de doença. A insulina pode entrar no esquema terapêutico do DM2 logo ao diagnóstico, em casos que se apresentam com alto grau de descompensação metabólica; pode ser usada transitoriamente, nesses mesmos casos ou em situações especiais, como período perioperatório, infecções, doenças intercorrentes etc.; pode compor parte de um esquema combinado de tratamento em uma parcela significativa de pacientes com DM2 após alguns anos de evolução, à medida que a reserva pancreática se reduz; e pode ser usada em esquemas mais complexos e intensivos, como os utilizados no DM1, naquela parcela de pacientes com DM2 que evoluem com falência completa da célula β após longo tempo de doença. De um modo geral, recomenda-se iniciar a insulinização de pacientes com DM2 com uma insulina basal, geralmente em combinação com outros medicamentos hipoglicemiantes. Titulação progressiva da dose deve ser realizada de acordo com níveis de glicemia capilar apresentados. Quando há hiperglicemia pós-prandial significativa, não controlada com associação entre insulina basal e outros medicamentos, o uso de insulina prandial passa a ser necessário. • Insulina basal em tratamento combinado com outros agentes hipoglicemiantes (orais ou injetáveis) Trata-se do método mais comum, simples e eficaz para iniciara insulinização em pacientes com DM2, especialmente se houver restrições ao uso de drogas orais. Algumas semanas após seu início, geralmente ocorre marcante melhora do controle glicêmico. Nessa forma de tratamento, o cenário típico é aquele de um paciente tomando duas, três ou até quatro drogas orais de diferentes famílias, sem conseguir atingir as metas glicêmicas. Introduz-se uma dose de insulina basal, geralmente substituindo um ou mais dos secretagogos presentes na prescrição, mantendo- se as demais drogas orais. A dose inicial de insulina usualmente é de 0,1 a 0,2 UI/kg/dia. Essa dose de insulina costuma ser prescrita à noite, embora haja trabalhos que atestem indiferença entre administração noturna e diurna quando se usam análogos de longa duração. As drogas orais constantes do esquema combinado cobrem as necessidades prandiais, atuando com maior eficiência à medida que se reduz a glicotoxicidade pela introdução da insulina. Esse esquema pode ser feito com NPH à noite, detemir à noite ou, ainda, glargina U100, glargina U300 ou degludeca de manhã ou à noite. A titulação da dose deve ser feita com base na monitorização glicêmica de jejum, ajustando-se 2 a 3 UI a cada 2 a 3 dias, até atingir a meta estabelecida para a glicemia de jejum. No caso da degludeca, a titulação pode ser feita semanalmente, levando em conta os últimos 3 a 4 dias da semana. Combinações fixas de insulina + agonistas GLP1 também podem ser utilizadas, permitindo menor ganho de peso, menor frequência de hipoglicemia, melhor glicemia pós-prandial e menor dose de insulina em uso. A associação fixa de insulina com análogo do receptor de GLP1 é uma opção para intensificação do tratamento ou para início de insulinização em pacientes com DM2 • Insulina basal-plus com ou sem hipoglicemiantes orais Esse método de tratamento envolve a adição de uma ou mais doses de insulina prandial ao anterior. Ele já representa um passo em direção à insulinização plena, sendo utilizado em pacientes com graus mais adiantados de perda de função das células β. Pode ser intensificado progressivamente com o tempo, passando a envolver mais de uma refeição, até que se atinja o esquema basal-bolus. As drogas orais presentes antes de sua introdução podem ser mantidas (exceto os secretagogos) ou reduzidas, para diminuir a complexidade do esquema terapêutico. A escolha da refeição que receberá a dose prandial baseia-se na respectiva amplitude da variação glicêmica, avaliada por automonitorização. No caso da insulina regular, recomenda-se que a administração ocorra cerca de 30 minutos antes do início da refeição, para fazer coincidir o início da ação com o início da absorção intestinal. Para evitar hipoglicemias, é importante que não se atrase a refeição significativamente em relação ao planejado e que seu volume não seja demasiadamente reduzido em comparação com a estimativa inicial. Os análogos de ação rápida possuem vantagens em relação à insulina humana regular: têm ação mais previsível e podem ser administrados imediatamente antes da refeição, reduzindo o risco de hipoglicemia. Além disso, também podem ser administrados imediatamente após a refeição, sem perda importante de seu efeito controlador da glicemia pós-prandial, e ainda com a vantagem de permitir flexibilidade caso a ingestão seja menor que a antecipada. Somado ao fato de que os análogos de ação longa ou ultralonga também têm cinéticas mais previsíveis que as preparações de insulina humana com NPH, o uso de análogos possibilita a otimização do binômio controle glicêmico-hipoglicemia, particularmente à medida que o tratamento insulínico se intensifica. Análogos ultrarrápidos, com cinética de absorção mais próxima à da primeira fase de secreção prandial fisiológica da insulina, poderão representar um avanço em relação aos análogos rápidos. O uso da insulina inalada também pode ser uma alternativa para o controle da glicose pós- prandial em pacientes com DM2, com administração antes das refeições. Outra forma de implementar o esquema de insulinização basal-plus é com as insulinas bifásicas, que combinam um componente de ação intermediária (NPH, NPL ou NPA) com um componente de ação rápida (regular, lispro ou asparte), nas proporções 70/30 (70% intermediária e 30% rápida), 75/25 (75% intermediária e 25% rápida) ou 50/50. • Insulina basal-bolus Trata-se de um esquema de reposição completa das necessidades de insulina do paciente, constituindo o paradigma de tratamento no DM1. Associa-se com a modalidade terapêutica por bomba de infusão contínua, forma que se convenciona chamar de insulinoterapia intensiva. Geralmente, é feito com uma dose de insulina de ação longa ou ultralonga mais três ou quatro doses de insulina de ação curta ou rápida por dia, sendo esse o esquema mais flexível. O componente basal pode ser também implementado com duas ou três doses da insulina de ação intermediária em vez de longa ou ultralonga. Alternativamente, podem-se usar doses prandiais de insulina bifásica 50/50 mais uma dose menor de longa ou ultralonga ao dia ou ainda três doses por dia de insulinas bifásicas 70/30 ou 75/25, às refeições, dependendo das necessidades do paciente. É fundamental individualizar o esquema de acordo com o perfil glicêmico e rotina do paciente. A dose total diária de insulina nos esquemas de reposição plena varia de 0,5 a 1,5 U/kg, dependendo do grau de resistência insulínica.
Compartilhar